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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. v.41 n.75 São Paulo dez. 2008

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Avanços na técnica psicanalítica1

 

Developments in psychoanalytic technic

 

Desarrollos en la técnica psicoanalítica

 

 

Maria da Penha Zabani Lanzoni*

Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Membro efetivo e analista didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
Membro efetivo e analista didata do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Partindo da discriminação dos conceitos de método, processo, técnica e teoria psicanalíticas, a autora vai buscar os avanços na técnica psicanalítica, desde que metodologicamente orientados. Para isso, fundamenta-se em Freud e também usa o referencial metodológico da Teoria dos Campos nos trabalhos de Fabio Herrmann e Marilsa Taffarel.

Palavras-chave: Psicanálise, Método psicanalítico, Técnica psicanalítica, Teoria dos Campos.


ABSTRACT

The author first discriminates among the concepts of psychoanalytical method, process, technic and theory. Afterwards goes in search of the developments in psychoanalytical technic only when methodologically oriented. To achieve this goal the author fundaments herself first in Freud and also uses the methodological reference of the Fields theory found in the work of Fabio Herrmann and Marilsa Taffarel.

Keywords: Psychoanalysis, Psychoanalytical Method, Psychoanalytical Technic, Fields Theory.


RESUMEN

La autora primeramente discrimina los conceptos de método, proceso, técnica y teoría psicoanalíticas. En seguida parte en búsqueda de los desarrollos en la técnica psicoanalítica cuando metodológicamente orientados. Para esto fundamentase en Freud y utiliza el referencial metodológico de la teoría de los Campos en trabajos de Fabio Herrmann y Marilsa Taffarel.

Palabras clave: Psicoanálisis, Método psicoanalítico, Técnica psicoanalítica, Teoría de los Campos.


 

 

Quando se fala em técnica psicanalítica, como de quase todos os conceitos em Psicanálise, é preciso que se esclareça do que se está falando, que ponto de vista nos orienta, que referencial estamos usando, em que época se localiza aquilo de que se fala. Se não fizermos isso, estamos fadados a não sermos entendidos – e, pior, teremos feito não uma, mas várias conferências sobre o tema. Cada um de vocês sairá daqui tendo ouvido uma fala minha, e sairá desta apresentação com idéias tão diferentes a respeito do que eu terei dito que dificilmente poderíamos nos entender quando abrirmos a discussão e começarmos a conversar. Eu, provavelmente, não poderia entender as colocações de vocês e, muito provavelmente, vocês não iriam reconhecer nas minhas respostas algo que tivesse a ver com o que vocês perguntaram.

Dito isto, vou procurar esclarecer de qual lugar estarei falando – não que isto impeça qualquer mal-entendido, mas espero minimizá-los ao máximo. O esforço, pelo menos, irá nessa direção. Mais: acredito que o fato de tê-los alertado para essa questão poderá fazer com que me ouçam sem preconceitos, isto é, sem que os conceitos que porventura tenham interfiram em demasia com aquilo que irão ouvir. (Aliás, uma boa maneira de ouvirmos os nossos pacientes.)

A abertura desta apresentação poderia ser um exemplo de técnica, mas não de técnica psicanalítica, técnica de discurso, talvez. Freud as usava magistralmente, tanto uma quanto a outra. Não pretendo que esta apresentação seja magistral, apenas compreensível.

Vou partir de uma idéia de Fabio Herrmann que, lá pelo final dos anos 60 do século passado, diante da sua perplexidade com tantas correntes psicanalíticas – todas elas, a seu modo, eficazes do ponto de vista terapêutico “, viu-se diante da tarefa de dedicar sua vida a uma obra que teve início com a tentativa de recuperação do Método Psicanalítico, solo comum de todas as “psicanálises” existentes até então, método inventado por Freud, mas perdido na clínica de tantos analistas. Nas palavras de Fabio, a recuperação do Método Psicanalítico implica “...fazer voltar através do coração da clínica, lugar onde o método está guardado, lugar onde se perdeu” (Herrmann, 1989, p. 15). Sua obra, hoje, passados quase quarenta anos, ficou conhecida como Teoria dos Campos,2 à revelia de seu autor. Nome não muito, ou melhor, nem um pouco adequado para um pensamento que não se propunha ser uma escola psicanalítica a mais; ao contrário, tinha a pretensão de poder unir as escolas psicanalíticas que se digladiavam e, em certa medida, ainda hoje em dia o fazem – bem menos virulentamente, é verdade “, na disputa por um saber e uma terapêutica que sejam provenientes da “verdadeira psicanálise”.

Herrmann não foi o único a ter a preocupação com a fragmentação da Psicanálise. “Uma ou muitas psicanálises?” – pergunta Wallerstein em sua Conferência de Montreal, em 1987, por ocasião do Congresso Internacional de Psicanálise, realizado pela IPA, só para dar um exemplo. Mas foi com Herrmann que esse questionamento e essa reflexão rigorosa frutificaram.

Poderá parecer a vocês que me esqueci do tema desta apresentação. Não, não esqueci. É que, para chegar a dizer algo sobre avanços na técnica psicanalítica, deverei colocar a técnica no lugar que lhe é de direito – e este lugar, a meu ver, está muito bem descrito numa conferência que vou apresentar a seguir, de maneira muito sucinta, recortando apenas as questões que darão sustentação à minha idéia sobre o nosso assunto.

A conferência a que me refiro foi proferida em 1988 (e já se vão vinte anos), em São Paulo, por Fabio Herrmann, então presidente da Fepal (Federação Psicanalítica da América Latina), a título de abertura do XVII Congresso Latino-Americano de Psicanálise, cujo tema era “Interpretação: a invariância do método nas várias teorias e práticas clínicas”, publicada posteriormente numa coletânea de artigos (Herrmann, 1989). Nessa conferência, ele vai mostrar a necessidade da busca pelo Método Psicanalítico. No entanto, como mesmo o termo Método está longe de ser entendido por todos da mesma maneira,3 Fabio propõe aí um esclarecimento do que seriam o Método Psicanalítico, a Técnica Psicanalítica, a Teoria Psicanalítica e o Processo Psicanalítico.

Começa por isolar a idéia de Método dos três outros termos correlacionados.

Processo psicanalítico será entendido como o Método encarnado em fato, isto é, a “cura” (Herrmann, 1999) analítica na sua dimensão temporal. O processo psicanalítico vai variar de acordo com determinada circunstância, com o estilo de cada analista e pode variar ainda dependendo de tipos especiais de pacientes (Herrmann, 1989).

Em seguida, Herrmann vai discorrer sobre o que entende por técnica, sendo esta, segundo ele, uma questão mais complexa.

Técnica em sua concepção são as várias proposições de como encaminhar o processo analítico; são os princípios do bem-fazer análise, de como encaminhá-la em adequação ao método. Suas proposições, pois, têm caráter normativo, e expressam-se por “devemos”. Às vezes, conselhos técnicos podem chocar-se uns com outros, dependendo da filiação teórica de cada analista, podendo gerar práticas melhores ou piores. A técnica irá compreender, por exemplo, as questões mais concretas e passíveis de alteração, como uso do divã e o respeito a regras temporais da sessão, a freqüência semanal e tudo aquilo relativo ao setting analítico ou moldura, como ele prefere chamar. Outras questões também são questões técnicas: a livre associação e a atenção flutuante, interpretações que levem em conta a transferência – nem sempre entendida da mesma maneira “, a melhor forma de usar o silêncio ou a fala, pontuações ou explicações, interpretações centradas no ponto de angústia ou visando nomear o significante, ou, ainda, interpretações precoces ou não, fazer perguntas ao paciente ou não e assim por diante. É evidente, com esta descrição, que método (caminho) e técnica (encaminhar) não são a mesma coisa. Pode-se compreender, por exemplo, que um apego muito grande à moldura desvie o analista de seu trabalho com as emoções e/ou conflitos psíquicos, tornando a clínica esvaziada. Resumindo: “Processo: encarnação do método em fato clínico. Técnica: arte de bem conduzi-lo em conformidade ao método” (Herrmann, 1989, p. 17).

Quanto à teoria não pairam dúvidas. Será?

Vejamos.

Ela nos ensina sobre o homem, ou principalmente o que é o homem psicanalítico, isto é, o homem em condição de análise. Mas de onde vêm as teorias psicanalíticas? Diz Fabio:

As teorias psicanaliticamente válidas costumam provir da prática clínica, são generalizações organizadas que o analista deriva de suas interpretações e que o nortearão ao interpretar (...) nossas teorias têm sempre, por limite, o sentido de derivação da sua origem interpretativa; isto é, não podem afirmar com legitimidade senão o reino do interpretável, ainda que não exclusivamente do clínico, em sentido estrito. Qualquer formulação reificadora sobre a psique, por exemplo, será ilegítima, por não ser gerada pelo método interpretativo (...) ainda que sirva para outras coisas, uma teoria psicanalítica deveria sempre servir para nortear interpretações, valer como ‘interpretante’, eixo de transformação das palavras do paciente nas palavras da interpretação. Se aceitarmos que as nossas são teorias interpretativas – no duplo sentido de originadas na interpretação e de a serviço da interpretação “, teremos como decorrência imediata sua dependência para com o método da Psicanálise, o método interpretativo. Do método promana o critério geral de validade teórica, a exigência de adequação à origem e função; conquanto outros critérios como coerência interna, verificação empírica, refutabilidade, etc., comuns a todas teorias científicas, possam perfeitamente ser exigidos. Apenas não são critérios específicos (Herrmann, 1989, pp. 17-18).

E por que ainda precisamos de uma noção essencial? Não nos bastam processo, técnica e teoria psicanalíticas?

Herrmann acredita que não.

O Método é a unidade esperada de qualquer ciência, a unidade do método. Método, do grego méthodos, significa caminho para um fim.

“O sentido do processo, a forma da técnica, a origem e finalidade da teoria dependem precisamente dessa noção” (Herrmann, 1989, p. 18).

Retomando o que foi dito. Em conjunto, processo e técnica formam um todo solidário de adequação ao método. Processo: encarnação do método em fato clínico. Técnica: arte de bem conduzi-lo em conformidade ao método.

E: as teorias psicanaliticamente válidas costumam provir da prática clínica, são generalizações organizadas que derivam do conhecimento proporcionado pela interpretação e poderão, ao mesmo tempo, vir a norteá-las.

Posto isto, logo podemos ver que o Método será sempre anterior à técnica que derivará imediatamente daquele.

E o que é o Método Psicanalítico?

É o Método interpretativo.

Para Marilsa Taffarel, tende-se a considerar o método psicanalítico como sendo o livre-associativo, pois o próprio Freud assim se referia à livre associação nos primórdios do seu trabalho com as pacientes histéricas. No entanto, quando Freud descobre a resistência e infere a repressão, ele passa a considerar o método psicanalítico como interpretativo, ou seja, “...se há uma força inconsciente impedindo a rememoração, a reconstrução da lacuna de sentido só pode se dar pela busca e explicitação dos ‘motivos’ inconscientes”. Aqui, Freud segue o ditame da hermenêutica: “...devemos interpretar onde há falha de sentido” (Taffarel, 2005, p. 5).

Prossegue Marilsa lembrando que, em 1922 (Freud, 1922/1979, p. 232), Freud definiu a psicanálise como um procedimento que serve para a investigação dos processos psíquicos, e um método de tratamento das neuroses que se funda na investigação destes processos. “Esta noção de interdependência entre um plano e outro, ou seja, efeito curativo e conhecimento teórico, Freud credita a Breuer” (Taffarel, 2005, p. 5).

Na seqüência, traz o que ela acredita ter sido a contribuição da Teoria dos Campos:

A contribuição da Teoria dos Campos está em afirmar e mostrar, através de seu trabalho teórico e clínico que, olhando o conjunto da produção psicanalítica na linha do tempo, a psicanálise consiste em uma sucessão de teorias e de técnicas que não se continuam simplesmente, não se anulam e não se superpõem, como já se disse sobre a obra de Freud. Isto não passaria do óbvio de uma constatação se a famosa ‘babel psicanalítica’ não fosse pensada positivamente por Herrmann: não como um ecletismo a ser aceito ou a ser superado. Como pode ser dita positivamente a relação entre as diversas teorias e técnicas? Para a Teoria dos Campos, a psicanálise, tanto no plano teórico quanto no clínico, se faz por rupturas com o estabelecido. É a ruptura que produz novos conhecimentos e que tem potência curativa. A ruptura com o vigente, em um dado momento, pode se dar, por exemplo, pela saturação de uma idéia ou de uma técnica, por novos desafios da clínica, pelo efeito da absorção de conhecimentos vindos de outras disciplinas (Taffarel, 2005, pp. 11-12).

Continuando:

Herrmann não apenas constata que na história da psicanálise há rupturas; ele faz da ruptura a condição do saber e do fazer psicanalíticos. Toma o método heurístico-curativo freudiano em sua radicalidade: a relação dialética, de uma dialética sem síntese, da teoria com a prática – o caráter curativo do método porque investigativo, e investigativo porque curativo. A psicanálise é afirmada como um saber que caminha por rupturas. A meu ver, Herrmann entende que a ‘in-habitual conjunção’ implica descobrir o novo com cada paciente e não apenas reencontrar nele a teoria já existente (Taffarel, 2005, p. 12).

Assim, vou concordar com Herrmann, nas palavras de Marilsa Taffarel, que o Método Psicanalítico é interpretativo, interpretação entendida como ruptura de campo.

Bem, e para que tudo isto? Para que um preâmbulo que toma quase todo o meu tempo nesta apresentação? Não era sobre avanços na técnica que eu falaria?

Era não. É.

Retomemos, repetindo o que já foi dito, para darmos mais uma volta na espiral.

Em conjunto, processo e técnica formam um todo solidário de adequação ao método. Processo: encarnação do método em fato clínico. Técnica: arte de bem conduzi-lo em conformidade ao método. Teorias são uma conseqüência do ato clínico, interpretativo, são generalizações organizadas que o analista deriva de suas interpretações e que o nortearão ao interpretar.

Assim, confirma-se: o método antecede a técnica, a teoria e o processo psicanalíticos.

Nesse sentido estrito, rigorosamente falando, isto é, metodologicamente falando, avanços na técnica psicanalítica só poderiam ser considerados avanços técnicos se o Método que os antecede estiver sendo respeitado.

Por isso, avanços técnicos significativos ficam extremamente restritos.

A Teoria dos Campos alcançou, com sua interpretação da Psicanálise, recuperar o Método Psicanalítico e, nessa recuperação, que desentranha o Método de dentro da clínica, alcançou ainda um estilo clínico cuja técnica pode ser desengessada. Mais. Fazendo uma reversão e colocando a teoria depois de Método e técnica – como, aliás, o fez Freud, “a técnica do meu método” (Freud, 1895/1972) “, e não anteriormente a eles, no lugar de interpretante,4 seu lugar legítimo, pode contribuir para o descolamento do analista das teorias que o informam (descolar das teorias, não dispensá-las, é bom que se diga), de maneira a ouvir o paciente no registro da sua singularidade, concedendo-lhe a possibilidade de ter, para si, uma teoria sob medida (ainda que ela venha a se mostrar uma teoria consagrada), não um mero prêt-à-porter, que isto o paciente não merece.

Considero o desengessamento da técnica e o descolamento teórico, permitidos pela recuperação do método, um expressivo avanço, não apenas porque podemos ser capazes de conduzir uma análise rigorosamente (e metodologicamente) particular a determinado paciente, como será isso que possibilitará avanços teóricos significativos.

Um conceito da Teoria dos Campos em particular, entre tantos, possibilitou, a meu ver, os avanços citados. Trata-se do conceito de campo transferencial, um dos conceitos metodológicos5 decorrentes da recuperação do Método Psicanalítico.

Em trabalho anterior (Lanzoni, 2008), procuro mostrar a evolução dos conceitos de transferência e contratransferência, a crítica de Isaías Melsohn ao conceito de inconsciente e a reflexão de Fabio Herrmann sobre o inconsciente e o Método Psicanalítico que possibilitaram pensar esses avanços. Não vou repetir o que lá está tratado extensamente, mas apenas tomar emprestado, daquele trabalho, aquilo que me parece essencial para fins desta apresentação.

A interpretação – operação por excelência do Método Psicanalítico – faculta a que sentidos possam aparecer pelo rompimento de um campo, como já vimos com Marilsa Taffarel.

Vejamos então o que é um campo para a Teoria dos Campos.

Em Andaimes do real: o Método da Psicanálise há uma definição do que é um campo que vale a pena reproduzir:

Em verdade, por campo havemos de entender o conjunto de determinações inaparentes que dotam de sentido qualquer relação humana, da qual a comunicação verbal é tão-só o paradigma. É aquilo de que não se sabe nem se nota, quando nele se está. Abrange as conotações de assunto, mas igualmente de domínio (como quando se diz: domínio veritativo de uma proposição) e, mais amplamente, de determinação e sobredeterminação. Um campo sustenta significativamente as relações que nele ocorrem. Na acepção teórica mais ampla, que interessa à Psicanálise, nosso campo limite é o próprio inconsciente (...) cada relação humana dada supõe um campo – na análise, mas também na vida do indivíduo ou da sociedade humana. Assim se cria uma autêntica generalização operacional do conceito de inconsciente; qualquer campo concebível possui a índole de inconsciente relativo para as relações que suporta (Herrmann, 1991, p. 28).

Por inconsciente, na Teoria dos Campos, entenderemos, portanto, o avesso de toda e qualquer manifestação consciente, não fazendo sentido, dessa maneira, que a conceituemos como coisas distintas, mas como as duas faces de uma e mesma moeda, consciente e inconsciente, direito e avesso, relação e campo.

Em Introdução à Teoria dos Campos, livro mais recente, encontramos o que é um campo, dito de outra maneira:

Um campo é o lugar das regras que determinam as relações que concretamente vivemos (...) é o lado oculto, produtor (...) engloba algo do inconsciente tradicional (...) junto com a composição da zona intermediária que organiza nossas idéias (Herrmann, 2001, p. 26).

Finalmente, quero sublinhar uma definição bastante clara do que seja um campo, ainda no mesmo livro, mais adiante:

Campo significa uma zona de produção psíquica bem definida, responsável pela imposição das regras que organizam todas as relações que aí se dão; é uma parte do psiquismo em ação, tanto do psiquismo individual, como da psique social e da cultura. Assim sendo, e não havendo para o sujeito consciência possível do campo em que está, equivale ao inconsciente; o inconsciente freudiano é um campo ou, a rigor, uma série de campos interconectados teoricamente (pp. 58-59).

Assim, na análise, apenas teremos acesso ao campo psicanalítico, mais especificamente ao campo transferencial, aquele que determina as posições relativas de analista e paciente, portanto, acesso ao que a Teoria dos Campos chamou de inconsciente relativo, o inconsciente daquela relação particular, cujas regras se farão notar quando se tiver rompido o campo que a determina e os sentidos se derem a conhecer; sentidos que não estavam ausentes da consciência e presentes no inconsciente, mas que foram criados pela interpretação no seio de uma relação. Não existe um analista que é suporte da transferência, mas existem dois imersos no campo com setas transferenciais que vão de um lado a outro e, a guiar o analista com suas interpretações que devem caminhar em direção ao campo, apenas o Método Psicanalítico.

O conceito de campo transferencial imporá, portanto, os limites do que será possível se dar a conhecer numa análise. Os conceitos de campo, campo psicanalítico e, particularmente, campo transferencial impõem um presente radical6 à sessão psicanalítica que não permite interpretações deslocadas, nem no tempo nem no espaço. A relação analítica será um presente compartilhado por analista e paciente, relação que suporá sempre um campo que a sustenta e que é gerador de sentidos múltiplos, mas não ilimitados como procuro mostrar em outro lugar, campo de cujo interior procuraremos trabalhar – mesmo sem conhecê-lo – na direção de seu rompimento para que, a posteriori, revelem-se suas regras.

Vejamos, ainda, dois outros exemplos de avanço metodologicamente orientados, retirados da tese de Marilsa Taffarel.

1º) A observação dos fenômenos de “identificação projetiva” e “introjetiva” por Melanie Klein, dando à contratransferência novo estatuto clínico e, conseqüentemente, teórico.

2º) O corte lacaniano, ou seja, a nomeação do significante e a interrupção da sessão.

Agarrados ao Método Psicanalítico que estavam, e não aderidos e colados às teorias freudianas, ambos puderam propor avanços técnicos e teóricos significativos. Esses sistemas de pensamento poderiam conviver harmoniosamente, poderiam somar e não dividir, não fora a guerra perpetrada por seus discípulos, criando duas escolas em conflito.

Se ficarmos apenas com os avanços da Teoria dos Campos, vistos aqui por serem os que considero mais recentes – os outros dois mencionados são ainda anteriores “, posso dizer que desconheço qualquer avanço posterior a isto que mereça esta qualificação. E a Teoria dos Campos já está perto de completar 40 anos!

Mas, se é verdade que a vida começa aos 40, outros avanços poderão surgir. No entanto, para ter esse estatuto, deverão respeitar o Método Psicanalítico criado por Freud.

 

Referências

Freud, S. (1972). Estudos sobre a histeria: a psicoterapia da histeria. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 2, pp. 309-367). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1895.)        [ Links ]

Freud, S. (1979). Dos artículos de enciclopedia: ‘Psicoanálisis’ y ‘Teoría de la libido’. In S. Freud, Obras completas (Vol. 18, pp. 231-254). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1922.)

Herrmann, F. (1989). Interpretação: a invariância do método nas várias teorias e práticas clínicas. In S. A. Figueira (Org.), Interpretação: sobre o método da psicanálise (pp. 13-33). São Paulo: Imago.        [ Links ]

Herrmann, F. (1991). Andaimes do real: livro primeiro, o método da psicanálise (2ª ed.). São Paulo: Brasiliense.        [ Links ]

Herrmann, F. (1999). O que é psicanálise: para iniciantes ou não... São Paulo: Psique.        [ Links ]

Herrmann, F. (2001). Introdução à teoria dos campos. São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Lanzoni, M. P. Z. (2004). O jogo no divã. Trabalho apresentado em Reunião Científica da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, 27 maio. [Comentários de Dra. Marilsa Taffarel]. Texto não publicado.        [ Links ]

Lanzoni, M. P. Z. (2008). Campo transferencial. In J. Monzani, & L. R. Monzani (Orgs.). Olhar: Fabio Herrmann: uma viagem psicanalítica (pp. 125-150). São Paulo: Pedro & João Ed; CECH-UFSCar. (Versão modificada de trabalho apresentado em Reunião Científica da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo em 16 dez. 2008.)        [ Links ]

Taffarel, M. (2005). O método psicanalítico: sua identificação na história da psicanálise, sua relação com o método nas ciências. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Maria da Penha Zabani Lanzoni
Al. Lorena, 1304/908 – Cerqueira César
01424-001 São Paulo, SP
Tel.: (11) 3081-4858
E-mail: mariadapenha@uol.com.br

Recebido em: 28/11/2008
Aceito em: 19/12/2008

 

 

* Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Membro efetivo e analista didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro. Membro efetivo e analista didata do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais.
1 Trabalho apresentado na Jornada Anual do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais (filiado à International Psychoanalytical Association – IPA), cujo tema foi “Atualidades psicanalíticas”, realizada em Belo Horizonte, de 7 a 8 de novembro de 2008.
2 Teoria dos Campos é um sistema de pensamento psicanalítico que visa a recuperação e o desenvolvimento do Método da Psicanálise. Tal sistema compreende também um conjunto de teorias psicanalíticas daí derivadas. Por fim, o termo aplica-se igualmente ao movimento de profissionais de diferentes áreas das ciências humanas empenhados em ampliar esse sistema de pensamento e aplicá-lo aos diversos campos do psiquismo individual e social, seja como clínicos, seja como pesquisadores psicanalíticos da Teoria dos Campos (esta definição encontra-se no estatuto social do Centro de Estudos da Teoria dos Campos – Cetec).
3 Mesmo Freud com freqüência usa como sinônimos os termos ‘método’ e ‘técnica’; outras tantas vezes, no entanto, distingue muito bem um do outro, como no capítulo “A psicoterapia da histeria”, em Estudos sobre a histeria, de 1895, quando diz, por exemplo, a ‘técnica do meu método’.
4 Interpretante: uso legítimo da teoria psicanalítica, não como saber fechado, que nos fará ver apenas o que procuramos ver e, pior, ver a teoria em vez do paciente. Em outras palavras, a teoria deverá ser arriscada, correr riscos numa interpretação, só assim ela poderá sair ampliada, modificada ou mesmo refutada, contribuindo dessa forma para proporcionar um conhecimento genuíno sobre o paciente e sobre a própria teoria psicanalítica.
5 Conceitos que explicitam a operação mesma do Método Psicanalítico, movimentos de analista e paciente na direção da cura.
6 Em texto não publicado, que recomendo vivamente, “Da clínica extensa à alta teoria. Quarta meditação, parte V. Os dois eus e seu tempo (Lições da análise escondida)”, Fabio Herrmann faz uma interessante reflexão sobre o tempo em que se dá a psicanálise clínica.

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