SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.42 issue77The analyst and the complexity of XXI centuryMasculine and feminine: vicissitudes and mysteries author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.42 no.77 São Paulo Dec. 2009

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Um homem em sua feminilidade

 

A man in his femininity

 

Un hombre en su feminidad

 

 

Raya Angel Zonana*

Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Mão, um curta metragem de Wong Kar Wai (2004) é o substrato utilizado pela autora ao descortinar aspectos da feminilidade existentes no homem e que se fazem ver a partir da paixão amorosa; associativamente surge a aproximação com uma situação clínica.

Palavras-chave: Paixão, Objeto de desejo, Necessidade, Feminilidade.


ABSTRACT

The Hand, a short film by Wong Kar Wai (2004) is the substrate used by the author to unveil aspects of femininity present in men and revealed by passion. By association, a parallel to a clinical situation can be drawn.

Keywords: Passion, Object of desire, Need, Femininity.


RESUMEN

La Mano es un cortometraje de Wong Kar Wai (2004) donde la autora dilucida aspectos de la feminidad existentes en los hombres y que se descubren a partir de la pasión amorosa. Paralelamente analiza una situación clínica.

Palabras clave: Pasión, Objeto de deseo, Necesidad, Feminidad.


 

 

quando vi pela primeira vez a gloriosa dama dos meus pensamentos, a quem muitos chamavam Beatriz, na ignorância do seu verdadeiro nome ... Ao vê-la, não pude deixar de tremer e de murmurar para mim mesmo: eis um Deus mais forte do que eu, que chegou para me dominar.

Dante1

 

A paixão, tantas vezes comparada às chamas de uma fogueira - ardentes, vorazes e transitórias, que são as duas -, é como um raio fulminante, que paradoxalmente cega ao iluminar.

Uma das fundamentais aquisições da humanidade foi a arte de conservar o fogo; e, mais tarde, a possibilidade de criá-lo e usá-lo para a própria sobrevivência. Talvez tenha sido esse o primeiro momento no qual o homem pôde ter algum domínio sobre a natureza e criar a cultura.

Freud (1932/1976a) lembra o mito de Prometeu, quando este, ao roubar o fogo dos deuses para levá-lo aos mortais, consegue mantê-lo somente a partir da renúncia instintual de apagá-lo com um jato de urina, falicamente rivalizando com a falicidade da chama. Assim, Prometeu domina parte do mundo natural externo e aplaca seu mundo pulsional. Os deuses, no entanto, não perdoam sua arrogância e, como castigo pelo roubo, passa a, acorrentado, ter seu fígado - sede das paixões e desejos, segundo os antigos - devorado por um abutre. Não é a morte que sobrevém: para sua agonia, não haveria fim. Assim que era devorado, o fígado - e com ele as paixões - novamente se renovava, num processo que se repetia indefinidamente.

Dessa insaciabilidade também se alimenta o desejo humano, que se renova a cada vez que atinge alguma satisfação que, em si mesma, traz novamente a falta e uma nova busca. A renúncia instintual não se conquista facilmente, e o fogo da paixão, da sexualidade, é o mais difícil de ser domado. Da satisfação da pulsão sexual, nunca total, resta sempre um quantum, ligado ao princípio do prazer e à fantasia, que escapando à repressão é responsável pelas mais importantes criações da humanidade. A poesia e a ciência retiram daí sua força criativa. Freud faz, no entanto, uma diferenciação entre a poesia e a ciência. Dá ao poeta a licença poética, a liberdade para se manter ligado ao princípio do prazer - mas pontua o compromisso que a ciência tem com a realidade.

Curiosamente, num lápis, souvenir da casa de Freud, na Bergasse 19, em Viena, leio: “que essas histórias de doenças que eu escrevo são para serem lidas como novelas”.

É o que Freud diz de seus escritos, e em praticamente todos os seus textos, assim como os poetas, ele nos fala do amor. Em seus trabalhos sobre A psicologia do amor (1910/1970b), diz que abordará o tema de maneira diversa da que os escritores criativos o fazem. Escreve de uma maneira que ele deseja científica, não conseguindo, entretanto, escapar da poesia.

A psicanálise sempre andou de mãos dadas com a arte, desde a própria arte de interpretar psicanaliticamente per via di levare. Talvez por isso textos literários ou cinematográficos nos instiguem a pensá-los através da arte psicanalítica. Assim, senti-me tocada por um pequeno poema cinematográfico: A mão, de Wong Kar Wai (2004), um dos três segmentos do filme Eros.

 

A mão

...é de Miss Hua, cortesã que recebe em seu apartamento um jovem aprendiz de alfaiate que passará a confeccionar seus vestidos. Ao aguardar na sala para ser recebido, o aprendiz ouve, vindos do quarto contíguo, sons de um ato amoroso; sons que lhe provocam excitação e angústia. A cena seguinte se fixa nos olhares do jovem e da cortesã. Ela, ao receber o alfaiate, percebe sua excitação, ainda que ele angustiadamente tente escondê-la. Com um olhar sedutor, quase piedoso para o rapaz, segura sua mão, que ela supõe nunca ter tocado um corpo de mulher, e a leva a tocar seu colo. Pergunta-lhe como espera ser alfaiate, se não conhece as formas femininas. Então, ainda segurando a mão daquele quase menino próxima ao seu seio, ela estende sua outra mão e, com extrema delicadeza, toca-o e passa a acariciá-lo, fazendo emergir uma sensualidade que toma a cena, atravessa a tela e alcança o espectador. A câmera desvia-se lentamente do rosto pleno de um desejo assustado do jovem para o olhar quente e sedutor da cortesã. A música segue o ritmo lento e compassado de seu ato. Aos poucos, o constrangimento daquele menino, ali feito homem, transforma-se em incontido prazer e, em seus olhos úmidos, transparece a explosão de um gozo que, ao irromper, faz com que o aprendiz de alfaiate se torne aprendiz do amor.

Miss Hua então lhe diz, com uma voz profunda e envolvente:

“Você se lembrará sempre do que sentiu agora, e ao reviver essa lembrança, fará lindos vestidos para mim”.

Tomo a frase como uma pedra lapidar, e passo a construir algumas ideias e conjecturas ao redor dela.

Remeto-me, ao ouvir essa sedutora fala de Miss Hua, àquilo que Freud chamou de experiência de satisfação. O que se passa quando um bebê, excitado por alguma necessidade interna, da qual não consegue dar conta sozinho, se debate, atraindo um adulto que, identificado com o desamparo do bebê, sacia o desejo deste? Que correntes são criadas na mente desse bebê, ligando o desejo (tensão, dor, excitação) e sua satisfação (prazer) aos seus movimentos, capazes de atrair um objeto que dê suporte às suas necessidades?

Penso que Miss Hua, naquele momento, veste do erotismo de Xiao Zhang as vestimentas que ele fará para ela. Elas serão urdidas pelas marcas deixadas pelo toque daquela mulher, por sua voz suave e seus movimentos deslizantes. Haverá para Xiao Zhang um elo entre o prazer provocado por uma mulher e o prazer de “criar” uma mulher através das vestimentas que a velam e a revelam.

Na verdade, este é o que Freud entende ser o ponto inicial do sempre misterioso processo criativo. O processo ilusório de reaver a experiência de satisfação, ela própria talvez alucinada, e a parte que sempre resta da pulsão sexual, que nunca é plenamente satisfeita, unem-se nessa busca, e promovem o exercício da criatividade.

Neste caso, no entanto, Xiao Zhang torna-se cativo do olhar de Miss Hua, que contém em si o traumático e o prazeroso, unidos em um mesmo traço mnêmico. Essa situação, em que o objeto é portador do prazer e sua falta aponta a dor, é tratada por Freud, desde O projeto, ao longo de toda a sua obra.

O sublime prazer e a humilhação traumática se entrelaçam nessa cena. A violência feita por essa mulher experiente e sedutora impõe ao menino-homem o novo mundo da sexualidade, ainda não muito bem alinhavado ao seu corpo. Assim é o inevitável trauma da sedução materna fundante da sexualidade infantil, cujas cicatrizes há tempos existentes, são agora ressignificadas.

A palavra sublime designa “o que tem inexcedível perfeição, superlativamente belo, esteticamente perfeito” (Houaiss, Villar, & Mello Franco, 2001).

O alfaiate, capturado pelo sublime, obedeceu. Modelou lânguidos e sedosos vestidos, escorregadios como o desejo dos homens. Ele nunca mais foi o mesmo. Aquele momento selou uma mudança fatal, como costumam ser aquelas provocadas pela audição do envolvente e mortal canto das sereias.

E é assim que o objeto de desejo torna-se objeto de necessidade, pois passa a ter valor identificatório. Para ser alfaiate, para perceber-se homem e ser capaz de possuir uma mulher, Xiao Zhang necessita ser falado e tocado pela mão de Miss Hua.

O filme num tom avermelhado, escuro e denso, e num ritmo lento, sugere uma intimidade, e o canto da sedução salta da tela e aprisiona o espectador.

Assim fica a criança tocada pela mão materna que a leva para o mundo humano da sexualidade, e é por essa mão que a criança inicialmente se apaixona.

Desse primeiro apaixonamento, ocorre uma fixação que não se dá a conhecer claramente. São obscuros os meandros do desejo. Mantém-se misterioso o fio que conduz a paixão. Seguindo esse fio, outras paixões virão, que de outra maneira deixarão marcas.

Também o gozo vivido em um primeiro encontro amoroso na adolescência, momento no qual o corpo ganha autonomia e responde ao contato de outro corpo com uma sexualidade renascida, será uma nova marca. Um novo molde será aí cunhado e passará a servir como bússola para orientar a navegação na direção de outros encontros e, decerto, desencontros também.

Xiao passa a se dedicar a essa mulher e a servi-la de maneira quase invisível. Sua figura sempre silenciosa, discreta, não tem “presença” para Miss Hua. Quando está na oficina de costura, perde-se entre todos os outros ajudantes. Todas as vezes que Miss Hua telefona para a oficina à procura de Xiao, o patrão lhe diz que ele não está. Ele não “existe”.

Quando Xiao vai à casa de Miss Hua para a prova dos vestidos desejando aproximar-se dela, tocá-la, ainda que isso ocorra somente através dos tecidos, ela está sempre ocupada com algum dos seus amantes. Ele espera. A espera é uma entrega, e o enamorado se entrega. Entrega ao amado sua história. Apaixonar-se é ser penetrado pelo ser amado, é tornar-se outro. Na vertigem do apaixonamento, surge a desestruturação da identidade, e no entrelaçamento da própria história com a história do amado, o mundo se amplia, e assim “diversos eus são suscitados nessa relação” (Matos, 1996, p. 122).

Xiao Zhang espera por Miss Hua. Espera sempre.

 

A espera...

é inevitável para Xiao.

Miss Hua reina sobre seus amantes, os quais trata como súditos. Seu mundo é o da sexualidade e do poder que esta lhe dá. É um mundo ruidoso, disruptivo, como costuma ser a própria sexualidade. O mundo de Xiao é o da pobreza, da servidão e de um profundo silêncio de desejos não realizados, e, até aquele momento, sequer imaginados.

E ele espera por ela.

A espera está inscrita no amor-paixão, pois que o outro amado contém em si o eu ideal, preso em um olhar que, quando vier, levará de volta o apaixonado àquele momento em que esse olhar já lhe pertencia para sempre. Pertencia? Que momento foi esse?

Encontro em Barthes, apoiado em Winnicott, uma quase resposta:

O ser que espero não é real. Assim como o seio da mãe para o bebê, ‘eu o crio e o recrio sem parar a partir da minha capacidade de amar, a partir da carência que tenho dele’:2 o outro chega onde eu o espero, onde eu já o criei. E se ele não vem, alucino: a espera é um delírio (Barthes, 1991, p. 95).

Desse delírio, dessa alucinação, já nos fala Freud quando, frustrados em nosso desejo, invadidos pelo desprazer, insistimos em nos manter no registro do princípio do prazer, levados pela realização alucinatória do desejo. E se aí permanecermos, encontramos a morte. Para voltar à vida, entramos na realidade e fazemos trocas, renúncias. Por isso o amor é inebriante, pois que sugere o encontro, de novo, e sempre, daquele esperado e talvez jamais acontecido momento de êxtase (ou será de estase?).

No estado de enamoramento, os tempos se mesclam, o futuro é pleno de esperanças de se retomar o passado.

Barthes (1991) nos lembra que historicamente a espera é da Mulher. É ela a sedentária e, o Homem, caçador, viajante. O conquistador.

Enquanto espera, continua Barthes, a mulher sustenta e dá forma à ausência: ela canta e tece. Assim faz Penélope, tecendo e destecendo - fazeres da mulher -, imaginando a volta de Ulisses, que navegava por ilhas e amores. Fazeres do homem.

Conclui Barthes (1991) que todo homem que vive a ausência de alguém amado, que espera, “feminino se declara”. Um homem apaixonado está, segundo esse autor, “milagrosamente feminizado” (p. 28).

Freud também fala do tecer feminino como uma maneira de, através da tessitura dos pelos pubianos, esconder a vergonha da castração. Chama ainda de feminino um tipo de masoquismo, que ele diz ser mais comum nos homens. Para esses homens, o gozo acontece em situações de humilhação e de submissão, situações essas que colocam o sujeito em posição de passividade, equiparada à posição do feminino.

A espera por algo ou alguém denota uma incompletude, sinaliza uma falta. Em O banquete, Sócrates fala do Amor repetindo as palavras da sacerdotisa Diotimia “sobremodo entendida nesse assunto” (Platão, 2001, p. 62), fazendo uma diferença entre aquele que ama e o que é amado, e assim fala: “Aquilo que amamos é, realmente, belo, delicado, perfeito e bem-aventurado. Porém o amante é de natureza muito diferente” (p. 66). O amado é bom, perfeito e belo, mas aquele que ama é descrito como um demônio, sagacíssimo, feiticeiro temível, criador de ardis para apanhar o que é belo e bom. É pobre, imperfeito, portanto. O amor implicava, para os gregos, amantes da harmonia, uma desarmonia, na medida em que o sujeito apaixonado move-se em busca de algo que lhe falta.3

A paixão, enfim, revela um déficit, e talvez nesse aspecto remeta ao feminino, ao qual falta o falo, medida de completude.

Mas é também nessa falta, e na busca suscitada pelo objeto amado, causa do desejo, que se inscreve o criar. É na espera que Xiao Zhang cria os belos vestidos com os quais recria o corpo de sua amada.

E assim permanece fiel. Refaz os vestidos, refaz as medidas de Miss Hua. Delicadamente, engana-a ao tomar suas medidas, para que ela não perceba as mudanças que o abandono provocou em seu corpo.

Espera um olhar que o reconheça.

Se essa realização está no olhar do outro, é a hipnose que Freud (1921/1976c) evoca, como tendo as mesmas características de devoção e obediência equivalentes ao apaixonamento. O hipnotizador, tanto quanto o objeto amado, constitui o único foco de atenção do sujeito. Nessa situação, a palavra sujeito adquire o sentido de sujeição, de servidão. Há um excesso de investimento no objeto, e a desistência do próprio em favor desse outro adorado. Mas, “precisamos começar a amar para não adoecer, e iremos adoecer se, em consequência de impedimentos não pudermos amar” (Freud, 1914/1974).

O amor é então um pharmacom. Pode trazer a cura ou pode envenenar. Há que ter a medida certa. E qual seria no amor a justa medida?

 

A Hybris...

foi na Grécia antiga o pecado maior, a desmedida.

Por isso Prometeu foi castigado. Ao roubar o fogo do Olimpo, ele, um mortal, arvorou-se, arrogantemente, a desafiar Zeus.

Na paixão, aquele que conquistar o olhar iluminado do ser amado, envolto por ele, iluminado ficará.

A desmedida, o excesso na entrega amorosa, recai sobre o narcisismo. Há na humildade e na servidão do apaixonado o desejo ilimitado, e por isso arrogante, de ser aquele que pode preencher todas as necessidades do ser amado. O olhar daquele que ama procura e aprisiona os olhos do amado, tomando-o como alimento e almejando ser também seu único alimento. É na palavra único que está a desmedida. São as paixões narcísicas, plenas de uma idealização (hybris?) que não pode ser arranhada sob pena de uma quebra irreparável. O ser amado é a vida e, claro, sua ausência, a morte. A desmedida não se dá na quantidade, mas na qualidade do sentimento.

Piera Aulagnier (1985) detém-se no tema das paixões, e entende que a desmedida aí se passaria em torno da função que adquirem os amantes um para o outro. Para essa autora, a questão não é quantitativa, mas qualitativa. Aulagnier vê a paixão como uma relação assimétrica, diferentemente da simetria que ocorre nas relações amorosas; percebe que o cerne desse estado encontra-se no momento exato do nascimento da primeira paixão: aquela da criança por sua mãe.

Observa ela o árduo caminho dessa realização, e diz que não está no poder da criança escolher sua mãe, no entanto, é impossível não investi-la, assim também, num primeiro momento, é impossível distribuir o investimento por outros objetos, o que permitiria à criança moderar a intensidade desse primeiro amor. O primeiro objeto de amor obedece a uma escolha compulsória; é insubstituível, não pode faltar, e orienta em sua direção a totalidade da libido, exceto a parte que catexiza o próprio corpo da criança, suas zonas erógenas. Mas, ainda aí, o pequeno amante é dependente, porque para investir seu corpo, ele deve antes ser investido, falado e “visto” pela mãe.

Xiao somente após ser “falado” por Miss Hua, como um corpo erotizado, é que pode se ver assim. Mas esse prazer fica colado a ela e às fantasias que ela lhe suscita ao esperá-la, “tecendo” seus vestidos.

Como todos os mitos, o mito de Prometeu permite várias aproximações. Vernant (2000) vê Prometeu esperto, ardiloso, indisciplinado, mas também civilizatório. O uso do fogo é marca da cultura humana, é um processo técnico, intelectual (Prometeu é o doador das artes e das ciências), mas o mesmo fogo tem também o aspecto selvagem de fera ardente, desejosa e mortífera. É a maneira de lidar com os dons do fogo que promove a vida ou a morte.

Pensando em Xiao, Miss Hua aponta-lhe o fogo da sexualidade e o liga à arte de criar o belo. Ele, no entanto, diferentemente de Prometeu (o previdente, em grego), identifica-se com o irmão deste, Epimeteu (o imprevidente, que percebe tarde demais). Fascinado por Miss Hua, deixa-se envolver por sua sedução, assim como Epimeteu, mesmo avisado por Prometeu, sucumbe à sedução de Pandora,4 “luminosa como Afrodite, mas semelhante a uma filha da Noite; feita de mentiras e faceirice” (Vernant, 2000, p. 70), a primeira mulher.

Xiao não se apossa de sua arte, sua técnica. Usa-a somente para satisfazer Miss Hua. Não há troca (como vemos na primeira cena), há uma entrega.

O objeto da paixão, assim como na relação mãe-filho, é um objeto insubstituível (para a criança) e necessário, porque responde a um desejo que se torna necessidade. É através dessa paixão que a criança, futuro homem, encontra o amor. Com esse amor, vem também a nostalgia do prazer pleno, imaginariamente vivido nesse encontro com o primeiro objeto. Então, conclui Aulagnier, o amor sempre trará consigo a angústia pela ideia de que, ao viver uma relação amorosa, poderá ser revivido o excesso de sofrimento que sobrevém quando ela é ultrapassada.

A pulsão se impõe e a assimetria não se dá somente entre o sujeito e o objeto de sua paixão, mas dentro daquele que está sujeitado pela paixão, pois que nada além do ser amado tem vida em seu mundo mental.

A pulsão é sempre excessiva. Como excessivo é o Deus tão forte que toma Dante ao ver pela primeira vez Beatriz.

 

No amor cortês...

a dama impossível e inalcançável, pertencente a outro, era cantada em versos pelo apaixonado, que a ela se escravizava. O amor cortês era o amor impedido e do impedimento. Sustenta-se esse amor na retenção, na suspensão, num amor não consumado, somente sonhado e vivido em segredo. A dama nunca era nomeada diretamente, aparecia por meio de um nome fictício, com o qual na antiga poesia provençal se aludia à amada, o Senhal. Era um amor que subsistia somente na fantasia e no que Freud (1905/1972) chamou de prazeres preliminares do ato amoroso: o olhar, ouvir, tocar. A finalidade do ato amoroso era chamada misteriosamente de dom de misericórdia, inalcançável, o que mantinha o mistério, essencial na arte erótica.

Lacan (1960/1997) fala do amor cortês em anamorfose,5 que necessita ser mantido na ilusão, e que “é na medida em que se sustenta o prazer de desejar (...) o prazer de experimentar um desprazer, que podemos falar da valorização sexual dos estados preliminares do ato do amor” (p. 189). Assim, vemos que a espera se mantém. Ainda.

Freud (1914/1974) fala que é característico do homem o amor objetal pleno, no qual toda a libido narcísica é transformada em libido objetal, empobrecendo o próprio ego, levando à paixão e a uma compulsão neurótica. Por outro lado, a mulher amaria somente a si mesma, não tendo necessidade de amar, mas sim de ser amada.

Estaria Freud, nesse texto, se referindo ao amor cortês - ou também para Freud o apaixonar-se evidencia a castração?

Penso, no entanto, se Freud estaria falando aí da mulher e do homem, ou da passividade do feminino e do masculino ativo, aspectos da bissexualidade humana que, portanto, podem ocorrer em ambos os sexos.

Se ele mesmo em outros textos (1910/1970b) fala da necessidade que tem o homem de cindir sua vida amorosa entre uma mulher maternal e “as outras” com as quais pode viver a sexualidade plena, ou seja, de um homem “caçador, navegante”?

Ele nos diz, ainda, que o amor objetal pleno dessas mulheres narcísicas, por ele descritas, só acontece em relação à criança que geram e que sentem como prolongamento de si mesmas.

Novamente pergunto se seria uma escolha objetal, esta da mãe em relação ao filho que gera, se ela o sente parte de si mesma e transborda nele seu próprio narcisismo?

São ainda indagações...

Por outro lado, a dama inalcançável, desejada pelo inexperiente alfaiate, é uma dessas mulheres tão vivamente descritas por Freud ao falar do narcisismo feminino.

A escolha amorosa dessas mulheres, que não por acaso são belas - e Miss Hua é extremamente bela e sabe que o é, pois cuida de cada detalhe de seu corpo, de seus gestos medidos, do tom sedutor de sua voz -, é, diz Freud, amar somente a si mesmas. Elas desejam ser amadas mais do que amar.

Fazem de seu corpo o objeto de desejo dos homens, mas mantêm-se inalcançáveis como pessoas em sua singularidade. O corpo se transforma em um fetiche delas próprias, como que compensando o fato de serem desde sempre castradas.

Entendo, porém, que a mulher só faz de seu corpo um fetiche se ela se sente amada. Somente se tomada por um outro, como objeto de amor, é que pode ser objeto de amor de si mesma.

Miss Hua, enquanto desejada pelos seus amantes, é essa mulher inalcançável, mas em sua decadência mantém-se inalcançável somente para Xiao Zhan, pobre alfaiate, que é o único que continua a cultuá-la.

É somente através dos tecidos que ele pode tocá-la, levemente, com a ponta dos dedos, enquanto faz as provas e molda nos vestidos o corpo dessa mulher.

Ironicamente, esse corpo intocável, Xiao o tem mapeado, milímetro por milímetro em sua memória tátil. Quando Miss Hua, doente, decadente, pede-lhe que faça ainda um vestido para um encontro com um antigo amante, ele não necessita tirar suas medidas. Basta passear suas mãos em torno de seu corpo, sem sequer tocá-la, tocando na verdade o que seria sua “aura”. Ele já tem esse corpo, sem jamais tê-lo tido. É o corpo de um fantasma que habita seu desejo, mas que ele não ousa tocar.

 

Véus...

A transposição de peças de literatura ou cinematográficas para situações clínicas é temerosa, pois que uma análise é um campo aberto, desconhecido seu meio e seu fim, e busca uma aproximação com a singularidade do sujeito com aquilo que ele tem de único. Ao trazer uma situação de uma análise, não penso em igualá-la ao texto A mão, somente o faço como uma aproximação, por uma associação de ideias que me trouxe à lembrança um analisando.

Ele me fala de um sonho e, transportado no tempo e no espaço, vem-lhe uma lembrança excitante.

“Quando eu era moleque, sei lá, com uns 13 anos acho, tinha uma amiga da minha mãe que era linda e apaixonante. Algumas vezes, quando ela ia visitar minha mãe, eu ficava espiando, olhava-a com cuidado para que ninguém percebesse, tentando ver algo além do vestido, uma nesga da lingerie talvez.”

A lingerie é o último “véu” a cair, permitindo não só o contato visual com a nudez e a “falta” de uma mulher, mas também o contato com a própria excitação e a angústia que esta provoca.

As vestimentas são fetiches, e o erotismo e a posse se fazem ver através delas.6 Os vestidos de Miss Hua sugerem seu corpo perfeito, que nunca é visto: somente entrevisto em meio a transparências e brilhos, formas que delineiam e permitem a fantasia. As golas altas e armadas cobrem seu pescoço longo, e os braços são sempre encobertos por pequenas mangas, que marcam seu contorno e impedem a visão dos ombros erguidos e distantes.

Seus vestidos são véus, e os véus são necessários para manter a fantasia, o fetiche. Sobre o véu, pinta-se a ausência.

Leio em Lacan (1957/1995): “O véu, a cortina diante de alguma coisa, ainda é o que melhor permite ilustrar a situação fundamental do amor” (p.157).

Assim, o objeto se mantém ilusório, e nessa ilusão sustentada, equilibra-se o amor.

Na maioria das cenas, Miss Hua se mantém de costas. Impeditiva.

Mas, penso, ao estar de costas, “sem rosto”, fica claro o fantasma, a fantasia que na realidade ela representa para o alfaiate.

O objeto que se aproxima e se esquiva é o “mais além”, que se deseja e se espera.

Em nenhum momento a nudez de Miss Hua é acessível. Ela está velada e ao mesmo tempo sublinhada.

Das relações amorosas dessa mulher tão intensamente presente, tanto Xiao quanto o espectador só têm uma percepção auditiva, por meio de gemidos abafados ou do ranger de camas ordinárias dos hotéis de baixíssima categoria que ela passa a frequentar quando perde seus ricos amantes.

Tanto o corpo velado quanto os sons somente sugestivos de uma sexualidade são promessas que fazem o alfaiate manter-se a ela ligado.

 

Mistério e encantamento...

Pontuam ao longo de toda a existência a relação que para a criança é a “primeira e mais significativa de todas as relações sexuais, a qual ajuda a preparar a escolha de um objeto e assim a restaurar a felicidade que foi perdida” (Freud, 1905/1972, p. 229). A mãe olha e cuida de seu filho com sentimentos que se originam de sua própria vida sexual, e, assim, essa primeira figura amorosa planta na alma infantil o ambíguo que revestirá para sempre a sexualidade humana.

Outro paciente, numa brincadeira com sua mãe, esconde-se e, quando ela o procura, sai bruscamente de seu esconderijo e lhe dá um susto. Pensou que sua mãe acharia graça, mas para sua surpresa ela se assusta, a ponto de perder o fôlego e passar mal. Ele fica apavorado, temeroso de que pudesse ter matado sua mãe de susto (ou de excitação?). Era só uma brincadeira para agradá-la e tornou-se uma brincadeira de horror.

Como agradar sua mãe ou a mim ou às mulheres pelas quais se apaixona é sempre algo um pouco misterioso para ele. Nunca sabe muito bem como será a reação das mulheres às suas maneiras bastante sedutoras.

Sempre viu sua mãe como uma mulher bonita, inteligente, alegre. Mas soube, há pouco tempo, em uma conversa entre os dois, que em vários momentos de sua vida essa mulher estivera muito deprimida, com fantasias de morte. Ele ficou impactado com tais revelações, imaginando que talvez não conhecesse verdadeiramente sua mãe.

Conhecer verdadeiramente a mãe... É sobre isso que nos fala Meltzer (1995), quando propõe a questão do conflito estético. Desde Freud, passando por Winnicott, sabemos que o verdadeiro espelho da criança é o olhar de sua mãe. É no rosto materno que o bebê se reconhece ou se perde (às vezes sem chance de volta). E para isso o bebê perscruta de todas as formas, com todos os sentidos, o rosto, o corpo, o cheiro, os sons maternos. Percebe desde cedo que não a terá por inteiro, haverá sempre partes insondáveis. No entanto, diz Meltzer, o belo é visto no rosto da mãe. E é a percepção de que há nela um interior não visível (novamente aí a falta), um inesperado aterrorizante, provocador da angústia que se prolongará pela vida, todas as vezes em que o belo se nos apresenta e impacta. A imprevisibilidade e o mistério que deflagram o terror são os mesmos que deflagram a paixão.

 

Afinal, todo anjo é terrível

A dor e o prazer se mesclam, e, além do princípio do prazer, busca-se na dor o prazer.

Novamente recorro a Piera Aulagnier (1985) para pensar a dor da paixão amorosa, essa eterna rima entre amor e dor. Ao sugerir que a dor se instaura com a transformação do objeto de desejo amoroso em um objeto de necessidade, a autora equipara esse objeto com as drogas e o jogo, ou seja, vícios, que superam em muito a questão do desejo. Além do princípio do prazer e além do princípio do desejo. Não se percebe a possibilidade de sobrevivência sem a posse daquele objeto. Sua ausência torna-se ameaça de morte e, por vezes, causa de morte real, que vemos em muitas situações de paixões amorosas.

Penso que uma ligação tão estreita entre sujeito e objeto de desejo-necessidade, com apagamento de todos os limites, na qual não pode haver dois, em que há uma unidade que dissolve qualquer possível identidade, remete ao domínio de Thanatos.7

Vemos que Xiao não pode se afastar de Miss Hua. Ele mantém viva uma imagem fantasmática com a qual se alimenta, mesmo após a morte de Miss Hua. Não é dela que ele não pode se afastar, mas de sua fantasia. E é com essa imagem que ele se liga, retirando-se de qualquer contato com o mundo externo.

Ele faz ainda um vestido para um encontro com alguém poderoso, que a faria voltar a ser a grande dama e não mais uma triste e decadente prostituta de encontros baratos.

Ao embrulhar cuidadosamente o cintilante vestido - acrescentando uma bolsa e um par de luvas negras (para cobrir a mão?) -, seus gestos são de uma fidelidade e de uma servidão infinitas. Mas ao levá-lo para Miss Hua ele não a encontra em seu quarto. Aguarda-a pacientemente até que, pouco depois, através do ranger rítmico de uma cama, percebe que ela está com outro homem, alguém que paga alguns trocados pelo corpo que ele cultua. Volta desesperado para a oficina e, pela primeira vez, ao colocar suas mãos no interior daquele vestido o percebe o vazio. Seu choro é de raiva, dor. Talvez pela primeira vez, por um breve momento, tenha saído da ilusão, não cegado pelo fascínio. A ilusão ou a realidade, tanto faz, pois que os dois registros o deixam no desamparo.

Estupefato, captado pelo olhar e ordens daquela sereia, ele se deixa subjugar, humilhado, cegado, inteiramente imerso em sua fantasia.

E é assim, hipnoticamente, que no final do filme, Xiao ainda olha para Miss Hua. À beira da morte, ela relembra a maneira como haviam se conhecido. Diz que não tem mais nada a lhe oferecer, não tem mais corpo, tem só a mão e quer dar-lhe o mesmo prazer que lhe havia dado naquele primeiro encontro. O alfaiate tenta se aproximar, tenta, pela primeira vez, beijá-la, tê-la realmente. Ela, no entanto, o afasta dizendo-lhe que o mal que a toma é contagioso.

Com o olhar alienado e perdido, o rosto transtornado, Xiao Zhang surge na última cena, dizendo a seu patrão que havia ido à despedida de Miss Hua: ela fora viajar e estava linda; no aeroporto, havia muitos admiradores vendo-a partir. Seu “delírio amoroso” deixa claro que o contágio ocorreu. Ocorreu, porém, há muitos anos, quando ele era apenas um bebê. Ele foi contagiado pelo amor, pela sexualidade e pelo humano que aí se cria.

Xiao Zhang, nessa cena, mantém a ilusão de um reencontro, que para ele contém o sublime e o terrível.

Femininamente, ele espera.

E o que surgirá do amor, da espera e do feminino, três “objetos” que se aproximam tanto um do outro, é sempre uma incógnita.

Sábia e modestamente, Freud nos dá um caminho possível para explorá-la: “Se desejarem saber mais a respeito da feminilidade, indaguem da própria experiência de vida dos senhores, ou consultem os poetas” (Freud, 1932/1976b, p. 165).

Na busca de um poeta para minhas indagações sobre o amor, a espera e a feminilidade, vejo-me refletida em Rilke (1993, p. 113): “Todo Anjo é terrível. E no entanto, ai de mim,/ eu vos invoco, pássaros quase mortais da alma,/ por saber quem sois”.

 

Adendo

Ferenczi (1993), em seu breve artigo Os filhos de “alfaiate”, ao referir-se à grande quantidade de filhos de alfaiates - ou de homens cuja profissão requer o uso de objetos cortantes e pontiagudos - que procuram análise, sublinha que isso talvez ocorra pela intensa angústia de castração que esses pais podem fazer seus filhos vivenciar, dificultando sua vida amorosa.

 

Referências

Alighieri, D. (1993). Vida nova. Lisboa: Guimarães Ed.        [ Links ]

Aulagnier, P. (1985). Os destinos do prazer: alienação, amor, paixão. Rio de Janeiro: Imago.        [ Links ]

Barthes, R. (1991). Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves.        [ Links ]

Ferenczi, S. (1993). Os filhos de ‘alfaiate’. In S. Ferenczi, Psicanálise 3 (p. 193). São Paulo: Martins Fontes.

Freud, S. (1970a). Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 11, pp. 159-173). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1912.)        [ Links ]

Freud, S. (1970b). Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens: contribuições à psicologia do amor. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 11, pp. 147-157). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1910.)        [ Links ]

Freud, S. (1972). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 7, pp. 123-252). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1905.)        [ Links ]

Freud, S. (1974). Sobre o narcisismo: uma introdução. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 14, pp. 85-119). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914.)        [ Links ]

Freud, S. (1976a). A aquisição e o controle do fogo. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 22, pp. 223-233). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1932.)        [ Links ]

Freud, S. (1976b). Conferência XXXIII: feminilidade. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 22, pp. 139-165). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1932.)        [ Links ]

Freud, S.(1976c). Psicologia de grupo e a análise do ego. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 18, pp. 89-179). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1921.)        [ Links ]

Houaiss, A., Villar, M. de S., & Mello Franco, F. M. de (2001). Sublime. In A. Houaiss, M. de S. Villar, & F. M. de Mello Franco, Dicionário Houaiss da língua portuguesa (p. 2.625). Rio de Janeiro: Objetiva.        [ Links ]

Lacan, J. (1995). A função do véu. In J. Lacan, O seminário: livro 4: a relação de objeto (pp. 153-166). Rio de Janeiro: Zahar.        [ Links ]

Lacan, J. (1997). O amor cortês em anamorfose. In J. Lacan, O seminário: livro 7: a ética na psicanálise (pp. 173-191). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1960.)        [ Links ]

Matos, O. (1996). Sedução, fascinação: figuras do autoconhecimento. In E. M. de Melo Souza (Org.), Cultura brasileira: figuras da alteridade (pp. 113-123). São Paulo: Hucitec.        [ Links ]

Meltzer, D. (1995). A apreensão do belo. Rio de Janeiro: Imago.        [ Links ]

Platão (2001). O banquete; Apologia de Sócrates (B. Nunes, trad.). Belém: UFPA.        [ Links ]

Rilke, R. M. (1993). Segunda elegia. In R. M. Rilke, Poemas (pp. 113-117). São Paulo: Companhia das Letras.        [ Links ]

Souza, G. de M. (2005). Macedo, Alencar, Machado e as roupas. In G. de M. e Souza, A ideia e o figurado (pp.73-89). São Paulo: Duas Cidades/ Ed.34        [ Links ]

Vernant, J.-P. (2000). O mundo dos humanos. In J.-P. Vernant, O universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das letras.        [ Links ]

Wong Kar-Wai. (2004). Eros: Episode The hand [Filme]. USA: Warner Bros.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Raya Angel Zonana
R. João Moura, 627/134 - Pinheiros
05412-911 São Paulo, SP
Fone: (11) 3064-7302
E-mail: rayaz@uol.com.br

Recebido em: 02/04/2009
Aceito em: 07/05/2009

 

 

* Membro associado da SBPSP.
1 Alighieri, D. (1993). Vida nova: Lisboa: Guimarães Ed. (p. 7).
2 Winnicott, D. W. O brincar e a realidade. Citado por Barthes, de memória, sem referências precisas, como em grande parte das citações da obra acima referida.
3 Eros é concebido após o banquete no qual se comemorava o nascimento de Afrodite, por isso ama o belo. É filho de Poros (expediente), que se embriaga no banquete e dorme com Pínia (pobreza), que mendigava ao final deste. Então, é sempre pobre, necessitado, mendigo, como a mãe, mas, como o pai, Eros, está sempre à espreita dos belos de corpo e alma, é ardiloso, corajoso, audaz e encantador para conquistar o que deseja. Em um momento floresce; no momento seguinte morre, retornando à vida depois. Consegue, com seus filtros, tudo o que quer, para em seguida, deixá-lo escapar de suas mãos.
4 Pandora foi criada pelos deuses à semelhança do aspecto feminino (parthénos) das deusas, com sua graça, uma beleza esplendorosa, mas com um espírito enganador, que seduz e aprisiona o homem, exigindo que ele lhe dê tudo, não se satisfazendo nunca e desejando sempre mais.
5 Anamorfose é uma construção, uma imagem que não é perceptível à primeira vista, mas por transposição óptica, por uma mudança de olhar, se reúne em uma forma legível.
6 No cinema, a imagem das vestes aguça a fantasia, que, na literatura, surge através da descrição dos detalhes. Gilda de Mello e Souza (2005) traz, num texto inspirado, uma análise das descrições das vestimentas feitas por alguns autores, entre eles Machado de Assis, afirmando que a expressividade com que esse escritor descreve as vestes femininas é, na verdade, uma metáfora da posse amorosa. Entre vários trechos que ilustram essa ideia, recolho um: Sofia era, em casa, muito melhor que no trem de ferro. Lá vestia a capa, embora tivesse os olhos descobertos; cá trazia à vista os olhos e o corpo, elegantemente apertado em um vestido de cambraia, mostrando as mãos, que eram bonitas, e um princípio de braço (...) Rubião desceu meio tonto (p. 85).
7 Essa ligação na qual o sujeito não pode senão insistir, aponta para a ideia de um masoquismo no qual Freud traça os passos da culpa edípica. Também a escolha amorosa que certos homens fazem (Freud, 1910/1970b) de uma mulher “sexualmente de má reputação e cuja fidelidade e integridade estão expostas a alguma dúvida” (p. 150) e que o homem necessita salvar, remete à mãe, àquela que já traiu o amor daquele mesmo menino ao qual “deu” a sexualidade. Xiao tenta “salvar” da ruína Miss Hua. Paga o aluguel do miserável hotel no qual ela vive, costura ainda seus vestidos e, assim, sente que tem certa posse de seu corpo. É essa sua maneira (ilusória) de tê-la.

Creative Commons License