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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. v.42 n.77 São Paulo dez. 2009

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

A construção do feminino: um mais-além do falo

 

The construction of feminine: beyond the phallus

 

La construcción de lo femenino: más allá del falo

 

 

Ronis Magdaleno Júnior*

Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Membro do Núcleo de Psicanálise de Campinas e Região
Doutorando em Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Partindo do material clínico do atendimento psicanalítico de uma paciente que apresentava uma estrutura histérica, marcada por uma frigidez importante e temores relacionados à gravidez, o autor propõe uma discussão sobre o vir a ser mulher. Explora,a partir dos trabalhos de Freud, a teoria desenvolvida sobre o desejo feminino, apontando para as questões deixadas em aberto ou para as quais foram criados impasses e conclusões falsas. Seguindo as ideias de Lacan e de outros autores da escola francesa de psicanálise, propõe expansões para o conhecimento daquilo que é o desejo da mulher, que conduziria para uma construção que está mais-além da lógica fálica e que remete a uma necessidade de constituir-se a partir de um furo não representável.

Palavras-chave: Psicanálise, Feminilidade, Mulher, Maternidade, Complexo de castração.


ABSTRACT

Based on the clinical material of psychoanalysis care of a patient who had a hysterical structure marked by an important frigidity and fears related to pregnancy, the author proposes a discussion about what it is to become a woman. From the works of Freud, he explores a theory on the female desire, pointing to issues which have been left open, or upon which false conclusion and conflits have been created. Following Lacan’s ideas as well as other psychoanalysis authors of the French school, the author proposes expanding the knowledge of what a woman’s desire is, building up to what goes beyond the phallic logic and referring to a need of setting herself up from a non representable gap.

Keywords: Psychoanalysis, Femininity, Woman, Motherhood, Castration complex.


RESUMEN

A partir del material clínico del tratamiento psicoanalítico de una paciente que presentaba una estructura histérica, señalada por una frigidez importante y temores relacionados al embarazo, el autor propone una discusión con respecto ‘del devenir mujer’. Investiga a partir de los trabajos de Freud la teoría desarrollada sobre el deseo femenino, señalando las cuestiones en abierto o para las cuales fueron creadas impases y conclusiones falsas. De acuerdo con las ideas de Lacan y otros autores más de la escuela francesa de psicoanálisis, propone expansiones para el conocimiento de lo que es el deseo de la mujer, que conduciría a la construcción que está más allá de la lógica fálica y que remite a una necesidad de constituirse a partir de un agujero no representable.

Palabras clave: Psicoanálisis, Feminidad, Mujer, Maternidad, Complejo de castración.


 

 

Freud formulava para si a questão que tenta determinar um anseio especificamente feminino, nos seguintes termos: Was will das Weib? (“O que quer a mulher?”). Sabemos que Freud (1937/1977) fez da inveja do pênis o rochedo incontornável no fim da análise das mulheres, e buscou, com esse elemento do complexo de castração, responder a questão da constituição do feminino e daquilo que seria específico do anseio feminino. A hipótese do desejo da menina de ter um pênis o obseda e condiciona sua visão em direção a esse ponto de fuga e de atração: a mulher quer ter um pênis, e somente aceitando a impossibilidade desse anseio pode deslizar para o desejo de ter um filho, que preencha substitutivamente o lugar do pênis para sempre perdido. Mas, sem dúvida, esse ponto de chegada jamais contentou o espírito crítico e observador, agudamente observador, de Freud, e a questão do anseio feminino e sua constituição continuou a reverberar em seu gênio.

É a partir dos trabalhos que tratam do complexo de castração e do Édipo feminino (Freud, 1923/1976d, 1924/1976b, 1925/1976a), mas sobretudo dos dois trabalhos que tratam mais especificamente da questão da feminilidade - “Sexualidade Feminina”, de 1931, e a conferência sobre a feminilidade, de 1932 - que Freud vai desenvolver aquilo que ele conseguia apreender sobre o ser mulher.

Muitas vozes femininas, de psicanalistas, se levantam desde a publicação por Freud de “A organização genital infantil”, em 1923 - entre elas, Anna Freud, Hélène Deutsch, Jeanne Lampl de Groot, Karen Horney, Ruth Mack Brunswick, Joan Rivière e Melanie Klein. Essas psicanalistas, a partir de suas próprias experiências clínicas e, provavelmente, pessoais, procuram enriquecer o campo de compreensão desse ‘continente negro’ que é a mulher, segundo definição do próprio Freud. Surgem, então, trabalhos que expandem significativamente o entendimento da feminilidade.1 O diálogo de Freud com essas autoras culminou com os artigos de 1931 e 1932, nos quais a ênfase é colocada na ligação pré-edípica intensa e longa da menina com sua mãe e nas consequências advindas desse fato.

O elemento ativo da relação da menina com sua mãe, e a importância disso na estruturação da feminilidade, supera muito a explicação inicial de Freud, que se ancorava de modo, poderíamos dizer, muito rígido ao rochedo incontornável da inveja do pênis. Nesse momento, o anseio ativo de ser possuída passivamente (Freud, 1931/1974b) é aquilo que torna a mulher essencialmente feminina, mas que ao mesmo tempo a coloca na condição de sujeição ao desejo e ao homem. Dilema difícil de ser superado, que torna o ser mulher um ‘vir a ser’ muito mais complexo que o processo seguido pelo menino, demarcado por um significante definido e balizador das angústias: o falo. É Lacan que vai, a partir de uma releitura de Freud, avançar no conhecimento sobre a mulher e o feminino, rearticulando a problemática fálica e seu corolário, o não-todo fálico, e seus gozos correspondentes.

Para situar e contextualizar meu desenvolvimento teórico, lançarei mão de algumas situações clínicas. Luciana tinha um verdadeiro terror de engravidar e dar à luz. Estava aí, logo de início, o seu fantasma delineado: algo que iria sair de dentro dela e instaurar o terror, indicando um mundo fantasmático, carregado de medos e terrores despertados pela proximidade com o outro que a deseja.

Outra queixa era a frigidez e uma rejeição a qualquer tentativa de aproximação física. Relacionava isso a vários motivos. Contudo, havia já - e eu podia identificar isso claramente - uma suspeita da parte dela de que o problema era mais complexo e permanente, ou seja, que a aproximação sexual e a possível gravidez a tocavam profundamente, mobilizando problemas ligados à sua condição feminina.

O que se passava dentro dela? A condição de mulher (vida sexual e gravidez), ao invés de conduzir a uma ampliação de seus horizontes e de sua criatividade, induzia cada vez mais a uma repulsa, a um enrijecimento defensivo e a um brotar de fantasmas ameaçadores e terroríficos. Onde poderíamos encontrar aqui qualquer traço do tão desejado e invejado pênis que a completaria? O que surgia dentro de seu mundo fantasmático, com a estimulação de seu desejo e com a proximidade do pênis e do filho? A impressão que eu tinha era que, ao se aproximar e ser convidada a ser mulher, fantasmas destrutivos irrompiam em lugar do gozo feminino. Tal impressão aponta, como veremos a seguir, para algo da essência do feminino, que passa inevitavelmente por algo abissal, tangenciando a morte.

Portanto, Luciana introduz desde sua primeira queixa o ponto de tensão máximo que permeará todo o seu processo analítico: para o que aponta o desejo feminino e qual a sua essência?

Certo dia, Luciana me diz que se admirava com o modo como eu conseguia relacionar as coisas que ela falava e ligá-las umas com as outras, coisa que ela se sentia impossibilitada de fazer. Foi como que uma confissão de que a capacidade de fazer ‘ligações’ era algo almejado e desejado por ela.

Foi um momento importante da análise, alcançado a duras penas, no qual ela conseguiu perceber o quanto estava congelada, o quanto sua frigidez e seus terrores tinham uma estreita relação com a impossibilidade de fazer movimentos e ligações, estrutura esta que estava cristalizada dentro dela.

 

O tornar-se mulher e a opção histérica

Freud perdeu Dora, pois acreditava na proposição simplista de que a mulher quer um homem. Talvez essa afirmação tangencie uma parte da verdade sobre a mulher, mas absolutamente não é acertada, em se tratando da histeria, que é, justamente, a resposta da mulher à lógica fálica. Em oposição a isto, a histérica:

Interroga a potência do pai e sua capacidade de desejar, recusando-se à posição de objeto sexual que lhe destina a fantasia masculina. Ela visa o limite do mito edipiano e da potência do falo. O discurso da histérica tem por função demonstrar que o mito edipiano e a lógica fálica desconhecem a existência da mulher como tal. Daí a ponta de desafio - entre esperança e desprezo - que marca frequentemente a sua relação transferencial com o analista. É ela que o obriga a se explicar (André, 1987, p. 14).

Desse modo, o insuportável para a histérica é justamente a posição passiva de estar entregue ao gozo do outro. Como histérica, ela não está, diria Lacan, no registro do não-todo, mas sim identificada com o que está sujeito à castração.

Freud (1969a/1905) tentou a todo custo mostrar para Dora que ela desejava o Sr. K., quase que a empurrando para ele. Mas era exatamente contra isso que Dora se revoltava. Ela estava, em verdade, intrigada com o corpo de outra mulher: a Sra. K. O problema da histérica é justamente tentar apreender seu ser “para além do que ela possa ser para um homem” (André, 1987, p. 14), e Freud, sem perceber, tentava impor a Dora justamente aquilo contra o que ela se rebelava a partir de sua opção histérica. A tentativa de impor o homem para a histérica só faz recrudescer sua revolta e sua recusa em ocupar o lugar da mulher na cena sexual.

Freud desde muito cedo se queixava da obscuridade que envolvia a vida sexual das mulheres e, por isso, definia-as como um continente negro (1926/1976e, p. 212). Ernest Jones (1955) relembra que Freud, certa vez, debatendo-se com essa obscuridade que cercava a feminilidade, teria dito a Marie Bonaparte que a grande questão que ainda não tinha sido capaz de responder, apesar de seus trinta anos de pesquisa da alma feminina, era: o que quer uma mulher?

A primeira resposta que Freud articulou para preencher essa obscuridade foi presumir que a psicologia das mulheres poderia ser tomada, mutatis mutandis, simplesmente como análoga à dos homens (Freud, 1969b/1905).

Da observação de Freud (1972/1908) sobre teorias sexuais infantis, surge uma saída para essa obscuridade: as meninas têm inveja do pênis e querem ser meninos. Acreditam, mesmo ante a visão crua da ausência de pênis em seus corpos, que ele estará lá, que seu pênis vai crescer e ficar como o dos meninos. Essa teoria certamente não dá conta de apreender a essência do feminino, mas por outro lado já apresenta o broto daquilo que será uma das verdades a qual chegou Freud a respeito da feminilidade: ela é um tornar-se, um vir a ser, algo que tem de ser construído sobre uma realidade anatômica incontornável, que é da ordem de uma ausência. Mas, até esse momento, aquilo que será construído não é uma mulher, mas um menino sem pênis, já que quando Freud toma esse caminho delimita a feminilidade como uma espécie de transexualidade específica da menina.

Nesse ponto, outra questão se impõe ao espírito observador de Freud: por que a menina deixa sua mãe e vai em busca do homem como objeto de amor? O menino deixa sua mãe por medo de ser castrado pelo pai - e a menina? A resposta vem, indiretamente, e pela primeira vez, em 1916, em seu trabalho “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho analítico”, em que responsabiliza por esse afastamento o ressentimento que fica nela em relação à sua mãe que a fez sem o pênis e pelo dano narcísico que isso implica.

As mulheres se consideram como tendo sido imerecidamente privadas de algo e injustamente tratadas; e a amargura de tantas filhas contra suas mães provém, em última análise, da censura contra estas por as terem trazido ao mundo como mulheres e não como homens (Freud, 1974a/1916, p. 356).

É somente em 1925 que Freud distingue claramente a feminilidade da masculinidade. Nesse trabalho, percebendo a diferença entre o desenvolvimento dos meninos e das meninas - tendo estas de abandonar o primeiro objeto de amor, ao passo que aqueles o retém -, questiona-se: “Como ocorre, então, que as meninas o abandonem (esse primeiro objeto de amor, ou seja, a mãe) e, ao invés, tomem o pai como objeto?” (Freud, 1976a/1925, p. 312). Contudo, a descoberta mais significativa nesse momento é que nas meninas o complexo de Édipo tem uma longa pré-história que irá por fim selar o seu destino, pois a menina durante esse período irá desenvolver fortes sentimentos de hostilidade contra a mãe, com violentas censuras por ela não ter lhe dado o pênis, sentindo-se preterida e enciumada em relação às outras crianças que, em sua fantasia, receberam o valioso órgão.

É nesse ponto que Freud situa a principal diferença entre o desenvolvimento sexual dos meninos e das meninas: nestas, o complexo de castração, ativado durante a pré-história do Édipo, as introduz na conflitiva edipiana, ao passo que nos meninos é o terror da castração, agudo e inegociável, que os tira, apavorados e aterrorizados, da dialética edipiana. É uma diferença significativa! Contudo, o problema permanece: as meninas querem ser meninos e ter, do pai, o filho, que será o falo, negado pela mãe. Ter um filho do pai - por aproximação simbólica: pênis = bebê - seria a realidade última com a qual toda mulher haveria de se conformar para ter o seu falo. Isso ainda está muito longe de tocar a essência do desejo da mulher.

O tornar-se mulher fica como um impasse que, ao fim, resigna-se a fazer da inveja do pênis o problema insuperável da análise de qualquer mulher (Freud, 1977/1937). O destino da feminilidade na teoria freudiana mantém-se bastante problemático até seus últimos escritos sobre o assunto. Mesmo em seus dois últimos artigos que tratam especificamente da sexualidade feminina, sustenta ele a posição de que a menina deve substituir, para se tornar mulher, o ardente desejo de ter o pênis pelo desejo de um filho, que não seria senão um deslizamento metonímico da ânsia primeira.

Contudo, nesses artigos finais sobre a feminilidade, Freud abre caminho para a compreensão da mulher ao lançar luzes sobre aquilo que chamou de fase pré-edípica da menina. Cito-o:

Muitos fenômenos da vida sexual feminina, que não foram compreendidos antes, podem ser integralmente explicados por referência à fase pré-edipiana da menina (...) A atitude hostil da menina para com a mãe, não é consequência da rivalidade implícita do complexo de Édipo, mas se origina da fase precedente, tendo sido simplesmente reforçada e explorada na situação edipiana (Freud, 1974b/1931, p. 265).

É nessa fase precedente ao Édipo que Freud localiza os motivos do afastamento raivoso e ressentido da menina em relação à mãe, as censuras a ela por não lhe ter dado um pênis apropriado e seu desvio em direção ao pai.

Ainda assim, essas conclusões não foram suficientes para convencê-lo de que o trabalho estava concluído, e confessa que “todos esses motivos, não obstante, parecem insuficientes para justificar a hostilidade final da menina” (Freud, 1974b/1931, p. 270). A intensa ambivalência, característica da sexualidade infantil, acaba servindo como uma explicação que Freud encontra para justificar o afastamento à força da menina em relação à mãe. O menino, ao desviar a hostilidade para o pai, que efetivamente pode castrá-lo, tem assim à sua disposição uma saída que a menina não dispõe. Ela permanece enredada e aprisionada em seus fantasmas em decorrência da falta do pênis enquanto articulador das angústias, o que prolonga sua fase pré-edipiana por um período muito mais longo que aquele do menino.

A descoberta do que se passa na pré-história do Édipo da menina é responsabilizada, ainda que parcialmente, pela mudança de objeto que ela tem de fazer rumo à feminilidade. Entretanto apenas a mudança de objeto não é suficiente para ela atingir tal meta, precisando também necessariamente mudar o seu órgão genital nesse percurso, abandonar o clitóris (o pequeno pênis) e instituir a vagina em seu lugar. E é aí que se situa outro problema no pensamento freudiano: como tal mudança poderia ser assegurada por algo que se assenta, no fundo, sobre o desejo de ser como um homem? Ou seja, por que a menina, que não quer outra coisa que não ser menino, abandonaria seu clitóris como órgão sexual por excelência, sobretudo sabendo que não corre o risco de castração. Freud fecha essa questão supondo que o medo da menina relaciona-se à perda do amor dos pais, mas isso não convence...

Resta, então, depois de Freud, muita coisa a ser elucidada nesse tornar-se mulher.

Serge André (1987), seguindo os passos de Lacan, demonstra que, ao reexaminarmos os caminhos que Freud percorreu em sua busca de resposta para esse anseio feminino, iremos reconhecer duas grandes orientações que vão dividir a abordagem que podemos fazer do assunto: a vertente do real, ou seja, do não-reconhecível, do mutismo e da morte, e a vertente da castração, ou seja, do primado do falo. Ao longo dos anos, essa segunda vertente ganhou cada vez mais terreno sobre a outra, até absorvê-la e recobri-la completamente. E é justamente a partir da primeira, que ficou encoberta, que podemos ir mais longe na compreensão do desejo da mulher. A elaboração lacaniana faz emergir progressivamente a instância do real pelo sistema simbólico, ao contrário da freudiana, na qual o real vai sendo gradualmente recoberto pelo simbólico.

Acompanhamos em Freud uma elucidação que parte do real para chegar à castração e fazer desta uma verdadeira tela para o real - a ponto de, nos últimos textos, o próprio trauma ser atribuído ao medo da castração, mais que à emergência do real. Em Lacan, ao contrário, o deciframento parte da castração e atinge um ponto de real - de tal sorte que o sistema simbólico se revela não mais como um recobrimento, mas como aquilo que atravessa os furos por onde se manifesta a hiância do real. Essa inversão traz consequências importantes quanto ao lugar a que cada um desses autores chegou em relação à feminilidade. Freud fica aprisionado na referência ao complexo de castração, enquanto Lacan termina por considerar que a feminilidade só pode ser corretamente apreendida da emergência do real, que faz com que uma mulher, mesmo aprisionada no complexo de castração, ainda assim esteja não-toda fixada nele, uma parte dela mesma não respondendo à função do falo.

Lacan, ao desenvolver a vertente do real,2 introduz a instigante máxima: a mulher não existe, partindo da ideia de não haver um significante específico para o sexo feminino, ao contrário do sexo masculino que tem o falo como significante (Lacan, 2003/1971-1972). Segundo a aguda percepção de André, a interpretação do sonho da injeção de Irma talvez tenha sido o primeiro encontro verdadeiro de Freud com o mistério da feminilidade, “pois ao olhar para a carne crua no fundo de sua garganta aberta, constitui o ponto de partida para uma via de acesso para a feminilidade” (André, 1987, p. 46). Isso vem retomar uma verdade primeira da doutrina freudiana, ou seja, se a mulher não existe, pois não existe um significante primordial feminino, ser mulher é um tornar-se a partir de um real inominável. O que Freud descobre está na origem dos três temas que vão posteriormente atravessar toda a sua obra, e tornarem-se, por assim dizer, os fios condutores para apreender a mulher: o da realidade do órgão genital feminino e o horror que este suscita; o das três mulheres, cujo auge é a mulher como figura da morte; e o do umbigo, do não-reconhecível, da feminilidade enquanto furo. O sonho é, “no momento que Irma abre a boca e mostra o interior de sua garganta (segundo Lacan, ‘a carne que nunca se vê, o fundo das coisas, o avesso da face, os secretes’3), uma abertura para a imagem horrível da carne bruta, não adornada pela imagem erotizada do corpo” (André, 1987, p. 52). Diz Lacan que há ali “alguma coisa de inominável ... o abismo do órgão feminino de onde sai toda a vida ... e também a imagem da morte aonde tudo vem terminar” (Lacan, 1985/1954-1955, p. 208).

A partir daqui, Lacan afasta-se de Freud quanto à possibilidade de utilizar-se do falo exclusivamente para a compreensão do feminino. A mulher constrói-se também a partir de outro lugar, que remete ao real, ao não reconhecível.

Segundo Menezes (1985), deve ficar bem entendido que a questão não se coloca em torno da importância e do lugar do pênis real na castração e na determinação da diferença dos sexos, mas do lugar do falo, que é o pênis na medida em que pode faltar.

Um pênis, a rigor, não significa nada ‘em si’, adquirindo importância apenas pelo significado que lhe é dado no sistema articulado de significantes (a ordem simbólica), que este sim, se estruturando em torno de um símbolo privilegiado - o falo - como quer Lacan, poderia relançar a questão do falocentrismo freudiano em outros termos. O falo como significante primordial polarizador dos encadeamentos discursivos é um referente simbólico, em função do qual se organizam dois territórios: um bem definido, masculino, constituído de seres que têm em comum a marca (fálica) do reconhecimento pelo Pai, e um outro, feminino, aberto, constituído por exclusão (‘o que não é’), ficando este numa posição de exterioridade em relação ao primeiro” (Menezes, 1985, p. 7).

É desse fato, dessa posição de exterioridade, que decorrem as muitas vicissitudes do funcionamento feminino, bem com as diferentes estratégias para fazer frente a ela: “é na histérica que aparece em toda sua extensão esta condição de marginalidade, de exclusão e de exílio para fora dos muros da cidade construída sob o signo do falo. A histérica recusa esta distribuição” (Menezes, 1985, p. 7).

Compreende-se que a realidade do sexo não é o órgão real anatômico, mesmo porque à partição masculino/feminino, que a anatomia sexual coloca em evidência, o saber inconsciente prefere a oposição castrado/não-castrado. Assim, a realidade do sexo para o inconsciente só reconhece um único órgão - que é o falo -, havendo, portanto, no início da vida psíquica do sujeito, uma ignorância, “um não saber que nada pode remediar”, em que viriam se alojar as primeiras teorias sexuais infantis que, entretanto, já conteriam “um fragmento de pura verdade” (Freud, 1972/1908, p. 218).

Para Lacan (1990/1964), entre o furo (falta do significante) e a castração, a relação não é de um simples recobrimento, não devendo aquele ser considerado como anterior a um significante que vem nomeá-lo. O furo não aparece como tal senão pelos significantes que recortam suas bordas e o produz como seu interior. Assim, o falo não camufla o furo, mas fá-lo surgir com seu mais-além. Pergunta-se Lacan: “Onde está o fundo? Será a ausência? Não. A ruptura, a fenda, o traço da abertura faz surgir a ausência - como o grito não se perfila sobre o fundo de silêncio, mas, ao contrário, o faz surgir como silêncio” (Lacan, 1990/1964, p. 31).

Esse mais-além do falo abre novas perspectivas para a compreensão do tornar-se mulher a partir da falta do significante, do furo, e que é essencialmente diferente da estruturação da mulher partindo de sua relação com o falo. Penso que essa ideia vai ao encontro daquela apresentada por Jones (1927), quando conceitua que a fase fálica nas meninas constitui uma reação secundária, protetora, mais que um estágio desenvolvimental genuíno. Entendo que, para ele, a configuração fálica da menina apresenta-se como uma tentativa necessária, mas insatisfatória, de ela se haver com as violentas vivências que se instalam sem representação em sua mente.

O problema da menina é como se constituir a partir da ausência, como balizar as intensas e violentas sensações que partem de seu interior e não encontram nenhuma representação onde ancorar. A falta do significante fálico coloca a menina em uma condição peculiar, pois são os “significantes fornecidos pela Natureza, que organizam de modo inaugural as relações humanas e lhes dão estrutura” (Lacan, 1990/1964, p. 26). Portanto, a falta de um significante feminino implica um árduo trabalho de constituir-se a partir do vazio, do furo, em meio a turbulentas revoluções internas. Mas é isso que, por outro lado, abre caminho para um outro gozo, além do fálico, que é o que torna, como veremos, a mulher, Mulher.

A histérica, incapaz de se tornar mulher, incapaz de suportar a angústia relacionada a essa condição, fica condenada a um viver recoberto pelo falo e a relembrar o tempo todo sua revolta em ser introduzida na lógica fálica. Ela não aceita, não suporta esse lugar, digamos assim, vazio, de objeto do desejo masculino, de ser a mulher, o ser castrado. Encontra-se prisioneira dessa lógica, pois ao não conseguir dizer-se, apela o tempo todo ao significante fálico para falar de si. É dentro dessa dialética que a histérica vive aprisionada, assim como Freud, que acreditou que a mulher não poderia se dizer a não ser a partir do significante fálico. A mulher na teoria freudiana não conseguiria passar de uma histérica com filhos. Muito além disso, a condição de mulher aponta para um mais-além, para o lugar do não-dizível, para o abismo. A sexualidade masculina, pelo contrário, deve ser recalcada na menina, para que a essência da mulher possa se constituir nela.

Ao voltar sua atenção para a vertente do real, Lacan abre novos caminhos para chegarmos mais perto da essência do feminino e nos leva a conceber o ser mulher como um constituir-se pelas bordas, que inevitavelmente delimita um furo inominável a ser suportado.

Soler (2003), indo em direção à Mulher,4 a partir da noção lacaniana de um além do falo, diz que o desejo dela aponta para algo da ordem de uma tentação abissal, contra a qual recorre ao amor do homem, para que este a proteja de si mesma. É nesse ponto que a autora localiza duas características que, a seu ver, são próprias da mulher: “o desejo de ser única e a exaltação do amor até a morte, e que se afirma sob a forma de um aniquilamento de todos os objetos correlacionados à função fálica, ou seja, com a falta” (Soler, 2003, p. 21). Ocorre, aqui, um afastamento da conclusão de Freud, para quem a feminilidade da mulher deriva de ser castrada, e que seria essa falta do falo que a incitaria a se voltar para o amor de um homem. A busca do homem, mais do que encontrar o falo ausente, visa protegê-la da tentação por um gozo outro, esse gozo além do fálico.

Essa tentação seria um fascínio pelo abismo, onde impera a aspiração mortal que rompe todo o vínculo humano, “em nome de um anseio propriamente abissal, de uma vertigem do absoluto da qual o amor e a morte são apenas os nomes mais comuns, e para os quais o nome de gozo não seria inoportuno” (Soler, 2003, p. 22). É do conceito lacaniano de um bi-gozo que essa autora parte. Em lugar da bissexualidade, proposta por Freud, Lacan propõe um bi-gozo da mulher, um gozo outro que não se restringe ao gozo fálico, e que tem em sua essência esse anseio abissal, uma vertigem do absoluto, que em seu extremo toca a morte. André (1987) esclarece essa questão quando diz que para Lacan a divisão do sujeito em face ao sexual não é uma divisão entre dois sexos, mas entre dois gozos, um todo-fálico e outro não-todo, “o primeiro fazendo surgir o outro como seu mais-além, sendo a bissexualidade, em realidade, um bi-gozo” (André, 1987, p. 16).

A tentação não é a de trair um homem pelo outro, mas trair “todos os objetos que respondem à falta inscrita pela função fálica, em prol do abismo. Esse traço de aniquilação, quase sacrificial, é a marca própria que designa o limiar, a fronteira da parte ‘não’ do todo fálico, do não-todo, Outro absoluto” (Soler, 2003, p. 22). A histérica, por sua vez, faz um protesto em nome da Mulher, contra a divisão subjetiva que lhe impõe a impotência do saber para nomear o feminino como tal. Ela protesta contra o saber fálico.

Os efeitos subjetivos dessa parte “não” da mulher, “esse gozo suplementar que a feminilidade furta, faz dela, não um outro sexo, mas o Outro absoluto” (Soler, 2003, p. 28), lugar de vertigem e medo. É a parte indizível e inalcançável do Ser, lugar recusado, por ser insuportável, pela histérica e, a meu ver, buscado pela Mulher. Penso que suportar e gozar nesse lugar, “assumir como um gozo a própria injustiça que lhe causa horror” (Lacan, 1985/1960-1961, p. 296), é o que está mais além do gozo fálico e que caracteriza a Mulher.

A menina, após um primeiro momento defensivo, no qual imagina um falo para se haver com as angústias primitivas, precisa suportar o percurso em direção à Mulher, que comporta um deslocamento do órgão sexual por excelência do clitóris, não para a vagina propriamente, mas para a não representação que ela introduz, abertura para o mundo interno e externo, lugar a ser constituído pelas bordas, e que a coloca em contato aberto com o infinito. O filho, mais do que o deslizamento metonímico para o falo, representa o contato direto com a imortalidade da matéria e com o infinito, o abismo inominável, o anseio feminino.

Soler (2003) cita Lacan que, em seu seminário sobre a transferência, refere-se ao final do livro de Leon Bloy, La femme pauvre, no qual o autor faz uma descrição da mulher que corrobora essa conclusão. Lemos o seguinte: “Ela compreendeu até, o que não está muito longe do sublime, que a mulher só existe de verdade sob a condição de existir sem pão, sem pouso, sem amigos, sem marido e sem filhos. É só assim que ela pode forçar o seu senhor a descer” (Soler, 2003, p. 22). Seguindo os passos de Lacan, a autora assinala que a marca do feminino, que chamou de “aniquilamento”, “indica uma estrutura em ação” (Soler, 2003, p. 23), o que está além e é de uma outra qualidade que a textura fálica. Assim, para essa autora, “a lógica da castração não regula todo o campo do gozo: há uma parte dele que não passa pelo Um fálico e que permanece real, fora do simbólico” (Soler, 2003, p. 23).

Depreende-se do que foi dito que o lugar do gozo propriamente feminino é algo da natureza de uma estrutura a ser construída e representada no espaço mental da mulher, a partir de um furo não significante. Em razão disso, a presença do pênis ou do bebê dentro de uma vagina-útero que não tem ainda uma constituição significante, mesmo que pelas bordas, são vividos como profundamente traumáticos, pois invertem a ordem da constituição. Talvez seja por isso que Luciana não pode desejar um homem, já que o elemento traumatizante da sexualidade para ela é, justamente, essa redução de si, enquanto Outro do desejo masculino, ao nível de abjeto objeto de gozo do outro. Sem ter essa “estrutura em ação” (Soler, 2003, p. 23) estabelecida em sua constituição identitária, o desejo do Outro não pode ser suportado, pois remete a um real intolerável, que se aproxima da morte e do horror do real do corpo dessexualizado.

É a percepção muito inicial da vagina, como furo na constituição do Eu-corpo e suas inclinações orais que introduzem a menina no longo e turbulento período de relacionamento inicial com a mãe. E poderíamos pensar nessa longa ligação pré-edipiana da menina com a mãe como uma tentativa de constituir esse bordeamento do furo, a partir de elementos outros que não aqueles sádicos, orais e anais. Assim, a estruturação fálica seria uma tentativa de criar essa borda mais além de um modelo sádico.

Certa altura da análise, vou me dando conta de que Luciana percebia que sofria com esse mundo que havia criado. Começo notar que ela chora baixinho, escondido, durante as sessões, coisa que não fazia, mesmo em momentos de muito desespero. Ela percebe que construiu uma casa-corpo, dentro da qual se sente desconfortável, com medo, quer sair dali mas não pode, sente-se condenada a um lugar inóspito e cheio de ameaças.

Construiu uma equação na qual mulher = submissão. Ser mulher é submeter-se ao gozo narcísico e violento do homem - e sua resposta, sua revolta é gozar com a impotência e o sofrimento do homem. Ante a recusa em se submeter ao gozo masculino, poda o homem de sua potência, e goza ao vê-lo debatendo-se impotente à sua frente. A cena sexual fica marcada por uma agressão velada ao potencial criativo da dupla, e o gozo desloca-se para essa modalidade sádica de contato.

O que quer essa mulher? O desejo feminino, mais do que o masculino, aponta para uma falta dupla: aquela essencial, que constitui o núcleo do desejo, objeto irrecuperável, pois nunca esteve realmente presente; e aquela referente à ausência do significante fálico, que introduz a mulher no universo da falta sem o ancoramento protetor que o falo oferece ao menino em sua constituição identitária.

A menina para tornar-se mulher há de se confrontar com o sentimento de estar lesada e agredida em sua constituição, exposta a uma violência, privada do falo, ou seja, daquilo que poderia dar um alento e servir como polarizador para as angústias do viver, e aberta para a inquietante realidade. Para Lacan (1985/1960-1961, p. 296), “ela deve assumir como um gozo a própria injustiça que lhe causa horror”. E aí aparece o paradoxo de seu desejo: para desejar, ela precisa desligar-se do ódio por aqueles que a fizeram como é, e gozar com o desejo do homem que a deseja como o Outro absoluto de seu desejo. Para poder gozar nesse lugar, deve ter podido atravessar todo um mundo fantasmático, carregado de objetos ameaçadores e violentos, provenientes de sua relação primitiva com uma mãe que não a fez completa.

No momento em que Luciana pôde começar a bancar o seu desejo, configura-se em seu espaço mental um sentimento de fragilidade, de vazio, de oco. O contato íntimo com sua condição de mulher obriga-a, necessariamente, a se haver com o vazio representacional que isso significa, com a nostalgia de uma perda absoluta, com a necessidade de construir algum contorno para si mesma, para poder se sentir inteira e existindo.

A falta da referência fálica, agora já melhor articulada e percebida em sua estrutura, a coloca frente a frente com as questões que tocam na essência daquilo que é ser mulher: o pavor de se deparar com angústias inomináveis (estas também presentes no menino) e a impossibilidade de recorrer ao falo como ponto de balizamento, polarizador de angústias, resultando numa vivência profunda de prejuízo corporal, doença e morte.

Nesse momento da análise, começa a se construir uma estrutura feminina: o desejo que a introduz em um perigo inominável, e que tem a característica de uma tentação, mas que a dirige para a busca, no homem, de sua satisfação e nele poder encontrar continência para seu impasse.

As malhas do recalque começam a se afrouxar, surgem novas associações, novas formas de expressão corporal, facial, muda seu modo de se vestir. Esboçava, ao final de cada sessão, um sorriso - tímido, mas que lá estava - que contrastava com a expressão anterior, sempre sisuda, de Luciana.

Reposiciona-se frente a seu desejo, frente à falsa conexão fantasmática - que por tanto tempo a perseguiu -, frente à equação potência = destruição e, logo, desejo = morte.

Com a suspensão do recalcamento, vamos acompanhando a eclosão de desejos, fantasmas e movimentos genuinamente femininos: ser o objeto do desejo de um homem que seja seu, que a possua e a proteja de seu (da Mulher) próprio desejo.

A menina que não pode fazer essa articulação, que fica impossibilitada de constituir-se, por assim dizer, pelas bordas, pelas bordas do furo, fica condenada a funcionar aprisionada na lógica fálica. Transforma-se ela própria no falo ou busca a posse deste no homem, ao qual se aprisiona, e fica condenada a gozar no sintoma neurótico e na sua contraparte de frigidez e paralisia. A posição feminina implica, portanto, um poder fruir o desejo do homem, fruir deste lugar de Objeto absoluto, e não ficar aprisionada na rivalidade fálica. É uma posição ativa de fruição receptiva.

 

Comentários finais

Para Freud, no final de sua obra, o tornar-se mulher implica quatro pontos fundamentais, que seriam: a substituição do clitóris pela vagina como órgão sexual por excelência; o dar preferência para fins passivos (apesar de para isso ser necessária uma grande quantidade de atividade); o desejo de ter um bebê (por equivalência simbólica com o ter o pênis), e a necessidade de ser amada (narcisismo) suplantando a de amar.

Percebe-se que os elementos que utiliza para definir a condição feminina são fortemente marcados por aquilo que Lacan chamou de vertente da castração. Aquilo que está além da vertente da castração fica em grande parte fora do campo de compreensão freudiano.

O fato é que Freud, ao debruçar-se sobre a histérica e propor-se a ouvi-la, abriu uma primeira possibilidade de desviar o interesse científico e - por que não? - o social, para a questão da mulher.

Depois de Freud, sobretudo graças a psicanalistas mulheres, a vertente que foi deixada inexplorada vai sendo investigada e, consequentemente, vai se aproximando da essência do feminino, como esse mais além do falo, como a figura maior do não-todo que o inconsciente diz. A teoria da castração - e aqui é Lacan quem nos diz - seria a resposta que o inconsciente elabora em face do impossível de dizer o que o sexo feminino encarna. A castração seria a construção pela qual o ser humano procura dizer a falta, mas que, ao mesmo tempo, reforça a impossibilidade de dizer a falta enquanto tal, dizer o feminino enquanto tal. Está aqui toda a dificuldade de se procurar falar da mulher para além daquilo que Freud alcançou, ou seja, falar da mulher para além do falo, a partir da vertente de um real indizível, posto que é falta-em-si.

O mistério que sempre cercou a condição da Mulher, mistério e mentira, certamente passa por essa estrutura que fundamenta a condição da feminilidade, necessariamente apoiado em um mais além do significante, num indizível, naquilo que é irrepresentável.

Luciana, impossibilitada de constituir-se como mulher, lançou mão do modelo fálico para encobrir aquilo que apenas agora, neste momento da análise, ela começa a tangenciar como uma realidade necessária: que seu desejo aponta para um indizível e que a condena a uma espécie de tentação a ser o Objeto por excelência do desejo do homem. Esse gozo, mais-além do gozo fálico masculino, esse poder gozar com o gozo do Outro, a partir do lugar de Objeto Absoluto, talvez se aproxime daquilo que Freud chamou de relação objetal, a partir da resolução do complexo de Édipo, dentro de um modelo genital e que admita a diferença.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Ronis Magdaleno Júnior
R. Padre Almeida, 515/14
13025-251 Campinas, SP
Fone: (19) 3254-2103
E-mail: ronism@uol.com.br

Recebido em: 13/04/2009
Aceito em: 02/07/2009

 

 

* Psicanalista. Membro associado da SBPSP. Membro do Núcleo de Psicanálise de Campinas e Região. Doutorando em Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
1 Uma excelente coletânea de trabalhos dessas psicanalistas foi elaborada por Marie-Christine Hamon no livro Féminité mascarade, em que ela mostra esse movimento que surgiu na psicanálise após a publicação por Freud desses trabalhos que tratavam da diferença dos sexos.
2 Entenda-se aqui o real como ‘o correlativo da representação’ (Lacan, seminário 11, 1990/1964, p. 61), ou, como acrescentado por André (1987): ‘o correlativo dessexualizado de uma representação sexualizada’ (André, p. 67).
3 Que poderíamos traduzir por secreções e, ao mesmo tempo, por segredados, segredos.
4 “Escrevo Mulher com inicial maiúscula para designar A Mulher, o Outro (Objeto) Absoluto na linguagem de Lacan, e que vive sob a Égide da tentação abissal” (Soler, 2003).

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