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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.43 no.78 São Paulo June 2010

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Presença do paradoxo na construção de vínculos: clínica, alteridade e cultura1

 

Paradox and Bonds: a clinical assessment of otherness and culture

 

Presencia de la paradoja en la construcción de vínculos: clínica, alteridad y cultura

 

 

Bernardo Tanis2

Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP
Editor da Revista Brasileira de Psicanálise da Federação Brasileira de Psicanálise FEBRAPSI

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é refletir sobre a relevância clínica da noção de paradoxo. O autor usa como referência alguns dos principais paradoxos constitutivos da subjetividade, formulados por Winnicott. Serão abordadas, para ilustrar suas ideias, duas coordenadas: a estrangeridade do outro e a dimensão espaço-temporal que, pela relevância clínica e teórica, constituem eixos centrais do fazer e da reflexão psicanalítica. As noções de paradoxo e fenômenos transicionais revelam uma importante fecundidade para investigar as transformações na subjetividade contemporânea e oferecem recursos para uma clínica em permanente movimento.

Palavras-chave: Paradoxo, Clínica psicanalítica, Fenômenos transicionais, Outro, Cultura.


ABSTRACT

The present paper investigates the clinical relevance of the notion of paradox, in particular the paradoxes that constitute subjectivity, as formulated by Winnicott. In order to illustrate this hypothesis, two central axes of psychoanalytical theory and clinic are explored: the otherness and the spatial-temporal dimensions. We conclude that the notions of paradox and transitional phenomena are important to investigate transformations in contemporary subjectivity and offer useful resources for a dynamic understanding of the psychoanalytical clinic.

Keywords: Paradoxes, Psychoanalytical clinic, Transitional phenomena, Otherness, Culture.


RESUMEN

Este trabajo propone una reflexión acerca de la importancia de la paradoja para el psicoanálisis. Toma como referencia las principales paradojas constitutivas de la subjetividad formuladas por Winnicott. Proponemos, para ilustrar nuestras ideas, dos coordenadas: la alteridad y la dimensión espacio-temporal que, por su peso clínico y teórico, constituyen ejes centrales del hacer y reflexión psicoanalítica. Las nociones de paradoja y fenómenos transicionales se revelan fecundas para investigar las transformaciones de la subjetividad contemporánea y ofrecen recursos para una clínica en permanente movimiento.

Palabras clave: Paradoja, Clínica psicoanalítica, Fenómenos transicionales, Otro, Cultura.


 

 

O sujeito deverá habitar o paradoxo que produz um trabalho; representar para si o estranho do outro, com o qual este deixará de sê-lo para se encontrar com o outro que oferece sempre algo não representável, vale dizer estranho.
Berenstein, I. (2004, p. 142)

Era de fato a primeira vez que pensava na França como um país estrangeiro, o que vinha provar que estávamos mais uma vez em casa.
Gary, R. (1988, p. 128)

 

Considerações gerais

O objetivo deste trabalho é discutir algumas situações clínicas e culturais nas quais a questão do paradoxo, na sua fecunda multiplicidade, como apresentada por Winnicott, se faz presente. Pretendo transmitir algumas ideias sobre o modo como venho apropriando-me dessa noção e o uso que faço dela para minhas inquietações psicanalíticas.

Ao lado de noções freudianas de transferência e de interpretação, eixo em torno dos quais gravita a clínica, ocupei-me das condições propiciadoras de transformação que criamos na situação analítica, e o potencial terapêutico dessa situação. Après-coup percebo que minhas reflexões, leituras e inquietações têm sido permeadas pelo conceito de paradoxo. Recentemente, Tanis (2009), desenvolvi algumas ideias mais específicas sobre o lugar do analista na clínica com crianças e adolescentes que perderam um dos seus pais. O trabalho faz referência, entre outros aspectos da questão, ao lugar e efeitos da pessoa e presença do analista3 e sua contribuição na metabolização dessas terríveis perdas.

Minhas reflexões e interesses expandiram-se há alguns anos em torno da interface clínica-cultura e resultaram numa tese de doutorado, Tanis (2005), sobre a solidão na clínica e na cultura e que retomava, entre outros modelos que visam a apreensão da solidão em psicanálise, um dos paradoxos fundamentais de Winnicott em torno da capacidade de estar só na presença de alguém.

Ampliava, assim, meu interesse clínico e minha reflexão sobre o campo do outro para uma dimensão espaço-temporal mais abrangente, para a complexidade dos processos de subjetivação e constituição do eu no campo da cultura em geral. Processo no qual se situam, como nos indica Winnicott (1969, p. 133) no capítulo “Localização da experiência cultural” de O brincar e a realidade, os paradoxos interior-exterior, subjetivo-objetivo, ilusão-realidade, temas clássicos na história do pensamento filosófico, em torno dos quais desenvolve suas ideias sobre o espaço potencial e os fenômenos transicionais.

Hoje percebo que a ideia de paradoxo tem percorrido, às vezes silenciosa, outras mais ruidosamente, meu trajeto analítico. Assim, chegamos ao tema deste trabalho: “Presença do paradoxo na construção de vínculos na clínica e na cultura”. Ponto de chegada e, talvez, partida para novas investidas.

Pretendo, neste trabalho, retomar alguns aspectos do potencial heurístico e transformador de alguns dos principais paradoxos apontados por Winnicott em torno da compreensão dos processos que levam à constituição da subjetividade humana e seu importante potencial de criar vínculos (ligações), seja no campo clínico, seja na dimensão mais ampla do laço social na cultura. Estamos aqui em contato com a possibilidade de sonhar, do trânsito entre os processos primários e secundários, a capacidade de simbolização e de criação, enfim, a existência possível de vida psíquica.

Farei referência, também, ao potencial traumático do paradoxo na comunicação e na cultura, aos riscos para a vida psíquica e para a saúde mental quando a tensão inerente ao paradoxo e à contradição ultrapassa as capacidades de ligação do eu. Este último aspecto merece especial atenção em nossos dias, a partir de uma perspectiva psicanalítica da cultura, como pretendo indicar neste trabalho.

Embora tenham sido destacadas, nos últimos anos, as forças atomizadoras que apontam para o desligamento, desenraizamento, vazio e sentimentos negativos de solidão emergentes na nossa cultura, podemos identificar outros movimentos construtivos, nada melancolizantes, que já nos assinalam a importância de uma abordagem menos unidirecional e que leve em consideração o paradoxo como elemento analisante desses fenômenos.

Pensar os vínculos hoje é investigar, a partir de uma perspectiva polifônica, o espaço intermediário, potencial entre as condições reais de nossa existência, e a dimensão simbólico-pulsional do acontecer humano. Acontecer ameaçado pelo risco do desenraizamento, excessos de informação, fenômenos de exclusão social, insegurança e medo, assim como pela violência que desafia o frágil tecido das nossas representações. No filme baseado no livro de Saramago (1995) Ensaio sobre a cegueira assistimos ao esgarçamento do tecido fino que Freud denominou Kulturarbaiten4. Ele mostra a violência, o egoísmo e desespero ao qual o homem pode ser conduzido, mas também o amor e potencial de Eros que sobrevive nas piores condições de degradação física e moral, como os vários relatos sobre o Holocausto testemunham. Estará em jogo como os analistas pensamos e, principalmente, elaboramos clínica e teoricamente essas configurações paradoxais.

Vínculo, paradoxo e capacidade de ligação mantêm uma estreita relação e terão um espaço privilegiado na escuta clínica. Embora ligação e vínculo apareçam na sua forma substantiva, destaco que a ideia de movimento está inseparavelmente contida. Ligar, vincular, conectar, essas formas verbais parecem intimamente imbricadas na dimensão pulsional da vida psíquica.

 

Paradoxo e vínculo

Acompanhemos Brussett (2005) num extenso relatório apresentado no 66º Congresso de Psicanalistas de Língua Francesa, no qual destaca a polissemia inerente à noção de vínculo em psicanálise. Noção que supõe um entre dois, que une, junta, seduz, captura ou entrava. Embora o autor ressalte as tensões entre as diferentes contribuições e teorização em torno dessa noção, não deixa de enfatizar a presença marcante da ideia de vínculo5 na psicanálise contemporânea; preocupada com as questões dos limites, dos espaços, de uma tópica que busca localizar o binômio si-objeto (soi-objet).

Concebido por Freud em termos de relação de objeto, o vínculo assumirá diversas características: objetais, narcísicas, identificatórias, passionais ou perversas. Marcado pelas fixações pulsionais dará as cartas no contexto analítico no jogo transferencial.

Bowlby, em sua teoria em torno do vínculo de apego (attachment), descreve um vínculo que assume um traço quase etológico em certa tensão com uma perspectiva mais conflitiva da relação com o outro no campo pulsional, como a conhecemos em psicanálise.

Já para Bion (1962) a noção toma um sentido forte, contempla o conflito, e o trata como uma noção central na sua construção teórica. Os três tipos de vínculo – amor, ódio e conhecimento – estão no fundamento da vida inter e intrasubjetiva. O ataque ao vínculo (link) (1967) assume uma dimensão metapsicológica mais do que a de uma fenomenologia relacional descritiva. Há uma preocupação com o aspecto comunicacional no “entre” mais do que no interno ou externo, visão mais dominante em certos momentos da concepção objetal de Klein.

Mas será com Winnicott que a noção de “entre” ganha um estatuto metapsicológico forte, transformando radicalmente a noção de espaço e lugar psíquico. E será com ele que as noções de paradoxo e vínculo (ligação) se entrelaçam, como veremos adiante. Mas a fecundidade dessas noções pode ser antecipada pelos comentários de André Green6 (1996, 2007) que propõe a noção de processos terciários como processos de relação entre processos primários e secundários, antecipada segundo esse autor, pela trilha aberta por Freud em A interpretação dos sonhos, quando assinala a ideia de ligação (lien) inerente à experiência de satisfação e emergência do desejo. Aqui, Green faz trabalhar a ideia winnicottiana de campo da ilusão. “Como se não devesse ser colocada a questão da realidade ou não do que está em jogo. Esse campo deve ser preservado enquanto tal. Campo paradigmático no qual será constituído o espaço analítico da transferência” (Green, 1996, p. 188). Face à impossibilidade de preservar este campo em determinadas configurações psíquicas, o autor deriva a necessidade de variações que implicam a acomodação da situação analítica para adaptá-la à estrutura do paciente.

Embora o paradoxo nasça no campo da lógica e tenha uma longa trajetória desde os gregos, acabou entrando para o campo da filosofia e da psicanálise para se tornar uma noção central de importantíssima relevância clínica e epistemológica. Em um sentido amplo, o paradoxo alude ao que é contrário à opinião comum, a doxa, ou à opinião admitida como válida.

Em Filosofia, paradoxo designa o que é aparentemente contraditório, mas que apesar de tudo tem sentido. Faz parte da família das oposições como a contradição, a antinomia e a aporia. Um paradoxo lógico consiste em duas proposições contrárias ou contraditórias derivadas conjuntamente a partir de argumentos que não se revelaram incorretos fora do contexto particular que gera o paradoxo. Os paradoxos sempre exerceram um grande fascínio. Apenas uma curiosa ilustração no campo das discussões teológicas: “Pode Deus (onipotente) criar uma pedra que não consiga levantar?”.

Roussillon (1991), psicanalista francês, num rico estudo sobre paradoxo na clínica psicanalítica – Paradoxos e situações limites em psicanálise – destaca dois grandes grupos: paradoxos vinculados à dimensão de uma comunicação paradoxal e outros vinculados aos fenômenos transicionais e ao espaço potencial como desenvolvidos pioneiramente por Winnicott. Vamos dedicar um breve olhar a ambos, levando em consideração alguns comentários desse autor.

 

Paradoxos da comunicação ou vínculos paradoxais

A primeira foi bastante estudada pelo Grupo de Palo Alto, quando investigavam certos aspectos etiológicos da esquizofrenia. Posteriormente, pelo psicanalista americano Harold Searles, em torno do duplo vínculo e da psicose. Searles (1959), no trabalho que se tornou referência – O esforço para enlouquecer o outro –, já assinalava o potencial devastador da comunicação paradoxal. Dentre os vários tipos de comunicação que o autor enumera podemos destacar:

a) O estímulo da pulsão, da excitação sexual e imediata frustração. À medida que este estímulo ocorre em situações em que sabidamente uma realização pulsional seria desastrosa para o indivíduo.

b) Mudanças repetidas e totalmente imprevisíveis de humor que impedem a construção de qualquer tipo de confiabilidade na relação.

c) Comunicação em níveis diferentes e discrepantes. Ou seja, mensagens veiculadas por canais diferentes e incompatíveis entre si.

Este tipo de comunicação paradoxal promove um estado de ataque aos vínculos (Bion), que pode ser entendido como um ataque à capacidade de ligação (Green) do psiquismo em vários níveis como aponta Roussillon (1991, p. 90):

a) organização de excitação da pulsão,

b) organização dos afetos,

c) organização da própria representação psíquica. Veremos adiante como certos aspectos de nossa cultura propõem, hoje, paradoxos da comunicação desta ordem com gravíssimas consequências.

 

Alguns paradoxos destacados por Winnicott

Seria impraticável abordar por extenso cada um dos principais paradoxos assinalados e conceitualizados por Winnicott, principalmente porque em torno deles irá construir seu modelo de constituição do sujeito. Eles percorrem um amplo espectro desde a solidão essencial e a dependência absoluta até o medo do colapso, uma de suas contribuições póstumas. O mais conhecido na literatura diz respeito ao objeto transicional e fenômenos transicionais, descrito no clássico artigo “Objetos transicionais e fenômenos transicionais” publicado em Da pediatria à psicanálise (1958) e revisto em O brincar e a realidade (1971). Trata-se da experiência com a primeira posse do que Winnicott denomina não-eu, experiência limite entre o mundo exterior e interior, espaço potencial. Refere-se ao fato de que, ancorado na experiência da ilusão, este objeto é concebido lá onde é encontrado, e assim, nem dentro nem fora, nem interno nem externo, abre as perspectivas para uma terceira área da experiência, espaço potencial que também contribuirá para, a posteriori, recriar as outras duas. Winnicott (1975[1971]) “Solicito que o paradoxo seja aceito e tolerado, e não que seja resolvido” (p. 10).

Estas primeiras investidas nos levam às suas considerações inovadoras sobre o brincar, o espaço potencial, a experiência cultural e a criatividade.

Donald Winnicott oferecerá também uma nova perspectiva para o estudo da solidão. Ele constata que a literatura psicanalítica debruçou-se mais sobre o medo de ficar só ou sobre o desejo de ficar só, mas não estudou a capacidade de fazê-lo. Em outras palavras, dirige seu foco para os aspectos positivos de estar só. Embora reconheça a importância da capacidade de suportar a solidão no contexto da elaboração do complexo de Édipo, vale dizer, suportar a exclusão da cena primária, também buscará, já nos primórdios do desenvolvimento infantil, as raízes desta capacidade. Para enunciá-la recorre a outro paradoxo, forma que lhe é tão cara para expressar as vicissitudes do desenvolvimento humano. Assim coloca sua proposição:

Embora muitos tipos de experiência levem à formação da capacidade de ficar só, há uma que é básica sem a qual a capacidade de ficar só não surge; essa experiência é a capacidade de ficar só, como lactante ou criança pequena, na presença da mãe. Assim, a base da capacidade de ficar só é um paradoxo; é a capacidade de ficar só quando mais alguém está presente. (Winnicott, 1958, p. 32)

Embora estar só, como experiência sofisticada, possa estar além das capacidades do eu em formação, Winnicott (1958) sustenta que “estar só na presença de alguém pode ocorrer num estágio bem precoce, quando a imaturidade do ego é naturalmente compensada pelo apoio do ego da mãe” (p. 34). À medida que a criança cresce, segundo ele, este eu auxiliar da mãe passa a ser introjetado e a criança pode prescindir da presença concreta da mesma ou de um símbolo desta.

Para Winnicott, a capacidade de estar só é, então, a resultante de um longo processo que vai da dependência total do objeto materno até a conquista da autonomia em relação ao objeto. Ambos os parceiros da relação terão importância na criação desta possibilidade ou no fracasso da mesma. Como consequência, poderão emergir algumas patologias da solidão, como tendências esquizoides ou mecanismos de extrema dependência e adições.

Destacamos também o importante paradoxo inerente ao uso do objeto no qual se articula a questão da agressividade e a realidade do objeto. Este paradoxo diz respeito à necessidade de destruir o objeto e a importância de que o objeto sobreviva à destruição e então poderá ser usado/investido novamente pelo sujeito. O que Winnicott (1975, p. 126) destaca é que neste processo o objeto desenvolve sua própria autonomia e passa a existir para o sujeito para além da sua onipotência, contribuindo para a instauração do princípio de realidade. “Os objetos podem ser destruídos por serem reais e se tornam reais por serem destruídos”. Para ele, a destruição neste contexto desempenha um papel criativo na criação da realidade colocando o objeto fora do eu.

Parafraseando Roussillon, paradoxos no sentido winnicottiano permitem a elaboração das experiências de ruptura e descontinuidade, através de uma não delimitação unívoca da experiência de dentro e fora, interno/externo, eu e não-eu, presença/ausência. Eles possuem uma história, criam uma nova realidade para a qual certas oposições deixam de ter sentido, favorecem a ligação psíquica e possibilitam um processo de criação.

Encontramos na nossa vida em sociedade ambos os modelos: um que promove a desestruturação do laço social conduzindo à anomia e patologias do vazio, e outro que contribui para edificar vínculos e uma trama social mais continente.

 

Paradoxos em torno da estrangeridade do outro e das transformações espaço-temporais

Retomando, assinalamos dois caminhos para os paradoxos: aquele que conduz à construção de vínculos e a um viver criativo, e outro que pode acarretar patologias severas esgarçando a trama psíquica e sua capacidade de simbolização. Apresento a seguir, sucintamente, quatro situações clínicas e do campo sociocultural, nos quais constatamos a presença desses paradoxos em torno de dois eixos que a meu ver são cruciais no desenvolvimento da subjetividade: a estrangeridade do outro e as transformações espaço-temporais. Estes eixos ou coordenadas operam concomitantemente nos processos de subjetivação. Logo, estarão permanentemente interligados e apenas o foco de análise poderá se dirigido para um ou outro. Espero que possamos ter a oportunidade de observar o potencial heurístico da noção de paradoxo, a partir de uma perspectiva psicanalítica, como conceito auxiliar e esclarecedor destes processos na clínica.

1. Estrangeridade do outro

Em primeiro lugar apresento duas situações em torno do eixo que envolve o outro e alguns dos desafios e impasses que a alteridade suscita.

Aqui aludimos à exigência de trabalho psíquico inerente ao binômio eu/alteridade, análoga à exigência do soma à psique. Estamos no campo da pulsão, sua expressão e metaforização.

Trata-se do território da “Confusão de línguas” do qual nos fala Ferenczi, ou, se quisermos, do encontro com o outro materno atravessado pela cultura, marcado pela linguagem e (para sempre) pelo recalcamento originário e a sua estrutura edípica (Freud/Lacan). Seja Laplanche quando nos fala do significante enigmático, ou Green quando alude ao “objeto trauma” de Meltzer ao falar do “Conflito estético”, ou Winnicott ao configurar o “espaço da ilusão” e da primeira posse não-eu e Bion quando destaca a função da rêverie materna; o outro sexualizado se faz presente desde a origem de todo psiquismo.7

Vejamos, em torno deste outro, o estranho, duas situações. Farei breves relatos, nos quais minha intenção será destacar o paradoxo em jogo, o lugar que ocupa a estrangeridade do outro e, quando possível, alguma referência ao manejo clínico da situação.

1.1 Na primeira entrevista com pais de um menino de 7 anos, os pais expressam um sentimento de revolta e muita hostilidade em relação à escola e ao modo como esta conduz as situações nas quais seu filho se vê envolvido.

Eles me contam que Pedro8 é um menino especial, muito inteligente, acima da média, destaca-se em relação aos seus colegas. É grande e forte; às vezes um pouco agressivo. Não entendem porque o filho não tem amigos na escola. Relatam que ele gosta de um tipo de esporte e como nem na escola nem no clube existe essa modalidade para crianças dessa idade, alugaram um local especial e contrataram um técnico profissional para treinar o filho que, segundo eles, possui habilidades notáveis. Também a escola que frequenta foi escolhida por sustentar uma bandeira de excelência (postura que alude ao registro dos ideais). Em oposição a todo esse quadro de destaque ou como corolário do mesmo, contam que Pedro tem muitos medos e inseguranças, não dorme muito bem à noite e só consegue adormecer quando alguém deita com ele. Muitos meninos na escola provocam-no e ele, muitas vezes não quer ir à escola. Após algumas entrevistas com Pedro constato seu sofrimento. É um menino simpático, muito esperto, mas que parece submetido à intensa pressão e governado por um discurso/ideologia de superioridade que poucas vezes ouvi em muitos anos de trabalho com crianças. Quando chamo a atenção dos pais sobre o desenvolvimento desarmônico de Pedro, o alto nível de expectativa depositado e o provável efeito na sua personalidade, constato claramente a dificuldade dos pais perceberem a criança e não o futuro astro.

Não atinam em perceber a comunicação paradoxal à qual o submetem. Insistem na excelência e na diferença de Pedro em relação aos seus colegas, mas o recriminam por não ter amigos. Esta comunicação paradoxal, no sentido apontado por Searles, longe de contribuir para a construção do vínculo, cria uma aporia subjetiva. Se, por um lado, insistem no quanto ele é melhor que os outros e superior a eles, há uma expectativa de que possa estabelecer vínculos afetivos de mútuo reconhecimento com seus colegas. Instaura-se um paradoxo negativo, que, como dissemos anteriormente, ataca a capacidade de ligação da psique. Esta lógica fálica do tudo ou nada impede que Pedro possa lidar com o principio de realidade, reconhecer seu desejo de investimento afetivo nos colegas. Tomado por identificações maciças com o ideal paterno não há lugar para o outro a não ser derrotá-lo ou zombar dele. Nesta configuração, qual o destino pulsional da libido objetal? Esta se volta contra o próprio Pedro, atormentando seu sono por pesadelos no qual se sente permanentemente ameaçado. Searles assinala que este tipo de comunicação paradoxal reforça a simbiose e impede a separação e/ou a instauração de qualquer espaço transicional. Pensamos que os pais se fecharam em torno da sua crença; Pedro, perante uma intensa angústia, só encontrou conforto em endossar a crença paterna e confirmar a limitação dos outros.

Ambos os pais são emigrantes e mostram uma dificuldade em aceitar a condição paradoxal que este estado impõe. Situação paradigmática na qual a questão do estrangeiro e da alteridade emerge com toda sua força. Como acolher e se deixar acolher pelo novo e o diferente sem abrir mão de uma história? A solução defensiva que recusa a complexidade inerente a este paradoxo identificatório os colocou num dos extremos, esperando do filho um absoluto que pudesse aliviar a angústia que os habita. Ao escolherem um analista buscam uma ajuda para mitigar o sofrimento do filho, mas também alguém que preencha a expectativa identificatória. Criança viva e comunicativa, Pedro expressava, por meio de desenhos e relatos de histórias, as intensas angústias e sofrimento que o submetiam. Buscava no encontro com o analista um outro que atenuasse aquela pressão insustentável. Podia ser falível? Como conciliar o desejo de vencer, de ser o melhor, com a vontade de brincar, de se entregar ao lúdico, de ter parceiros para uma brincadeira alegre? Iniciamos um trabalho que se estendeu por aproximadamente um ano e permitiu que Pedro tomasse contato e ressignificasse aspectos de sua realidade, ao mesmo tempo em que abria uma pequena brecha no sistema fechado ao qual estava submetido. Mas as demandas e urgências paternas, embora acolhidas em entrevistas, não toleravam os interrogantes e as novidades que o espaço analítico plantava. Procuraram um trabalho que se afinasse com suas expectativas.

Este modo de aproximação dos pais denotava a dificuldade de sustentar o paradoxo em torno dos ideais e a complexidade de transitar entre o “ser” e o “ter” (como já assinalava Freud), polos aglutinadores das questões fálicas e narcísicas sem sucumbir a identificações cristalizadas.

1.2 A seguir relato sinteticamente uma situação na qual a problemática do outro encontra suas raízes mais arcaicas na matriz constitucional eu-objeto, na qual o uso do objeto e sua destruição serão condição para emergência da alteridade.

Uma noção ainda pouco explorada e rica para a clínica psicanalítica, diz respeito às defesas paradoxais, que pode ser derivada das últimas contribuições de Winnicott (1963) em torno do “medo ao colapso”. Winnicott refere aqui a outro paradoxo ligado a um acontecimento experimentado nos primórdios da vida psíquica e que não tivera condições de ser significado, permanecendo, no entanto, inscrito como traço mnêmico e opera perseguindo o sujeito como uma ameaça por vir a acontecer. Diz Winnicott: “Com base em minha experiência, há momentos em que um paciente tem necessidade de que lhe digam que o colapso cujo temor mina sua vida já aconteceu” (p. 115).

Este reinvestimento alucinatório que obedece à compulsão à repetição é uma das formas de lidar com este colapso psíquico, a estruturação de certas soluções extremas ou defesas paradoxais é outra como nos mostra Roussillon (1991, p. 94). Defesas extremas como o suicídio, saída defensiva extrema em relação ao temor da morte para não ser aniquilado. Em relação ao temor do vazio, poderá se organizar uma defesa anoréxica ou um severo distúrbio de aprendizagem impedindo o sujeito de aprender. Roussillon também destaca o ataque ao vínculo (como descrito por Bion) que emerge como uma defesa ao medo da perda da ligação.9

Há vários anos, fui procurado por um jovem que estava cursando a faculdade. Padecia de um grande rebaixamento de sua autoestima, um desinteresse geral pelo estudo e pelo mundo. O relacionamento com seus pais era muito ruim, dominado por um sentimento de culpa, reforçado por permanentes cobranças e exigências dos mesmos que se remontavam à sua infância. Conta que fora um péssimo aluno na escola e lembra que sempre teve que recorrer a professores particulares para conseguir passar de ano. Não traz recordações de momentos agradáveis, lembra sempre das cobranças, dos gritos e dos momentos de indiferença. Quando concluiu o colegial, não tinha muita ideia do que queria estudar, ou melhor, não queria estudar e sua família o pressionava a ter que trabalhar e ganhar dinheiro. A escolha da faculdade, nesse contexto, obedeceu à lei do menor esforço e mesmo assim tinha enormes dificuldades em estudar para as provas, ficando de dependência em várias disciplinas e prolongando o período até a sua formatura. Isso acarretava brigas constantes com seus pais, nas quais era rebaixado e desconsiderado. Tinha dificuldades para acordar e levantar da cama. Iniciava um trabalho e muito rapidamente se desmotivava.

Apresentava um alto grau de ansiedade, o que o impedia, durante as sessões, de se entregar a um processo associativo esperando alguma saída mágica. Esta expectativa também se relacionava com a sua vida profissional: ambicionava ficar rico a partir de um negócio que realizaria. Não havia indícios de nenhum projeto próximo de modo que esse pensamento mágico era revestido por características alucinatórias. Isto o impedia de investir em qualquer projeto que demandasse um mínimo de esforço e dedicação. Conhecemos muitos jovens vivendo situações semelhantes e podemos atribuí-las a uma recusa ou dificuldade de enfrentar a passagem da adolescência para a vida adulta, apegado a certas crenças infantis. No entanto, havia algo neste rapaz que chamava minha atenção, ao lado de certos aspectos depressivos de sua personalidade e sua baixa autoestima. Para além da sua ansiedade e imediatismo, uma esperança de algo melhor e diferente transparecia de suas demandas. Isto operava também para mim como um elemento que me auxiliava a sustentar este trabalho bastante difícil e por momentos desmotivador.

Trabalhamos juntos durante dois anos aproximadamente, e percebia poucas transformações na sua estrutura subjetiva. Eram insistentes as reclamações sobre seus pais e suas personalidades, assim como o sentimento de incompreensão que experimentava com eles. Não tolerava as cobranças de que era objeto e apenas o uso de maconha apaziguava sua ansiedade. Aos poucos começava a se voltar para si e se discriminar das demandas parentais. O sentimento de desconfiança que experimentava em relação à análise parecia por momentos ceder, assim como o imediatismo face a resultados. Mas novas pressões familiares, acusações de desperdício de dinheiro, a hipótese de que outras terapias pudessem ser mais eficazes, aliados à dificuldade de enfrentar a irrealidade de certas expectativas, o desmotivam constantemente.

Ele inicia um período de faltas às sessões com grande desmotivação; há períodos de retorno, mas as faltas voltam a acontecer. Como analista também enfrento uma situação paradoxal, uma crença no método, na eficácia da análise ao mesmo tempo em que emergem em mim interrogantes em torno da duração do processo, se este paciente tem condições de continuar enfrentando as pressões familiares e internas. Se a análise não estaria reproduzindo o mesmo que o ambiente familiar fez ao longo de anos, dizendo que ele deveria ser outro, diferente do que é. Refletindo sobre estas questões e tomando em consideração que o pedido inicial de análise foi mediado pela sua família, proponho num determinado momento interromper sua análise, pois sentia que não o estava ajudando e que também fazia pouco caso do nosso trabalho.

Esta decisão foi tomada com dificuldade, mas também com certa esperança, anunciada com muita sinceridade. Disse a Matheus que as portas permaneceriam abertas caso ele desejasse retornar, mas que no momento estava bastante difícil trabalhar nestas condições e que eu pensava ser importante ele saber disto. Passados alguns meses, ele volta a me procurar e inicia-se uma fase muito interessante e produtiva do nosso trabalho.

Dois momentos marcantes contribuem para uma mudança de perspectivas em relação à sua relação com a análise e com o conhecimento. Uma diz respeito ao fato da provável inabilidade dos pais em ajudá-lo a lidar com as suas dificuldades na infância, cristalizando uma identificação negativa de si. O segundo momento alude à desconstrução do que poderíamos chamar de defesa paradoxal que o mantinha nesta posição subjetiva desvalorizada. Num período de tempo relativamente breve, inicia estudos de pós-graduação e se emprega numa instituição gabaritada. Para ambas as situações realiza esforços até então impensáveis. Na análise emergem novos movimentos e temas e o fluxo associativo se torna mais rico, vivo e, por vezes, lúdico. Duas características sobressaem-se: os pais deixam de ser assunto na análise e se volta para si: suas relações afetivas, namoro, seus projetos e os vínculos com os colegas de trabalho. Emergem atitudes hostis, agressivas, rivalidade e competição até então congeladas.

Algumas ideias me ajudaram a pensar no trabalho com Matheus. Penso agora no a posteriori destes movimentos, em algumas das contribuições de Winnicott em relação à natureza do objeto e ao lugar do analista que, a meu ver, permitiram o desenrolar deste processo analítico. O enquistamento narcísico – se assim podemos chamar ao embotamento cognitivo deste analisando – também o impedia de perceber o analista como objeto realmente existente. Paradoxo da transferência/contratransferência (no seu aspecto projetivo) e que a partir do desinvestimento da análise (modalidade destrutiva em relação ao objeto) me faz renascer, enfrentando meus próprios paradoxos e propondo a interrupção da análise.

Posteriormente recuperado pelo analisando como objeto numa nova modalidade de investimento, outorgando-lhe a capacidade de desfazer uma cristalização identificatória experimentando-se na possibilidade de construir na relação analítica uma potencialidade egoica até então esmagada por uma identificação traumática.

A partir de uma perspectiva freudiana como apresentada em “As pulsões e seus destinos”, propomos a hipótese de que Matheus, no momento em que procura a análise, estava submetido à vivência de um eu-prazer purificado10 e impedido de realizar um movimento em direção ao eu-realidade definitivo. Constatamos a idealização e introjeção sob o domínio do princípio do prazer e um ódio à realidade que não pode ser ultrapassado. Raquel Zac de Goldstein11 (2008a), procura alargar nossa compreensão desses momentos iniciais da relação deste eu incipiente como não-eu e posteriormente com o objeto. A presença do analista como não-eu, que opõe resistência (desilusão) a uma fusão com o eu-prazer purificado, pode, num segundo momento, ser investido pela expectativa esperançosa de Matheus por uma transformação. Trata-se, no entanto, de uma desilusão não tão violenta, e que ao mesmo tempo coloca o analista como objeto externo. “Cria-se aqui um espaço intermediário”, “um investimento simultâneo”, diz Zac de Goldstein, fundado no fenômeno paradoxal da transicionalidade e que parece promover uma passagem do eu-prazer purificado em direção ao eu-realidade definitivo.

A interrupção temporária da análise parece ter detido um circuito projetivo traumatizante, a emergência do analista como objeto real possibilitou este novo investimento cuja natureza transicional dará sustentação ao encontro com o princípio de realidade e suas consequências.

Contribuiu para este movimento a tentativa sempre parcial e imperfeita de reconstrução do objeto original, recurso já assinalado por Freud em “Construções em análise” (1937/1986) e “Moisés e o monoteísmo” (1939/1986), o qual emancipa o analisando do aspecto puramente projetivo. Diz Winnicott (1969): “Mas, no que diz respeito à utilização, não há escapatória possível: o analista deve levar em consideração a natureza do objeto, ‘não como entidade projetiva; na verdade, o reconhecimento do objeto por seu próprio direito’” (p. 125). Aqui nos referimos à natureza traumatizante do objeto original, por um lado, e a possibilidade de o analista também ter emergido no contexto como objeto real, por outro.

Kristeva (1994), em Estrangeiros a nós mesmos, nos fala do estrangeiro que nos habita, a outra face de nossa identidade, uma fenda na ideia de identidade que faz com que nos consideremos um e outro ao mesmo tempo, assinala a necessidade de aceitar este paradoxo que envolve a própria ideia de inconsciente. Riqueza e maldição, dirá a autora, que nos permite, através do reconhecimento da própria estranheza e do inconsciente, reconhecer a estrangeridade do outro e tratar de inventar um discurso e uma prática que talvez nos possibilitem conviver com o diferente. Uma possibilidade, mas também um desafio para nós como analistas, pois teremos que nos haver com o questionamento de qualquer ideal de homogeneidade teórica, com o reconhecimento da dimensão paradoxal e heterogênea do psíquico e do outro e, como consequência, da experiência analítica. Talvez o que nos mova nesta empreitada seja o que disse Ciceron em relação ao paradoxo, citado por Ferrater Mora (1991, p. 2693), “o que eles [os gregos] chamam de paradoxo, nós chamamos de coisas que maravilham”.

 

Transformações espaço-temporais

O segundo eixo temático envolve os possíveis impactos paradoxais para a vida psíquica, efeitos de significativas transformações no cotidiano urbano no qual habitamos (Tanis & Khouri, 2009) como tem sido apontado por tantos autores nas últimas décadas. Já assinalamos e tentamos descrever (Tanis, 2003, 2005, 2007), que inevitáveis transformações na subjetividade humana decorrem de mudanças no contexto sociocultural. Paradoxos12 urbanos dominam a cena na qual se multiplicam os corpos e muitas vezes distanciam-se os homens.

Dada a vastidão e complexidade do assunto, desejo apenas assinalar a importância do eixo espaço-temporal em torno do qual constatamos significativas transformações que podemos apreender clinicamente. Transformações que já tinham sido constatadas por George Simmel (1903), sociólogo contemporâneo de Freud com surpreendente lucidez:

Assim como uma vida desmedida de prazeres torna blasé, porque excita os nervos por muito tempo em suas reações mais fortes, até que por fim eles não possuem mais nenhuma reação, também as impressões inofensivas, mediante a rapidez e antagonismo de sua mudança, forçam os nervos a respostas tão violentas, irrompem de modo tão brutal de lá para cá, que extraem dos nervos sua última reserva de forças e, como eles permanecem no mesmo meio, não têm tempo de acumular uma nova.

Lembremos que tanto Freud, quanto Winnicott, a partir do estudo do ambiente, destacam a dimensão espaço-temporal e outorgam a esta uma importância determinante. Lugar e duração são atributos definitórios dos processos constitutivos do eu, do desejo (enquanto dimensão alucinatória do objeto), assim como ritmos, intervalos e rupturas traumáticas. Transformações quantitativas deflagram efeitos qualitativos. O tempo em psicanálise por si só é um tema de fundamental importância, conceitos como regressão, infantil, aqui e agora, après-coup, tempo lógico etc.

Tempo e espaço assumem hoje mais do que nunca noção de valor. O tempo não tem um valor absoluto, detém valores relativos. Isto não representa nenhuma novidade a não ser pela ampliação dos extremos.13 Coexistem em nossa sociedade modelos tecnológicos nos quais as dimensões espaço-temporais se transformam vertiginosamente em face de modalidades muito mais tradicionais de mensuração do tempo e do espaço; isto, a meu ver, subverte as noções do campo dos referentes e dos valores.

Nós, analistas, inseridos nesta mesma cultura, lidamos permanentemente com o paradoxo que hoje as dimensões espaços-temporais no setting nos colocam. Classicamente mantemos certas coordenadas constantes para permitir a emergência dos processos regressivos e há muito tempo compreendemos a noção paradoxal do tempo na transferência (como a vigência atual do passado no presente transferencial, como na ideia de rememorar para poder esquecer). No entanto, cada vez mais as constantes do setting vêm sendo ameaçadas e/ou questionadas, tanto pela realidade psíquica e singularidade dos analisandos, como pela realidade externa. Temas como frequência das sessões, sessões face a face, análises condensadas, sessões de duração variável, sessões via internet ou telefone, alto custo e longa duração das análises face às inúmeras propostas psicoterápicas, sensação de urgência, aceleração dos ritmos, trânsito etc., estão na ordem do dia das discussões psicanalíticas.

2.1 Dos múltiplos aspectos nos quais se articula a questão espaço-temporal, destaco o chamado paradoxo do excesso nas grandes cidades. O excesso de oferta paralisa e desorganiza o sujeito. Algo que evoca a proliferação das serpentes na cabeça da Medusa; excesso de movimento, ritmos, informação, fluxos uma hiperexcitação do aparelho psíquico. Excesso de informação, cuja quantidade e velocidade somos incapazes de metabolizar. Excesso de exposição ao outros por meio de contatos de efeitos de visibilidade: publicações, eventos, chats de internet, shows em espaços públicos em contraposição a uma restrição da intimidade. Excesso de movimento, ritmos, violência, que acabam anestesiando ou hiperexcitando a subjetividade.

Quais as respostas possíveis a este excesso? Em alguns adolescentes e jovens adultos constatamos o uso diário e regular da maconha antes de dormir como forma de parar o tempo, talvez como modalidade de brecar o excesso. Em muitos adultos o uso regular de barbitúricos para conciliar o sono, ou ansiolíticos e antidepressivos para manter um estado basal prazenteiro (nova versão do eu-prazer purificado?). Excesso de estímulo e ansiedade constituem uma conjunção constante do nosso contexto sociocultural.

Podemos pensar na personalidade blasé da qual já nos falava Simmel, na criação de uma barreira antiestímulo que visa neutralizar os efeitos nas modalidades que o psíquico encontra para fazer frente a estas demandas, mas que muitas vezes fracassa em função das dificuldades constitutivas ou de um nível de demanda além do suportável. Ou, como aponta Vives (2009), numa progressiva “dessensibilização adaptativa”, acompanhada de defesas como a dissociação e a negação.

Freud (1925) em “Notas sobre o bloco mágico” afirma que o que determina a instauração do tempo é um ritmo da capacidade do sujeito investir a realidade exterior; quando o estímulo exterior é inconstante (afastamento muito longo ou presença muito irregular, excessiva, desorganizada), a representação do tempo terá dificuldade em se instaurar. Consequentemente, o aparelho psíquico na busca do objeto poderá passar a funcionar num regime alucinatório autoerótico, promovendo um corte defensivo com a realidade e prescindindo temporariamente do objeto.

Winnicott (1975 [1971]) nos convoca a dar importância ao fator temporal na capacidade de instalar o símbolo da união mãe-filho: “O trauma implica que o bebê experimentou uma ruptura na continuidade de vida, de modo que defesas primitivas se organizam contra a repetição da angústia impensável ou contra o retorno do agudo estado confusional próprio da desintegração da estrutura nascente do eu” (p. 135-6). Os efeitos deste excesso colocam sérios impasses para a tramitação das pulsões, incrementando situações tóxicas pela incapacidade de elaborar destinos possíveis. Indiretamente resulta numa perturbação dos vínculos familiares e no estabelecimento das primeiras relações objetais.

Podemos observar, no exemplo a seguir, uma modalidade de resposta diferente que pode ser compreendida ao tomar em consideração a terceira área da experiência, as possibilidades do espaço potencial, origem da experiência cultural e da criatividade. Dois eixos se entrelaçam neste exemplo: o espaço urbano, a geografia da cidade com os seus espaços e ritmos como descrito acima, e as culturas juvenis, os agrupamentos de adolescentes, seus códigos e identificações muitas vezes apontados como rígidos e cristalizados, mas que aludem aos paradoxos de uma cidade tantas vezes caracterizada pela sua aparente desumanidade.

O antropólogo Guilherme Magnani, coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo – USP (NAU) é o organizador de uma pesquisa recente na qual são estudadas diferentes culturas juvenis a partir de novas categorias descritivas que mapeiam uma nova e original geografia do espaço urbano. Circuito, mancha e pedaço trabalham em torno de abstrações construídas a partir dos movimentos de circulação e apropriação do espaço urbano por esses jovens e caracterizam seus vínculos com a cidade e com outros grupos.

Resultou psicanaliticamente interessante essa descrição, à medida que esses jovens buscam lugares de trânsito, sociabilidade, permanências e regularidades, um modo criativo que expõe o uso do espaço como proteção frente ao excesso, aceleração e ausência de ritmos, facilitando a criação de vínculos por identificação, em contrapartida ao primeiro exemplo que alude ao não lugar de Pedro. No exemplo a seguir, o lugar e o espaço são centrais e constitutivos.

Farei referência a apenas um dos trabalhos dos vários apresentados na obra citada. Mantese de Souza (2007) refere-se a um grupo conhecido como Straight Edges. Jovens que não utilizam drogas e dentre vários dos seus hábitos aderem a um tipo de dieta conhecida como vegan straight edge. Frequentam uma sorveteria cuja especialidade é fazer sorvetes com leite de soja em lugar de leite de vaca, adequado ao tipo de alimentação que escolheram. Mas esse lugar, além de fornecer o sorvete, serve de ponto de encontro. Esse hábito, assim como outros da mesma natureza, orienta sua circulação pela cidade. Trata-se, como descrito pelos próprios integrantes do grupo, de lugares livres de crueldade. Vale dizer, lançam mão de um recurso que circunscreve o número de experiências e contatos, organiza o uso do espaço e do tempo limitando os estímulos aos quais se dispõem a ser expostos. Neste sentido constroem uma barreira rígida delimitando o objeto da experiência. No entanto, possuem outros interesses em comum para além da alimentação: gostam de rock e se interessam por política. Isto faz com que às vezes frequentem os mesmos lugares que outros grupos na cidade como punks, anticapitalistas, anarquistas. Cria-se, assim, uma trama na qual os circuitos urbanos se entrecruzam. Este espaço-tempo dos cruzamentos, nos quais a alteridade coloca-se em evidência, é grávido de consequências. Além de provocar inevitável surpresa alude ao encontro com o não-eu, com o estranho e diferente no outro, com o radicalmente estrangeiro.

Um olhar mais apressado poderia destacar o aspecto fechado, a rigidez das identificações e defesas desses grupos face ao diferente. Poderíamos identificar a ideologia que os norteia, com certo grau de alienação, ou assemelhá-la a uma lógica binária. Mas uma mirada mais atenta, que leve em consideração as noções de paradoxo e espaço potencial, pode nos mostrar que pelo uso dos espaços da cidade se produzem encontros e trocas numa teia de relacionamentos. Esses cruzamentos, nem sempre pacíficos, constituem-se como pontos de intersecção, espaços potenciais de uma pluralidade e diversidade polifônica originada no tecido social e multicultural da metrópole. Uma forma de resistência a uma frivolidade ou sentimento de futilidade da existência que somente seria mitigado por mais excesso seja de consumo, trabalho, violência, sexo ou droga.

2.2 Ana Maria Nicolaci-da-Costa, pesquisadora carioca, observa os sujeitos nos espaços virtuais blog, chats, Orkut etc., espaços nos quais podem construir diferentes narrativas (verídicas ou não, sinceras ou não, anônimas ou não) a respeito de si mesmos. Esses sujeitos submetem as definições de si a um constante processo de revisão e, por se exporem a tantos espaços, realidades, experiências e retornos, têm a si mesmos como a única fonte de integração possível.

Penso em um analisando que durante muito tempo fazia, no início das sessões da semana, um longo retrospecto dos fatos e vivências acontecidas durante o final de semana, período no qual não nos encontramos. Em menor grau fazia isso no início de cada sessão. Esse analisando, que vivera perdas muito importantes na sua vida, tinha se estruturado em torno de uma grave cisão.

Inicialmente achava que esse modo de se apresentar tinha uma função defensiva face ao contato, mas progressivamente fui percebendo que organizava a representação de si mesmo na minha presença em face de uma extrema cisão e multiplicidade de personagens que o habitavam. Essa situação existencial que envolvia a sua personalidade, não deixa de ser um análogo da multiplicidade de lugares que o sujeito ocupa na cultura atual. A questão ilustrada por Nicolaci-da Costa, e tantos outros pesquisadores, alude a um sujeito fragmentado e convida-nos a indagar sobre o que representa o espaço analítico hoje. Seria mais um espaço virtual, mais um vínculo virtual, ou, pelo contrário, a possibilidade de um acontecer criativo num espaço de confiança como concebe Winnicott (1975): “O espaço potencial entre o bebê e a mãe, entre a criança e a família, entre o indivíduo e a sociedade ou o mundo, depende da experiência que conduz à confiança” (p. 142). Se resgato a menção à confiança é porque ela desponta na contramão do senso comum e do discurso midiático em torno da nossa cultura. Na contramão do desenraizamneto, da paranoia social e do recrudescimento das fobias infantis de enxergar o outro como ameaça constante.

Para a psicanálise, a ideia de unidade, completude narcísica, plena integração são miragens ilusórias; no entanto, frente à multiplicidade de identidades virtuais como descritas acima, defrontamo-nos mais do que com a ilusão da unidade, com uma dispersão do eu, uma ilusão de multiplicidade, mesmo no campo da sexualidade que nega sua fragmentação e clivagem.

Nesta multiplicidade que se assemelha a um conjunto de disfarces qual seria o lugar simbólico da castração se, virtualmente, tudo é possível? Não é infrequente observar a desistência do objeto concreto, pois este ofereceria uma resistência à onipotência do virtual. O uso abusivo da cisão defensiva torna difícil o ganho de representação e objetos para povoar o mundo interno; o sujeito é levado a agir a partir de uma força centrípeta que esvazia o interior e o compele ao ato nas suas diferentes modalidades (drogas, compulsões de todo tipo), ou à fugacidade dos encontros afetivos.

 

Perspectivas

A partir dos paradoxos formulados por Winnicott, tomamos consciência da importância crucial do ambiente nas suas diferentes expressões desde o vínculo materno até o campo mais amplo do contexto cultural que atravessam através da linguagem todos os outros.

Neste trabalho destacamos duas coordenadas: a estrangeridade do outro e as dimensões espaço-temporais que, pela relevância clínica e teórica, constituem-se eixos centrais do fazer e reflexão psicanalítica. Se a metapsicologia freudiana nos fala de diferentes lugares psíquicos e diferentes ordens temporais, cabe estarmos atentos a estas novas organizações e aos efeitos subjetivos que possam promover; sobretudo quando percebemos em nossos analisandos os riscos que ameaçam os processos de simbolização e a possibilidade de um viver criativo sendo esmagado pela urgência e concretude que o cotidiano impõe. As noções de paradoxo e fenômenos transicionais revelam uma importante fecundidade para investigar estas transformações e oferecem recursos para uma clínica em permanente movimento.

 

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Endereço para correspondência
Bernardo Tanis
Rua Capote Valente, 432/142 | Jardim América
05409-001 São Paulo, SP
Tel: 11-3062-1855
E-mail: tanis@uol.com.br

Recebido em: 27/02/2010
Aceito em: 03/03/2010

 

 

1 Este texto teve sua primeira versão apresentada na mesa-redonda “Paradoxo” durante o XVII Encontro Latino-americano sobre o Pensamento de Winnicott (São Paulo, nov/2008). Foi ampliado e apresentado em Reunião Científica na SBPSP em 12/3/09. O material clínico apresentado, pela sua generalidade, que visa proteger o sigilo, pode ser encarado como matéria de ficção para ilustrar as dinâmicas focadas.
2 Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP. Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. Editor da Revista Brasileira de Psicanálise da FEBRAPSI.
3 Tema central do XXVII Congresso da FEPAL em Santiago de Chile (2008).
4 Evocado recentemente por L. C. Menezes em “O lugar da cultura na clínica psicanalítica” (2008).
5 Encontramos na literatura psicanalítica, nas diferentes línguas, uma série de significante que nos remetem a esta idéia como: link, lien, ligação, conexão, relação etc.
6 Apontado por alguns como ruptura com o paradigma freudiano, uma leitura atenta do texto winnicottiano revela o permanente diálogo com a metapsicologia freudiana. Se fizemos várias referências a André Green é porque esse destacado analista e pensador tomou para si a tarefa de apontar esses fios que, como uma fina trama, complementam e dão sustentação a uma metapsicologia que se apoia na confluência da dimensão pulsional com a objetal, incluindo a importância metapsicológica e clínica do objeto e espaço transicional.
7 Forma parte da organização psíquica, já que essa organização não designa o que depende do funcionamento pulsional puro originário e o que será acrescentado ao fundo originário como parte adquirida. Neste sentido, o par pulsão-objeto já não se apresenta como par, mas como substrato fundamental único do qual nasceram sucessivamente o Eu e os demais produtos da estruturação psíquica (Green, 2001, p. 154).
8 No trabalho “A infância roubada...”, escrito em conjunto com Myrna Favilli e Celina de Anhaia Mello (IDE, v. 46, p. 33), fiz referência a este paciente. Aqui busco focar outro aspecto do caso.
9 Dificilmente um analista em vésperas de férias não teve que se haver com a ausência às sessões de alguns de seus pacientes como forma paradoxal de mitigar a angústia de separação.
10 Freud (1915) faz uma distinção em “As pulsões e seus destinos” de três momentos no desenvolvimento do Eu. O primeiro eu-realidade original, de natureza narcísica indiferente ao mundo exterior, mas que cria já uma distinção entre interno e externo. Eu-prazer purificado, momento em que o eu incorpora/introjeta as experiências de prazer e o desprazer permanece como o odiado externo, e o eu-realidade definitivo que advém a partir da introdução do principio de realidade.
11 Assim como Green, esta notável analista e pensadora procura estabelecer um diálogo entre os novos aportes de Winnicott à psicanálise e o pensamento freudiano em torno do fazer clínico e da metapsicologia, caminho com o qual nos identificamos.
12 Fábio Herrmann (1997) já assinalava alguns destes paradoxos quando teorizava em torno da psicose de ação: “O indivíduo, que parecia ser exaltado como paradigma do humano, estaria na verdade sendo reduzido a uma impotência patológica paradoxal: para valer alguma coisa, para ter algum prestígio ontológico, tinha de imitar o novo estado do mundo, ou seja, produzir efeitos rápidos, marcantes e autônomos, bem como produzir meios para produzir ainda mais efeitos, mais rápidos, mais marcantes e mais autônomos. Todavia, qualquer que fosse o curso de sua ação, o resultado seria necessariamente anulado, reincorporando-se na cadeia ampla da automação que se generalizava; não só a automação tecnológica, mas também a da economia e, mais amplamente, a da cultura” (170).
13 Vejamos se não: um operário de cidade grande pode levar duas horas ou mais para chegar ao seu trabalho e outro tanto para retornar à sua casa; um jovem de pouco mais de vinte anos trabalhando num banco de investimentos realiza em menos de trinta segundos uma transferência de milhões de dólares ganhando vultosas comissões.

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