SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.43 issue79For a renewed psychoanalysis author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.43 no.79 São Paulo Dec. 2010

 

EDITORIAL

 

Com o tema "Espaço potencial e tendências da psicanálise contemporânea", a gestão do atual corpo editorial do Jornal de Psicanálise chega ao fim desse biênio (2009/2010) de trabalho intenso e apaixonado. Queremos agradecer a confiança, o irrestrito apoio e estímulo do diretor do Instituto de Psicanálise, João B. França e do presidente da SBPSP, Plinio Montagna, que proporcionaram as melhores condições para que o trabalho de nossa equipe conseguisse dar continuidade ao projeto de excelência, nas publicações científicas, iniciado em gestões anteriores. Este projeto vem dando seus frutos e entre eles colhemos mais uma indexação no prestigiado banco de dados Lilacs e a versão eletrônica definitiva do JP, disponível agora no PePSIC –http://pepsic.bvs-psi.org.br.

Como uma grande orquestra, na qual a variedade de instrumentos musicais (secções de cordas, madeiras, teclas, metais) se harmoniza em sintonia fina, o corpo editorial com seus integrantes provenientes de distintas correntes de pensamento da SBPSP presentificaram – nas discussões, divergências e respeito democrático com que desempenharam suas tarefas – uma das tendências da psicanálise contemporânea, qual seja, o diálogo construtivo diante da diversidade do saber psicanalítico. Queremos agradecer à nossa coeditora, e a cada um dos colegas do corpo editorial, a leveza, competência, criatividade e dedicação a essa nobre tarefa de editoria, sem os quais a nossa maneira de fazer música não teria sido possível.

Os termos que constituem o tema do presente número "Espaço potencial e tendências da psicanálise contemporânea", nos parecem intimamente relacionados. A noção de espaço potencial, proposto por D. Winnicott, pode ser considerada uma dessas grandes ideias que revolucionaram não só a prática clínica psicanalítica, mas também todo o entendimento da estruturação do psiquismo humano. É um conceito que permeia as mais diferentes abordagens no campo psicanalítico e está diretamente ligado, entre outras, à ideia de simbolização e de objeto psicanalítico. Por objeto psicanalítico entendemos, com Green, um objeto que "não é nem interno (ao analisando ou ao analista) nem externo (a um ou ao outro), mas que está entre eles. … Na sessão, o objeto analítico é como esse terceiro objeto, produto da reunião daqueles constituídos pelo analisando e o analista". Nesse sentido o conceito de espaço potencial abre muitas perspectivas para a compreensão do surgimento do sujeito psíquico, da criação e investimento no objeto, do campo criado entre sujeito e objeto, da emergência dos produtos culturais e das vicissitudes que ocorrem no encontro analítico. Isto posto, podemos ressaltar em coro com vários dos colegas que contribuíram nessa publicação que talvez a questão fundamental da clínica contemporânea seja a busca de uma parceria criativa que favoreça a constituição do psiquismo e o estabelecimento dos limites do eu e do objeto em um diálogo permanente com os diferentes níveis do psiquismo dos sujeitos envolvidos nessa experiência.

No seu livro Orientações para uma psicanálise contemporânea, André Green (2002) nos lembra que desde o início da psicanálise até a metade do século passado, apesar de muitas divergências e dissidências, havia no cenário internacional uma certa homogeneidade e um consenso sobre o que era o fazer psicanalítico e a "identidade" dos psicanalistas, organizadas em torno da psicanálise individual clássica. Expansões da teoria e da técnica intensificaram-se nos anos 1970 para dar conta dos impasses encontrados na clínica de atendimento a patologias cada vez mais frequentes (psicoses, patologias narcísicas, organizações psicossomáticas etc.) e para enfrentar a diversidade de procedimentos que utilizavam a psicanálise como base (psicanálise de grupo, psicodrama psicanalítico, psicanálise familiar, de casal, de grupos nas instituições, hospitais etc.). Essa diversificação do campo, somada à proliferação teórica, produziu uma fragmentação do conhecimento psicanalítico que, a partir dessa época, colocou em questão a própria identidade do psicanalista por falta de consenso entre seus pares. Por muito tempo persistiu um certo enclausuramento defensivo dentre as escolas psicanalíticas (freudiana, kleiniana, de Bion, de Winnicott etc.) que buscavam construir uma identidade local consistente, evitando o contato com abordagens oriundas de outras tradições.

Nos últimos anos, os psicanalistas – menos ameaçados na construção do seu saber teórico/clínico e mantendo sempre em vista a máxima de que a clínica é soberana – alargaram as fronteiras da sua escuta, convivendo mais pacificamente com a variedade de autores e modificações técnicas que foram sendo propostas. Observouse com o tempo, no discurso dos psicanalistas, uma maior flexibilidade para dar acolhida ao múltiplo, ao heterogêneo, a novos vértices; tendendo a uma postura de integração no âmbito da psicanálise internacional. Tendência esta que não é eclética, mas integradora, que respeita os diferentes pensamentos e que valoriza contribuições de outras abordagens em psicanálise.

Muito se tem questionado sobre a necessidade, ainda nos dias atuais, de releituras e reformulações de conceitos psicanalíticos, inclusive os já consagrados, tais como: Édipo; transferências/contratransferências; perversão; bissexualidade; acting out; feminilidade; masculinidade e criatividade. As novas leituras têm dado ao método psicanalítico uma maior abrangência no trato com a dor psíquica e o sofrimento de muitos analisandos que permaneciam excluídos da possibilidade de uma escuta psicanalítica. O analista diante dessa complexidade de proposições mostrou-se mais atento às formas, numa perspectiva cada vez mais estética, sem esquecer jamais seu compromisso ético.

Neste número o leitor encontrará textos que dão um panorama geral das diversas maneiras de se fazer psicanálise: na clínica individual com adultos; na atenção aos jogos e desenhos na análise com crianças, em famílias contribuindo para a construção da parentalidade, em grupos de pais em hospitais, na Universidade, em centros de atendimento a psicóticos etc.

Na entrevista que abre a presente edição, Stefano Bolognini discorre sobre temas importantes para nós psicanalistas: os interesses de investigação psicanalítica que permeiam seu trabalho hoje; a questão da identidade analítica local; a discriminação conceitual necessária entre interpsíquico, intersubjetivo e interpessoal; sua crítica ao International Journal of Psychoanalysis no que diz respeito a certa parcialidade na eleição de artigos para publicação; entre outros. Aborda também no seu trabalho clínico a importância da confiança no seu pré-consciente, que lhe permite encontrar na sessão a figura de diferentes analistas, seus interlocutores que lhe permitiram uma ampliação da teoria e técnica psicanalíticas. Com essas reflexões Dr. Bolognini reafirmou a crença em uma Psicanálise viva, renovada permanentemente pelas trocas entre analistas.

Para o Debate escolhemos quatro colegas da SBPSP – Elizabeth Lima da Rocha Barros, Homero Vetorrazzo, Luis Carlos Junqueira Filho e Rahel Boraks – que têm se dedicado com entusiasmo ao estudo das diferentes correntes teoricoclínicas da psicanálise local, respectivamente, kleiniana, freudiana, de Bion e de Winnicott. Todos apresentaram um depoimento muito rico sobre o percurso de suas formações, citando autores e textos que mais os influenciaram, ressaltando os pensadores da psicanálise contemporânea que estão despontando no cenário internacional e oferecendo uma rara oportunidade ao leitor de ter acesso a uma ampla e rica referência bibliográfica que certamente será de grande utilidade a todos. Compartilharam reflexões sobre as tendências da psicanálise contemporânea e deram um excelente exemplo de como é possível um diálogo construtivo entre a variedade de vértices possíveis de se pensar e fazer psicanálise.

Encerrando este volume, deixamos registrado no Tributo a Odilon de Mello Franco Filho, a homenagem que o Instituto de Psicanálise e a SBPSP organizaram por ocasião do aniversário de um ano do falecimento de nosso tão querido colega. O Jornal de Psicanálise tem a honra de publicar os textos de João Baptista Novaes Ferreira França, Antonio Sapienza, Paulo Cesar Sandler, Antonio Muniz de Rezende, que abordaram naquela ocasião (dezembro de 2010) diferentes áreas de intenso interesse desse ativo colaborador e crítico construtivo da nossa Instituição, entre elas destacamos: a formação psicanalítica, a teoria de Bion, e a relação entre religiosidade e psicanálise. Para concluir essa homenagem publicamos um texto/poema de uma de suas analisandas que reflete o sentimento de pesar de todos os colegas que tiveram o privilégio de compartilhar com ele experiências íntimas, vivências estas que deixaram registros profundos de sua paixão pela psicanálise, pela ética, pela verdade e respeito por seus pares. Ao querido Odilon, a nossa gratidão e grande saudade!

Queremos ainda agradecer à Suely, nossa competente secretária, pelas inúmeras horas de trabalho dedicadas ao Jornal e todas as pessoas da secretaria que colaboraram conosco nesses dois anos. E também a Vera Maria Monteiro Sevestre, incansável e meticulosa revisora das citações e referências bibliográficas, muito implicada na indexação do JP nas diferentes bases de dados; José Benedito de Souza Freitas, pela revisão competente, a quem devo muito do meu conhecimento de editoria; Patrícia Canton, dedicada programadora visual; Mireille Bellelis Rossi, devotada e cuidadosa produtora gráfica; ao corpo de pareceristas ad hoc, nossa gratidão pelas suas colaborações; a todos os nossos reconhecidos colegas autores dos textos que representam a alma da nossa publicação; enfim, a você leitor, de quem recebemos estímulos contínuos para a nossa tarefa.

Desejamos ao novo Corpo editorial e a Eunice Nichikawa, editora do próximo biênio do JP, que tenha o mesmo prazer e a retribuição intelectual que obtivemos nesse trabalho edificante de editoração.

Para finalizar gostaríamos de relembrar as palavras de Green (2002) endereçadas aos psicanalistas da atualidade.

A psicanálise atravessou esse período da história intelectual seguindo diversos percursos conforme os países, ou segundo as influências de suas figuras mais criativas. Ela não deixou, tampouco, de se romper em frações adversas por boas razões ou más razões. Ela prosseguiu seu crescimento segundo orientações, às vezes divergentes. Resistiu aos ataques dos oponentes que mudaram de rosto, mas não de atitude, conforme as épocas. Não cessou de predizer sua morte próxima. Ela permanece sempre… Pode-se mesmo esperar que um dia os psicanalistas reencontrarão o gosto de falar juntos…

Seguiremos com Carlos Drumond de Andrade no seu poema "Mãos dadas":

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é minha matéria, o tempo presente,
os homens presentes, a vida presente.

 

 

Cândida Sé Holovko
Editora

Creative Commons License