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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.43 no.79 São Paulo Dec. 2010

 

ENTREVISTA

 

Em nome de uma psicanálise renovada

 

For a renewed psychoanalysis

 

En nombre de un psicoanálisis renovado

 

 

Stefano Bolognini1

Societá Psicoanalitica Italiana (SPI)

 

O Dr. Stefano Bolognini, abriu um espaço na sua agenda de trabalho de conferências, seminários clínicos e supervisões na SBPSP para conversar com o corpo editorial do Jornal de Psicanálise2. Por uma hora e meia pudemos ouvi-lo falando de temas importantes para nós, psicanalistas, como: os interesses na investigação psicanalítica que permeiam seu trabalho hoje, a questão da identidade analítica local, a importância no trabalho clínico da confiança no pré-consciente do analista, a discriminação conceitual necessária entre interpsíquico, intersubjetivo e interpessoal, e sua crítica ao International Journal of Psychoanalysis no que diz respeito a certa parcialidade na eleição de artigos para publicação, entre outros. Através destas reflexões, Dr. Bolognini reafirmou a crença em uma Psicanálise viva, renovada permanentemente pelas trocas entre analistas.

JP – O que você poderia nos falar sobre seu trabalho atual na sala de análise. Alguma contribuição sobre suas reflexões mais recentes?

Stefano Bolognini – Minha prática atual, externamente, é a mesma de trinta anos atrás. Interiormente mudou, não é a mesma. Trabalho muito com os pacientes e tenho um ritmo bem regular na minha prática apesar das frequentes viagens. Organizo-me de tal forma para que seja respeitada a regularidade do trabalho analítico com os pacientes. Isso não mudou com os anos. O que mudou foi o meu pensamento interior e os motivos da mudança referem-se aos encontros com grande quantidade de colegas. A oportunidade de trocar ideias com colegas, de reconhecer que há muitas maneiras de ser um psicanalista, modificou-me, mudou-me. Minha formação de início foi freudiana, depois tive uma experiência kleiniana, e mais tarde, como todos os analistas italianos, atravessamos por períodos com forte influência de Winnicott e Bion. Acredito que, um fator individual, o de ter convivido com uma família de origem muito numerosa – meus pais, vários irmãos, sobrinhos, tios – pessoas de enorme peso ao longo da minha vida, presenças múltiplas, enriqueceram significativamente o campo de minha experiência. Na comunidade psicanalítica procurei a mesma situação e, por exemplo, escutei diretamente grandes autores como Betty Joseph, Owen Renik, André Green, Kernberg, Etchegoyen, Jacobs, Grinberg, Faimberg. Há muitíssimos autores que para mim são grandes autores e a possibilidade de ouvi-los diretamente, e de trocar ideias com eles, teve para mim um efeito transformador e de valor inestimável. Há uma identidade local que se transmite ao analista e, no meu instituto que é o Instituto de Bologna, há uma identidade inicial Winnicott-Ferencziana. Essa foi a raiz das minhas origens analíticas. Antes de Bologna, vivi e trabalhei em Veneza onde havia um instituto freudiano, esse foi o primeiro, depois voltei a Bologna, onde nasci e a formação intensificou-se sobre a obra de Ferenczi e Winnicott. O que mudou em mim, nesses anos como analista através dos encontros com outros analistas, foi o fato de haver tido uma ampliação da teoria e da técnica e a confiança no meu pré-consciente que me faz encontrar na sessão a figura de diferentes analistas, meus interlocutores. Por exemplo, vem à minha mente, a partir do material da sessão do paciente, muitos autores que são inesperados, que me surpreendem, mas se meu pré-consciente sugere-me aquele autor específico é porque há algo de pertinente. Há alguma coisa na sessão que faz emergir um autor e não outro. A possibilidade de co-habitação, de convivência com diferentes autores, pode ter analogia com estar numa casa onde há muitos tios, muitos irmãos, muitos sobrinhos, que têm competências diferentes. Para mim há uma enorme diferença entre Lacan e Kohut, mas com alguns pacientes, vêm à minha mente Kohut, com outros Lacan, com outros Freud mesmo. Meu interesse agora é a conexão entre as teorias psicanalíticas, patologia e vida normal. Observando a vida normal pode-se compreender sua alteração patológica, como algo em continuidade com a vida normal. Escrevi há pouco tempo um livro onde exploro uma situação da vida comum com um olhar psicanalítico e descrevo o que um analista pode sentir em situações normais da vida. Interessa-me compreender o patológico, estudando também o normal. O livro chama-se: O Zen e a arte de não saber o que dizer, porque todos os analistas sabem que não sabem nada no começo de um tratamento, mas o paciente pensa que o analista sabe tudo. Nós sabemos que se um analista, um terapeuta, pensa que sabe o que o paciente vive, ele não é um analista. O analista não sabe, começa a saber algo com o tempo, lenta e paulatinamente. Num capítulo central desse livro eu relato a postura de minha avó quando estava à frente de situações difíceis com pessoas que lhe perguntavam o que pensava e ela respondia: Não sei o que dizer. Muitos anos depois, lendo um texto Zen, compreendi que para o mestre Zen, nisso estava sua sabedoria. A questão era: minha avó era um mestre Zen? Não era, porque tinha uma forma diplomática de se desvincular. O analista é diferente, não responde, não porque é diplomático, mas porque honestamente não sabe. O mestre Zen, como Sócrates que sabe que não sabe, não se envergonha em não saber. O Zen faz alguma coisa a mais, diz que a condição de não saber é muito difícil de conquistar e que é o vazio que torna disponível outros pensamentos. É uma condição rara, creio que isso é verdadeiro.

JP – Pensamos que essa sua colocação vem ao encontro do pensamento de Bion, quando ele se refere à disciplina do analista de procurar um estado psíquico junto ao paciente: sem memória, sem desejo, sem compreensão…

Stefano Bolognini – Sim, para mim isso coincide com o fato de que um pai ou uma mãe não ocupa a mente de um menino explorador, mas está ali, suportando a exploração, não invade a mente da criança, permitindo-lhe explorar. Quando essa função está bem introjetada, o ego do paciente permite ao pré-consciente explorar. Alguns autores ingleses, como Cristopher Bollas, entre outros, afirmam que há muitas partes do ego que trabalham de maneira similar ao ego da mãe. Então uma mãe que está com a criança, que encoraja, mas que não substitui as atitudes da criança, permite o pré-consciente do adulto, explorar.

JP – Nos seus escritos você se refere frequentemente aos conceitos de interpsíquico e intersubjetivo…

Stefano Bolognini – Sim, há uma diferença entre os conceitos de interpsíquico, intersubjetivo e interpessoal. São três coisas diferentes: quando me refiro ao interpessoal, significa que já há duas pessoas definidas e separadas, o que de verdade é bastante valioso.

O intersubjetivo quer dizer que já se organizou um sujeito, um sentido subjetivo (que pode ser algo menos estruturado e separado que uma pessoa e que há dois sujeitos em interação).

O interpsíquico é algo a mais: é uma condição fusional, não confusional, o que pode ocorrer antes da formação da pessoa e também antes da formação do sentido subjetivo, mas pode ser também depois dele. Os seres humanos podem regredir e podem avançar, de uma maneira que se alterna, e uma pessoa adulta, sã e madura pode regredir fisiologicamente, sadiamente, a um nível funcional interpsíquico. É o que ocorre compartilhando amor, trabalho, exploração, jogo, com outras pessoas. Nessas situações a fronteira interpsíquica elimina-se parcialmente e por um tempo limitado, de maneira sadia. Penso que a fusão que se realiza em alguns momentos particulares como, por exemplo, na nutrição ou na relação sexual, eventos interpsíquicos, não transpsíquicos, não violento, é uma fusão localizada, específica, não confusiva que permite a passagem do interior de um ao interior do outro. No meu livro Passagens secretas, há um capítulo que para muitos analistas poderia ser curioso, é o capítulo da relação entre um homem e um cachorro, onde ocorrem compreensão e contato sem palavras ou com poucas palavras. Por exemplo, quando o cão coloca a cabeça de uma determinada forma, com um olhar interrogativo, querendo dizer: Que significa? Que queres dizer? Ou quando o cão está contente, fecha os olhos ou parece estar feliz. O ser humano compreende isso. O interpsíquico entre cão e homem tem algumas similaridades com o interpsíquico mãe-bebê. Quiçá também com o interpsíquico entre dois amantes ou pessoas que se amam ou que são muito familiares reciprocamente. Na sintonia abrem-se canais interiores. O interpsíquico entre dois seres humanos coincide sempre com o contato correspondente entre o indivíduo intrapsiquicamente com ele mesmo. Quando se contacta um outro de maneira profunda e eficaz, no mesmo momento o sujeito experimenta um contato com algo de si mesmo. É bidirecional.

JP – Será que algo similar poderia ocorrer quando alguém tem um impacto diante de uma obra de arte?

Stefano Bolognini – Isso é outra coisa, é um evento muito subjetivo. Claro que o artista tem a capacidade de condensar em sua obra um mundo e veiculá-lo para outra pessoa, mas não é um fenômeno interpsíquico. A relação entre paciente e analista é a outra grande situação na vida, além da experiência primária, onde podem- se criar canais profundos que se abrem e onde se pode mudar algo do interior. É a segunda oportunidade.

JP – Há pessoas que tem relações tão ou mais intensas com seus cães do que com familiares.

Stefano Bolognini – Em muitas situações o cachorro poderia ser um si-mesmo/ bebê. Poderia ser uma dimensão narcísica de uma relação onde a pessoa coloca narcisicamente aspectos que o cachorro, em realidade, não tem. O cão é um animal que vive em grupo. Tem uma capacidade visceral de se conectar com o outro que não é comum. O gato pode ser maravilhoso, querido, mas é outra coisa. A dimensão interpsíquica é para mim uma das oportunidades futuras do analista. O analista não quer intencionalmente criar o interpsíquico porque não é algo voluntário, é algo que se lhe ocorre, como a empatia, ante situações que não se pode intencionalmente decidir. Por exemplo, não dá para dizer, hoje vou querer um campo interpsíquico, mas eu sei que se trabalho com um paciente muitas vezes na semana ao longo dos anos, isso pode ocorrer facilmente.

JP – Qual seria a relação do interpsíquico com o conceito de ilusão em Winnicott?

Stefano Bolognini – Há, sim, uma profunda relação com o campo da ilusão. O jogo é a situação estudada por Winnicott que mais interliga o conceito de interpsíquico ao de ilusão. Trata-se de uma ilusão benigna, não patológica – é criado um acordo compartilhado de suspensão do teste de realidade, a serviço de uma construção de fantasia compartilhada, que é por isso mesmo criativa. Distinguir entre uma ilusão benigna e uma patológica é uma das tarefas do analista. Por exemplo, podemos distinguir entre a ilusão benigna da transferência amorosa, e a maligna, patológica, das transferências eróticas e erotizadas.

Na transferência amorosa, por exemplo, a paciente não quer seduzir o analista ou, não quer somente seduzir o analista, há conflito, há desejo, fascinação e competência sedutora; na transferência erotizada não há transferência sedutora, não há conflito, porque quase sempre é psicótica como nas atrações fatais. Como o paciente que estabelece essa transferência erotizada sempre foi rejeitado, não há uma sedução, é uma missão impossível a do paciente: "não posso ser interessante para minha mãe nem para os objetos seguintes, tenho necessidade absoluta de ser amado, mas a vida cada vez mais me confirma que eu não posso ser amado". Essa é a transferência erotizada, o objeto tem de ser incorporado desesperadamente, perseguido para incorporá- lo. Na transferência amorosa há algo diferente. A menina ou menino foram muito competentes ao seduzir o pai ou a mãe, o que não conseguiram foi renunciar a esse privilégio, mas existe uma capacidade de sedução. A analista realmente excitase porque o paciente tem uma competência sedutora real, é uma pessoa atrativa, e a fantasia é compartilhada entre ambos: "somos um casal maravilhoso, nossa vida seria maravilhosa juntos". O analista pode cair na ilusão trágica de ser maravilhoso. Não somente porque vai fazer algo que não poderia fazer, senão porque não é verdadeiro que seja maravilhoso, isso é o mais interessante da transferência amorosa erótica. Quando há relações proibidas entre analista e paciente é muito interessante porque na maioria dos casos, a relação analítica tem um tempo de vida bastante curto e quase sempre é o ex-paciente que abandona o analista porque o analista não resultou ser maravilhoso. É simples, na transferência erotizada, o paciente não tem vergonha nem conflitos a respeito de amar, seduzir. Na transferência amorosa tem conflito, vergonha, culpa e por essa razão, esconde seus sentimentos. O analista tem a particular tarefa de permitir que esses sentimentos possam surgir ou manifestar-se e o delicado trabalho de não compartilhar de fato essa realidade, mas sem humilhar o paciente. Por exemplo mostrar-lhe que a capacidade de amar é uma riqueza que na situação analítica foi manifestada e que é boa, embora não seja possível que se atue nesta relação. A capacidade do paciente de amar e ser amado, poderia ser transferida para outra pessoa, mas é um patrimônio ímpar, é vida, a competência e capacidade de amar tem de ser legitimada e valorizada.

O interpsíquico e o campo de ilusão são muito próximos, é um campo necessário de onde se sai cuidadosamente, delicadamente. No interpsíquico pode compartilhar-se um campo de ilusão no sentido winnicottiano que é criativo e abre outras perspectivas.

JP – Você identifica alguma tendência mais geral na psicanálise contemporânea? Quais autores estariam despontando no cenário internacional?

Stefano Bolognini – A tendência que vem vindo, lentamente, é a de conhecimentos recíprocos. Mencionei em Bogotá um fato real que está acontecendo nos congressos da IPA na atualidade: há grupos de trabalho, todos de formações diferentes entre si que, anos atrás, iam aos painéis para ler suas apresentações. Havia um ou dois autores de outra corrente teórica e, após lerem sua apresentação, iam embora porque a canção que o outro cantava não interessava. Hoje interessa mais. Ocorre nos painéis internacionais que há perguntas recíprocas. Não é banal. Anteriormente, quando Laplanche falava, o americano presente ia embora ou Laplanche ia embora. Agora o mundo é mais internacional, o que significa que são mais resignados à existência de outras famílias. É um momento depressivo, isso é bom. Os autores que neste momento lideram, variam de país a país. Também há autores locais de maior prestígio. Entre os que são mais conhecidos internacionalmente poderíamos mencionar os norteamericanos: Thomas Ogden, com sua finíssima descrição de processos íntimos no casal analítico; James Grotstein que também desenvolveu o principio bioniano de forma original; Glen Gabbard, porque é um integrador, uma pessoa que tem uma visão ampla das diferentes tendências internacionais e diria também Theodore Jacobs com o conceito de enactment que para mim é a nova conquista psicanalítica depois do sonho, transferência e contratransferência. O enactment é uma nova oportunidade e nova visão técnica. Antigamente eram considerados obstáculos, tanto sonhos, enactment, transferência e contratransferência e converteram-se em instrumentos psicanalíticos. Penso que também o enactment vai convertendo-se em instrumento. O analista sabe que não é consciente o que encena com o paciente em alguns momentos, mas sabe que em après-coup pode recuperar algo precioso por meio dessa particular cena que criou inconscientemente. O método permite enriquecer o conhecimento por um momento inconsciente compartilhado.

Na Europa há muitos analistas líderes, embora para mim seja difícil dizer. Vincenzo Bonaminio é uma pessoa que conhece muito bem Winnicott e desenvolve suas ideias. Menciono também Franco De Masi que é particularmente conhecedor das perversões. Antonino Ferro, pioneiro de Bion na Itália desenvolveu sua visão da vida onírica de forma original.

Na França: André Green, Laplanche, Joyce Mc Dougall (que faleceu faz pouco tempo, muito estimada) e Eglé Laufer para adolescência. César Botella é um estimado analista que se ocupa da figurabilidade e do negativo de uma forma admirável. Nós, italianos, convidamos Botella inúmeras vezes, eu o considero muito. Há tantos outros como René Roussillon, brilhante, inteligente. Os franceses têm uma característica diferente aos italianos. Os italianos são muito diferentes entre si. Os franceses são mais como uma escola. Green e Laplanche, são os dois chefes, tem duas sociedades com algumas diferenças de perspectivas para mim. Outra autora francesa que nestes anos é muito considerada é Piera Aulagnier, muito viva como pensamento.

Na Inglaterra há os três grupos de autores mais influentes, em evidência, alguns kleinianos contemporâneos como Betty Joseph, Irma Brenmam Pick, John Steiner, Edna O’Shaughnessy, Ron Britton.

No grupo intermediário de Winnicott, há excelentes analistas, dentre eles destaco Cristopher Bollas, que apesar de viver nos EUA, é inglês.

Florence Guignard, na França, é uma pessoa muito brilhante que tem uma produção de integração internacional. Não é só bioniana, não é só winnicottiana, ela integra e conhece esses autores, joga muito bem com eles. Para mim é a nova tendência. Eu também me reconheço nessa tendência que não é eclética, é interlocutória e integradora onde integrar não significa criar uma só teoria utilizando todas essas, senão tolerar que há pai, tios, sobrinhos que pensam diferentemente, mas que têm uma capacidade e valor respeitável. Gosto muito de autores diferentes, como por exemplo: Freud, Karl Abraham, Ernest Jones, Herbert Rosenfeld, Heinz Kohut, André Green, Roy Schafer, León Grinberg, argentinos, brasileiros, uruguaios.

JP – Autores latinoamericanos têm influência na Europa ou são mais conhecidos por aqui?

Stefano Bolognini – Na Europa há mais influência latinoamericana do que os latinoamericanos acreditam, a partir dos tempos de José Bleger e de Pichon-Rivière. Os brasileiros e latinoamericanos começam agora a serem conhecidos, por exemplo, os artigos de Elias M. da Rocha Barros, Ruggero Levy, Cláudio Laks Eizirik, Leopoldo Nosek, Luis Kancyper, Norberto Marucco, Abel Fainstein. Eles têm livros traduzidos na Itália e são muito lidos. Prefiro pensar mais um pouco sobre esse tema, em relação a autores mais influentes. Esqueci dos Baranger que na Europa são muito conhecidos e influentes e também outros, Horácio Etchegoyen com seu tratado de psicanálise, todos os candidatos europeus os lêem, também Ralph Greenson com seu tratado. Alguns autores são fundantes. Poderia dizer que hoje o fator que faz o autor conhecido é o CAPSA, porque por meio do CAPSA permite-se convidar autores de outra região e os tornar conhecidos, que de outro modo não seriam. Assim trabalhamos, eu pela Europa, Abel Fainstein na América Latina e, Glen Gabbard na América do Norte. Foi muito rico, foi um intercâmbio de analistas que foram descobertos a partir de outras regiões.

JP – Você acredita que o International Journal of Psychoanalysis representa o pensamento psicanalítico internacional?

Stefano Bolognini – Há um problema com o International Journal, falando abertamente, é verdade que há muitos artigos latinoamericanos, mediterrâneos, anglo-saxões da Inglaterra e da América. Há uma representação com três editores nomeados pelo board, um de cada região, isso é muito bom, mas há dois editores que tem o direito de veto, um é inglês e o outro é norte-americano. O que acaba acontecendo é que os ingleses e os norte-americanos detém um domínio, controle, ou seja um poder maior sobre a vida científica editorial mundial, isso torna o International Journal menos internacional. Essa é uma crítica que apresentei com franqueza na British Psychoanalytical Society, quando sugeri que o mesmo mecanismo de rotação que há para a presidência da IPA poderia ser utilizado pelos editores científicos. A British que é a proprietária, inicialmente aceitou porque compreendia que dessa maneira podia evitar o perigo de uma revista IPA e num segundo momento rejeitou porque o editor board local não estava de acordo. Agora aceitou uma terceira solução que me parece sábia e apropriada – a de abrir um debate acerca das futuras escolhas, de modo a explorar a situação e refletir sobre ela. Acredito que seja uma boa ideia, que pode levar a desenvolvimentos interessantes seja para a IPA quanto para a British.

JP – Você acredita que a psicanálise contemporânea ainda preserva o caráter transgressor dos inícios?

Stefano Bolognini – Creio que sim porque o caráter transgressor também está entre os diferentes institutos. É preciso distinguir entre uma transgressão teórica no interior do mundo psicanalítico e uma transgressão cultural no exterior desse mundo. No interior do mundo psicanalítico, a transgressão é com certeza hoje melhor tolerada do que no passado.

Ocorreu-me de apresentar as minhas ideias sobre a empatia em Chicago que é a terra de Kohut. Eu admiro Kohut, mas não estou de acordo com a ideia de empatia dele porque aconselha os analistas a contactar primeiro a parte ferida do paciente. Há diferentes partes a serem pensadas, apresentadas, contactadas, compartilhadas, por exemplo, para mim também é importante acessar e representar o ego defensivo do paciente, minha fórmula é: não é apenas o prisioneiro que é importante, mas também o carcereiro; compreender como ele funciona, o que o carcereiro pensa, por que é um carcereiro, como se desenvolve. Quando eu apresentei essa ideia, os kohutianos de Chicago queriam me bater porque há algo de transgressivo ao dizer isso. Porém na realidade houve uma boa discussão e acredito que ninguém tenha sido desapontado.

O mesmo ocorreria se na França não se falasse em termos pulsionais, mas sim em termos narcisistas de uma maneira kohutiana, que tem sentido porque o cuidado dos kohutianos ao equilíbrio narcísico durante a análise, tem sentido; não há somente isso na análise, mas este é um dos aspectos e, então, ao se mencionar Kohut, os franceses tem às vezes (não sempre) uma reação explosiva; nos institutos de uma mesma nação há diferenças. Porém atualmente pode-se falar de psicanálise mesmo sem estar de acordo com o interlocutor, e isso não suscita mais o terrível grito: Esta não é Psicanálise!!! … como algum tempo atrás ouvia-se ressoar nos debates.

No mundo exterior há uma postura revolucionária da psicanálise, porque o mundo exterior sugere hoje que tudo seja superficial, rápido, disponível, com uma leitura muito resumida e sem tolerar dor nem esperar. A psicanálise tem um poder revolucionário. O inimigo número um do psicanalista no início do século passado, era o superego. Superego opressivo, persecutório. Hoje muitos pacientes têm que reconstruir, um pouco, o superego que protege quando instaura o limite que não tem. O analista coloca-se em uma condição que também é contratransferencial, mas tem o sentido de ensinar lentamente ao paciente como tolerar um limite, essa é uma função superegoica, continente, é uma grande mudança em muitos casos.

JP – A disseminação das drogas poderia ter contribuído para o decréscimo da função superegoica?

Stefano Bolognini – Nas últimas décadas as pessoas não valorizaram adequadamente as consequências das drogas. É um desastre mundial.

JP – O que você poderia nos dizer sobre o aumento do comportamento bissexual entre os jovens?

Stefano Bolognini – Muitos analistas se questionam sobre a difusão das perversões. Aumentou ou se manifesta mais atualmente? Como é essa dinâmica? É um manifestar-se mais sincero ou é uma facilitação numa idade determinada? É uma pergunta importante, muitas vezes a solução "perversa" é defensiva de outros problemas psíquicos ou relacionais. Podem fixar-se e o que poderia ser um episódio, passa a ser uma fixação, ser um elemento identitário, de técnica, estratégia etc.

JP – Sabemos que você tem tido ao longo dos anos grande participação em vários Comitês da IPA, o que poderia nos falar a respeito dessas atividades?

Stefano Bolognini – Em Montevidéu encontrei candidatos que tinham uma relação particular com os analistas didatas do Instituto, mais familiar que em outros institutos. Na Inglaterra, na França a relação do candidato com os analistas didatas é uma relação bem vertical. No Uruguai há respeito e reconhecimento das diferenças, mas há uma maior familiaridade entre colegas. Fiquei bem impressionado, poderíamos dizer que é a diferença que há entre idealização e amor. Na Itália as relações entre analistas didatas e candidatos ficam num plano intermediário entre esses dois grandes modelos. Com os candidatos temos uma postura respeitosa e não particularmente distante, mas em italiano há duas maneiras de se dirigir ao outro, tu e você. Os didatas italianos chamam de "Senhor" os candidatos e vice-versa, por uma série de razões, por exemplo, quando se trata de fazer uma avaliação do candidato, é melhor que não tenha uma familiaridade tão grande. Essa é nossa postura, porque não é automático que o candidato seja aprovado ,então é mais natural respeitar a realidade quando há certa distância, reconhecendo que há uma função que inclui uma avaliação que é mais difícil com o "você". Os ingleses têm o "You".

JP – Como candidato a presidência da IPA quais são suas principais propostas?

Stefano Bolognini – Em relação a meu programa proponho:

1. Transparência no que se decide na IPA e principalmente encarar o board como o real governo da IPA. O presidente tem que implementar, ou seja atuar o que o board decide, tem que pôr o enquadre da situação toda, inspirar alguma cláusula, mas, a decisão tem de ser votada pelo board.

2. Maior internacionalização: continuar as trocas na CAPSA, promover as video-conferências, apresentar e discutir em colegiado a situação da psicanálise nos diversos países, especialmente em relação à prática clínica e à supervisão. Dito em uma palavra: more in(ter)sight!

3. "SE O OBJETO NÃO SE APRESENTA, A PULSÃO NÃO SABE ONDE ENCONTRÁ- LO". A psicanálise deve realizar mais para ser conhecida, para estar na cena cultural, sanitária, universitária e assistencial de todos os países.

4. Potencializar a presença da psicanálise no âmbito da psicanálise infantil e da assistência hospitalar e médica em geral, com atenção particular na recuperação da sua relação com a psiquiatria.

JP – O que você pensa dos diferentes modelos de formação que contemplam os pressupostos psicanalíticos da IPA?

Stefano Bolognini – Pode ser que haja no mundo mais do que três modelos, por especificidades locais pouco conhecidas. A IPA promove mais intercâmbios do que controle, ou seja, a IPA constrói situações de intercâmbio, debate e informação recíproca onde as sociedades comunicam o que fazem e porque o fazem, qual é a razão cultural e técnica. Pessoalmente tenho a tendência a respeitar bastante as identidades nacionais. Compreende-se que há limites extremos. O que não se deveria fazer é mentir. Meu medo é que se há um controle muito severo, surgirá a mentira, entretanto se havia um intercâmbio pode ser que as sociedades digam a verdade e discutam. No mundo o limite mínimo de sessões por semana de uma análise didática é três, mas agora também se discute a frequência nos três modelos. No modelo Eitington são quatro sessões de análise didática por semana, no francês são três sessões; três ou quatro sessões no modelo uruguaio, mas se uma sociedade quer mudar somente a frequência, a IPA não aceitará porque o modelo francês não se refere apenas a número de sessões, inclui outros importantes requisitos. A postura da IPA é enfatizar que se uma sociedade quer mudar a frequência de sessões, deve mudar o modelo também. O interessante seria discutir. Não só para dar um tempo razoável para os candidatos buscarem os casos para supervisão, como também porque seria bom prepará-los para a realidade de sua vida profissional, de trabalhar com diferentes frequências.

JP – Como interagem as duas famílias do analista, a da história pessoal e a da formação do instituto?

Stefano Bolognini – A forma de integrá-las é a partir do trabalho analítico. O candidato e o analista necessitam conscientizar-se das implicações que existem em terem tido uma família de um determinado tipo, e como a transferência familiar manifesta-se na experiência subjetiva do analista quando ele está na Sociedade. Conheço a história pessoal de determinados analistas e observo que na relação com a instituição os padrões de comportamentos repetem-se de uma forma muito parecida: aquele que é filho único, que odeia irmão, pode repetir a mesma dinâmica com seus pares. Se o analista está bem analisado, pode ser que se torne consciente e que isso se transforme. A regressão transferencial é tão forte na experiência de todos nós, que algo do estilo e da atmosfera do instituto se transfere como que por via do DNA. Há colegas que mudaram de instituto e sua vida mudou significativamente. Os analistas mais experientes devem estar atentos e cuidar da atmosfera da sociedade para permitir a evolução dos mais jovens.

JP – Que lugar ocupa e qual a importância da análise do analista no nosso sistema de formação? Como esta questão é tratada na Sociedade de Psicanálise Italiana a qual pertence?

Stefano Bolognini – Acredito que a análise do analista seja realmente o momento mais importante da formação. Nela apreende-se o contato com o próprio mundo interno e este é o caminho que permite posteriormente o contato com o mundo interno do outro.

Não é possível traduzir em poucas palavras a complexidade do percurso de formação. Limito-me a enfatizar o quanto a análise do analista é de fundamental importância para gerar novo trabalho analítico.

Na nossa Sociedade Italiana de Psicanálise uma análise de formação se desenvolve com a frequência de quatro sessões por semana, segundo os critérios clássicos.

Aconselhamos vivamente os nossos candidatos a continuarem sua análise por um certo tempo, mesmo durante as supervisões oficiais, para conter e explorar analiticamente também os fantasmas e os movimentos transferenciais complexos que são ativados durante essas supervisões, em relação aos supervisores, os professores e os companheiros de formação.

JP – Agradecemos ao Dr. Bolognini pela generosidade em suas respostas, pela oportunidade dessa conversa franca e desejamos muita sorte em seu trabalho competente na IPA.

 

 

1 Analista didata e atual presidente da Societá Psicoanalitica Italiana (SPI), foi Diretor Científico Nacional da SPI, cofundador do Comitê Patologias Graves da SPI (1992), expresidente do centro Analítico de Bologna. Na IPA foi Board Representative para a Europa, 2003-2007; co-chair por Europa CAPSA Committee; chair IPA 100 Anniversary Committee. Com 130 artigos publicados em revistas internacionais e vários livros, entre eles destacamos dois livros traduzidos para o português: A empatia psicanalítica, Companhia de Freud, 2008, e o livro Passagens secretas: teoria e técnica da relação interpsíquica, Casa do psicólogo, 2009. Seu último livro publicado é Lo Zen e l’arte di non sapere cosa dire, 2010.
2 Participaram da entrevista: Cândida Sé Holovko, Miriam Malzyner, Yeda Saigh, Marta Úrsula Lambrecht e Silvia Lobo.

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