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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.43 no.79 São Paulo Dec. 2010

 

TRIBUTO A ODILON DE MELLO FRANCO FILHO

 

Odilon de Mello Franco Filho: uma vida dedicada à Psicanálise

 

Odilon de Mello Franco Filho: a life dedicated to psychoanalysis

 

Odilon de Mello Franco Filho: una vida dedicada al psicoanálisis

 

 

João Baptista N. F. França1

Analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP
Diretor do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP

Endereço para correspondência

 

 

Há pessoas que temos o privilégio de encontrar, nos diferentes momentos e caminhos de nossa vida, que estimulam o que temos de melhor e de mais verdadeiro. Odilon de Melo Franco Filho, de quem nos despedimos há um ano, era uma dessas pessoas dotadas da arte de tecer com seus interlocutores (analisandos, alunos, colegas, amigos, familiares) as condições mais favoráveis para experiências emocionais transformadoras. Tinha no seu trabalho clínico cotidiano o talento para desarticular, desconstruir armadilhas aprisonantes que afastam o indivíduo de seu caminho singular, favorecendo caminhos de liberdade de ser.

Odilon em sua trajetória como psicanalista impressionou muitos de nós com sua solidez de caráter; com sua presença viva; com a lucidez de pensamento e capacidade de trabalhar em sintonia íntima e profunda com seus analisandos até os últimos dias de sua existência; com seu profundo amor pela verdade; com sua humildade para reconhecer o não saber; com o compromisso indiscutível com o não julgamento moral e abertura de mente para o novo, o desconhecido.

Em nome de todos os colegas da SBPSP e do Instituto de Psicanálise, o Jornal de Psicanálise tem a honra de publicar esse tributo ao tão querido colega, que tanto contribuiu com suas reflexões sobre formação, seu exemplo de ser humano e psicanalista competente.

É com dor e alegria que oferecemos ao leitor as palavras dos colegas França, Sapienza, Sandler e Rezende que apresentam a seguir diferentes facetas dessa trajetória exemplar e expressam a gratidão de todos nós ao psicanalista, mestre e amigo inesquecível

Ao iniciar a homenagem que a SBPSP e o Instituto de Psicanálise organizaram por ocasião de um ano do falecimento de Odilon de Mello Franco Filho, vou trazer um recorte resumido de alguns dados biográficos e particularizar algumas de suas contribuições para a formação analítica.

Odilon nasceu em Ibitinga, no interior do Estado, e veio para São Paulo na adolescência. Cursou a Faculdade de Medicina de Pinheiros, onde o conheci, iniciando uma longa amizade que durou até fim de sua vida. Fomos compadres, companheiros de viagens e nas vicissitudes da formação analítica.

Logo que se formou, Odilon foi trabalhar no interior do Estado, como clínico geral, em Capão Bonito, onde ficou por dois anos. Ele teve uma educação religiosa e durante a vida universitária participou da Juventude Universitária Católica. Sempre foi líder e sua liderança decorria naturalmente de trabalho e competência.

A ideia de praticar Medicina em uma cidade pequena do interior do Estado era consoante com o idealismo com que viveu sua adolescência e juventude. Atendia na Santa Casa local e contou-me, certa vez, que os pacientes internados e que precisavam pagar uma quantia, mesmo que fosse módica, fugiam da internação à noite, pois não tinham dinheiro para o custeio das despesas.

O regresso do interior aconteceu após sua esposa ter surpreendido uma aranha caranguejeira subindo pelo berço de sua filha primogênita. A família voltou para a capital para um novo início de vida.

Voltando a São Paulo, logo iniciou o consultório de psicoterapia e após alguma experiência de psicoterapia de grupo e análise entrou na SBPSP.

No Centro de Estudo Luiz Vizzone assumiu rapidamente uma posição ativa, participando da diretoria e escrevendo. Um dos trabalhos da época foi escrito junto com Wilhelm Kenzler, Amélia Vasconcelos, Carlos Knijnik e Joanna Wilheim intitulado "Autonomia e dependência na situação do candidato", publicado no Jornal de Psicanálise (Franco Filho; 1971, 1972).

Tinha interesse e experiência na área de Psicoterapia de Grupo, pois atendia grupos em sua clínica e participou da Sociedade de Psicoterapia de Grupo até o fim. Já bastante doente, contou-me que fora dar uma palestra para seus amigos e participantes da Sociedade Paulista de Psicoterapia Analítica de Grupo, na qual era muito respeitado, e o fez imediatamente após uma das sessões de quimioterapia a que se submetia, pois as reações e efeitos secundários deste tratamento não ocorriam logo em seguida à aplicação da mesma.

Voltando à sua vida profissional, agora ligada à psicanálise, Odilon percorreu todas as etapas da carreira de analista. Após ser qualificado, passou a membro efetivo, docente, analista didata, sempre participante e trabalhando muito na instituição.

Teve um intercâmbio muito profícuo com colegas da América Latina, indo várias vezes ao Peru, Uruguai e Venezuela, sempre convidado para dar supervisões e seminários.

Participou de vários Congressos de Psicanálise, no Brasil e na América, participando de mesas e escrevendo relatórios sobre os temas oficiais.

Em seu amadurecimento como psicanalista, Odilon descobriu e estudou profundamente a obra de Bion, sempre com um viés crítico, dando muitos seminários e grupos de estudo sobre este autor.

Odilon adotava um método de exposição parecido com o de Freud nos seus grupos, aulas e trabalhos: respeitava objeções, ele mesmo se antecipava e propunha as mesmas, à medida que surgiam suas ideias.

Odilon foi professor e clínico muito respeitado, bastante procurado para análise, supervisões e reanálises. Sempre se destacou por ter uma imagem de seriedade, estudo e bom senso.

Escreveu muitos trabalhos científicos, com um estilo sempre correto e limpo. Participou com Antonio Sapienza, Cláudio Cohen e Manoel Lauriano Salgado de Castro, na elaboração do código de ética da SBPSP adotado também pela FEBRAPSI.

A formação analítica sempre foi uma das suas áreas de interesse.

Trabalhou e escreveu textos sobre todos os aspectos da formação analítica: seleção, avaliação e participou de grupos de estudos de Freud e da reforma da grade curricular dos cursos do instituto, além das diversas jornadas e congressos internos que tivemos.

Odilon sempre fugiu de cargos ou posições, mas sempre colaborou muito nas diversas funções da instituição, como na Comissão de Ensino. Ele sempre era chamado, em situações institucionais complexas, em todas as instâncias para dar opinião, tendo-se em conta seu jeito ponderado, sensato e suas ideias sempre pertinentes.

Vou citar alguns dos trabalhos que escreveu sobre formação:

1. Em 1988, escreve para a revista IDE, o trabalho "A psicanálise e a instituição psicanalítica: um vínculo e sua explicitação".

Resumidamente: ocorre na instituição psicanalítica ambiguidade das mensagens, geradas dentro da própria instituição, gerando fantasias que se institucionalizam e passam aos candidatos como modelos de formação.

Premissas dessas fantasias seriam: "Os psicanalistas e suas organizações são objetos singulares e privilegiados no campo intelectual"

Outro pressuposto: "A instituição psicanalítica seria diferente de outras devido a singularidade de seu objeto de atividade, a psicanálise".

Existe uma ideia de que todas as fórmulas institucionais conhecidas não são suportes adequados para o desenvolvimento da psicanálise.

Trata-se, porém, de uma confusão entre singularidade da psicanálise e singularidade da instituição psicanalítica.

Odilon prossegue, "as instituições de psicanalistas alimentam um processo de ocultamento de estruturas de poder. Ocorre um psicologismo na abordagem de fenômenos institucionais dizendo-se, por exemplo, que faltaria análise àqueles que questionam ou criticam aspectos da instituição".

Em relação aos professores, Odilon sugere que a extensão do setting analítico aos cursos impedem a formação de um verdadeiro corpo docente.

O artigo prossegue, com o estudo de vários aspectos de exame dos problemas institucionais, abordando com outras palavras a questão do privado e do público, que veio à tona, nos trabalhos do recente Congresso interno.

2. No ano 2000, Odilon escreve como represe ntante de nosso Instituto para o encontro de institutos em Caracas, trabalho sobre "Fundamentos teóricos, clínicos e técnicos do enquadre na formação analítica".

Nesse trabalho propõe que a questão do enquadre na formação analítica seja abordada por meio de um vértice simbólico, que explicite os elementos de natureza psíquica que determinam a constituição do vir a ser psicanalista.

Fala dos enquadres formais, como aqueles que constituem o tripé de formação, mas que o espaço simbólico da formação ocorre em um outro tripé no qual destacam-se: a personalidade do candidato, tendo como fatores, sua potencialidade anterior à formação, sua possibilidade de contato com a realidade psíquica e a capacidade de suportar as dificuldades da formação; o método psicanalítico que, mais do que se restringir as questões técnicas, denota um caminho a ser percorrido, e as relações institucionais, não as suas estruturas, mas sim sua mentalidade, relações e fantasias que vão constituir uma extensa malha simbólica que ocorre na instituição, e que vai resultar na filiação simbólica do candidato, não a escolas, mas sim a figuras representativas do Édipo no espaço institucional.

3. Em 2008, Odilon foi convidado para proferir a aula inaugural dos cursos do Instituto e traz a ideia, que ouvira de Virgínia Bicudo, que "a personalidade do analista é o seu principal instrumento de trabalho". Tal instrumento organiza-se em torno da sensibilidade-disponibilidade para o contato com o paciente e uma tolerância para com o desconhecido, o não-sabido.

Nessa perspectiva, o elemento central da formação analítica é a análise pessoal daquele que pretende vir a ser psicanalista. Além disso, mais do que simplesmente participar de cursos e supervisões, é importante que a pessoa se integre a uma rede de relações que fazem parte da vida institucional. Esse envolvimento tem a ver com duas disposições emocionais: paixão e amor à verdade. Trata-se de um compromisso ético para quem pretende se familiarizar com o Método psicanalítico.

4. Além do seu interesse sempre presente por religião, as inquietações existenciais de Odilon levaram-no a escrever um trabalho sobre a questão da Felicidade, já no fim da vida.

Ele já tinha escrito um artigo há muito tempo, sobre "A psicanálise e os mitos da realização pessoal", e agora, nesse trabalho comenta e compara o artigo de Freud, "O mal-estar na civilização" com a obrigação de ser feliz, imposta pela cultura moderna, em artigo que intitulou "A civilização do mal-estar pela não-felicidade".

Este resumido esboço panorâmico da vida e obra de Odilon é uma introdução que trago para esta homenagem; outros colegas falarão de algum aspecto específico de seus interesses e certamente os presentes neste evento vão querer trazer seu testemunho e lembrança.

Ao pensar nos traços mais marcantes da personalidade de Odilon, sobressai uma figura que lutou e conquistou o respeito unânime de seus colegas, com um trabalho paciente e contínuo, sempre com grande curiosidade e honestidade intelectual; não pensava em projeção pessoal ou em eventual rivalidade com colegas.

Sua postura equilibrada e amiga faz com que nos lembremos muito dele em seu percurso sempre discreto.

Ao Odilon, um abraço saudoso.

 

Referências

Franco Filho, O.M. (1971). Autonomia e dependência na situação do candidato: 1a. parte. Jornal de Psicanálise, 6 (17), 5-7.         [ Links ]

Franco Filho, O.M. (1972).Autonomia e dependência na situação do candidato: 2a. parte. Jornal de Psicanálise, 6 (18), 7-9        [ Links ]

Franco Filho, O.M. (1988). A psicanálise e a instituição psicanalítica: um vínculo e sua explicitação. IDE,15, 39-42.         [ Links ]

Franco Filho, O.M. (2000). Fundamentos teóricos, clínicos e técnicos do enquadre na formação analítica. Jornal de Psicanálise, 33 (60/61), 179-84.         [ Links ]

Franco Filho, O.M. (2008). O principal instrumento de trabalho do analista. Jornal de Psicanálise, 41 (74), 249-256.         [ Links ]

Franco Filho, O. M. (2009). A civilização do mal-estar pela não-felicidade. Revista Brasileira de Psicanálise, 43 (2), 183-192.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
João Baptista Novaes Ferreira França
Rua João Moura, 647/82 – Pinheiros
05412911 São Paulo, SP
Tel: 11 3083-2581
E-mail: jb-franca@uol.com.br

 

 

1 Analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP e diretor do Instituto de Psicanálise da SBPSP.

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