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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.44 no.80 São Paulo jun. 2011

 

EDITORIAL

 

Por que "Jornal"? Foi a primeira pergunta que nos ocorreu como o novo corpo editorial do Jornal de Psicanálise. Essa pergunta tem várias conotações, que vão, numa continuidade, da indagação pelos significados da palavra jornal até o porquê de usá-la no nome do nosso periódico – que, como todos sabem, desde a sua origem está ligado ao Instituto de Psicanálise, órgão formador dos psicanalistas da nossa Sociedade.

A etimologia da palavra "jornal" indica que ela provém do latim diurnalis, que significa "diário, relativo ao dia" (Houaiss, 2001). Nas línguas latinas veio a significar a conhecida publicação diária de notícias e informações de diversas áreas de interesse; por extensão, "jornal" passou também a ser usado para outras publicações que tenham alguma periodicidade. Journal, em inglês, também de origem latina, refere-se a um periódico ligado à produção acadêmica especializada. Em nosso país, é mais comum usar a palavra "revista" para um periódico de uma área especializada de conhecimento e atuação profissional, o que reforçou, para nós, a necessidade de se perguntar sobre o nome de nossa publicação – sem, contudo, concluir pela sua inadequação, conforme veremos. A indagação do nome tornou-se, necessariamente, a indagação do objeto nomeado, daí que, primeiramente, procuramos investigar o caráter de nosso Jornal, seu perfil, suas qualidades; compreendê-lo em sua função e em sua singularidade, para daí retornar ao nome e refletir sobre seu sentido. Foi dessa maneira que a pergunta inicial nos moveu a um olhar para dentro da nossa instituição, na intenção de rever o nosso Jornal – e dessa atitude reflexiva nasceu este número.

Uma das iniciativas no sentido de atender ao anseio de reflexão e pesquisa foi o convite feito às quatro últimas editoras do Jornal para um "Diálogo com as editoras do Jornal de Psicanálise": Sandra Schaffa, Cecília Orsini, Leda Barone e Cândida Sé Holovko estiveram conosco numa conversa em que pudemos rever, em pinceladas precisas e sensíveis, a trajetória do nosso periódico, trocando experiências que nos permitiram pensar as propostas para o mesmo.

Contamos também com a colaboração da Divisão de Documentos e Pesquisa da História da Sociedade Brasileira de Psicanálise (DDPHP-SBP) em dois artigos sobre a fundadora do Jornal de Psicanálise, Virgínia Leone Bicudo, que era a diretora do Instituto em 1966, ano da publicação do primeiro número. Antonio Pessanha nos fornece um depoimento pessoal dos primeiros anos do Jornal e Maria Helena Teperman, em conjunto com Sonia Knopf, escreve um artigo biográfico de Virgínia, fruto da investigação histórica dessa Divisão.

No decorrer dessa pesquisa, em que fomos recompondo a história da publicação, percebemos o Jornal como sendo a memória da nossa Instituição, e isso num sentido específico, ligado à nossa prática clínica e a nosso modo de teorizar em psicanálise. Se nos remetermos à concepção de Freud sobre o sujeitos "de tempos em tempos, a um rearranjo segundo novas circunstâncias – a uma retranscrição. Assim, o que há de essencialmente novo a respeito da minha teoria é a tese de que a memória não se faz presente de uma só vez, mas se desdobra em diversos tempos." (Freud, 1950/1977). Essa retranscrição implica, no movimento de resgate feito pela memória, uma atualização do evento passado, que reconfigura-se sob a influência das circunstâncias do presente. Isso significa que, para a psique, não existe o evento em si, o trauma de modo determinante, mas o modo como ele é percebido e interpretado. O Jornal seria, nesse contexto, um dos desdobramentos da memória do psicanalista, na tentativa não só de registrar, mas de entender, significar e ressignificar o trabalho clínico diário, nessa teorização que se dá como processo em constante diálogo com os "eventos" trazidos pela clínica.

O conceito de retranscrição, ou ressignificação – no original, o conceito freudiano de Nachträglichkeit – tornou-se um ponto privilegiado de reflexão. Traduzido como "posterioridade", "a posteriori", constituiu-se o tema conceitual deste número do Jornal. Traduzimos um artigo sobre o conceito de Nachträglichkeit, de Gerhard Dahl, que trata das várias acepções e traduções do termo alemão, discutindo a sua relação com os vetores temporais e a sua relevância clínica. Recebemos também os artigos de Bernardo Tanis e Fátima Cristina de Oliveira, que, de outros pontos de vista, oferecem-nos uma leitura clínica e literária sobre o conceito. Lembramos de um texto de Parthenope Bion que considera a trilogia de Bion, Uma memória do futuro, como sendo uma espécie de Nachträglichkeit de toda sua obra anterior. A questão dos tempos da psicanálise, que se fez presente, nos pareceu tão abrangente que continuará como proposta para o próximo número. Haverá então um segundo tempo sobre esse tema – a posteriori, decorrente também do que consideramos nesse número como artigos gatilhos para novas reflexões.

Em decorrência da nossa indagação "por que Jornal", propusemos uma mudança no projeto gráfico, como vocês puderam perceber, e que foi conduzido por Marcos Brias. Pensamos numa capa que nos reportasse ao que a investigação sobre o nome Jornal de Psicanálise nos suscitou. Marcos propôs inicialmente uma pena, em função da ideia grega de psykhe – alma, sopro de vida, – além da mesma remeter à escrita. Mas a pena sozinha parecia muito leve para representar a nossa tarefa cotidiana. Surgiu então a ideia da mancha de tinta, como quando a tinta é passada na chapa que irá imprimir o jornal, formando, na primeira impressão, uma retícula, imagens pontilhadas, mas ainda sem forma. Pareceu-nos que a combinação dos dois elementos, a pena e a mancha, poderiam expressar o nosso labor diário de transformar o informe, o bruto, a coisa em si, através da delicadeza da pena, numa comunicação significativa, que possibilite a troca entre os pares, fazendo nascer um diur-nal.

Além disso, na elaboração da capa esteve presente a preocupação com a identidade do Jornal: um órgão do Instituto de Psicanálise, que por sua vez está ligado à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Como vocês poderão ler no "Diálogo com as editoras", pensamos no Jornal como tendo uma dupla inserção: é do Instituto e da Sociedade, mas com o compromisso de ser o receptáculo para uma atividade em constante transformação, que se refere à formação e constituição da identidade do psicanalista.

Mantivemos também seções não ligadas ao tema proposto, que deveremos manter nos outros números: artigos que tragam uma reflexão sobre a clínica e teoria psicanalítica, no divã, como o caso apresentado por Alessandra Gordon, ou fora dele, como já testemunhou o Jornal de Psicanálise no intrigante número "Psicanálise sem divã", sobre a nova demarcação do campo analítico, no trabalho com os pais dos analisandos crianças, nos casos dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, no trabalho em instituições sociais como atestam os artigos escritos por Marta Petricciani, Mariângela Mendes de Almeida e Miriam Altman.

Uma seção que consideramos importante preservar é a que se refere à formação do psicanalista. Neste número temos os artigos de Homero Vettorazzo Filho e Paulo Duarte Guimarães Filho, sobre o tema Currículo. Deveremos manter essa seção para uma reflexão permanente sobre questões ligadas à formação, e nossa proposta é continuar um trabalho que já vinha sendo feito nas gestões anteriores, de ter o Jornal de Psicanálise como um órgão importante para captar as "pulsações" do nosso ambiente institucional.

A interface com outras áreas do conhecimento faz parte do próprio modo de teorizar do psicanalista, como inaugurado por Freud. Publicamos dois artigos ligados à literatura que podem contribuir para a ampliação do pensar sobre modelos de constituição da mente: de As metamorfoses de Ovídio aos clássicos da literatura inglesa, temos a possibilidade de repensar a psicanálise de Freud, Bion, Lacan, Meltzer e a nossa psicanálise.

Tivemos neste número a resenha do interessante livro Bion e a psicanálise infantil, e deixamos em aberto uma seção para que vocês possam contribuir com resenhas, reflexões, poesia... E, desde o número anterior, temos a versão eletrônica do JP disponível no PePSIC – //pepsic.bvs-psi.org.br.

Pudemos contar também, nesse número, com a contribuição de mais três editores experientes: Jean-Michel Quinodoz, numa entrevista ao JP, nos falou da sua experiência por mais de dez anos como editor do International Journal of Psychoanalysis pela Europa, cargo hoje ocupado por Jorge Canestri, de quem também publicamos uma entrevista, concedida à Associação dos Membros Filiados. Nosso colega Elias Mallet da Rocha Barros, que foi editor da Revista Brasileira de Psicanálise e, por uma década, editor regional do International Journal pela América Latina, nos escreveu um artigo especialmente para esse número.

Diferente dos primeiros anos do Jornal, no momento atual estamos às voltas com questões sobre critérios para indexação e normalização dos periódicos, e temos que pensar sobre os rumos da publicação em psicanálise em termos institucionais, questão esta abordada pelo artigo de Leda Barone.

Gostaríamos de agradecer o convite de João Baptista França, diretor do Instituto, e de Plínio Montagna, presidente da SBPSP, e explicitar aqui o nosso reconhecimento pelo apoio e confiança que recebemos, permitindo que o nosso grupo pudesse trabalhar com liberdade no lançamento do nosso primeiro número. Agradecemos também a todos aqueles que contribuíram de diferentes formas para a produção desse número, e contamos que cada um de vocês leitores possa se tornar um colaborador da nossa próxima edição.

 

Eunice Nishikawa
editora

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