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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.44 no.80 São Paulo jun. 2011

 

DEBATE

 

Diálogo: ser editora do Jornal de Psicanálise

 

Dialogue: being the editor of Jornal de Psicanálise

 

Diálogo: ser editora del Jornal de Psicanálise

 

 

A nossa proposta para este número foi um convite a rever o nosso Jornal e refletir sobre a sua trajetória. Nada melhor que perguntar às pessoas que participaram ativamente desse percurso que deixaram sua marca impressa da qual podemos compartilhar e com elas revisitar de forma viva sobre um tempo que já passou. No dia 15 de maio de 2011, o corpo editorial1 do Jornal de Psicanálise convidou para uma conversa as quatro últimas editoras para nos falar sobre as experiências e vicissitudes pelas quais passaram estando à frente deste importante órgão de publicação na nossa instituição. Tivemos, em quase duas horas, um panorama do que foram os últimos dezesseis anos da existência do Jornal. Conversamos com a Sandra Lorenzon Schaffa, que foi editora no período de 1995 a 2000; com a Cecília Maria de Brito Orsini, editora de 2001 a 2004; com a Leda Maria Codeço Barone, editoa de 2005 a 2008, e com a Cândida Sé Holovko, editora na gestão de 2009 e 2010. A conversa ocorreu em um clima de franqueza e solidariedade e pudemos refletir juntas sobre as "pulsações" da nossa instituição, os bastidores da publicação e as propostas para o Jornal de Psicanálise.

 

Jornal de Psicanálise − A nossa primeira questão é simples e ampla: como foi para vocês a experiência de ser editora do Jornal de Psicanálise?

Cecília − Para mim, a experiência de ser editora foi articulada à história do Jornal. Eu vim da equipe da Sandra: fazia parte da equipe anterior, na qual entramos eu, Bernardo Tanis e a Belinda Mandelbaum, com o fito de dar continuidade a uma linha editorial bem-sucedida. Além da Sandra Schaffa, já trabalhavam há anos na equipe a Marina Massi, a Regina Reiss, a Luciana Saddi e a Leda Herrmann, que se incorporou depois. Elas, que já vinham trabalhando há cerca de dez anos, desde a gestão do Menezes, queriam descansar, mas queriam garantir uma continuidade do trabalho editorial. Por isso houve a preocupação em chamar novos componentes, de modo que a proposta editorial não sofresse em uma solução de continuidade. Para mim, ser editora do Jornal foi uma coisa muito importante. Eu estava terminando a formação, tinha acabado de me tornar membro associado e entendi como um desafio ao qual não podia me furtar. Fui indicada pela Sandra para fazer essa continuidade e, apoiada pelo Márcio de Freitas Giovannetti, o presidente na época, e aceita pela Nilde Parada Franch, diretora do Instituto de Psicanálise. Foi um trabalho maravilhoso, fundamental: eu tive grande preocupação em pesquisar melhor a história dessa inflexão e fazer jus a isso que foi considerado por muitos um ganho para a nossa formação. Havia certa ideia, penso que equivocada, de que o Jornal estava distanciado do membro filiado. Nós não entendíamos a expansão do JP dessa maneira, uma vez que, fora eu, toda a equipe era de membros filiados. A Leda Barone, a Alice Arruda, o Osmar Luvison, o João Frayze, a Lourdes Yamane e a Sandra Moreira Souza Freitas. Herdei o "know how" editorial da equipe anterior: além de editores, também éramos os transcritores, os tradutores… Mas a peça-chave era nosso querido e já falecido colega, o José Ferreira, que era bem mais que um simples revisor. Ele fazia as vezes de preparador de textos e, através disso, colaborava e mantinha um intercâmbio com os autores, promovendo a escrita entre membros filiados.

Ao assumir o Jornal, pesquisando os editoriais anteriores – li todos os editoriais, desde um pouco antes da gestão do Menezes –, constatei que em determinado número do Jornal ocorreu uma inflexão, claramente registrada nos editoriais, momento no qual o Jornal sai de uma posição um pouco mais acanhada para uma posição de maior envergadura. Acho que essa mudança teve a ver com o fato de o editor – Menezes − ter uma formação internacional, além disso, nos quadros da APF (Association Psychanalytique de France), onde fez a maior parte de sua formação, o candidato é encarado como um colega. Ele deu esse impulso e tinha uma proposta editorial da qual me considero tributária, que era fazer com que o Jornal refletisse as pulsações institucionais em nível do Instituto. Tanto no sentido de ser um reflexo, quanto no âmbito de uma reflexão sobre essas tensões. A aparência de amplidão em nenhum momento se desvinculou das demandas do Instituto. Eu me amparei muito na história da publicação e em um peculiar momento histórico, no qual havia sido introduzida em nível de currículo, e do funcionamento da diretoria da Sociedade, toda a questão da multiplicidade, do intercâmbio com o mundo externo, da questão da psicanálise fora dos muros. Essa expansão do JP nem sempre foi amplamente compreendida, muito embora nossos editoriais deixassem isso bastante evidente.

Veja: nos dois primeiros números2 nós nos preocupamos com a supervisão e, particularmente, com a produção dos relatórios, o que era considerado um importante gargalo da formação. Rastreando os números anteriores constatei que não havia nenhum número sobre supervisão, o que até nos pareceu um sintoma: qual seria a dificuldade de o Jornal trabalhar a questão da supervisão? Então fizemos o primeiro número sobre a supervisão e o segundo sobre a narrativa clínica, mesclando artigos de membros filiados, membros associados, efetivos, didatas e autores não psicanalistas, uma vez que tínhamos realmente o fito de trabalhar a ideia de formação expandida, ou seja, de não restringir a publicação somente à produção de psicanalistas. Trouxemos literatos para falar sobre a narrativa clínica e até chegamos a publicar um texto do Walter Benjamin. Depois, a formação atravessou uma fase de perplexidade, porque acho que na editoria eu peguei bem o começo da agudização da crise da psicanálise, das novas formas de atendimento, das novas tecnologias. Foi, então, o terceiro número sobre esse estado de perplexidade: o homem e a adversidade.3 No último número, para fechar nossa gestão, foi a recuperação da leitura de Freud no Instituto, cujas vicissitudes já contavam com uma longa história.4 Quando eu dava aulas, na década de 1980, no curso de Psicoterapia Psicodinâmica de Adultos, no Sedes Sapientiae, a Isolina,5 aqui da Sociedade, dizia, para nosso espanto: "O curso de Freud que ministramos aqui − no Psicodinâmica de Adultos −, é mais completo do que o que nós temos no Instituto: só temos um ou dois semestres de Freud na Sociedade". Então, para fechar a nossa gestão, optamos por abordar essa questão da transmissão de Freud na Sociedade, analisando como andava a leitura de Freud entre nós. Enfim, meu trabalho como editora procurou ser fiel à ideia de refletir a história da instituição.

JP − Quando você fala desse momento de "inflexão" é uma coisa específica ou foi o momento em que o Menezes assumiu como editor?

Cecília − Acho que a Sandra pode esclarecer melhor porque ela deu continuidade à gestão do Menezes, que foi sensível à atmosfera de crescimento que se presentificava na sociedade. O que procurei manter foi o que eu coloquei agora há pouco: em vez de termos uma revista mais acanhada, tímida, mais mimeógrafo, vamos dizer assim, passamos a ter uma publicação de analistas em formação, em nível nacional e internacional. Penso que tem a ver com toda essa conflitiva que estamos discutindo na Sociedade sobre a infantilização do membro filiado, ou, ao contrário, sua expansão mediante o contato com a multiplicidade e com os desafios da história. Foi mesmo com muito empenho e responsabilidade social que tomei esse desafio e entendi que tinha a ver com essa ideia do membro filiado se apossar de espaços mais expandidos dentro da instituição. E isso foi uma coisa que entendi que, embora já "pulsasse" no Instituto, foi mais bem articulada pelo Menezes e sua equipe, provavelmente pelo seu histórico de formação internacional e de vir de uma instituição em que o membro filiado é tratado como um par, vamos dizer assim, já que escolhe desde seu analista fora da tutela institucional, até os temas que vai estudar durante sua formação. Assim, na APF, o membro filiado tem um estatuto, uma implicação de responsabilidade muito grande. A Sandra e a equipe conseguiram transmitir isso para mim muito bem. Fiquei muito tensa com o desafio, no entanto, com relação ao que seria a minha tarefa, foi muito tranquilo. A Marina Massi foi muito importante, pois ela tem grande clareza político-institucional e facilidade de transmitir isso ao colega. A Leda Hermann, a Luciana Saddi e a Regina Reiss foram colegas muito generosas, que também tinham a preocupação de não perder essa continuidade. Agora, a Sandra recebeu o Jornal das mãos do Menezes e acho que ela é a pessoa indicada para nos contar sobre esse momento.

Sandra − Bom, eu assumi o Jornal em 1995, convidada por Luís Carlos Menezes e Sônia Azambuja, diretora do Instituto, que estava trabalhando na reelaboração e reformulação do currículo − era um momento politicamente muito significativo. Menezes tinha imprimido ao Jornal uma linha editorial que o viria caracterizar em um espírito crítico voltado para o terreno institucional, foco este diferente de nossas outras revistas. Tínhamos a ide como uma revista que se abria para a dimensão da cultura, vocação da revista ainda hoje. E o Jornal tal como eu o entendi, tal como o recebi vindo do trabalho realizado por Menezes, tinha um compromisso com a dimensão formadora da Sociedade. Pensar as concepções de formação não somente como análise, supervisão e ensino, mas como produção de escrita. Desenvolvemos números em torno de temas problemáticos: "Ainda somos freudianos?"6, "Psicanálise sem divã"7, "Psicoterapia: mal-estar na psicanálise?"8, e "Memórias da formação".9 Mais do que se preocupar com a qualidade do texto escrito, o nosso empenho era constituir também um lugar de reflexão. Então, creio que esse foi o perfil, o compromisso que o Jornal teve na minha gestão. Privilegiamos artigos de autores da Sociedade: membros filiados ou didatas, além de autores internacionais com contribuições que considerávamos importantes nessa área. Contávamos com as indicações valiosas de Marcelo Marques, colega da APF, nosso colaborador, que cuidava ainda da tradução e notas de artigos inéditos ou de restrito acesso. Por exemplo, quando estávamos elaborando o tema das concepções de formação, receberemos de François Gantheret,10 da Sociedade de Paris, sua reflexão "Vinte anos depois ", sobre as reformulações que decidiram pela separação da análise do candidato das interferências da instituição na APF. Esse artigo testemunhando sobre o momento de fundação de um novo modelo de formação no interior da IPA (Associação Internacional de Psicanálise) trazia elementos de análise dessa experiência depois de vinte anos de sua adoção. Para além da preocupação com a seleção de textos críticos, tivemos a oportunidade de, junto com a Diretoria Científica da Sociedade, receber autores que se dirigissem a temas críticos pertinentes às nossas questões. Pierre Fédida foi um dos colaboradores estrangeiros mais significativos do Jornal. Lembro, por exemplo, de sua conferência "A psicoterapia dentro da psicanálise", inscrita no tema anual da programação científica, assim como tema de um número do Jornal. Diferentemente da vinda de analistas estrangeiros, convidados por estarem de passagem pelo Brasil, tratava-se de uma abordagem desenvolvida a partir de uma situação de intimidade com o nosso trabalho clínico. Assim também, igualmente publicada pelo Jornal, "Lacan, leitor de Melanie Klein" fundamentava-se em dificuldades de um modelo de escuta psicanalítica praticado entre nós, tal como esse autor pôde conhecer depois de vários anos de seminários clínicos. "Lacan, leitor de Melanie Klein" parte de um resgate do pensamento kleiniano tal como ele foi elaborado no pensamento de Lacan – Lacan era um agudo leitor de Melanie Klein –, e o confronto entre os dois autores produz uma crítica fecunda sobre a concepção de modelos clínicos que utilizamos.

Permaneci na direção do Jornal, na verdade, durante duas gestões: de 1994 até 1998. Depois fui convidada novamente pelo Luiz Carlos Junqueira, diretor do Instituto na época, para continuar, nos anos de 1999 e 2000; nossa equipe aí se refez. Na primeira gestão éramos dois editores: Samuel Titan e eu. O corpo editorial anterior permaneceu: Regina Reiss, Luciana Saddi Mennucci e Marina Massi, que possuíam a experiência e o amadurecimento do espírito de crítica institucional que orientava o Jornal. Convidei Leda Herrmann para integrar o novo corpo editorial. Na segunda gestão ampliei o corpo editorial convidando Cecília Orsini, Bernardo Tanis e Belinda Mandelbaum. Outro foco de interesse, que prosseguimos desenvolvendo, iniciado por Menezes, foi em torno da questão da tradução da obra freudiana; publicamos traduções inéditas dos textos de Freud pelo Paulo César Souza, autorização conseguida com esforço junto à Imago, que então detinha a exclusividade dos direitos. Achávamos que era interessante produzir uma crítica da tradução oficial que, como todos sabem, não se fez a partir do texto original. Tivemos ocasião de realizar debates com especialistas, Luiz Hanns, Paulo César Souza, mas não conseguimos, entretanto, publicar o texto de outros tradutores, por exemplo, a tradução notável de Marilene Carone de "A negação", desde que a Imago nos autorizou exclusivamente as traduções de Paulo César.

Havia um regulamento que dizia que o Jornal não deveria publicar artigos de outros autores que não fossem da Sociedade, ou ligados ao Instituto. Entretanto, nossa proposta era menos favorecer as publicações de autores da Sociedade que produzir um pensamento crítico institucional entre os autores da Sociedade.

Cecília − Eu não me lembro dessa coisa do regulamento. Se era tácito, porque no regulamento estava escrito apenas que o Jornal era um órgão do Instituto.

Mas nessa linha das tensões, das pulsações… O Menezes falava muito nas pulsações. Eu gosto desse termo porque sai da palavra conflito e amplia, como uma coisa que está pulsando de modos diferentes. Então, nessa linha da pulsação, havia uma pressão para o retorno a certo acanhamento. E nós sustentamos. Fui tributária desse trabalho da Sandra, do Menezes. Transmitimos para a equipe a ideia de sustentar a posição de uma concepção de formação mais pulsante, crítica, mas não de uma crítica negativa, e sim de uma crítica de ampliação. Inclusive, nós expandimos mais a entrada de autores filósofos, literatos, para colaborar com a formação dos membros filiados. Uma coisa que nos deixava muito felizes era ouvir as pessoas falarem que viam os membros filiados com o Jornal na mão. Era uma coisa importante. Ele estava funcionando como uma referência para pensar a formação. Então, nós bancamos ao trazermos outros autores. Herdei um esquema de trabalho muito burilado. Era uma firminha pequena que já funcionava com uma mecânica de trabalho. Então, tirar o Ferreira, por alegadas questões de custos, não fazia sentido: era tirar uma peça importante para os autores da casa.

Eunice − Pelo que estou entendendo, o Ferreira, como preparador de texto e depois o Souza, participavam ativamente da feitura do Jornal. Mas o que eu achei interessante foi esse intercâmbio que vocês foram tendo com a psicanálise francesa, principalmente. O contato com Fédida, a mediação do Marcelo Marques.

Cecília − O Fédida teve uma passagem por São Paulo muito diferenciada. Ele se vinculou a vários grupos; ele vinha pela livraria Pulsional, desvinculado de um compromisso com determinada instituição.

Sandra − Mas ele passou a vir, por influência do Menezes, pela Sociedade. Ele vinha pelo Instituto, pela Sociedade.

Cecília − Então, eu acho que teve uma inserção mais importante em razão dessa entrada dele no meio analítico paulista. Mas eu não acho que o Jornal se parecia com uma publicação da APF − que foi um dos reproches que a gente ouvia. Não concordo com essa crítica, pois nós tínhamos a maioria de autores nacionais e uma preocupação importante, que vinha já da outra equipe, de contemplar bionianos, kleinianos e freudianos em igual medida, o que, aliás, não reflete muito a correlação de forças da Sociedade, porque a escola bioniana é hegemônica em relação às duas demais: a kleiniana e a freudiana. Consideramos que era fundamental sustentar uma equanimidade na distribuição dos artigos. Era como se os freudianos aparecessem mais. De fato, é um efeito do lugar onde comparecem em pequeníssimo número, eles compareceram em condições de igualdade… Não tem nada a ver com a França, tem a ver com a gente. Veio com a Sandra, com os freudianos da Sociedade; porque nós somos pequenininhos, mas somos barulhentos (risos).

Cândida − Acredito que foi uma boa maneira de introduzir a psicanálise francesa na SBPSP. Na época em que eu era membro filiado, achava um absurdo e mesmo uma falha na nossa formação psicanalítica a falta de espaço no currículo para o estudo aprofundado dos autores franceses. Penso que estudávamos apenas o André Green e muito pouco do Laplanche e de outros autores.

Sandra − Piera Aulagnier teve uma presença na Sociedade muito antes do Fédida, também. Como se houvesse um recalque dessa marca, dessa psicanálise. Eu ainda não tinha entrado na Sociedade. A Piera Aulagnier, representada por Dona Lígia Amaral, era uma referência na Sociedade. Naquela época o Menezes ainda não estava no Brasil. A Dona Lígia organizava esse grupo de estudos do qual participavam Sonia Azambuja, Deodato, Fabio Herrmann, entre outros. Estudavam a obra da Piera Aulagnier. Penso nessas intervenções, como se perdeu um pedaço da nossa memória, em um período extensamente klein-bioniano. "Ainda somos freudianos?" focalizava essa questão. Essa era uma questão, porque o nome de Freud durante um longo período era evocado apenas como uma referência histórica. Não como uma referência clínica, uma referência quanto à técnica psicanalítica atual.

Eunice − Então, mas nesse sentido acho que o Jornal teve um papel importante na recuperação da formação básica com os textos de Freud, com a publicação das traduções. O papel de resgatar a memória e resgatar aquilo que é a base da psicanálise. Se a gente não tem formação freudiana, como você pode se dizer psicanalista? Você vai ficar sem uma base consistente. Nesse sentido, me parece que o Jornal teve um papel político em toda essa abertura da Sociedade para aquilo que estávamos conversando antes. Ao resgatar a nossa base, a gente pode se abrir para aquilo que seria uma psicanálise contemporânea. Que é uma psicanálise que faz com que os autores dialoguem entre si.

Cândida −Agora, é curioso, não é, dizer que depois do Menezes o Jornal de Psicanálise se afastou dos membros filiados. Se você pensar, é exatamente o oposto, porque é toda uma preocupação de uma publicação que visa formar melhores membros filiados. Na realidade tem sido uma revista de formação científica dos membros em geral e que se sofisticou muito nessa direção nos últimos anos.

Cecília − Houve também a reformulação do currículo, que do nosso ponto de vista não foi uma ampliação, foi um resgate, como a Eunice está colocando. Agora, Eunice, eu fico um pouco preocupada com essa visão de que ele teve um papel político fundamental. Eu acho que ele teve um papel científico. Eu acho que realmente fizemos um trabalho muito isento. É preciso tomar certo cuidado com isso para dirimir mal-entendidos: nós nos preocupamos na nossa gestão em trazer os autores da casa, bionianos, kleinianos, winnicottianos, freudianos etc., mantendo um equilíbrio de posições, em uma perspectiva expandida, que é diferente de transformar o Jornal em uma revista freudiana ou franco-freudiana, que é a pecha que ficou da nossa gestão. De acordo com o meu entendimento, é uma interpretação absolutamente equivocada. Então foi um trabalho de resgate científico das pulsações da Sociedade Brasileira de São Paulo. O Jornal refletiu o que se passou em São Paulo, com muita fidelidade, com muita justeza e com o compromisso de honrar a multiplicidade. Tem os autores bionianos, os autores kleinianos, a própria conferência "Lacan, leitor de Melanie Klein" exemplifica bem como contemplar esse trânsito entre autores. No final o Jornal ficou com uma cara mais sofisticada porque realmente, pela simples consequência de uma proposta menos acanhada, a publicação se sofisticou. É um bônus para a Sociedade. Além do mais, quando você coloca um tema como "material clínico", não é um tema freudiano, mas um tema que vai exigir que os analistas de cada escola, de cada referência, se posicionem em termos de concepções técnicas, teóricas do que é a escrita. Os debates do Jornal sempre contemplaram as diferentes tendências.

Leda − Bom, eu assumi o lugar de editor por indicação de Cecília Orsini e convite de Mirna Favilli, que na ocasião era diretora do Instituto. Antes, porém, participei, durante quatro anos, do conselho editorial dirigido por Cecília. Foi muito importante a passagem por esse conselho, quando aprendi bastante com os meus colegas. Da equipe anterior veio comigo Alice Paes de Barros Arruda, que assumiu o cargo de coeditora. Formei a minha equipe de maneira a dar continuidade ao trabalho de Cecília, no sentido de expandir o âmbito de nossa publicação e garantir ao mesmo tempo a excelência dos trabalhos publicados. Para isso convidei colegas para compor o conselho que representassem a diversidade teórica presente em nossa Sociedade. Como Cecília na gestão anterior, fizemos grande empenho para manter Ferreira como nosso preparador de textos. Infelizmente perdemos Ferreira, que faleceu prematuramente, e então convidamos Souza, que fez excelente trabalho como preparador dos textos. Além desse compromisso com a continuidade científica do Jornal, nós nos empenhamos também em adequar o Jornal às exigências feitas pela CAPES para avaliação de periódicos científicos. Assim, fizemos algumas mudanças no Jornal no sentido de conseguir indexá-lo em bancos de dados de prestígio e conseguir boa avaliação como periódico científico. Entre essas mudanças destaco aquelas que nos impulsionou a um diálogo mais amplo com outras instituições preocupadas com o desenvolvimento da psicanálise.

Cecília − Isso foi um processo difícil.

Leda − Muito difícil. Muito difícil por dois motivos: o primeiro veio da própria Sociedade. Algumas mudanças propostas foram criticadas, como, por exemplo, o convite a autores que considerávamos capazes de trazer contribuições importantes para a formação do psicanalista, mas que não faziam parte de nossa Sociedade. Ampliamos o diálogo com colegas não só da nossa Sociedade como também de outras instituições de formação de psicanalistas, como o Instituto Sedes Sapientiae, como também com colegas dos programas de pós-graduação de universidades. Entramos em contato com autores não só de São Paulo, mas de outros estados brasileiros, assim como de países da América Latina. Na ocasião ouvimos críticas como: "Como vocês publicam trabalhos de autores de fora da nossa sociedade, tirando o nosso lugar?". No entanto, uma das exigências para uma boa avaliação de qualquer periódico de cunho científico é garantir que a procedência dos autores seja de instituições diferentes. Procuramos atender a essa exigência mantendo nossa linha editorial de publicar trabalhos que contemplassem a diversidade do pensamento psicanalítico e a contribuição para a formação do analista. O primeiro número que publicamos, e que teve como tema "Tornar-se analista: variância e invariância",11 creio, marca bem essa ideia nossa de ampliar o âmbito de nossos autores.

Em 2005, quando assumi o cargo de editora, o Jornal era uma publicação anual, o que comprometia a avaliação. Assim, voltamos a publicá-lo com a periodicidade semestral, produzindo dois números por ano. Fizemos outras mudanças como convidar pareceristas ad hoc que pudessem nos ajudar a fazer avaliação mais acurada e sem isenção dos trabalhos recebidos. Fizemos ainda revisão das normas de publicação dos artigos e outras mudanças de cunho mais formal.

Há pouco falei de dificuldades na instituição e também fora dela pensando no impasse vivido em relação às exigências da CAPES. Isso porque, na medida em que íamos atendendo às exigências propostas, os critérios se modificavam.

Sandra − Então, acho que é a cada dois anos que tem a avaliação para indexação.

Leda − É. Isso traz uma questão muito séria para nós, que gostaria de colocar: os nossos periódicos são avaliados na área de psicologia. Não há na capes uma área específica para a psicanálise. E muitos dos critérios utilizados são inadequados para a produção do psicanalista. Penso que as Sociedades de psicanálise, os diferentes institutos, não só de São Paulo, deveriam propor maneiras de participar do processo de avaliação de periódicos de psicanálise. Precisamos dizer o que é um periódico de psicanálise; dizer no que ele é diferente e no que é parecido com outras produções da psicologia. Melhor ainda, pensar o que entendemos por cientificidade em psicanálise, o que decerto difere de uma visão positivista ou daquela apropriada para as ciências da natureza. Essa preocupação orientou os dois números temáticos que fizemos em 2006: "Psicanálise: investigação e produção teórica"12 e "Psicanálise: investigação e cura"13.

Em 2009 fui convidada para participar da mesa-redonda "Agência de fomento e universidade: para onde apontam as publicações", em uma jornada sobre publicação em psicanálise promovida pela Revista Brasileira de Psicanálise, em nossa Sociedade. No trabalho que apresentei, "A escala de Procusto", fiz questão de pontuar a necessidade de pensarmos os critérios relevantes para avaliação de periódicos de psicanálise. Será interessante se pudermos retomar a discussão ouvindo editores de outras revistas de psicanálise, como a Revista Brasileira de Psicanálise, a ide, a Trieb, a Percurso e outras ainda.

Eunice − Você tem esse artigo? Porque talvez fosse interessante para nós publicá-lo.

Leda − Preciso fazer uma revisão, mas acredito que ele seja interessante para publicação. No artigo faço uma crítica aos critérios adotados na avaliação dos periódicos me apoiando em um artigo publicado em "Pesquisa FAPESP Online", que traz o descontentamento com esses critérios, de renomados cientistas brasileiros de áreas diversas. Ainda aponto caminhos que possam caracterizar a especificidade de nossa disciplina. Não sou a princípio contra avaliação. Não acho que vale qualquer coisa, mas é preciso pensar critérios justos, adequados a cada área. Por isso é muito importante falar e ouvir os colegas sobre o assunto. E só vamos conseguir algum avanço nos organizando como editores de revista de psicanálise.

Eunice − Isso é fundamental. Por exemplo, o LILACS é um indexador muito pouco característico para os padrões de uma publicação em psicanálise. E o Scielo parece que é pior ainda. Quer dizer, você não tem nesses indexadores os marcadores específicos para a psicanálise.

Cândida − Eles têm algumas especificações gerais, não específicas para psicanálise, como ter uma linha editorial bem definida, ter uma pontualidade, isso é geral. Eu me lembro da discussão com o André Ferradas da biblioteca da USP. Ele dizia que a questão da pontualidade era fundamental, porque como esses critérios estão amarrados com as universidades, com as questões de pesquisa, eles acham que a produção do conhecimento é como se ela variasse em um tempo que eles acham que é no máximo de dois anos. Eles acham que a produção, a pesquisa, ela corre. Então, se você está montando uma revista e segura aquilo por mais de um ano, passou do prazo, você já está perdendo outros trabalhos, outros conhecimentos que vêm vindo. Em função disso, eles colocaram a questão da pontualidade como fundamental. Foi uma dos pontos que eu corri atrás para tentar atender.

Leda − A nossa preocupação com critérios rígidos e inadequados a uma área específica é porque eles acabam gerando distorções e idiossincrasias crassas. Como exemplo, dou a resposta que recebi há pouco tempo de um conceituado periódico sobre a publicação de um trabalho por mim enviado. Na resposta havia uma alegação de que o trabalho não atendia às "normas" porque mais de 40% da referência bibliográfica que fazia contemplava artigos publicados há mais de cinco anos. Ora, por esse critério, um trabalho que utilizar, por exemplo, diferentes textos de Freud para o desenvolvimento de um trabalho original não terá validade, pois utiliza bibliografia "velha". Isso, a meu ver, é um absurdo completo e por isso quero chamar a atenção para a necessidade de pensarmos critérios relevantes para a publicação em psicanálise. E não podemos fazer isso de fora, atacando, mas questionando e fazendo propostas. Nesse sentido é oportuno nosso contato com a universidade e com os programas de pós-graduação que desenvolvem pesquisa sobre a teoria psicanalítica. Temos trocas importantes a fazer. Por exemplo, em agosto próximo pretendemos participar do I CONLAPSA (Congresso Latino-Americano de Psicanálise na Universidade) promovido pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e pela UBA (Universidade de Buenos Aires). Convidamos outros membros de nossa Sociedade a encaminhar trabalhos para apresentação. Penso que é muito fecunda essa troca com a universidade. É importante conversar com outras formas de produzir conhecimento em psicanálise, como a que acontece na universidade. Acho que temos coisas importantes para falar, mas também para ouvir. Não existe uma única forma de fazer pesquisa, tem várias maneiras. Podemos conversar sobre isso. Acho importante que possamos ocupar esses lugares.

Cândida − Eu queria fazer um aparte a respeito do processo de indexação focando a publicação de material clínico. Todos sabemos que em psicanálise a clínica é soberana. Com certeza precisamos criar teorias, mas a clínica é o foco principal do nosso ofício. No momento em que o Jornal é publicado em versão eletrônica, o problema do sigilo profissional na clínica fica mais em evidência. Isso complicou de uma forma tal que, sem a versão eletrônica, sem os marcadores que estão na base da publicação, não conseguíamos a indexação, uma coisa estava amarrada à outra. Essa é uma questão que surgiu mais fortemente na minha gestão, pois todos os jornais estavam sendo finalmente reeditados em versão eletrônica, para conseguirem as indexações de periódicos científicos, e alguns colegas, no momento de dar a autorização para a publicação eletrônica, decidiam retirar seus textos, para evitar expor material de pacientes. Isso aconteceu algumas vezes, com artigos que considerávamos muito importantes para divulgação, o que levantou a dúvida se deveríamos ou não dar prioridade à indexação do Jornal. Em alguns casos foi possível ajudar o autor, reduzindo parte do material, revendo aspectos mais sigilosos da clínica, sem comprometer as ideias centrais do artigo. Penso que essa é uma questão ainda aberta que merece maior discussão e considerações.

Leda − Mas isso é uma questão da publicação, não é? Eletrônica ou por papel. Está certo que na versão eletrônica a visibilidade é maior. Mas a questão é a seguinte: para você publicar no papel também, você tem que ter autorização. Você não publica nada em lugar nenhum se você não tem autorização do próprio paciente, mesmo que o autor introduza modificações, crie uma ficção. Tem revistas que pedem para que você explique que modificações são essas, como é que você ficcionalizou o caso, para poder publicar o trabalho.

Cândida − Então, mas isso é tão complicado, porque eu acho que podemos sair do nosso campo. O campo psicanalítico é o campo da ficção e da narrativa, quer dizer, não importa tanto o dado concreto e objetivo. São questões para se rediscutir e avaliar se vamos querer indexação ou não. Agora, é um problema porque o pessoal da USP diz: se não tiver indexação, a revista vai morrer e vai perder "o bonde" da história. Esse é um problema grave.

JP − Cândida, conte para nós como foi para você ser editora.

Cândida − Antes de ser editora do Jornal de Psicanálise eu já havia trabalhado com publicações. Como membro filiado, fiz parte do corpo editorial do próprio Jornal de Psicanálise durante quatro anos, primeiro na gestão do Luiz Carlos Junqueira Filho e depois na gestão da Elizabeth Rocha Barros e Maria Olympia França. Anos mais tarde, já como membro efetivo, fiz parte do corpo editorial da revista ide, na gestão da Cássia Bruno. Essas experiências foram muito enriquecedoras na minha formação. Na época em que o João França me convidou, curiosamente, eu estava querendo muito retomar o contato com essa área das publicações. Penso que o convite deve ter sido resultado do meu trabalho de quatro anos, de 2005 a 2008, como membro para a América Latina e como representante da SBPSP no COWAP-IPA (Committee on Women and Psychoanalysis – International Psychoanalytical Association), trabalho esse que me deu uma interessante inserção internacional. Acredito que a minha participação nesse comitê − promovendo congressos, jornadas, solicitando artigos de psicanalistas estrangeiros para nossas revistas, artigos que eu considerava importantes para formação e que foram publicados na ide e na Revista Brasileira − motivaram a minha escolha como editora. Eu havia também acabado de fazer um editorial a convite do Leopold Nosek para o número que a Revista Brasileira dedicou ao tema do feminino.14

Todas essas experiências foram muito úteis, mas o trabalho de editoria se mostrou um campo totalmente novo, cheio de desafios, mas realmente enriquecedor! A Leda Barone me ajudou muito com todas as informações necessárias para que pudéssemos dar continuidade ao projeto de uma revista reconhecidamente de alto valor científico e o corpo editorial competente e coeso contribuiu muito para essa continuidade. Havia na época uma pressão para modificar o rumo da revista, mas minha equipe e eu não estávamos de acordo com essa mudança radical. Como não estávamos comprometidos com nenhum grupo teórico específico na SBPSP, penso que pudemos abrir mais o leque para outras abordagens em psicanálise. Não tínhamos o comprometimento com uma proposta tão clara, como vocês, mas considerávamos o Jornal um órgão de formação. Vocês falaram sobre estar atentos a pulsação, e penso que estar atentos a pulsação é também estar aberto não só para o que surge no Instituto, mas para o que se observa em termos internacionais: o que está emergindo e o que está faltando na formação da nossa Sociedade, não só no Instituto mas inclusive na formação dos nossos membros. Nosso primeiro número "Masculinidades/ Feminilidades: releituras"15 foi fruto da experiência no COWAP (Comitê de Mulheres e Psicanálise), no qual pudemos utilizar os contatos com psicanalistas estrangeiros que estavam pensando e escrevendo sobre esses assuntos. Constatávamos que o estudo das teorizações em psicanálise sobre o masculino, o feminino, o gênero, a bissexualidade etc. estava em expansão em outras Sociedades e que dúvidas teórico-clínicas surgiam nas discussões de material da nossa clínica contemporânea. Eram temas que estavam fervilhando nos outros Institutos e outras Sociedades da França, da Alemanha, da América Latina e percebíamos que os psicanalistas daqui tinham uma abordagem completamente ultrapassada. Procurei trazer a contribuição dos psicanalistas que estavam mais em evidência e que tinham algo novo a dizer, mas fomos criticamos por incluir muitos artigos de estrangeiros. Fico feliz que a nossa primeira entrevistada foi a querida Sonia Azambuja, da SBPSP, que já tinha um trabalho importante sobre o feminino e que nos brindou com uma entrevista preciosa. No número seguinte entrevistamos Jacques André, que tinha um livro todo dedicado ao feminino e que na época estava dando um curso na Universidade Paris VII sobre esse tema. Depois enveredamos pela discussão da psicanálise contemporânea, das noções de espaço potencial, e aproveitamos a vinda do psicanalista francês René Roussillon para conversar com ele sobre suas ideias mais recentes. Quer dizer, o que fizemos nesses quatro números do Jornal de Psicanálise foi oferecer aos nossos leitores o que pensávamos que era algo pulsante não só nos Institutos mas também nas Sociedades de psicanálise a que tivemos acesso. Penso que o compromisso do Jornal é com a formação contínua dos nossos membros e que a meu ver é a revista científica da SBPSP. Nesse sentido, nesses anos procuramos estar vinculados, de um lado, à Associação dos Membros Filiados, e, de outro, à Comissão Científica da SBPSP.

Eunice − Mas eu acho que essa questão que a Cândida traz é interessante porque podemos dizer que até na gestão da Leda o Jornal poderia ser considerado uma revista do Instituto. Era muito evidente que vocês tinham uma preocupação muito grande com a questão da formação. Os temas eram supervisão, análise didática, a narrativa clínica, eram temas ligados à formação. Agora, de fato, com a entrada da Cândida, houve uma mudança. Aí que surgiu um tema mais geral, que é o masculino e o feminino, as tendências na psicanálise contemporânea, o espaço potencial. O que eu quero dizer é que houve uma mudança para temas mais amplos, não é?

Cândida − Sempre mantendo o foco na formação dos psicanalistas.

Eunice − Exatamente. E, na verdade, na base tem a formação, porque tudo que se refere a um pensamento psicanalítico vai ajudar também na formação do analista. Mas eu acho que essa é uma pergunta: qual que é o projeto editorial, como vocês veem o Jornal na nossa instituição? Porque, por exemplo, já me falaram que o próximo item a ser discutido na Comissão de Ensino é o regulamento quanto ao Jornal, e se o Jornal continuará sendo do Instituto. O que vocês pensam, em relação ao futuro do Jornal?

Cecília − Olha, eu tenho uma posição muito simpática a que ele seja do Instituto, mas porque eu sou uma pessoa de formação. Meu traço de personalidade, meu vértice é a formação, e porque acho que São Paulo é realmente a referência fundamental no Brasil. E o Instituto de formação de São Paulo tem uma repercussão nacional. Penso que outros Institutos olham para nós de forma diferente. Na verdade, eu até estava pensando o que eu faria se fosse editar o Jornal agora. Eu me sinto muito sintonizada com o que a Cândida coloca, porque acho que a questão agora é o mundo contemporâneo. Então eu acho que a inflexão que a Cândida deu me parece estar na lógica do que vinha sendo feito. Agora, eu queria deixar muito claro que nós três, ou seja, a Sandra, a Leda e eu, não formamos nem representamos um grupo. Nós somos absolutamente autônomas. O que nós fizemos foi abraçar a proposta editorial da equipe da qual a gente participava. E cumprindo com o regulamento da direção de ser um Jornal do Instituto. Então, eu fico um pouco preocupada com o meu pendor para formação. Eu acho que o miolo das Sociedades todas é a formação.

Cândida − No último número de nossa gestão16 publicamos um trabalho realizado pela diretoria científica dos membros filiados intitulado "Encontros reflexivos sobre formação". Nesse artigo os membros filiados entrevistaram Jacques André da SPF (França); René Roussillon da SPP (França); Otto Kernberg (Estados Unidos); Stefano Bolognini (Itália). Os entrevistados foram escolhidos por representarem diferentes Sociedades ligadas à IPA que trabalham com diferentes modelos de formação. Nas entrevistas falaram sobre os modelos de formação de suas Sociedades, considerando principalmente a análise didática e as supervisões, e essencialmente apresentaram suas reflexões pessoais a respeito desses temas e do futuro da instituição da ipa. Foi realmente um trabalho precioso dos membros filiados, que recomendo como leitura obrigatória a todos os que se interessam por formação. Publicamos também nesse mesmo número um debate com Elizabeth Rocha Barros, Homero Vettorazzo, Luiz Carlos Junqueira Filho e Rahel Boraks, que têm se dedicado ao estudo das diferentes correntes teórico-clínicas da nossa Sociedade, kleiniana, freudiana, de Bion e de Winnicott, respectivamente. A proposta do debate foi compartilhar reflexões sobre as tendências da psicanálise contemporânea segundo a ótica de cada abordagem, ressaltando os conceitos que estão sendo repensandos, transformados, integrados e os que se mantém como pilares de nossa formação. Acho que foi uma rara oportunidade de diálogo construtivo e convivência entre abordagens diferentes nessas várias maneiras de se fazer psicanálise. Também recomendo pela extensa e rica referência bibliográfica que marcou a formação dos nossos debatedores. Com isso, queria enfatizar que acredito que o Jornal está muito ligado ao Instituto também.

Leda − Bom, só uma coisa. Eu fui editora como membro filiado. Era editora e membro filiado. Nós fizemos uma pesquisa com a Associação dos Membros Filiados para saber o que eles queriam. Quer dizer, eu não acho que em nenhum momento existiu essa separação que se fala entre a Associação dos Membros Filiados e o Jornal. Para mim, eu acho que eles estão casados desde vocês, desde o Menezes, que mudou a cara do Jornal. Até agora, nós estamos completamente ligados.

Cândida − Uma das propostas que fizemos à presidência e à diretoria do Instituto foi que a equipe editorial do Jornal ficasse mais vinculada à Associação dos Membros Filiados, para sentir o que chamam pulsação, e também mais vinculada oficialmente a uma parceria com a Diretoria Científica. As publicações da ide estão muito ligadas à programação e aos eventos da Diretoria de Comunidade e Cultura. A Revista Brasileira faz parte da FEBRAPSI. O Jornal estava solto, então tentamos ir costurando um intercâmbio com a Associação dos Membros Filiados e a Diretoria Científica da SBPSP. Eu acho que essas duas parcerias, com a associação dos candidatos e com a Diretoria Científica, poderiam funcionar como um termômetro para detectar essa pulsação. Nosso objetivo com a inclusão de artigos de estrangeiros foi introduzir temas pouco discutidos na nossa Sociedade. Por exemplo, a questão da bissexualidade psíquica que invadiu os consultórios e exige de nós, psicanalistas, novas leituras em função dos novos tempos. Publicamos também um trabalho original de Ken Corbett,17 sugerido por um editor americano do International Journal. Esse autor escreve muito sobre homossexualidade masculina, mas de um vértice completamente diferente do que estamos acostumados a ver. Vários colegas que leram disseram que era uma publicação com uma visão inédita da homossexualidade. Acho que há espaço no Jornal para divulgarmos o que acontece na psicanálise internacional e não vejo de forma nenhuma uma contradição com a ênfase na formação do Instituto.

Eunice − É. Eu acho que isso é um ponto importante, não é? Eu estou até pensando na identidade do Jornal, porque nós estamos mudando agora a sua capa. Nós achamos que o nome "Jornal de Psicanálise" é muito interessante.

Sandra − Tem uma história, não é?

Eunice − Tem uma história, mas eu acho que não dá para mudar esse nome. Porque até surgiu a ideia de uma mudança, daí a nossa proposta: "Por que um jornal?". Mas o interessante, eu acho, é que o Jornal tem a ver com essa dupla inserção: é tanto do Instituto quanto da Sociedade. De fato, eu acho que não é uma coisa desvinculada da outra.

Leda − É, estando no Instituto, está na Sociedade.

Cecília − Eunice, a gente pode perguntar como é que foi a sua entrada como editora?

Eunice − Minha entrada aqui? Olha, eu me vi muito mais do jeito da Cândida, pois eu não estava participando do corpo editorial do Jornal no momento. Eu participei do corpo editorial do Jornal há muito tempo, logo depois da Cândida, fiquei quatro anos: dois anos com a Maria Olympia e depois dois com o Menezes: os primeiros dois anos do Menezes. E depois eu fiquei acho que nove anos, todo o tempo que o João Baptista França foi editor da Revista Brasileira, eu também participei do corpo editorial. Uma coisa que eu aprendi, que nós desenvolvemos com muito cuidado na gestão do João, foi a questão da avaliação dos artigos. O João fez todo um trabalho sobre os critérios de avaliação dos artigos para publicação. Então, quando a Cândida decidiu não continuar, o João me convidou para ser editora do Jornal. Agora, participar da equipe editorial é muito diferente de ser editora. A primeira coisa que eu pensei foi a seguinte: eu posso avaliar um trabalho se ele é adequado, se ele é original, coisas assim, mas é muito diferente você administrar um jornal. É outra coisa você dar uma linha editorial para o Jornal, a responsabilidade é outra. Notei que nós temos colidido muito com o Bernardo Tanis, da Revista Brasileira, porque me parece que o Jornal começou a ter uma característica mais próxima da Revista Brasileira. Então acho que essa é outra questão: como é essa relação do Jornal com o ide, com a Revista Brasileira, com o Livro Anual?

Cecília − Mas cada uma tem a sua especificidade.

Sandra − Mas a gente também estimulava muito para termos os artigos.

Cândida − Isso que eu ia falar. Acho que recebemos mais artigos quando existia um estímulo do que espontaneamente. Quer dizer, os trabalhos que acabamos publicando, pelo menos na minha gestão, na maioria eram os que íamos atrás. Acredito que é urgente no Jornal um trabalho sistemático de divulgação. Muitas pessoas acabam não lendo por falta de informação do que é aí veiculado. O trabalho da Sandra, sobre a violência do feminino, assim como outros desse número estão sendo discutidos em grupos de estudos de outras cidades do Brasil porque coloquei uma divulgação no grupo do Comitê Mulheres e Psicanálise.

Eunice − Então, ontem, eu dei o último número do Jornal para o Jean-Michel Quinodoz, após a nossa entrevista com ele, e ele falou assim: "Nossa, mas que belo jornal, que bela publicação!". Ele ficou encantado e achei importante, um comentário vindo de um editor experiente. Nós falávamos do Jornal como sendo uma revista do Instituto, uma publicação ligada à formação. Mas ele ficou surpreso na hora em que viu o Jornal. Então acho que é uma revista que cresceu e acho que é um motivo de orgulho para nossa Sociedade.

Cândida − Eu penso que o Instituto e a Sociedade cresceram muito nos últimos anos e a nossa publicação acompanhou essa expansão.

Cecília − É a multiplicidade da Sociedade, não é? A Sociedade se multiplicou, se diversificou…

 

 

1 Estiveram presentes, representando o corpo editorial da atual gestão, Eunice Nishikawa, Vera Lúcia Martins Wehb, Raquel Elisabeth Pires e Suzana Kiefer Kruchin.
2 A supervisão. Jornal de Psicanálise, 35 (62-63), 2001.O caso clínico, sua narrativa. Jornal de Psicanálise, 35 (64-65), 2002.
3 O homem e a adversidade: investigação, teoria e clínica psicanalítica (Jornal de Psicanálise, 36(66-67), 2003).
4 Ler Freud: apreensão em torno do originário (Jornal de Psicanálise, 37(68), 2004).
5 Maria Isolina Baptista-Marques.
6 Ainda somos freudianos? Jornal de Psicanálise, 29 (54), 1996.
7 Psicanálise sem divã. Jornal de Psicanálise, 30 (55-56), 1997.
8 Psicoterapia: mal-estar na psicanálise? Jornal de Psicanálise, 32 (58-59), 1999.
9 Memórias de formação do psicanalista: trajetórias, tensões, projeto. Jornal de Psicanálise, 33 (60-61), 2000.
10 Gantheret, F. Vinte anos depois. Jornal de Psicanálise, 33 (60-61), 263-271, 2000.
11 Tornar-se analista: variância e invariância. Jornal de Psicanálise, 38 (69), 2005.
12 Psicanálise: investigação e produção teórica. Jornal de Psicanálise, 39 (70), 2006.
13 Psicanálise: investigação e cura. Jornal de Psicanálise, 39 (71), 2006.
14 Revista Brasileira de Psicanálise, 42 (4), 2008.
15 Masculinidades/Feminilidades: releituras. Jornal de Psicanálise, 42 (76), 2009.
16 Espaço potencial e tendências da psicanálise contemporânea. Jornal de Psicanálise, 43 (79), 2010.
17 Corbett, K. O mistério da homossexualidade. Jornal de Psicanálise, 42 (76), 159-176, 2009.

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