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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.44 no.80 São Paulo jun. 2011

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Virgínia Leone Bicudo e o Jornal de Psicanálise

 

Virgínia Leone Bicudo and the Jornal de Psicanálise

 

Virgínia Leone Bicudo y el Jornal de Psicanálise

 

 

Antonio Luiz Serpa Pessanha1

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo - SBPSP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor em um depoimento pessoal sobre os primeiros anos do Jornal de Psicanálise, destaca a importância do trabalho e liderança de Virgínia Leone Bicudo.

Palavras-chave: Publicação psicanalítica, Formação do psicanalista, Virgínia Bicudo.


ABSTRACT

The author in a personal account, highlights the importance of Virgínia Leone Bicudo's work and her leadership in the first years of "Jornal de Psicanálise".

Keywords: Psychoanalytical publication, Psychoanalyst's training, Virgínia Bicudo.


RESUMEN

En un testimonio personal sobre los primeros años del Jornal de Psicanálise, el autor resalta la importancia del trabajo y liderazgo de Virgínia Leone Bicudo.

Palabras clave: Publicación psicoanalítica, Formación del psicoanalista, Virgínia Bicudo.


 

 

A Prof.ª Virgínia tinha grande paixão pela psicanálise. Este sentimento se expressava em todos os sentidos, quer na dedicada e competente condução das análises de candidatos a psicanalistas, quer na zelosa atividade de ensino, através de supervisões, aulas, cursos e conferências, além da missão de divulgar as ideias de Freud e seus seguidores. No que se refere a este último item, idealizou e editou o Jornal de Psicanálise, cujo primeiro número foi lançado em maio de 1966. Portanto, neste ano de 2011 comemoramos 45 anos de sua existência.

Os primeiros exemplares foram feitos em casa, de forma artesanal. Os originais eram datilografados e mimeografados pela sempre eficiente Adele Pagni Lacotis e o desenho da capa foi criado por seu marido, Antonio Lacotis. O formato foi inspirado no International Journal of Psycho-Analysis. Constituiuse na primeira publicação sob o patrocínio de um Instituto de Psicanálise, em todo o mundo. Vinha para cumprir com mais um dos objetivos do Instituto de Psicanálise, referidos no seu regulamento nos seguintes termos: "Art. 1º − O Instituto de Psicanálise, órgão da Sociedade Brasileira de Psicanálise, com sede em São Paulo, de acordo com o que consta do art. 1º, letras a e b do estatuto dessa Sociedade, têm por objetivo: a) o ensino, a pesquisa e b) divulgação da Psicanálise".

O Jornal de Psicanálise era especialmente endereçado às instituições científicas afins, no intuito de ampliar a colaboração entre cientistas que labutam no mesmo campo de conhecimento. Era distribuído gratuitamente a instituições psicanalíticas e outras interessadas, como departamentos de psiquiatria, faculdades de psicologia e ciências humanas, serviços de saúde pública, bibliotecas etc.

A consequência dessas remessas foi imediata: o diálogo alargou-se, abriram-se horizontes e surgiram novos interlocutores. As publicações começaram a ser trocadas e o acervo de nossa biblioteca se enriqueceu significativamente. Nos editoriais escritos por Virgínia, a importância da análise didática e o rigor nos critérios de seleção dos candidatos eram sempre destacados.

No editorial do número inaugural ela escreveu:

As ciências que estudam a natureza humana se defrontam com um problema especial, que não ocorre nos outros campos do conhecimento científico. Sendo o pesquisador da mesma natureza do objeto do seu estudo, é necessário destacar-se de si mesmo e de suas identificações com outros para que possa ter perspectiva e objetividade na pesquisa sobre as qualidades e características da mente.
Devido a esse fato, foi preciso desenvolver um instrumento de trabalho e uma técnica, que permitissem ao homem penetrar na natureza psíquica, com o mínimo de prejuízos que originam preconceitos e escotomizações. Essa técnica de trabalho foi desenvolvida por Freud, criando um corpo de conhecimentos sobre a dinâmica do inconsciente.

Nossa fundadora sempre enfatizava a função didática do Jornal de Psicanálise. Solicitava aos candidatos levantamento bibliográfico de todos os livros e trabalhos sobre o tema central de jornadas e congressos, seguido da publicação de resumos desses artigos, com o objetivo de prepará-los para os debates, além do estímulo à frequência nesses eventos. Assim foi com o tema da Primeira Jornada – Acting-Out –, ocasião em que membros e candidatos fizeram resumos da maior parte dos trabalhos constantes da bibliografia. O mesmo ocorreu para a realização da Segunda Jornada realizada no Rio de Janeiro, cujos temas centrais foram Regressão e Fobia. Esses exemplares eram distribuídos alguns meses antes dos congressos.

Tínhamos também a seção de entrevistas, em que ouvíamos analistas de outras Sociedades, que nos visitavam contando a história e os detalhes da formação em sua entidade. Outro setor muito útil era englobado no título "Noticiário", no qual informávamos aos analistas brasileiros e entidades afins a realização de cursos, congressos e outros assuntos.

Em suma, ele foi o rastilho da explosão de importantes atividades que representaram um enorme progresso da psicanálise brasileira, que floresceram em torno dele, ou seja:

1. A Primeira Jornada Brasileira de Psicanálise, organizada e dirigida por Virgínia Bicudo e realizada em maio de 1967. O Jornal de Psicanálise, como já dissemos, estimulava a participação e preparava os resenhadores e leitores para um maior aproveitamento nas discussões.

2. A reunião administrativa da Primeira Jornada, na qual se decidiu a fundação da Associação Brasileira de Psicanálise, entidade nacional que visava representar e congregar os interesses dos psicanalistas brasileiros.

3. O sucesso e a boa receptividade do Jornal de Psicanálise animaram um destacado grupo da Sociedade Brasileira de Psicanálise a relançar a Revista Brasileira de Psicanálise um ano depois, encontrando um caminho já desbravado.

É importante observar o quanto se produziu nesse período de quatro anos, de 1966 a 1969: o Jornal de Psicanálise caminhava para o nono número, a Revista Brasileira de Psicanálise, para o quarto número, a Terceira Jornada, dado o sucesso das anteriores, convertia-se no Primeiro Congresso, e a Associação Brasileira de Psicanálise, hoje Febrapsi, estava em plena atividade.

É importante assinalar que essas transformações vividas pela nossa psicanálise coincidiam e retratavam o mesmo quadro ocorrido na sociedade brasileira na década de 1960, por meio de grandes mudanças sociopolíticas. Neste número o Jornal de Psicanálise completa oitenta edições de contribuições de muito bom nível, sendo motivo para um saudável orgulho de membros e candidatos. Da carta-convite às contribuições para o número 80, transcrevo:

Hoje, finalmente o Jornal é indexado, o que significa estar incluído numa base de dados, permitindo com isso o acesso e consulta pela comunidade científica em geral. Além da sua versão tradicional na forma gráfica, também está disponibilizado na sua versão eletrônica.

Os psicanalistas brasileiros devem à criatividade, à liderança, ao espírito empreendedor e à visão de futuro de Virgínia Leone Bicudo a existência do Jornal de Psicanálise.

 

 

Endereço para correspondência
Antonio Luiz Serpa Pessanha
Rua Itacolomi, 601/55 | Higienópolis
01239020 São Paulo, SP
Tel: 11 3256-2918
E-mail: antonio-pessanha@uol.com.br

Recebido em: 23/5/2011
Aceito em: 1/6/2011

 

 

1 Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP. Redator do Jornal de Psicanálise no período 1966-1969 e redator-chefe no período 1969-1972.

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