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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.44 no.80 São Paulo jun. 2011

 

FORMAÇÃO PSICANALÍTICA

 

Atualizando rumos: abrindo espaços no currículo (com proposta para criação de um "Fórum Permanente de Novas Iniciativas Curriculares")1

 

Upgrading directions: opening spaces in the curriculum (with a proposal to create a "New Curriculum Initiatives Permanent Forum")

 

Actualizando rumbos: abriendo espacios en el currículum (con propuesta para la creación de un "Fórum Permanente de Nuevas Iniciativas Curriculares")

 

 

Paulo Duarte Guimarães Filho2

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo - SBPSP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A partir de sugestões da diretoria do Instituto de Psicanálise da SBPSP sobre o currículo, para discussão no último Congresso Interno, é examinado como há um espaço bastante estruturado no currículo para o estudo de autores e correntes de pensamento individualizadas, não havendo uma atenção equivalente para articulações e eixos de progressão entre as concepções psicanalíticas. Apesar de os "Seminários Eletivos" poderem ter esse papel, na prática eles têm funcionado de um modo atomizado, daí ser sugerida a criação de Seminários sob a forma de "Fóruns Permanentes de Novas Iniciativas Curriculares", voltados para o estudo das áreas de articulação e de progressão do conhecimento psicanalítico e de sua prática clínica.

Palavras-chave: Currículo, Transmissão do conhecimento e experiência psicanalítica, Estudo dos autores, Estudo de articulações conceituais e clínicas.


ABSTRACT

Considering the suggestions from the Board of the Psychoanalytic Institute of the Brazilian Psychoanalytic Society of São Paulo about the Curriculum to be discussed in the last Internal Congress it is viewed how there is a well structured area in the Curriculum to the study of authors and distinguished trends of thought, without the same kind of attention for the links between the psychoanalytic conceptions and the axis of progression of these conceptions. The "Seminars by Choice" could have this aim, but in fact they have been atomized and for this reason it was suggested the creation of Seminars as "New Curriculum Initiatives Permanent Foruns" turned to the study of articulations and progression areas of the psychoanalytic knowledge and its clinical practice.

Keywords: Curriculum, Transmission of knowledge and psychoanalytic experience, Study of authors, Study of conceptual and clinical articulations.


RESUMEN

A partir de sugerencias del Directorio del Instituto de Psicoanálisis de la Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo sobre el Currículum para discusión en el último Congreso Interno, es examinado la presencia de un espacio bastante estructurado en el Currículum para el estudio de autores y líneas de pensamiento individualizadas, no habiendo una atención equivalente para articulaciones y ejes de progresión entre las concepciones psicoanalíticas. A pesar que los "Seminarios Electivos" puedan tener esa función, en la práctica vienen funcionando de un modo atomizador, por eso se ha sugerido la creación de Seminarios sobre la forma de "Fórums Permanentes de Nuevas Iniciativas Curriculares", orientados para un estudio de áreas de articulación y de progresión de conocimientos psicoanalíticos y de su práctica clínica.

Palabras clave: Curriculum, Transmisión de lo conocimiento y de la experiencia psicoanalítica, Estudio de los autores, Estudio de articulaciones conceptuales y clínicas.


 

 

O colega João Baptista Ferreira França, atual diretor do Instituto, sugeriu alguns tópicos para nossa conversa sobre o currículo neste Congresso Interno. Nas suas duas primeiras sugestões estão contidas, segundo penso, questões que têm importantes repercussões sobre o modo como nosso currículo é constituído e como é posto em prática, de modo que elas serão o alvo principal da minha atenção. Para isso, vamos relembrar os dois primeiros temas sugeridos por João, que foram: (1) "A seu ver, em que se diferencia um curso do Instituto de outros cursos de formação analítica?"; (2) Existe uma identidade de nossa Sociedade e Instituto e que autores marcam esta identidade?".

Para entrar em algumas das questões mais relevantes, com relação aos pontos sugeridos por João, vou aproveitar colocações feitas por Daniel Widlöcher (2003), conhecido analista francês e ex-presidente da ipa, na medida em que, segundo me parece, essas colocações captam e formulam elementos esclarecedores, e nem sempre bem reconhecidos, em relação ao aprendizado psicanalítico e à constituição do conhecimento em nossa área. Assim, esses elementos trazidos por Widlöcher parecem bastante proveitosos para pensarmos a questão currículo com a amplitude que ela requer. Eis o que diz o autor francês, conforme tradução que faço:

Os psicanalistas e suas instituições gastam uma quantidade considerável de tempo e energia em atividades – conferências e publicações – conhecidas como científicas. Uma proporção importante dos orçamentos de nossas instituições é aplicada nessas atividades. Que parte do nosso investimento resulta em um avanço em nosso conhecimento e práticas?
É verdade que essas atividades têm uma finalidade particular, de natureza repetitiva, que mantém a psicanálise viva, na medida em que torna possível o que eu chamaria de "supervisão generalizada", o que significa desenvolver nossa capacidade permanente de transmitir nossa escuta analítica para uma terceira parte. Comunicar nossa experiência, atestando acerca de nossa prática para outros analistas, é uma necessidade constante para essa prática. Isso legitima a existência de nossas instituições.
Mas a esse processo circular, que constitui uma característica de nossas instituições, é necessário acrescentar um processo linear, um eixo de progressão, na base do qual a psicanálise evolui e progride. É esse eixo que requer uma melhor ênfase, para os outros e para nós mesmos.

Parece-me que Widlöcher captou bem e foi bastante feliz tanto na criação do termo "supervisão generalizada" como no apontamento que fez sobre o papel que ela desempenha para manter a psicanálise viva e para transmitir o modo como fazemos nossas apreensões analíticas para o que ele chamou de uma terceira parte, ou seja, nossos colegas. Em suma, Widlöcher fez aqui uma ponte, ao mesmo tempo simples e profunda, de como esse elemento tão essencial da formação analítica, que é a comunicação da experiência entre os pares, se dá também de um modo mais amplo entre os analistas de maneira geral, sendo que Widlöcher teve a perspicácia de trazer à baila como esses processos são essenciais para a vitalidade da psicanálise. Creio que o levantamento desses aspectos é bastante valioso para que seja distinguido em que medida eles estão presentes no currículo do Instituto e, se estiverem, como isso o diferencia, nos termos colocados por João França. É possível pensar que isso se dá à medida que a pluralidade de abordagens existentes em nossa Sociedade, e a forma como nossos Seminários Teóricos e Clínicos estão estruturados no Instituto, permitem que os colegas em formação tenham uma ampla possibilidade de entrar em contato com diferentes formas de pensar e de trabalhar analiticamente. Poderia ser levantado que o termo "supervisão generalizada" não caberia aqui, mas também isso pode ser olhado de outro ângulo, no sentido de que toda transmissão de conhecimento em psicanálise tende a se fazer em relação a situações clínicas, sujeitas a diferentes modos de ver. Sendo assim, em nossas discussões e trocas psicanalíticas há frequentes oportunidades de "supervisões" recíprocas e generalizadas. Não é o momento de tratar propriamente dessa questão, mas não se deve deixar de falar que essa visualização mais profunda da importância da significação da troca entre os pares para a consistência da psicanálise não é algo restrito a Widlöcher. Pode ser lembrado no momento outro exemplo, o de Michael Rustin (1991), sociólogo inglês que, mesmo não sendo psicanalista, tem se dedicado na clínica Tavistock de Londres ao estudo de contribuições da psicanálise pós-kleiniana para a compreensão de questões culturais, estéticas e políticas. Esse autor, respondendo a críticas bastante fortes à psicanálise do antropólogo Ernest Gellner (1985) e do filósofo da ciência Adolf Grumbaum (1984), destaca exatamente como esses críticos, apesar de empiristas, desconhecem essa faceta da experiência dos analistas, de que eles, tanto na sua formação como nas frequentes reuniões de que participam, estão permanentemente apresentando suas concepções aos pares, à possibilidade de outros olhares, permitindo assim que haja essa checagem por uma multiplicidade de observações, ao que Rustin empresta um valor epistemológico especial.

Se dermos continuidade ao aproveitamento do quadro apresentado por Widlöcher, ele também poderá nos ajudar a olhar, ao lado das aberturas fornecidas por essa multiplicidade de olhares em nosso currículo, também para áreas com possibilidades de fechamento. Nesse sentido, tratando da "supervisão generalizada", Widlöcher, ao lado dos benefícios, fala de uma tendência à circularidade, de um processo que teria um caráter repetitivo, voltado para "desenvolver nossa capacidade permanente de transmitir nossa escuta (apreensão) psicanalítica a uma terceira parte". Em função disso, ele continua, referindo que é preciso acrescentar a essa circularidade um processo linear, um "eixo de progressão", na base do qual a psicanálise evolui e progride. Entendemos quando o autor francês fala dessa circularidade, embora possa ser levantada a objeção de que não é necessariamente a única alternativa. Muito sinteticamente, pode ser dito que as concordâncias, amplamente apontadas na literatura psicanalítica, e ocorridas em torno de determinadas concepções que passaram a ser adotadas de um modo espontâneo por algumas das diferentes correntes de pensamento psicanalítico, de certa forma implicaram, direta ou indiretamente, processos de "supervisão generalizada" que conduziram não à circularidade, mas ao apontamento de possíveis "eixos de progressão" do conhecimento psicanalítico.

Enfim, essa alternativa, "circularidade" versus "eixos de progressão" será útil para considerarmos alguns pontos bem significativos, presentes na segunda indagação de João, acerca de uma identidade de nossa Sociedade e de que autores marcam essa identidade. Penso que, no caso, seria útil não só definir uma identidade da Sociedade em torno de autores, mas procurar ir mais longe e examinar como tem se dado essa presença dos autores no currículo, o que pode implicar também olhar para como essa presença se dá na Sociedade como um todo. Como uma reflexão preliminar, é importante considerar que o estudo e envolvimento com determinados autores tem, de maneira geral, se mostrado inerente e valioso na preparação dos analistas e que uma parte importante desse processo inclui "supervisões generalizadas". Isso se dá na medida em que é a partir do modo de ver clínico de cada analista, com seu embasamento nas teorias, e no intercâmbio desse modo de ver com os pares, que os conhecimentos são transmitidos, mas também ficam sujeitos a outros olhares que poderão ser convergentes, divergentes, trazer acréscimos etc. Ao mesmo tempo, não é difícil perceber que no exercício de uso das ideias de determinado autor, ou corrente de pensamento, como se dá usualmente em nossos cursos, há naturalmente uma tendência mais forte à circularidade e repetitividade de que fala Widlöcher. Aproveitando essas figuras tão simples do círculo e da linha de progressão, seria conveniente fazer algumas indagações:

Qual o espaço ocupado pelos autores ou correntes de pensamento no currículo e na Sociedade?
Caso esse espaço seja muito amplo, tem havido também em nosso currículo/ Sociedade espaço para pensar a questão "circularidade-eixos de progressão"?
E falando em eixos de progressão do conhecimento psicanalítico, isso é somente uma figura ou presentemente eles podem ser identificados na psicanálise?
Se eles existirem, também poderiam ser identificados processos que conduziram a esses desenvolvimentos, e mais, aprender como esses tipos de experiências contribuiriam para nossa preparação como analistas?
Se essas questões são pertinentes, elas têm tido espaço em nosso currículo/ Sociedade? Se não estiverem tendo espaço, vale a pena abri-los?
Indo em outra direção, poderia também ser indagado se existem formas de trabalho curriculares que favoreçam eixos de progressão não só do conhecimento, mas da nossa preparação como analistas? Caso existam, elas têm tido espaço no currículo do Instituto?

Uma resposta relativamente simples a essas indagações seria a de que já temos um instrumento valioso no currículo, os Seminários Eletivos, que, na sua flexibilidade, estão abertos para dar espaço às sugestões anteriores ou a outras que possam ser colocadas. De fato, os Seminários Eletivos são de uma enorme potencialidade e utilidade, mas a prática tem mostrado que eles tendem a existir de forma atomizada e, mesmo que haja realizações criativas e ricas entre eles, tais realizações tendem a ficar isoladas. Assim, em função do que levantei até agora, e sem que colida com o espírito que levou à criação dos Seminários Eletivos, proponho que introduzamos, como uma parte do nosso currículo, o que chamarei de um "Fórum Permanente de Novas Iniciativas Curriculares". Seria uma parte experimental e inteiramente flexível do currículo, definidas em reuniões (Fóruns) com participação dos coordenadores e membros filiados, durante as quais haveria propostas de Seminários no espírito de estarem voltados para desenvolver algo na linha da figura dos eixos de progressão sugeridos por Widlöcher, mas que também poderiam ser formuladas deste modo: o que deveríamos estudar de mais relevante presentemente, além do que já está estabelecido no currículo? Dependendo da aceitação de uma sugestão nessa direção, pensaríamos em como levá-la à prática. A seguir vou apresentar sugestões de algumas novas iniciativas de Seminários que poderiam vir a fazer parte do currículo e que, caso a ideia venha a ser aceita, seriam levadas, juntamente com outras eventuais propostas, para reuniões do "Fórum Permanente" mencionado anteriormente.

Vamos começar examinando não seminários voltados a eixos de progressão do conhecimento analítico, mas sim medidas que poderiam levar a melhor aproveitamento de nossas apresentações clínicas, "supervisões generalizadas" se quisermos usar esse termo. Para isso, poderíamos pensar na introdução de algumas mudanças ou acréscimos em alguns dos nossos tradicionais e proveitosos seminários clínicos. Uma dessas novas modalidades seria termos "Seminários de Caso Clínico Continuado", em que fosse apresentado um só caso clínico durante determinado número de seminários, procurando-se não só discutir o material, como também buscar identificar as concepções usadas no trabalho e as respostas do paciente. Uma variedade desse tipo de seminário, talvez mais difícil, mas que também pode ter sua realização estudada, seria o acompanhamento continuado de um caso clínico, com a participação de três coordenadores de diferentes orientações, podendo ser chamados de "Seminários de Caso Clínico Continuado e Abordagem Variada", procurando-se ver, entre diferentes hipóteses e abordagens que fossem sugeridas, qual a aceita pelo analista e que respostas provocariam no paciente.

Outra variedade possível de Seminário Clínico seria na linha dos "Working Parties", adaptados para fins de formação. Essas formas de trabalho começaram a ser desenvolvidas pela Federação Europeia de Psicanálise e depois disso vêm sendo difundidas internacionalmente. Têm consistido em grupos com a participação de cerca de doze pessoas, reunindo-se durante dois dias, em um total de cerca de doze horas, para discussão de material clínico com duas ou três sessões de um caso, procurando-se fundamentalmente não supervisionar, mas entender o trabalho que está sendo feito pelo analista e suas repercussões sobre o paciente. Embora tais experiências não tenham sido colocadas explicitamente nesses termos, olhando de um determinado ângulo não é difícil perceber que elas de certa forma procuram realizar um trabalho articulando "supervisão generalizada" e "circularidade", mas com uma atenção para "eixos de progressão", não no sentido de desenvolver o conhecimento, mas de entender que conhecimento está sendo usado em determinada experiência clínica, seguida amplamente, e de quais estão sendo os resultados obtidos.

A partir desse ponto, vamos ver algumas sugestões com relação a seminários teóricos. A questão que me parece mais significativa aqui é que se houver um estudo mais predominante dos sistemas de ideias de determinados autores, como parece ocorrer em nosso currículo, isso tem o valor da circularidade que favorece o aprendizado, mas requer a colocação de limites, para não funcionar impedindo a existência de um espaço para as linhas retas, no qual seja dada atenção a processos que têm levado ou possam levar a eixos de progressão do conhecimento psicanalítico, conforme a rica expressão de Widlöcher. Vou dar um exemplo e que é também a sugestão de um tema para uma nova iniciativa curricular. Esse tema é escolhido na medida em que pode estar no centro de uma construção mais consistente e articulada do conhecimento psicanalítico e teria o título "Os Sonhos e a Atual Construção do Conhecimento Psicanalítico". Muito resumidamente, me refiro à mudança sugerida por Bion (2002) com relação à função dos sonhos, conforme ela foi vista por Freud (1900/1955). Paralelamente a isso, os sonhos passaram a ser estudados amplamente na neurociência. Se compararmos esse triângulo, nos damos conta de que a mudança proposta, ao que parece de um modo independente por Bion, sobre o papel dos sonhos nos processos de aprendizado e memorização das experiências emocionais, é concordante com uma parte da função dos sonhos verificada pelas investigações da neurociência. Por outro lado, no "inconsciente freudiano", mobilizador dos sonhos, temos uma noção paralela com outros achados da neurociência sobre o papel das chamadas memórias permanentes, ligadas às mobilizações instintivas na determinação dos processos oníricos. Esses elementos deixam de ter relevo no "sonho acordado", que é o mais saliente para Bion (2002), conforme ele registra em Cogitations. Fazendo a triangulação com a neurociência, os achados presentes nela podem nos ajudar a ver que as teorias de Freud e Bion sobre os sonhos de certo modo se complementam, não sendo necessariamente excludentes. Caso tais articulações possam ser reconhecidas, elas também estarão em consonância com pontos de vista prevalentes na neurociência. Desse modo, saímos de um quadro de desarticulação e inconsistência teórica em uma área básica da psicanálise. Tudo isso está sendo posto de um modo muito sintético, mas tratei dessa questão (Guimarães Filho, 1997) de maneira mais ampla, mas que precisa ser atualizada, no capítulo do livro Bion em São Paulo: Ressonâncias, que tem por título "Agir, alucinar, sonhar: como fica a árvore sem as raízes?". E tudo isso de modo algum se resume ao plano teórico. Farei apenas um assinalamento de como as noções que acabaram de ser vistas podem nos ajudar a pensar como as concepções de dois autores bastante prestigiados na psicanálise contemporânea, como Antonino Ferro (2009) e Thomas Ogden (2004), em certa medida são exemplos de modos de ver os sonhos como os apontados acima. Isso se dá na medida em que, segundo apreendo, Ferro tem uma abordagem bem de acordo com a maneira que Bion vê a função dos sonhos, enquanto Ogden usa desses mesmos elementos, mas sem excluir a função dos sonhos na linha de Freud. Em suma, trago isso apenas para apontar como os sistemas de ideias dos autores estão sujeitos a ser confrontados e eventualmente modificados pelo contato com novas verificações e hipóteses. Daí a importância de termos um currículo em que haja um efetivo espaço para uma atenção na direção de linhas de progressão que possam estar se dando em áreas relevantes da psicanálise.

Na sugestão dada anteriormente, mais do que o tema do sonho propriamente, estava também em foco como uma abordagem interdisciplinar pode contribuir para nos indicar meios favorecedores do encontro de eixos de progressão do conhecimento psicanalítico. Há outro meio para o qual tenho estado voltado, com vários trabalhos há mais de dez anos (Guimarães Filho, 2000, 2003, 2006, 2008, 2009), e que poderia dar lugar a uma nova iniciativa curricular, com um título como "Convergências e Eixos de Progressão do Conhecimento Psicanalítico". No caso, o interesse seria estudar concordâncias teóricas, amplamente apontadas na literatura psicanalítica (Gabbard, 1995; Sandler, 1988, 1993; Schafer, 1994; Wallerstein, 1988, 2002), ocorridas entre algumas das correntes de pensamento mais significativas da psicanálise, não visando chegar a algum tipo de pensamento dominante, o que, aliás, não se deu a partir dessas concordâncias. O que me parece mais significativo, no caso, é que essas concordâncias nos dão indicações da existência de um processo muito peculiar e informal de pesquisa na psicanálise, por meio do qual diferentes analistas e autores foram decantando instrumentos teórico-clínicos e dando preferência a alguns deles, certamente em função da avaliação que puderam fazer nas suas práticas clínicas. Outro modo de colocar isto, daí essas imagens terem nos parecido tão úteis, é de que a "supervisão generalizada" de Widlöcher não leva apenas a uma "circularidade" e repetitividade, mas na história recente da psicanálise foi também conduzindo à indicação "de eixos de progressão" do conhecimento psicanalítico. Algo que não parece ter sido devidamente investigado foi como o rastreamento do alcance de concordâncias como as mencionadas poderia auxiliar na preparação de novos analistas.

Para finalizar, uma última palavra sobre a sugestão da criação de algo como um "Fórum Permanente de Novas Iniciativas Curriculares". De certo modo, em nosso currículo já foram criados espontaneamente vários "Fóruns Permanentes", voltados para o estudo de autores ou correntes de pensamento ligadas a eles. Isso não tem acontecido com relação a articulações como as vistas anteriormente, daí a importância de esforços para abrir espaços que possam dar lugar a que linhas de progressão sejam examinadas, ao lado dos círculos que têm sido estabelecidos e prevalecido com maior facilidade.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Paulo Duarte Guimarães Filho
Rua João do Rio, 45
05417-090 São Paulo, SP
Tel: 11 3813-1238
E-mail: pduartegf@uol.com.br

Recebido em: 27/5/2011
Aceito em: 1/6/2011

 

 

1 Trabalho apresentado no Congresso Interno "Atualizando Rumos da SBPSP", realizado de 18 a 20 de junho de 2010.
2 Membro efetivo, analista didata e analista de crianças da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP.

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