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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.44 no.81 São Paulo Dec. 2011

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Sessões termináveis e intermináveis: reflexões sobre o uso temporal do encontro analítico

 

Terminable and interminable sessions: thoughts on time usage of the analytic encounter

 

Sesiones terminables e interminables: reflexiones sobre el uso temporal del encuentro analítico

 

 

Alexandre Socha1

Instituto de Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo - SBPSP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Através de quatro situações clínicas ocorridas nos minutos finais de sessões com diferentes pacientes, o presente artigo lança-se a algumas reflexões relativas ao término (provisório) do encontro analítico. Na exploração do fenômeno, encontram-se convergências entre questões intimamente associadas ao fim da sessão, tais como destrutividade, angústia de separação e castração. Por fim, as considerações sobre a temporalidade na sessão de análise e o lugar do analista frente ao seu término apontam também para possíveis entraves relacionados a essa separação, reconhecendo desse modo encontros que podem chegar a seu termo espontaneamente, e outros que não.

Palavras-chave: Término de sessão, Uso do tempo, Angústia de separação.


ABSTRACT

This article proposes a few considerations on the (provisory) end of the analytic encounter through four clinical situations that occurred in the final minutes of sessions with different patients. In exploring this phenomenon, convergences are found between matters closely associated with session endings, such as destructiveness, separation anxiety, and castration. Finally, further thoughts on analytic session's temporality and the analyst place towards its end also indicates possible difficulties related to this separation, thus recognizing encounters that finish spontaneously, and others that don't.

Keywords: Session endings, Usage of time, Separation anxiety.


RESUMEN

En el presente artículo se establecen algunas reflexiones relativas al término (provisorio) del encuentro analítico a través de cuatro situaciones clínicas que ocurrieron en los minutos finales de las sesiones con diferentes pacientes. En la exploración del fenómeno, encontramos la convergencia entre cuestiones estrechamente relacionadas al fin de las sesiones, tal como la destructividad, la ansiedad de separación y la castración. Finalmente, consideraciones sobre la temporalidad en la sesión de análisis y el lugar del analista frente al término, también apuntan a posibles dificultades relacionadas con la separación, reconociendo así encuentros que pueden o no espontáneamente llegar a su fin.

Palabras clave: Término de sesión, Uso del tiempo, Ansiedad de separación.


 

 

Sempre esperamos que nossos pacientes
terminem a análise e nos esqueçam:
e descubram que o próprio viver
é a terapia que faz sentido.
(Winnicott, 1971, p. 123)

 

"Às vezes gostaria de esconder esse seu relógio...".

Era o que sempre me respondia Ricardo, em tom de brincadeira, quando lhe anunciava o fim da sessão. Nos primeiros meses de análise, repetia esta mesma frase de modos diferentes, "imagina se um dia acabar a pilha desse relógio?", "Já?! De novo você com esse seu relógio...". Seu descontentamento era visível, mesmo quando eventualmente alongávamos a sessão por alguns minutos, tentando finalizar uma conversa que seguia a todo vapor. Ao se levantar do divã, checava então seu próprio relógio de pulso, certificando-se do horário e de que eu não o havia subtraído em seus cinquenta minutos.

Leandro, um jovem tímido, tornava-se inquieto e agitava-se no divã ao pressentir que seu horário terminaria em breve. Em contraste com o início da sessão, falava em alto volume, aceleradamente e gesticulava com as mãos. Continuava falando sempre até abrir a porta e me perder de vista. Por algum tempo relatou sentir dormência em algumas partes do corpo, geralmente nos braços, perto dos minutos finais da sessão. Quando certa vez apontei o grau de excitabilidade corporal que a expectativa daquele fim lhe provocava, respondeu dizendo que, na verdade, ao sair de meu consultório continuava imaginariamente a sessão por mais uns vinte ou trinta minutos.

Marcel era também muito sensível às interrupções finais. Por volta do terceiro mês de análise, em um momento de silêncio que vinha se tornando comum próximo aos minutos finais, surpreendi-me com o som alto de um alarme dentro do consultório. Marcel tranquilamente pegou do bolso seu celular e desligou o alarme que havia ativado. Ao toque sonoro de seu despertador, acordamos. Perguntei-lhe sobre o significado daquele som e ele me explicou que colocara o alarme do celular para soar cinco minutos antes do fim. Disse que ficava sempre preocupado em tomar-me mais tempo do que lhe era devido e que "não queria ser um incômodo para mim". Comentei então acreditar que sua preocupação poderia ser não apenas "cuidar de mim", mas também "cuidar de si mesmo". Marcel respondeu que de fato não gostava de ser pego de surpresa no meio de algum assunto, e o despertador lhe sinalizava, portanto, o quanto poderia ainda continuar. Neste caso, era eu quem havia sido pego de surpresa. O alarme continuaria a tocar ainda por muitas vezes nos meses seguintes.

Também Regina me surpreendeu com seu peculiar uso do tempo da análise. De início, achava já curioso o fato de quase nunca chegar aos horários combinados; chegava ora com atrasos, ora com grande antecedência, em variações de até 20 minutos. Recusou quando lhe ofereci outros horários que lhe pudessem ser mais convenientes. Certo dia, próximo ao final de sua última sessão daquela semana, olhou seu relógio e perguntou-me quanto tempo ainda tínhamos. Respondi que eram 15h40 e que, portanto, tínhamos mais dez minutos. Em um sobressalto Regina exclamou: "Ah, não era para me falar que horas são, agora eu sei quanto tempo adiantei meu relógio!". Percebendo meu espanto, contou-me rindo que já há algum tempo alterava periodicamente seu relógio, adiantando-o sempre em alguns minutos, sem nunca saber exatamente o quanto. Contou que tinha dificuldades para chegar aos compromissos no horário, e ter um relógio no qual estava "sempre atrasada" lhe ajudava a correr e chegar a eles mais depressa. Regina frequentemente se queixava de sentir-se velha e de não ter aproveitado sua juventude como achava que deveria, queixava-se do tempo perdido.

As cenas aqui descritas, colhidas recentemente em minha prática clínica, guardam elementos intrínsecos à biografia de cada indivíduo e aos diferentes momentos da análise que atravessavam. Todavia, podem ser reunidas neste artigo pelo período específico em que ocorreram: os minutos finais de uma sessão de análise. Esses momentos entram no folclore psicanalítico como aqueles em que ocasionalmente o paciente escolhe para fazer suas revelações mais cáusticas e inesperadas, ou para trazer à discussão assuntos que exigiriam muito mais tempo do que aquele entre o levantar da poltrona e a porta da sala. Resta ao analista jogo de cintura para equilibrar-se entre uma resposta meramente satisfatória e o limite temporal estabelecido, na esperança de poder retomar a questão posteriormente em condições mais favoráveis. No entanto, para além desse lugar-comum psicanalítico, apontando para as possíveis resistências por parte do paciente, os minutos finais de uma sessão podem ser por ele utilizados de inúmeras maneiras e para inúmeros propósitos. Diríamos, há tantos finais de sessão possíveis quanto experiências emocionais de um indivíduo em análise, fato que certamente dificulta uma abordagem ampla sobre a questão e a relega à seara dos temas pouco abordados diretamente pela literatura psicanalítica.

É sobre o término da análise propriamente dita que encontramos uma profusão de estudos, de Freud até os analistas contemporâneos. No entanto, essa separação definitiva é, como sabemos, constituída pelos fragmentos de muitas outras separações de caráter provisório entre a dupla analítica. Dentre elas, destaca-se a separação que ocorre entre sessões, da qual os minutos finais são o prenúncio inevitável. O presente artigo, que surgiu da necessidade de compreender essas e outras experiências vividas em meu consultório, aqui representadas pelas quatro cenas descritas anteriormente, pretende então circunscrever determinados fenômenos intimamente associados ao término de uma sessão de análise. Como não se trata de um estudo de caso, não serão abordados em detalhes os meandros de cada uma das cenas descritas, aparecendo aqui sobretudo como ilustrações de possíveis usos que podem ser feitos do tempo da sessão.

 

A experiência total e o tempo subjetivo na análise

Um dos modos possíveis de aproximação ao pensamento de um autor realiza-se através da apreensão da temporalidade, implícita ou explícita, presente em suas proposições teóricas e clínicas. A obra do psicanalista inglês D. W. Winnicott presta-se bem a tal abordagem, tanto pela riqueza e profundidade com que as questões relativas ao tempo ali se colocam, quanto pela recorrência com que o tema surge em toda sua extensão. Valeria aqui lembrar apenas uma de suas mais célebres frases, "o ser humano é uma amostra-no-tempo da natureza humana" (Winnicott, 1988/1990, p. 29), para vislumbrarmos a regência da temporalidade em sua concepção de homem. A tradição psicanalítica inglesa, de um modo geral, apoia-se na ideia de uma temporalidade processual constitutiva ou, melhor dizendo, em uma continuidade, expressa sob a forma de estágios sucessivos no desenvolvimento do indivíduo. Em suas contribuições teórico-clínicas, Winnicott enfatiza tal noção de continuidade temporal, nela estruturando e fundamentando sua compreensão do desenvolvimento emocional humano. No que se refere ao processo de integração do self, o fator temporal assume nada menos que o papel de "quarta dimensão", somando-se às três conhecidas dimensões espaciais (Winnicott, 1961/1996, p. 204). Afinal, é também na constância intermitente dos encontros e desencontros entre mãe e bebê que, promovendo um sentimento de continuidade no tempo, inicialmente reúnem-se os fragmentos das experiências vividas pelo bebê em uma unidade de si mesmo.

Naturalmente, o modo como a temporalidade aparece em seu pensamento traz também implicações para o manejo clínico no processo analítico, articulando-se ao tecido da rede conceitual proposta pelo autor ao longo de sua obra. Entretanto, é no artigo de 1941 intitulado "A observação de bebês em uma situação padronizada"2 (Winnicott, 1941/2007a) que uma possível síntese do modo como Winnicott compreendia o tempo na (e da) análise poderia ser reconhecida. Nesse artigo Winnicott descreve o seu famoso "jogo da espátula", oferecendo-o também como um modelo experiencial, através do qual poderíamos compreender a trajetória tanto de uma sessão única de análise quanto do processo analítico como um todo.

Utilizado por Winnicott no diagnóstico e na terapêutica de bebês, o jogo consiste em uma experiência com começo, meio e fim definidos, equivalentes a três momentos ou estágios distintos: hesitação, manuseio e descarte. Em resumo, nesse jogo o bebê, sentado ao colo da mãe e diante de um objeto brilhante colocado à sua frente, se vê inicialmente com a tarefa de equacionar seu desejo de apanhá-lo com a ansiedade suscitada por sua avidez, no registro das fantasias infantis. Após o chamado "período de hesitação", se há na criança confiança suficiente em si mesma e no ambiente, ela toma posse do objeto e o coloca prazerosamente na boca. Manuseia e brinca com ele de diversas formas (podendo inclusive associá-lo a outros objetos presentes), até que acidentalmente a espátula cai no chão e o bebê a perde. Quando esta lhe é restituída, ele pode jogá-la fora novamente, agora intencionalmente, e sente grande prazer em fazer isso diversas vezes. Por fim, o interesse na espátula se esgota e a atenção do bebê se desvia para alguma outra coisa. A espátula, como possível representação do seio materno (ou do pênis), é descartada e abandonada naturalmente pelo bebê sem remorso algum. Em suas consultas terapêuticas, o jogo da espátula permitiria não apenas o reconhecimento dos possíveis entraves no desenvolvimento emocional da criança, como proporcionaria condições para a superação destes, atividade que Winnicott denominava "lição de objeto".

Apesar de sua aparente simplicidade, o jogo da espátula envolve questões complexas do mundo interno infantil e possui diferentes registros de compreensão. Amálgama de muitas ideias elaboradas posteriormente pelo autor, encontram-se ali presentes questões relativas à criatividade e ao gesto espontâneo, à confiabilidade e ao ambiente facilitador, à apresentação de objeto, à destrutividade e seu valor positivo no desenvolvimento, ao uso do objeto como continuação da relação de objeto etc. Assumindo o jogo como modelo paradigmático da situação clínica, encontramos também ecos de sua concepção da análise como forma altamente especializada de brincar, sustentada pelo "espaço potencial" criado pela sobreposição das áreas intermediárias (transicionais) do paciente e do analista. Seguindo então nessa analogia, "cada interpretação é um objeto reluzente que excita a voracidade do paciente" (Winnicott, 1941/2007a, p. 129), em que reconhecemos a importância temporal das colocações do analista. Sua atitude não deveria ser forçar uma "interpretação/espátula" pela boca do paciente, mas sim aguardar para que o gesto em direção a esse "objeto reluzente" surja espontaneamente, segundo o tempo próprio e singular de cada indivíduo. A interpretação, para Winnicott, verbaliza apenas aquilo que o paciente está prestes a dizer a si mesmo, do mesmo modo que, na apresentação de objeto, este só será bom se puder ser criado pelo indivíduo. Nessa perspectiva, o silêncio e o retraimento inicial do paciente não são necessariamente considerados resistência ou oposição ao tratamento, podendo ser também admitidos como pertencentes a um período de hesitação intrínseco ao processo analítico.

Para nossos propósitos, porém, creio que o reconhecimento dos três momentos distintos seja a contribuição mais interessante do jogo da espátula. Reflexo do ciclo natural da vida (nascimento, crescimento e morte), esses momentos compõem aquilo que Winnicott chamou de "experiência total", sendo a possibilidade de atravessá-los com fluidez, indício de um desenvolvimento emocional saudável. A "lição de objeto", proposição de uma situação específica, só se completa quando a experiência pode chegar a seu termo naturalmente, fechando o ciclo pela destruição imaginativa do objeto, sem que o indivíduo seja excessivamente invadido pelas ansiedades referentes a essa separação. Retomando a analogia com a situação analítica, a cada término de sessão o paciente destrói imaginativamente seu analista, preparando deste modo as condições para o final definitivo da análise. Caso o analista puder ser reapresentado ao paciente na sessão seguinte sem alterações significativas na qualidade da relação, a experiência analítica se enriquece, integrando a agressividade e os impulsos destrutivos, e promovendo um ambiente de confiança e continuidade no tempo. Em contrapartida, um analista que não pode ser descartado ou "morto" torna a relação analítica aprisionante para o paciente, impedindo seu crescimento e autonomia: torna-se espátula que se quebra ou que, ao ser jogada no chão, provoca a censura das pessoas ao redor. Também em uma metáfora alimentar, não mais querer, como uma consequência natural da saciedade e satisfação, equivale na fantasia à aniquilação do objeto (Winnicott, 1945/2007b, p. 153). Destruição essa tanto necessária quanto tolerável, caso se mantenha a esperança de reavê-lo quando a fome se fizer novamente presente.

O ritmo de alternância entre contato e separação instaurado pelo setting poderia ser reconhecido nas três principais ocasiões previstas: o período entre sessões, os finais de semana e as férias. Ferenczi possui um curioso trabalho intitulado "Neurose de domingo" (Ferenczi, 1919/2011b), no qual assinala algumas reações psicossomáticas de certos pacientes que ocorriam única e exclusivamente durante os fins de semana, período de desligamento das pessoas e das atividades do cotidiano. Junto às periódicas "neuroses de domingo", o autor sugere também haver as "neuroses de férias", estas mais prolongadas. Evidentemente, quanto maior o intervalo de tempo, maior será a intensidade das angústias envolvidas no desligamento, e maior será o fortalecimento posterior da relação, quando esta for retomada. É propriamente a prática clínica cotidiana que nos revela o caráter fundamental desses interlúdios de separação dentro do processo analítico. A ausência do analista faz parte do jogo transferencial e é tão importante quanto a sua presença. Se para o bebê é a ausência da mãe que cria a necessidade dos fenômenos transicionais, em uma análise o espaço potencial também só poderá ser estabelecido pela sucessão de encontros e não encontros entre a dupla analítica. Não seria demasiado estabelecermos certa equivalência de valor entre o modo de presença e o modo de ausência do analista; em outras palavras, sua capacidade de ser criado e de ser destruído pelo paciente.

Quando certas dificuldades surgem no paciente em relação à ausência e ao "descarte" do analista, somos levados, em um primeiro momento, a considerar uma presença maciça de angústia de separação. Nesta, a separação é vivida pelo indivíduo como uma ameaça ao vínculo com o objeto e à decorrente coesão do si mesmo. Por outro lado, nem toda separação deveria necessariamente provocar angústia, tampouco ser vivida como evento traumático. Para Winnicott, esta seria decorrente de um término prematuro da experiência com o objeto, de modo que a sua falta antecipou-se à garantia de sua presença e internalização como algo bom. Como esclarece em sua palestra dedicada ao desmame (Winnicott, 1949/1957), se este pôde ser realizado em pequenas doses e não de modo abrupto, o bebê poderá se apropriar gradualmente da ausência do objeto (seio) e esta lhe será tão necessária quanto sua presença. Do mesmo modo, com frequência parece haver nas sessões de análise um abandono mútuo, gradual e espontâneo entre a dupla analítica. Movimentos na poltrona do analista, mudanças na respiração, interjeições e novas sonoridades na fala de ambos, aumento das pausas e alongamento dos silêncios, ou mesmo o caminho tomado pelas associações livres da dupla. Os gestos de separação se manifestam de várias maneiras, e não raro cada dupla cria suas próprias "sinalizações" de que o horário está chegando ao fim e de que o trabalho a ser feito naquele dia foi concluído. À medida que o tempo da sessão (seja este qual for, contanto que definido) é introjetado pelo analisando, este passa a prever e antecipar o término, organizando sua fala dentro de seus limites, de modo a coincidir com esse fim. Por outro lado, quando a sessão encerra sem que o paciente tenha esgotado seu uso da análise, esse fim será provavelmente vivido como abandono, punição ou desinteresse por parte do analista. É desta forma que André Green abre a questão:

Winnicott dizia que todo fim de sessão deve ser considerado, aos olhos do paciente, como repetindo uma rejeição pelo objeto primário. Em suma, toda sessão é vivida como repetindo um processo de reunião-separação, essa última vindo após uma tentativa de reunião. Mas é aqui que entra em jogo uma alternativa: ou a separação, constituída pelo final da sessão, resulta na esperança de seu recomeço e de sua possibilidade de prosseguimento ou, pelo contrário, é vivida como um abandono traumático que não somente não deixa esperança, tornando ausente a antecipação de uma próxima sessão, mas também tem o efeito de apagar toda a conquista do trabalho da sessão. (Green, 2002/2008, p. 55)

Isso não significaria, todavia, que nesses casos a análise deva necessariamente se estabelecer em sessões mais longas ou de duração indefinida, rompendo um enquadre temporal pré-definido. Pelo contrário, é o próprio ritmo regular e estável do enquadre, no qual também se inclui irregularidades como faltas ou imprevistos de ambas as partes, que permite ao paciente imprimir na análise seu ritmo pessoal. Assim como no jogo da espátula, a continuidade temporal do ambiente analítico também seria propícia a identificar e pôr em evidência possíveis entraves emocionais ligados à separação. Se estes estiverem presentes, a duração temporal da sessão será praticamente indiferente, já que outras vias serão encontradas para sua expressão. O que não contradiz a importância de eventuais alterações, em situações muito específicas, como as que o próprio Winnicott realizava, tais como "análise sob demanda" ou sessões duplas. Tratase da flexibilidade e disponibilidade do analista em adaptar-se às limitações ou necessidades especiais do paciente. Essas variantes da técnica, no entanto, entrariam como parte constitutiva do contrato e do enquadre estabelecido pela dupla, e não como sua ruptura ou indefinição. Quando a angústia de separação é um modo inerente de o indivíduo relacionar-se, não há adaptação temporal ou fusão que seja justa o suficiente.

Poderíamos recorrer aqui, para fins didáticos, à distinção de dois registros temporais presentes no encontro analítico, o tempo do relógio e o tempo vivencial da experiência. Em outras palavras, um tempo "objetivo" e um tempo "subjetivo". A apropriação e o uso que cada paciente faz do tempo concreto de cinquenta minutos é realizado de um modo singular, imprimindo marcas do self em elementos intra e intersubjetivos em sua relação com o analista. No decorrer de um processo analítico, o mesmo indivíduo constantemente recria subjetivamente o tempo preestabelecido de acordo com as necessidades de cada momento. Os períodos de frequentes atrasos ou de faltas recorrentes poderiam também ser compreendidos, nesse sentido, como expressão do interjogo entre aproximação e distanciamento, segundo as necessidades do paciente. Dessa forma, o uso feito do tempo, ou do enquadre temporal, comunicaria ao analista um estado interno despertado por aquele encontro, naquela situação, sendo por fim índice do campo transferencial e contratransferencial ali estabelecido.

 

Aspectos paternos e maternos da interrupção

As quatro cenas descritas inicialmente neste trabalho, se consideradas sob a perspectiva da experiência total e da apreensão subjetiva do tempo, reúnem imagens em que certas dificuldades relacionadas à separação e ao descarte do objeto se fazem presentes. Próximas a um agieren, as comunicações ali contidas revelam evidente descompasso entre o tempo objetivo da sessão e o subjetivo, registros que parecem não coincidirem. Creio ser neste contexto que se situa, por exemplo, o desencontro entre a pergunta de Regina e minha resposta. O "tempo que faltava para o final", contido em sua pergunta, não poderia ser encontrado nas horas e minutos do meu relógio. Tratava-se antes do período em que estaríamos juntos e que eu estaria a sua disposição. Tempo que se contrai e dilata por entre os minutos; tempo qualitativo, que se furta de ser medido quantitativamente. Sua reação a minha resposta foi uma reação contra um elemento de fora, o tempo externo do relógio, intruso à vivência subjetiva da análise naquele momento.

De modo semelhante, com Ricardo e Leandro os encontros pareciam sempre terminar antes do tempo necessário. Era como se fôssemos pegos de surpresa pela campainha da escola em meio ao recreio e tivéssemos que abandonar incompleta nossa brincadeira. O sentimento de abandono era inevitável, na medida em que parecia haver ali a impossibilidade de que a separação surgisse naturalmente. No caso de Ricardo, a destrutividade e o desligamento do objeto encontravam expressão no ódio pelo relógio, extensão do ódio pelo analista. Mais além, trazia ainda dentro do campo transferencial outro tema intimamente associado ao encerramento da sessão de análise, a saber, o da interdição paterna e da castração. O anúncio do término do horário, vivido em fantasias inconscientes como repúdio ou rejeição por parte do analista, conflui com a fantasia da ameaça paterna interrompendo a atividade prazerosa da análise. Assim era com Ricardo, em que a revivescência dos sentimentos de impotência frente a um relógio-analista-pai autoritário reatualizava o drama edípico ao final de cada sessão. Ignorar o relógio e continuarmos indefinidamente seria, neste caso, equivalente a aceitar uma relação incestuosa, em que a ausência de limites externos excluísse a presença paterna.

Com Leandro, os efeitos da separação incidiam diretamente sobre o corpo, em que a agitação e a dormência dos braços frente à iminência de uma separação (ainda que provisória) atualizavam talvez uma falha ambiental originária. Atribuindo-me aqui o papel materno, reafirmava a impossibilidade de encontrar uma relação que lhe proporcionasse a sustentação (holding) necessária, na qual um outro pudesse se identificar e se adaptar a sua temporalidade própria e singularidade. Em um artigo intitulado "Sensação de vertigem no fim da sessão analítica", Ferenczi (1914/2011c) nos mostra como a interrupção, arrancando o paciente da ilusão de que o analista é um "pai dedicado" em vez de um profissional remunerado e com tempo definido, pode se manifestar corporalmente à maneira de uma conversão histérica. A agitação que desencadeava a dormência dos braços de Leandro bem poderia ser compreendida como esse rompimento na relação com um analista subjetivamente percebido, retomando a queda e a falta de sustentação.

Condição distinta da de Marcelo, que já não mais esperava "tocar a campainha da escola": queria possuí-la ele mesmo e deter o poder de encerrar nossa "brincadeira". Seu alarme do despertador também colocava em marcha questões relativas à rivalidade paterna; aqui, porém, o ódio e o enfrentamento encontram outro caminho. A interrupção, associada à castração, parecia despertar-lhe uma espécie de fúria narcísica, levando-o frequentemente ao afastamento antecipado da análise3 ou à busca onipotente do controle desta. Mas se por um lado o limite temporal pode trazer ecos da interdição paterna, pode também, por outro lado, repercutir falhas primitivas do ambiente materno. Em outro artigo que circunda o tema, "Agitação em fim de sessão de análise", Ferenczi (1915/2011a) se questiona a respeito da inquietação de muitos pacientes nos minutos finais e suas reiteradas perguntas sobre se "o horário já não terminou?". Conclui tratar-se de uma formação defensiva contra a sensação de já ter sido indevidamente interrompido anteriormente: "A pergunta inquieta a respeito da hora, perto do final da sessão, é uma medida de proteção contra esse choque emocional; o paciente prefere sair por iniciativa própria a ser mandado embora" (Ferenczi, 1915/2011a, p. 215). Em outras palavras, a interrupção do analista, ou o "desmame", tendo ocorrido previamente de forma abrupta e sem que o paciente tivesse a oportunidade de esgotar seu uso, passa a ser vivida pelo vértice do abandono4. O desejo de controlar o encerramento da sessão, utilizando-se para tanto de vários artifícios, poderia ser então entendido como um recurso defensivo contra o desamparo provocado por uma separação prematura, tendo em vista assegurar-se contra um abandono vivido como queda dos braços maternos. Recurso este que preserva o narcisismo do paciente na medida em que, paradoxalmente, busca preservar a própria relação analítica do seu ódio contra o analista. Por outro lado, retomando a posição paterna para além de sua dimensão de enfrentamento, deter o controle do encerramento é também a tentativa de manter um analista sempre disponível e interessado, afastando-se assim das angústias provocadas pela ameaça da castração.

A impossibilidade de uma conclusão satisfatória ao encontro analítico, pensado sob o modelo da experiência total, guarda, portanto, íntima relação com o potencial destrutivo (obstruído ou não) do paciente. Os instantes finais de uma sessão, estandarte de uma separação inevitável, são com frequência momentos propícios para a eclosão da agressividade, seja frente à interrupção vivida como interdição, abandono ou outros modos. Dessa forma, por se tratar de um momento delicado e de exposta vulnerabilidade, um grande cuidado é exigido no manejo do analista para que a interrupção surja como elemento do próprio trabalho realizado durante a sessão, e não excessivamente desvinculada a ele. Nos moldes da experiência total anteriormente descrita, a interrupção seria mais continuidade do que propriamente ruptura da sessão. Já do ponto de vista do analista, é importante o reconhecimento de que o término não surja unicamente como expressão de ódio contratransferencial ou de sua recusa a ser descartado pelo paciente; em outras palavras, o reconhecimento das angústias de separação despertadas também no analista, seja por identificação projetiva ou não. No caso das análises em que o tempo é indeterminado, como no tempo lógico lacaniano, faz-se então necessária uma atenção permanente para que o corte não se torne um desligamento do objeto-análise que leve em conta mais a temporalidade inconsciente do analista do que a do paciente. Em sua concepção de tempo lógico, Lacan (1945/1998) propõe o corte da sessão como artifício técnico que visa a romper a inatividade da análise, sobretudo em pacientes com traços obsessivos que se refugiam em uma eterna "espera". Diferente de Winnicott, que poderia entendê-la aqui como hesitação, para Lacan (1945/1998) essa espera significaria não-acontecimento ou conluio com o ritual obsessivo de um tempo fixo. Posições que levam a implicações clínicas distintas e que dizem respeito a diferentes concepções de "cura" e trabalho da análise.

Mas se por um lado cada forma de manejo temporal leva à emergência de diferentes fenômenos relacionados ao final da sessão, por outro lado, há também aqueles que parecem independer do setting e do enquadre proposto pelo analista. Segundo Etchegoyen, "se sabemos buscá-la e detectá-la, a angústia de separação aparece em outras circunstâncias e, portanto, não é patrimônio das condições do enquadre analítico, mas sim um ingrediente inescapável de toda relação humana" (2002/2004, p. 329). A separação, vivida como angústia ou não, traz ao primeiro plano a orfandade e o desamparo que nos constituem como humanos, em eterna dependência dos outros. Traz, enfim, a solidão essencial e o modo como cada indivíduo lida com ela através de suas relações interpessoais. Afinal, como sugerem as reflexões aqui traçadas, há encontros que terminam quando seu horário chega ao fim, e outros que não. Se para Freud (1937/2006) haveria análises "termináveis e intermináveis", bem poderíamos dizer que há também sessões termináveis e intermináveis.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Alexandre Socha
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05415-012 São Paulo, SP
Tel: 11 2157-8565
E-mail: alexandre.socha@gmail.com

Recebido em: 16/10/2011
Aceito em: 27/10/2011

 

 

1 Membro filiado do Instituto de Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP. Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP.
2 Tradução livre do autor.
3 Vale lembrar que o alarme de Marcelo estava programado para cinco minutos antes do final.
4 Proposição que nos remete à noção ferencziana de "traumatismo", em constante desenvolvimento no decorrer de sua obra, e da qual Winnicott, via Michael Balint, é também tributária. Em linhas gerais, o trauma seria um evento real (em oposição a fantasiado), ocorrido precocemente enquanto falha ambiental originária na relação mãe-bebê, resultando em uma clivagem do Eu.

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