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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.44 no.81 São Paulo dic. 2011

 

ARTIGOS NÃO TEMÁTICOS

 

O erótico maternal e suas encruzilhadas

 

The erotic maternal and its crossroads

 

Lo erótico materno y sus encrucijadas

 

 

Hélène Parat1

Universidade Paris-Nanterre Oeste

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo estuda a incidência da amamentação materna e do desmame sobre a economia psíquica da mãe e mostra a importância das revivescências pulsionais no momento da maternidade, identificáveis por meio de uma fantasmática dos líquidos que infiltra o funcionamento psíquico materno. As depressões maternas no momento do desmame são compreensíveis no disfuncionamento de um equilíbrio sutil. As modalidades particulares de identificação, de ordem "vampiresca", estão em ação em certas depressões pós-natais do desmame e convidam a interrogarmos sobre as transmissões transgeracionais identificáveis nas análises. Esta pesquisa clínica – por meio da questão da amamentação, nos meandros da complexidade láctea – busca separar as encruzilhadas e se separar de uma lógica fálica do seio: "a orgia da mamada" é aquela de um seio múltiplo, seio oral, anal, fálico ou genital, um seio conflitivo e desfrutante que complexifica a dialética do seio nutridor e do seio erótico.

Palavras-chave: Seio, Amamentação, Pulsões parciais, Sexualidade infantil, Maternidade.


ABSTRACT

This article studies the incidence of breast-feeding and weaning over the mother's psychic economy. It also shows the importance of instinctual revivals at the motherhood period, recognized by a fantasmatic of liquids that infiltrates maternal psychic functioning. Maternal depressions during the weaning period are understandable, regarded as disfunctionings of a subtle balance. Particular identification modalities, of a vampiric nature, are acting on certain puerperal depressions, suggesting questions about transgenerational transmissions identified in analytic treatments. Through the feeding problem, this clinical research aims to separate crossroads, and separate itself from a phallic logic view of the breast: the "orgy of breast-feeding" is that of a multiple breast, oral, anal, phallic or genital, a conflictive and enjoyable breast, complexifying the dialectics between a nourishing and an erotic breast.

Keywords: Breast, Breast-feeding, Partial instincts, Infantile sexuality, Motherhood.


RESUMEN

Este artículo estudia la incidencia del amamantamiento materno y del desmame sobre la economía psíquica de la madre. También muestra la importancia de las reviviscencias pulsionales en el momento de la maternidad, identificables por medio de una fantasmagórica de los líquidos que infiltran el funcionamiento psíquico materno. Las depresiones maternas en el momento del desmame son comprensibles en lo que se refiere a la disfunción de un equilibrio sutil. Las modalidades particulares de identificación, de orden "vampírica", están en acción en ciertas depresiones post-natales del desmame e invitan a cuestionarnos sobre las transmisiones transgeneracionales identificables en el análisis. Esta investigación clínica, por medio de las cuestiones del amamantamiento, en los recovecos de la complejidad láctea, busca separar las encrucijadas y se separar de una lógica fálica del pecho: "la orgía de la mamada", aquella de un pecho múltiplo, pecho oral, anal, fálico o genital, un pecho conflictivo y disfrutante que complejiza la dialéctica del pecho nutricio y del pecho erótico.

Palabras clave: Pecho, Amamantamiento, Pulsiones parciales, Sexualidad infantil, Maternidad.


 

 

Nossa cultura testemunha a força e a permanência da divisão das representações do seio no imaginário coletivo: os seios que se mostram nas paredes de nossos museus ou nos quadros publicitários são em geral ou emblemas de uma maternidade resplandecente que se pretendem longe de toda conotação sexual ou seios objetos de sedução, significantes eróticos sem ambiguidade. Esta disjunção tradicional entre o seio nutridor da mãe e o seio erótico da mulher interroga certamente os fantasmas masculinos recorrentes: reconhecemos aqui a oposição entre a mamãe e a puta, esta problemática masculina de oposição, de conflito entre o maternal e o feminino ligado à interdição do incesto e aos desejos edipianos, que Freud magistralmente iluminou nas suas contribuições à psicologia amorosa… Mas longe de ser uma problemática masculina, a clínica analítica mostra não somente quanto essa disjunção entre seio de mulher e seio de mãe está no coração de muitas das dificuldades de tornar-se mãe de uma mulher (e no tornar-se mulher de uma mãe…), mas também quanto o lugar do seio no psiquismo feminino é complexo e muito subestimado.

O seio nutridor de sua mãe é para a criança o primeiro objeto erótico, o amor aparece apoiando-se na satisfação da necessidade de alimento … a mãe adquire uma importância única, incomparável, inalterável e permanente e vem a ser para os dois sexos o objeto do primeiro e mais poderoso dos amores, protótipo de todas as relações amorosas posteriores. (Freud, 1938/1950, p. 59)

Seio nutridor, objeto erótico… Para a criança, nenhuma dúvida: o pensamento de Freud é afirmativo, tenaz sobre esse ponto. O seio nutridor é sim um objeto erótico, o primeiro, o mais louco, o mais radical. Se Freud fez escândalo afirmando o valor propriamente sexual dos primeiros desejos e prazeres da criança, ele escorregou pudicamente frente ao enigma da sexualidade materna. Ele pôde pensar os prazeres e desejos da criança, foi-lhe mais difícil interrogar aqueles da mulher se tornando mãe, salvo em algumas passagens fulgurantes e particularmente em "Uma lembrança de infância de Leonardo da Vinci" (Freud, 1910/1927).

No que concerne à amamentação, não podemos separar a mulher da mãe, nem a mãe da criança. A mãe dando o seio lhe oferece um objeto estranho, transmissor (ou portador) do mundo que é o seu, rico de suas angústias e de seus sonhos. O seio da mulher/mãe, numa impossível divisão, a religa tanto ao homem desejado quanto à criança, fruto desse amor. Um seio pode ser ao mesmo tempo nutridor e erótico? Essas questões nos confrontam com a dificuldade de não separar sexualidade infantil e sexualidade da mulher/mãe. É preciso tentar compreender como a pulsionalidade da criança vem despertar a sexualidade infantil materna, como esta pode se integrar ou não no vir a ser mãe de uma mulher e na sua relação com o homem que lhe permitiu sê-lo.

O encontro corporal com o recém-nascido, preparado por todas as transformações fisiológicas da gravidez, toma um lugar maior nos transtornos do pós-parto… P. C. Racamier, em seu rico trabalho sobre a maternalidade2 psicótica, tinha insistido sobre a reativação, no momento de uma maternidade, das problemáticas ligadas aos diferentes momentos do desenvolvimento libidinal (Racamier, 1979, pp. 195-196). Trabalhei por meio da metáfora do seio oral, uretral, anal, fálico, a complexidade das revivescências pulsionais mais precisamente no momento da amamentação: pois a amamentação é paradigmática dos transtornos do pós-parto, na encarnação que ela propõe, mas o excesso sensorial é intrínseco à maternidade, haja ou não amamentação, e pede um intenso trabalho psíquico de integração. Falo de metáforas, mas o enraizamento corporal das representações é sempre próximo e a amamentação tem um papel central na re-emergência de algumas pulsões parciais. Participa dessa reativação não somente na medida em que certas fixações pré-genitais buscam para aí se deslocar mas também porque uma fantasmática particular a infiltra onde todos os líquidos corporais podem se confundir e se misturar. Leite, sangue, esperma, urina se misturam e se confundem. Então a tomada em consideração desta fantasmática dos líquidos permite reencontrar, para além da clássica oposição entre seio nutridor e seio erótico, a intensidade, a permanência da força das primeiras expressões pulsionais. Esta fantasmática dos líquidos, por mais angustiante que às vezes seja, procura qualificar, na figuração, o perigo interno de um excesso pulsional sobre um sensorial desconcertante, intrínseco à maternidade.

De fato, o encontro com o corpo e a pulsionalidade da criança reativa bruscamente as moções pulsionais múltiplas que necessitam uma defesa urgente. As pulsões do bebê vêm atacar os recalcamentos do sexual infantil da mãe. O afluxo sensorial pede a presença de uma para-excitação suficiente… De outra forma a "loucura materna" (Green, 1990), para retomar a expressão de A. Green, corre o risco de não ser suficientemente temperada e a mãe pode oscilar entre Charybde de uma defesa maciça e Scylla de uma excitação transbordante: defesa contra esta pulsionalidade caótica, com a recusa de toda troca sensorial com a criança, ou a excitação devastadora que não pode se transformar numa sensualidade apaziguadora, nem para um nem para o outro. O trabalho psíquico é intenso e permitirá transformar um sensorial rompante em um sensorial terno e psiquicamente nutriente tanto para um como para o outro.

A hipótese do caráter defensivo das divisões do seio é confirmada pelo exame dessa fantasmática do leite da qual discursos médicos antigos mostravam toda virulência, e cuja clínica de hoje oferece outros testemunhos… Esta virulência que retorna testemunha de fato que as inscrições das divisões e das estratégias de defesa não agem só contra a tentação incestuosa edipiana. Não posso desenvolver aqui o que trabalhei extensivamente em Seio de mulher, seio de mãe (Parat, 2006). Lá mostrei como – tanto na clínica das mulheres em amamentação de hoje como nas tradições médicas antigas – o leite representa um "humor" do corpo altamente simbólico, que remete a todos os líquidos corporais, carregados de poder e de angústia. Nas crenças tradicionais, o sangue feminino, esse sangue das menstruações particularmente ambivalente, nutriu a criança no útero, pois ele parou de escorrer na gravidez, e o leite materno é uma transformação secundária desse mesmo sangue menstrual. Um dos primeiros textos consagrados aos cuidados da criança e escrito em francês diz com clareza o que será constantemente retomado: "e o leite não é outra coisa senão o sangue mesmo, que passou por mudança de cor nas mamas" (Vallambert, 1565, p. 2). Esta preparação, esse branqueamento, Ambroise Paré atribui à providência divina:

Pois se ela se fizesse esquecida (o que nunca fez) e deixasse correr o sangue em substância e cor vermelha, a mulher nutridora teria tido horror de ver assim jorrar seu sangue: e isto também teria sido odioso à criança de o sugar puro e vermelho da mama; acrescido que nós não teríamos tido manteiga nem queijo. Igualmente os assistentes teriam execrado ver a boca e as tetas da mãe sangrantes: Resumindo, Deus fez todas suas obras com enorme sabedoria. (Paré, 1575)

Do sangue da mulher ao leite nutridor é operado um cozimento purificador que esconde a abominação de um sangue que não saberíamos ver: além do líquido vital cujo escoamento sinaliza a morte, conjectura-se o sangue menstrual sempre duvidoso.3

A amamentação suscita uma ambivalência geralmente dissimulada pela idealização da qual é objeto. O leite é um líquido nutridor carregado de uma excitação potencialmente devastadora. Ora, se a amamentação pode ser a ocasião de um gozo partilhado, de uma transmissão erótica serena, o seio – único e múltiplo, conflitivo e prazeroso – pode ser o objeto de partilha impossível, de negociações patéticas, assim como a amamentação pode vir a ser o campo privilegiado de expressão de algumas fixações pulsionais ou de modalidades caracteriais defensivas.

 

"A orgia da mamada" ou as violências do pré-genital

A "orgia da mamada", para retomar uma expressão de Winnicott (1972, p. 114), é aquela de prazeres, de desejos perdidos, ou, mais exatamente, em parte recalcados, em parte reunidos sob o primado genital, em parte sublimados. Prazeres, desejos e por aí mesmo angústias e defesas. Uma mãe não é mais essa criança "perversa polimorfa" gozando impunemente de suas pulsões parciais… Face à sua revivescência, à ressurgência de fantasias arcaicas, será que poderíamos nos espantar de ver algumas mães – com uma percepção préconsciente certa desse aspecto da amamentação – escolherem a mamadeira, que funcionaria então como uma "para-excitação" necessária e indispensável para manter seu equilíbrio interno? Se algumas mulheres podem se permitir uma relativa "regressão" positiva, testemunhando a flexibilidade de sua economia psíquica, por outro lado, isto pode representar um risco que transborda sua capacidade de integração pessoal nesse momento.

De acordo com sua economia libidinal, os meandros próprios de sua história, tal mãe desenvolverá mais particularmente algumas expressões pulsionais e certas defesas. As fixações pré-genitais femininas colorem frequentemente de forma característica e diferenciada a amamentação. Mas não saberíamos rigorosamente delimitar o jogo entre "seio oral", "seio anal/uretral" ou "seio fálico", tanto seus componentes podem remeter a um ou ao outro, ou servir para evitar a angústia que suscita. A fantasmática dos líquidos infiltra essas partituras, e os valores fantasmáticos do leite permitem uma confusão e uma transformação de todos os "humores do corpo". Desvinculando-se de uma lógica dual, a riqueza da fantasmática láctea complexifica a dialética seio-nutridor/seio-erótico, articulando-se então campo da pré-genitalidade e campo edipiano. Evidentemente que, evocando as fases do desenvolvimento libidinal, não se trata de se referir a uma perspectiva desenvolvimentista, mas de sublinhar, como o fez Freud, isto que dessas modalidades pulsionais prégenitais "adquire uma representação permanente na economia libidinal e no caráter do indivíduo". (Freud, 1933/1984, p. 135)

 

O seio oral

O seio oral é aquele que convoca antes de qualquer coisa a beatitude de um fantasia de transfusão, de líquidos partilhados e nutridores, numa lógica de vasos comunicantes, mas seu revés sombrio é aquele de angústias vampirescas. Estas se dizem por vezes com essas palavras muito simples: "ele bebe toda minha energia, ele me esvaziou". O seio oral é aquele da reversibilidade de fantasmas canibalescos como havia sublinhado B. Lewin quando escreveu: "Comer, ser comido… O intercâmbio desses dois termos 'é intrínseco à psicologia oral'". (Lewin, 1972, p. 218)

O "seio oral" é aquele de uma possível confusão, de um virtual vampirismo. O conflito entre passividade/atividade – por ser dominado pela analidade, por aí prender seus traços distintivos – encontra sua origem apesar disso na oralidade. A amamentação confronta a mãe a um globalismo das emoções, que não são apenas aquelas do bebê, em uma relação estranha na qual atividade e passividade se confundem. Freud dizia que "A mãe é, em todos os sentidos do termo, ativa face à criança; mesmo na amamentação, vocês podem também bem dizer: ela amamenta a criança, ela se deixa mamar pela criança" (Freud, 1933/1984, p. 154). Ela se deixa mamar… atividade passiva, passividade ativa? A mãe é certamente ativa4 e, entretanto, ela é reenviada a uma necessária passividade.

Globalidade, confusão, reversibilidade entre posição passiva e ativa, a oralidade é o domínio no qual as dicotomias se embaralham, as distinções não podem ser mantidas: essa indeterminação, essa confusão, esse globalismo podem ser dificilmente suportados por algumas mães que colocam em ação defesas variáveis para arrumar essa situação. Pois se a confusão pode ser vivida na doçura da transfusão líquida, ela pode também reativar angústias de perdas de limites.

 

O seio anal

O seio "anal" vem se contrapor a essas fantasias de dissolução e o domínio dos produtos corporais se encontra no núcleo de algumas angústias suscitadas pela amamentação. "Seio anal", seio "uretral", aqui, sem distinção, no mesmo movimento de domínio, de rejeição, de formação reativa… a fantasmática do leite se presta a esta confusão e a valência excretora é o ponto comum.

O seio anal é aquele de uma produção ambivalente, cuja brancura não separa todo traço de sujeira ou de contaminação. Seio de leite abundante ou escasso, de leite "que azedou" ou que é "como água", ele é portador de uma tentativa de dominar esse líquido dificilmente controlável, de negociar a doação e controlar o percurso. A amamentação pode ser uma relação outra que não fluida, e os ditos antigos falavam sobre a ansiedade materna, ansiedade que se encontra noutro lugar, no controle temporal das mamadas ou na observação das fezes.

O seio anal, longe de resumir-se a uma problemática de contaminação, de corpo excretor, tem também em si as valências particulares da doação e da dominação, e pode ser um ponto de suporte face à potencialidade de regressões perigosas. A maneira de manipular um bebê, de lhe dar ou retirar o seio, de lhe impor um ritmo de mamada mostra como uma mãe pode lutar contra as ressurgências de angústias arcaicas – perda de limites, devoração, dissolução – e tentar uma ação de dominação que a amamentação dificulta.

Se a oralidade é marcada por um globalismo de posições, o seio anal é aquele que procura contrapor-se à passividade e a lutar contra o empreendimento pulsional da criança sobre a mãe. Vetor de angústia e de tentação de onipotência, ele reencontra então o seio fálico, glorioso de sua plenitude e rico de seu exibicionismo.

 

O seio fálico

O valor fálico-narcísico do seio não esperou a amamentação para se manifestar. Ele é aquele que flexiona a espinha dorsal das adolescentes ou as faz salientar orgulhosamente um seio nascente. A amamentação, na expansão manifesta do peito feminino, pode ornamentá-lo com atrativos particulares. Mas além dos jogos de esconde-mostra de uma amamentação ostentatória ou pudicamente dissimulada, o seio fálico é também um órgão excretor, que não se contenta mais com um apelo metafórico do pênis. Inchado, turgescente, apelando a qualquer alívio, pode ser experimentado como um órgão incomum, estranho, e rejeitado na sua exigência corporal. Se as fantasias de felação são sempre bem recalcadas, uma mulher em amamentação pode no entanto em sonho procurar desesperadamente algum preservativo suficientemente grande para conter o leite de um seio que escorre em abundância. O seio fálico é também aquele da amamentação preenchedora de uma mulher que aí encontra a completude da gravidez e ornamenta seu seio nutridor de um valor fálico que possuía para ela o feto. Esse seio de uma plenitude à qual pode ser difícil renunciar torna, por vezes, árdua a separação então vivida como uma castração particular, uma ferida narcísica revivescendo as intensidades do complexo de castração infantil. A mulher perde no nascimento esse "seu pênis" que a criança representava e é licito considerar que a amamentação permite uma atenuação dessa ferida, uma compensação a essa perda fantasmática que a criança real não pode totalmente apagar, e que a amamentação permite reencontrar "fora" algo que existia "dentro".

Certas mulheres que amamentam numa vivência de beatitude inigualável podem ser associadas às mulheres que H. Deutsch (1987, p. 238) descreve como as que amam apenas bebês no período de amamentação. Seio, pênis, bebê… Num "equilíbrio" narcísico particular, a amamentação pode ter lugar de satisfação erótica direta em detrimento de outras satisfações possíveis. Como se a libido tivesse ficado fixa ao estado fálico narcísico e que a equação fantasmática bebêseio-pênis seja doravante fixa, sem abertura possível para uma outra satisfação por meio do pênis do outro, sem que "a inveja do pênis" tenha sido substituída por seu desejo.

 

O seio maternal e erótico: um impossível "seio genital"?

O poeta Clément Marot falou magnificamente dos charmes dessa "teta de mulher inteira e bela" que o homem soube tornar mãe por seu desejo e este poema foi o fio condutor de meu trabalho:

ó teta nem grande nem pequena
Apetitosa, desenhada a bico de pena,
Teta que noite e dia implora:
"casa-me, casa-me agora!"
felizardo, eis como se chamará
Aquele que de leite t(u)'encherá
Fazendo da teta de donzela
Teta de mulher inteira e bela.5

O seio cantado por Clément Marot, esse seio inchado de leite de uma relação erótica, é felizmente partilhado entre mãe/mulher, pai/amante, e criança. E algumas tradições mitológicas africanas podem exprimir claramente que o leite será o esperma do pai e que a amamentação solicita um coito regular… Entretanto cada história individual pode testemunhar uma tensão entre a valência erótica e nutridora do seio, esta tensão que nossa iconografia ocidental desvela tão bem tanto na glorificação da amamentação do menino Jesus das virgens góticas quanto nos seios eretos de publicidades ambíguas.

Convém aqui voltar sobre o aspecto edipiano da maternidade, pois sempre a atenção dada ao investimento materno da amamentação induz a focalizarmos sobre os laços precoces em detrimento da apreciação da complexidade global do desenvolvimento psicoafetivo da jovem mãe que, por ser mãe, não deixou assim de ser mulher… Privilegiar o seio nutridor em detrimento do erótico serve sempre para se defender de uma vitória edipiana inconscientemente duvidosa: possuir um seio erótico e nutridor, ser ao mesmo tempo mulher e mãe, é não somente rivalizar com sua própria mãe, mas também se tornar culpada de tão grande sucesso… A divisão entre seio erótico e seio maternal permite, então, à mãe de frequentemente se proteger da ressurgência de seus desejos edipianos – frente ao que a criança representa como realização de seus desejos inconscientes interditados e fortemente culpabilizantes – e ao mesmo tempo ela permite barrar seu investimento erótico na criança, não unicamente o narcísico.

No que concerne este investimento erótico na criança, Freud está longe de ter sido tão claro como nos "Três ensaios sobre a teoria sexual" quando escreve que: "a pessoa encarregada dos cuidados (geralmente a mãe) faz da criança testemunha dos sentimentos derivados de sua própria vida sexual; beija-a, carrega-a no colo, considera-a, sem nenhuma dúvida, como a substituta de um objeto sexual completo" (Freud, 1905/1987, p. 133). Cada termo é para ser considerado, e se o investimento erótico da mãe é sublinhado, a criança é uma substituta, não o objeto sexual único de uma relação desde então verdadeiramente perversa. Freud, em "Uma lembrança da infância de Leonardo da Vinci", pontua finamente o investimento inconsciente do qual o seio é objeto e dá conta da riqueza e da ambivalência do amor materno, quando escreve:

O amor da mãe pelo bebê que ela amamenta e cuida é alguma coisa que tem uma profundidade muito maior que sua afeição posterior para a criança adolescente. Este amor possui a natureza de uma relação amorosa plenamente satisfatória, que preenche não somente todos os desejos psíquicos mas também todas as necessidades corporais, e, se ela representa uma das formas de felicidade acessível ao ser humano, ela não provém pela menor parte da possibilidade de satisfazer sem reprimenda igualmente as moções de desejo depois de longo tempo recalcadas e que é conveniente designar como perversas. (Freud, 1910/1973, p. 146)

Moções de desejo "perversas"… Não poderia ser mais claro. A oposição seio nutridor/seio erótico tende defensivamente a mascarar a polissemia do seio, esse seio "oral", "anal", "fálico", "genital"… e a reduzir o amor da mãe a uma image d'Epinal 6. Seio maternal, seio erótico… Freud escrevia justamente que "isso que, no consciente, se apresenta cindido em dois termos opostos, frequentemente é apenas um no inconsciente" (Freud, 1910/1973, p. 52).

Na teoria propriamente os deslizamentos são extremamente fáceis, os quais opõem a mãe à mulher, a nutridora à erótica. Mas a polarização sobre o seio nutridor e essa insistência repetida sobre o investimento narcísico da criança me parece sobretudo uma defesa a ser interrogada. É necessário poder compreendê-la naquilo que ela combate de incestuoso como naquilo que ela reanima de uma teoria sexual infantil, procurando negar a parte feminina erótica da mãe; parte feminina, no entanto infinitamente necessária ao desenvolvimento da criança, se ela não é excessiva. Certamente a clínica testemunha uma inibição da erogeneidade do seio necessária para poder viver na amamentação uma relação que não seja perversa, mas uma inibição que deve ser apenas parcial para não se tornar igualmente patológica. Pois a ligação sensual à criança não é somente uma necessidade vital para seu desenvolvimento harmonioso, ela participa da riqueza e da complexidade da vivência da mãe. Mas o equilíbrio é instável, por vezes difícil, entre o muito e o muito pouco… O medo incestuoso inconsciente torna-se um potente motivo de recalcamento dos aspectos sensuais fortes da amamentação.

Perfila-se aqui toda a questão da transformação de um sexual direto numa aproximação suavemente erótica, que desde então pode ser psiquicamente nutridora para a criança. É lícito pensar que essa aproximação suave, que certamente tem sua fonte na relação materna primária da mãe com sua própria mãe, está também diretamente ligada à possibilidade da mãe de se sentir mulher para um homem, um homem que se tornou pai sem que isto exclua para um ou outro que ele seja amante…

A mãe submetida a esta reativação intensa de sua sexualidade infantil irá pôr em ação inúmeras defesas necessárias para represar essas revivescências. Estas modalidades de regulação pulsional são por sua vez aquelas que vão permitir a criança transformar uma excitação desordenada em pulsões qualitativamente diferenciadas. Frente ao contínuo ímpeto da pulsão nascente, a mãe propõe formas de regulação, e o ritmo das mamadas, mesmo numa amamentação de acordo com a demanda, é um bom exemplo do jogo entre aprendizagem de espera e satisfação adiada. Por mais extrema que seja a atenção de uma mãe às necessidades de seu bebê, ela nunca lhe proporá uma satisfação contínua, comparável àquela que ele podia gozar em seu ventre, e isso para o bem de sua vida psíquica… O seio do dia é um seio que se ausenta e permite que o seio da noite seja aquele dos sonhos da satisfação alucinatória do desejo.

Denise Braunschweig e Michel Fain em La nuit, le jour (1975), puderam – pela conceitualização da censura do amante, esta metáfora de um retorno da mãe à sua vida de mulher apaixonada – pontuar a necessidade desse ritmo, prelúdio à vida fantasmática da criança. Nesta obra mostra-se a variedade de investimentos da mulher/mãe, por vezes inclinada para a criança, por vezes para seu amante. Eles mostram quanto os cuidados dedicados à criança são infiltrados de um erotismo latente, mas, sob pena de perversão, esta componente erótica deve ser recalcada, ou pelo menos ser vivida sob a forma de pulsões transformadas, qualitativamente inibidas quanto ao objetivo. Trata-se aqui da ação da ternura (Parat, 2008, pp. 381-387), cobertura necessária para a crueza das pulsões sexuais e cujo papel é maior nesses primeiros tempos do reencontro entre a pulsionalidade da mãe e da criança.

No reencontro entre mãe e criança, a mãe deve apresentar modos de controle pulsional, ela organiza a ligação da excitação, da temporalização e seu próprio funcionamento psíquico empresta suas competências defensivas à criança. A inibição da pulsão quanto ao objetivo não é um exercício de repouso, e demanda à mãe tolerar sem refutação a vivacidade de alguns movimentos pulsionais, mas também de desviar outros ou de recusá-los com ternura. Esta aprendizagem se faz pelas modalidades de cuidados, de envoltório verbal e de contato, e a constância de um ritmo parece uma das expressões concretas da ação da inibição quanto ao objetivo… A ternura da mãe é o que lhe permite não se deixar vampirizar pela avidez da criança e lhe permite qualificar progressivamente suas pulsões. Dominique Cupa fala com clareza dessa mãe terna, que "segue a rítmica de suas provações modelando-as com seu próprio ritmo afetivo. … A ternura (lhe) parece então esse fundo ritmado de acordes cúmplices" (Cupas, 2007, p. 287). Seguindo essa autora na sua elaboração de uma corrente terna primeira, pulsação qualificando as primeiras satisfações de ordem autoconservadora, sexualizando-se secundariamente, talvez convenha conceber no après-coup dessa ternura primária uma ternura de ordem pósedipiana, relevando uma sexualidade inibida quanto ao objetivo, uma vez ultrapassados os terrores e as violências das moções pulsionais edipianas, e isso ao assumir a censura do amante. Isto pode ser pensado, como escrevem M. Fain e D. Braunschweig, como um tipo de "matriz fantasmática assegurando a ligação das excitações", para uma mãe "satisfatória que projeta seu narcisismo, doa amor com seus cuidados e organiza a 'censura do amante'" (Braunschweig, 1993, p. 54). Frente à vivacidade da fantasmática inconsciente e seus votos de transgressão da interdição do incesto, estaríamos certos da segurança desse "desvio da pulsão à margem de seu objetivo" e da eficácia das defesas? Parece que alguns problemas na relação mãe-bebê são diretamente relacionados com essa angústia, como se a amplitude das revivescências das moções pulsionais infantis corressem o risco de transbordar a jovem mãe: no medo inconsciente de um transbordamento pulsional e/ou de uma aproximação incestuosa. Para não ser vivido como uma transgressão perversa, a amamentação deve apoiar-se sobre uma inibição parcial da erogeneidade do seio. Mas sem cair no excesso inverso de um contra-investimento maciço e de uma desorientação excessiva que seria o mesmo que transformar a relação mãe-bebê num deserto sensual prejudicial à transformação da excitação bruta em complexidade pulsional. A. Green sublinhou a complexidade desse papel materno que oscila entre sedução e para-excitação: "O amor materno tem por objetivo, depois de ter favorecido a eclosão da vida pulsional, torná-lo tolerável para a criança" (Green, 1990, p. 183). Ele evoca a "loucura" materna, loucura temporária de uma mãe inegavelmente erótica, esta loucura que deve ser contrabalançada por seu papel de ego auxiliar da criança que a todo momento corre o risco de transbordar de excitação. Michel Fain e Denise Braunschweig insistem sobre o erotismo latente e onipresente do reencontro mãe-bebê, mas esses autores tendem a privilegiar sua versão edipiana, a criança representando essa "criança da noite" dos desejos edípicos positivos. Eles não pontuam suficientemente, em minha opinião, a polimorfia fantasmática do desejo da criança, e cujas versões prégenitais nunca desaparecem totalmente frente às resoluções edípicas. As crianças da noite são crianças vorazmente engolidas, ou roubadas do ventre da mãe, crianças da partenogênese ou crianças analmente criadas e expulsas, crianças falos gloriosas que são parcialmente confundidas com as crianças solicitadas ao pai edípico. Pois a inveja do pênis está longe de ser monossêmica ou primeira como queria Freud, e seu papel defensivo face aos desejos edípicos em direção ao pai – eróticos e não unicamente narcísicos, desejos que são receptivos e femininos – pôde ser amplamente mostrado por E. Jones e M. Klein. A virulência inconsciente dos desejos edípicos nos transtornos da maternidade, pode assim se encontrar associada à revivescência das moções pré-genitais, e essas ondas profundas concorrem a uma reunião virtual das angústias de nível edípico com outras mais arcaicas. As defesas podem se encontrar transbordantes, a regressão inerente à necessária "preocupação materna primária" deslizar para formas regressivas mais insidiosas, ainda que a particular labilidade dos movimentos psíquicos no momento da maternidade possa permitir rápidas reorganizações. Dois exemplos clínicos, de gravidade certamente diferente, me servirão para evocar tais quadros, nos quais a inclinação regressiva ou o transbordamento materno desembocam sobre transtornos mais ou menos marcados na criança. A insônia desses bebês, sua impossibilidade de aceitar a diferença entre dia e noite, derivava de uma superexcitação ligada às falhas da para-excitação materna, na continuidade de uma excitação intranquilizável.

Assim, foi em razão de uma insônia precoce e irredutível de seu bebê de 20 meses que Léone, jovem mulher de 25 anos, veio consultar um serviço de pedopsiquiatria. Ela falou toda a entrevista, deixando poucas palavras para seu marido que a acompanha. Desde o inicio ela anuncia ao terapeuta que amamentou sempre, mas foi no final da entrevista que a ligação entre um desmame impossível e a patologia do sono de seu bebê se desenha mais claramente.

Se o pai adianta uma hipótese de medos, de pesadelos que teria sido a causa do acordar da criança, Léone segue o fio de "maus hábitos desde o início". Maus hábitos: essa expressão é carregada de sentidos. Ela designava já sua culpabilidade no reconhecimento pré-consciente da força do laço erótico com seu pequeno menino. Ela dizia ter sempre lhe dado o seio desde que ele chorasse, "eu não lhe dava tempo de adormecer só". O seio, objeto necessário para um apaziguamento induzindo o adormecer, era no entanto reivindicado duas ou três vezes por noite e Léo não voltava a dormir se seu pai viesse tentar acalmá-lo. Mas o despertar era por vezes mais frequente e acontecia a Léo de se despertar meia hora após a última mamada…

O terapeuta, dirigindo-se ao pai, lhe perguntou quais eram suas relações, se ele brincava com ele. Com um tom por sua vez irônico e um pouco desencantado, ele lhe responde que Léo se apegava "muito à sua mãe" e "ia sempre com sua mãe", acrescentando que ele o via muito pouco atualmente, ficando muito ocupado com o início de uma nova situação profissional. Ao final da consulta, evoca a dificuldade de suas relações com seu primeiro bebê, uma menina nascida de seu primeiro casamento e que sua esposa precedente o impedia de ver. Desenha-se então em pontilhado um quadro repetitivo de exclusão em relação ao casal mãe-bebê, o qual – infelizmente, na ausência de dados pessoais de sua história – não se pode saber a gênese. Ele diz de fato que sua primeira mulher mudou muito depois de dar a luz; que ele havia tentado ajudá-la o quanto ele podia, mas isso nunca era o suficiente, nunca bom; que ela começou a rejeitá-lo de todas as maneiras; e que ao fim de seis meses, ele tinha "se exaurido" e tinha partido.

Cuidar de Léo traduzia também o desejo parental de contornar uma problemática aguda de separação a despeito do trabalho de meio período da mãe. Léo era cuidado por sua tia somente por algumas horas, sua mãe se arrependendo agora de não tê-lo posto na creche; o que, dizia ela, poderia talvez ter ajudado no desmame, pois "ele teria feito como os outros", e mais tarde a começar a escola, o que ela temia e já pretendia colocá-lo em meio período… Suas associações e a retomada do terapeuta conduziram-na a evocar sua própria infância, marcada pela proximidade com sua irmã, um pouco mais velha, num mesmo "abandono" materno. A mãe, trabalhando em comércio como o pai, nunca estava presente e as duas pequenas tinham sido educadas por diversas babás, até que, aos dez anos da mais velha, elas foram consideradas como grandes o suficiente para fazerem sozinhas a comida. Evocando sua independência imposta, Léone fez um lapso e fala então da dependência. A ausência materna parecia ter dado lugar a uma reivindicação nostálgica e insistente, não permitindo um investimento real numa certa autonomia, o que ela exprimiu com força numa lembrança de infância onde se via no canto de um banco, na classe, chorando por ter saído de casa e por precisar ficar na escola. As confusões que aconteciam no final de semana se enganchavam com a ausência da mãe e do pai, e Léone insistia então sobre o fato de que ela sempre quis uma outra vida, uma outra vida que ela queria permitir a seu filho. "Espero que eu lhe dê fins de semana"… A vontade de obter outros modelos familiares era muito consciente, mas sem que a agressividade dirigida à mãe tenha podido encontrar um modo de expressão.

Esta questão aflora na entrevista, mas sempre num modo denegatório, quando Léone diz o quanto todo mundo ficaria feliz que ela fosse um menino, pois, "infelizmente para sua mãe que desejaria tanto um menino, só teve filhas". O desejo de seu pai era mais obscuro para ela, pois esse nunca exprimia o que pensava, mas lhe parecia que ele dividiria essa alegria porque ele vinha visitá-la todos os dias na maternidade e depois, todos os domingos, passou a trazer uma surpresa para Léo. Agora que ela evocava com alegria essas visitas de seu pai, o pequeno estava adormecido tranquilamente em seus braços, o que assinala o terapeuta. Ela aceita com um sorriso e começa a descrever com preocupação manifesta os problemas de adormecer de Léo. De fato, quando ela não lhe dava o seio, ele conseguia por vezes adormecer sozinho, mas batendo a cabeça regularmente contra a cabeceira da cama. Esses procedimentos pareciam ter se instalado na ausência de recursos autoeróticos, e de fato, mesmo ele possuindo um "ursinho" favorito, Léo nunca chupava o dedo nem outra coisa.

Pode-se observar em Léone a ligação entre os contornos de um Édipo positivo muito caloroso numa problemática que aparentemente apresenta traços histero-fóbicos e com quase impossibilidade de se estabelecer uma "censura do amante", mas mascarando muito mal uma problemática subjacente de separação materna primária. A amamentação quase aditiva de Léo parece condensar esses dois aspectos e interditar à criança o estabelecimento de autoerotismos estruturantes – um recurso permanente ao objeto externo para apaziguar uma excitação que esse mesmo recurso reativa.

De fato, quando a resposta materna à excitação de seu recém-nascido impede-lhe toda qualificação deste – no excesso de uma resposta hiperexcitante como no caso de Léo, mas igualmente na repressão maciça desta – pode-se ver a entrada em ação desses procedimentos autocalmantes na criança, como os teoriza Claude Smadja e Gerard Szwec (Smadja, 1993, p. 23). Excesso erótico ou repressão maciça são os dois pólos de um mesmo traumatismo que prejudica a retomada interna pelo psiquismo da excitação, que não permite sua transformação em pulsão qualitativamente diferenciada. A criança só pode ser vítima da desorganização psíquica de uma mãe transbordada pelo pulsional violento da maternidade.

No caso de Léone e Léo, pode-se sublinhar a valência duplamente edipiana desta criança: criança que a aproxima de sua mãe num movimento de reparação secreta de seus desejos agressivos, mas igualmente criança que camufla o voto familiar de um descendente macho e se encontra consagrada ao pai apaixonadamente e nostalgicamente amado. Desse objeto superinvestido, ela não podia se separar e seu cônjuge se encontra duramente abandonado, não tendo mais em relação ao casal mãe-filho senão um papel de substituto materno. Que lugar lhe resta como pai e como amante? A insônia de Léo é muito boa para se inscrever nessa problemática de fragilidade do papel paraexcitante materno e será ligada à impossibilidade de sua mãe de ser a amante de um homem cuja própria problemática, em espelho, parece não ter permitido a si próprio jogar um papel de terceiro separador que teria desenraizado sua mulher tanto das delícias regressivas quanto de sua fixação edípica.

Não haveria então lugar para se falar, aludindo a e estendendo a conceitualização de M. Fain e D. Braunschweig, de uma "censura do amante", aquela que permite o estabelecimento do erótico maternal quando o nascimento da criança não põe em perigo seus remanejamentos edípicos, quando o reencontro erótico com aquele que a tornou mãe não cessa de atirá-la fora das órbitas de regressões perigosas, e lhe permite transmitir o leite desse seio partilhado, ternamente erótico? Então a análise do jogo complexo entre pré-genitalidade e Édipo na época da amamentação e do desmame abre-se, em último lugar, sobre esse reconhecimento de uma "censura do amante" necessária. Essa designará mais precisamente o papel metabolizante e para-excitante do amante, objeto de amor permitindo à mulher/mãe assegurar à sua criança o erotismo necessário ao seu desenvolvimento libidinal e narcísico, sem risco de se deixar amedrontar pela violência de seus próprios retornos pulsionais pré-genitais. Para que "a orgia da mamada" possa ser aquela de um prazer partilhado e não de uma excitação destrutiva, o seio maternal deve ter sido e ainda ser erótico.

Estamos até aqui na ordem de Eros e de suas crises, nos meandros de um corpo erógeno, nas ondas pulsionais de um sexual infantil violento, perturbador, mas não diretamente mortífero. Deixando os caminhos de Eros, encontramos uma outra valência dessa fantasmática dos líquidos, pois, qualquer que seja sua importância enquanto condição de representação de uma excitação, esta fantasmática pode se tornar particularmente angustiante quando ela vem a ser apenas uma última muralha contra a confusão. No limite extremo, a fantasmática dos líquidos pode se tornar aquela da paradoxal representação de uma ausência de representação, de uma energética pura, de uma excitação sem fronteiras, sem ligação possível, numa interferência em todos os limites.

O suporte carnal da amamentação, o corpo a corpo mãe-criança, pode ser o revelador de uma problemática de indiferenciação, de indistinção mortífera mãe-criança ficando encoberta até aqui. Nesta clínica do "vampiresco", exemplo particular de certos transtornos da maternidade, a indiferenciação não é tão somente aquela da mãe e da criança, como aquela entre a mãe ela mesma e sua própria mãe, numa identificação vampiresca, numa anulação da diferença de gerações que deixa para cada uma o fardo dos lutos precedentes impossíveis. Os fantasmas de infanticídio e de matricídio estão em ação, mas é preciso talvez uma passagem pela carne para que se revelem…

Assim Chloé, uma jovem paciente, quando pôde retornar para me ver após o parto, difícil, de sua primeira criança, me pôs a par de seus sentimentos de estranheza, de angústias difusas, ligadas aos choros de seu bebê. Esta jovem mamãe foi incitada a lhe dar o seio sem descanso e ela me exprimiu com vigor seu sentimento terrificante de que só a amamentação manteria seu bebê vivo. Minha paciente emagreceu a olhos vistos, estava lívida e pálida. Decorrente tanto dos seus problemas somáticos como do desenvolvimento de seu estado ansioso, seu médico indicou o desmame de sua criança. Essa pequena menina tinha sido concebida com muita dificuldade, sob cuidados médicos. Antes, nós havíamos podido evocar bastante suas dificuldades para ser mãe, numa identificação delicada com uma mãe adorável e adorada mas muito depressiva. O desmame, de início, só agravou seu estado depressivo. Por meio da retomada de um quadro assegurador e contínuo, ela pôde entretanto progressivamente evocar os fantasmas terroríficos de morte conjunta mãe-criança se a amamentação cessasse, de uma transfusão absolutamente necessária para uma como para a outra.

Mas foi muito mais tarde, quando no desmame desse tratamento e por meio de sua retomada pela transferência, que o contra-investimento intenso de um fantasma mortífero pôde ser posto em palavras. O final desse tratamento permitiu abordar a problemática transgeracional que a amamentação e o desmame de sua criança tinha posto em ato. Se ela sabia que seu próprio nascimento havia posto a vida de sua própria mãe em perigo, mãe que não a amamentou, ela ignorava o que isto vinha lhe dizer nesse momento, em resposta às questões que minha paciente se autorizava por fim a se colocar. A vida de sua mãe esteve por um fio, o fio das transfusões…, na sequência de um aborto executado por uma "parteira". Ora, esse aborto voluntário havia se seguido de um aborto espontâneo precedendo sua própria concepção. Estava aqui a origem de uma culpabilidade disfarçada e inextinguível da mãe de minha paciente, mãe "abortiva", mãe duplamente criminosa que havia sobre-investido o nascimento de Chloé e que só podia contra-investir a intensidade de sua ambivalência em direção a ela. Chloé, criança da reparação, sempre se soube intensamente amada e ignorada ao mesmo tempo. Ela partilhava sem saber o "crime" materno e os terrores de um poder de vida e de morte.

A questão poderia se colocar na passagem do fracasso melancólico de um luto numa geração, para uma problemática vampiresca na outra. A sombra do objeto que tomba sobre o ego, à sombra da sombra do objeto… A clínica dos transtornos do pós-parto conduz então a questionar algumas formas de transtornos que são próximos mas distintos dos transtornos melancólicos. O paradigma do vampirismo proposto em outro contexto por Perel Wilgowisk (1991) me ajudou a compreender essas emergências bruscas de angústias, emergências aqui ligadas diretamente à amamentação, e que podem nunca reaparecer como tais. Angústias que tomam corpo, angústias que tomam os corpos.

Esta autora ilumina uma zona de indistinção mãe-criança, e ela a referirá metaforicamente a uma gravidez atemporal. Para falar os silêncios dos modos de identificação vampiresca, ela encontrou a bela expressão de Helene Deutsch, quem, precisamente sobre a amamentação, havia evocado um "cordão umbilical psíquico". Mas Perel Wilgowisk a retoma metaforicamente no seu sentido negativo para chamar os silêncios de um modo de identificação vampiresco, e buscar escoar no tratamento uma lógica mórbida dos vasos comunicantes. Mais ainda que a gravidez, ou ao menos diferentemente dela, a amamentação pode ser precisamente a encarnação de tal fantasia de indistinção, de confusão mãecriança, ou, nessa ligação concretamente vampiresca, a ancoragem corporal que permite sua emergência, via a elaboração dos fantasmas homicidas que aí se juntam. A amamentação vem a ser a modalidade paradoxal de uma luta contra as angústias específicas que ele faz renascer.

Pois as angústias particulares emergem, ligadas a esta transfusão permanente, às angústias de esvaziamento, de inanição, de liquefação. Mas também, e era mais particularmente o caso de Chloé, as angústias ligadas à impossibilidade de se separar, na necessidade contínua de manter o fluxo permanente do cordão umbilical lácteo. O sensorial direto parece ser paliativo para o terror da perda do objeto, o corpo a corpo será a única garantia de vida. A prova dos sentidos vem aflorar um equilíbrio precário, mas ela permite dar corpo ao fantasma infanticídio/matricídio, ela permite que ele tome forma. A efetividade da transfusão é então a ocasião de uma eflorescência fantasmática que busca colocar sentido, representar as sensações angustiantes. Pois essas angústias arcaicas, se elas lembram certas formas de angústias psicóticas, distinguem-se delas frequentemente pela ausência de representação e sua captura no sensorial imediato. O vampiresco na sua versão fantasmática é já uma passagem fora do não representado. Os fantasmas de riscos mortais, de sobrevivência em transfusão de um ao outro sem distinção, são tomados numa concretude que, no melhor dos casos, pode autorizar uma elaboração psíquica até então impossível. Eles tornam-se dizíveis, representáveis. No trabalho analítico, é então por vezes possível chegar a acompanhar a identificação vampiresca agindo em surdina.

No reconhecimento de uma diferença, na impossibilidade realizada dos desejos onipotentes (votos de toda–potência), nas limitações de um poder de vida e de morte, emerge a possibilidade de um luto do objeto primário impedido pelos lutos não feitos deste. Assim é permitida a parada da transmissão mortífera, a saída das concepções partenogênicas que têm também valor de incesto, particularmente de um incesto mãe-filha profundamente destrutivo. O terceiro analítico permite a retomada da triangulação achatada no unidimensional e a morte simbólica do vampiro aspirando às psiques maternas para que elas possam por sua vez dar vida psíquica e corpos libidinizados à criança livre da repetição do mesmo.

Feminino do maternal e maternal do feminino encontram a forma de se estabelecer na amamentação de uma criança, ao custo para esta de se apoiar e de se desvencilhar progressivamente, no eterno desmame de uma fusão sonhada que age tanto como fantasma de uma beatitude perdida como retorno a uma indistinção vampiresca mortífera.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Hélène Parat
71 bis rue du Cardinal Lemoine
75005-France.
E-mail: helene.parat@orange.fr

Recebido em: 30/6/2011
Aceito em: 1/8/2011

 

 

Tradução de Beatriz Helena Peres Stucchi
Revisão de Cristian Holovko
1 Psicanalista (SPP), Professora de Psicopatologia na Universidade Paris-Nanterre Oeste, Autora: Sein de femme, sein de mère (PUF, 2006), L'inceste (PUF, Que sais-je? 2004).
2 N. T. Maternalité no original.
3 Cf. sobre esse tema, por exemplo, P. Camporesi (1988). La sève de la vie. Symbolisme et magie du sang. Le Promeneur/Quai Voltaire, 1990.
4 Fisiologicamente existe um "reflexo ejetor" dependente de um hormônio secretado pela hipófise, e a secreção láctea se inicia pelo montante da taxa de prolactina, mas esta secreção é mantida só pela sucção da criança.
5 N.T. "A boa teta" (Tradução de Andytias Soares de Moura, Editora Crisalida). O Tétin ne grand, ne petit, | Tétin meur*, tétin d'appétit, (*mûr) | Tétin qui nuict et jour criez:
| Mariez moy tost, mariez. | Tétin qui t'enfles et repolces | Ton górgias de deux bons poulces | A bom droict, heureux on dirá, | Celui qui de lait t'emplira | Faisant du tétin de pucelle | Tétin de femme entière et belle.

6 N.T. Imagem de Épinal: expressão de origem francesa, aplicada a uma imagem quando esta assume um significado ingênuo, algo que mostra apenas o lado bom do acontecimento.

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