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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.45 no.82 São Paulo jun. 2012

 

ENTREVISTA

 

Entrevistando o presidente da FEPAL - Federação Psicanalítica da América Latina: Leopold Nosek

 

Interviewing the president of FEPAL: Leopold Nosek

 

Entrevistando al presidente de la FEPAL: Leopold Nosek

 

 

Leopold Nosek*

Presidente da Federação Psicanalítica da América Latina - FEPAL

 

 

Em 19 de junho de 2012, recebemos o atual presidente da FEPAL, Leopold Nosek, membro efetivo da SBPSP – Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, para uma entrevista concedida ao Jornal de Psicanálise.1 Em clima descontraído, conversamos sobre a FEPAL, sobre o lançamento da revista Caliban, sobre o próximo Congresso de Psicanálise que será realizado, este ano, em São Paulo, sobre a escolha do tema do congresso: Tradição Invenção e sua relação com a Autoria, tema do presente número do Jornal.

 

Jornal – Consideramos que ser presidente da FEPAL hoje é algo que marca também um momento histórico. Podemos começar então nossa entrevista com a pergunta sobre o que é ser presidente da FEPAL, no contexto que estamos vivendo hoje, em um mundo que passa por grandes mudanças, e no qual a América Latina tem um papel nunca antes imaginado em termos históricos?

Leopold Nosek (LN) – Vou começar por uma coisa que considero muito importante. Veja, somos todos da IPA – International Psychoanalytical Association, uma sociedade de aproximadamente onze mil membros. A SBPSP não é membro da IPA, ela é componente, e eu sou membro diretamente da IPA, e não porque sou membro da SBPSP. Ser uma sociedade de membros fazia muito sentido quando a IPA era pequena, pois ela se restringia ao continente europeu. Na época em que Freud fundou a Associação Internacional, as sociedades se restringiam basicamente às seguintes cidades: Viena, Berlim, Budapeste e Moscou. Em Moscou, a psicanálise só foi destituída nos tempos do Stalin, no fim dos anos 1920. Até então, Moscou era um centro importante da psicanálise. Na Segunda Guerra houve uma diáspora, os analistas se espalharam pelo mundo; naquela ocasião fazia sentido à IPA ser uma instituição de membros. Hoje em dia, com onze mil membros e com as sociedades, que são instituições de grande força, esse papel centralizador da IPA perdeu um pouco a função. Desse modo, meio que indiretamente, as sociedades adquiriram certa autonomia. Minha filiação básica não é à IPA e sim à Sociedade. Então, tanto a Federação Americana, como a Europeia, como a Latino-Americana têm estrutura diferente da IPA, porque são federações de sociedades. Digamos que, se essas três federações se juntassem, teríamos uma associação psicanalítica internacional de sociedades, que teria outro funcionamento, e que seria mais democrática, ou pelo menos mais representativa, porque as pessoas que estão lidando com as sociedades são as que têm essa possibilidade de representação mais ampla. Então, muito do que a IPA faz passa por cima das sociedades, e os próprios membros começam a senti-la distante. As federações são potencialmente menos distantes, muito menos. A Associação Americana teve desde o início uma independência da IPA, tanto que ela pode determinar os seus Standards, e a IPA não interfere nos Standards da Americana.

Jornal – O que são os Standards?

LN – São os padrões de formação. Os norte-americanos decidem entre eles; isso nos Estados Unidos. Claro que temos ainda a Associação Canadense e as sociedades independentes, estas já sob a tutela mais direta da IPA. Mas a Americana, dos Estados Unidos, que é uma federação, gere inclusive a formação dos analistas. A organização é tão forte que tem um Comitê de Avaliação dos Standards e faz dois congressos científicos anuais, um na costa leste e outro na costa oeste. A Federação Europeia também é muito forte – eles congregam aproximadamente vinte línguas. Eles mantêm um grande debate científico e, aos nossos olhos latino-americanos, são os produtores das teorias que nos interessam. Nós latino-americanos olhamos para o outro lado do Atlântico; nós não olhamos, pelo menos aqui no Brasil, para cima, para as escolas norte-americanas. Do que eu vi na FEPAL, quem olha para as escolas norte-americanas é apenas o México, nós olhamos para a Europa. Os europeus também têm um congresso muito forte, apesar de não terem uma intenção estatutária de se envolver em políticas institucionais, nem nos Standards de formação. É claro que acabam tendo uma interferência política, mas eles se restringem basicamente à política científica. Eles têm um congresso anual sempre muito grande, importante e muito frequentado. Dentre as federações, a latino-americana é a mais recente. Ela foi criada como COPAL – Conselho Coordenador das Organizações Psicanalíticas da América Latina, tendo sido desfeita em função de um desencontro entre analistas brasileiros e argentinos. Não vou me deter aqui nesta história, mas a seguir, a federação foi recriada com a denominação de FEPAL. Nós éramos sempre os subdesenvolvidos, os que se apresentavam em crise, os que não eram muito rigorosos nas teorias produzidas pela metrópole. Apenas no final dos anos 1980 foi que a federação, ou o continente latino-americano, adquiriu direitos iguais ao europeu e ao norte-americano. Hoje, por exemplo, qualquer comitê da IPA tem membros latino-americanos, europeus e norte-americanos. O cargo de presidente da IPA é alternado entre as três regiões, assim como o congresso. Apesar de o direito político ser igualitário, a representação política não é igualitária, porque nós somos vistos e muitas vezes nos apresentamos como sociedades em crise. Das federações, nós somos a mais fraca. Então, vocês me perguntaram o que é ser presidente da FEPAL hoje?

Jornal – Sim.

LN – Tenho como forte compromisso mostrar que o continente latinoamericano tem produção científica e clínica mais representativa, com força política para interferir nos destinos da psicanálise internacional e não só às vésperas de eleições, quando nós representamos um terço do contingente dos votos. Sempre às vésperas das eleições nós somos muito consultados e paparicados, depois ficamos quatro anos esquecidos.

Jornal – Está havendo uma mudança com a Europa em crise?

LN – Não. A psicanálise francesa é forte, a crise é de pouco tempo e a história colonial é de muitos séculos. Então, Paris pretende ser uma metrópole, briga com Londres, que também pretende a hegemonia da psicanálise, e nós somos os espectadores ou os receptores disso. No contexto da modernidade, a psicanálise participava de seus paradigmas e um deles era a presença de uma verdade a ser revelada, resultando numa radicalização dos debates e numa disputa pela posse desta revelação. Um exemplo disso é que até um movimento estético, mesmo uma exposição de artes, vinha com o manifesto: qual a solução do mundo? Então, as teorias políticas, as teorias científicas, tinham uma validade, ou um estatuto e prestígio, que substituía as certezas, vindas durante séculos das religiões. Era como um desvio do iluminismo em direção ao positivismo, uma religião do saber humano. A grande crise que muda isso acontece no final dos anos 1980, quando os paradigmas são postos em questão, e quando se tem um momento forte na radicalização da globalização. A globalização não é invenção de agora, ela é presente desde o Renascimento, apenas como exemplo: lembro a inflação espanhola pela chegada de ouro e prata das Américas, gerando uma crise globalizada. Mesmo os manifestos políticos do século XIX falam dessa ausência de pátria do capital e que esta especificidade acabava por permear as relações entre as pessoas, no caráter das profissões; enfim, na totalidade do modo de viver. Agora, a partir dos anos 1980, esse fenômeno se tornou mais agudo; há uma grande revolução tecnológica e uma grande concentração dos recursos em nome de companhias particulares, de maneira que muitas delas são mais poderosas do que os países. Além disso, com a queda dos regimes do leste, as certezas, as utopias, tudo cai por terra. Há autores que afirmam como tendo sido o nazismo e o estalinismo produtos últimos do iluminismo em seu desvio em direção às certezas, ao positivismo e à crença daí advinda do controle por parte da razão dos modos de viver e organizar as sociedades. Portanto, uma coisa que era um defeito das colônias, esse certo sincretismo de uma herança colonial, passa a ser uma virtude, porque o francês comumente não cita a bibliografia inglesa e vice-versa, só com algumas exceções de notáveis. Nós, por outro lado, lemos os escritos da escola francesa, lemos a escola inglesa, frequentemente falamos francês, inglês e espanhol, isto faz parte da nossa formação universitária. Nosso sincretismo pode se revelar surpreendentemente como uma qualidade; esse acesso a uma universalidade de teorias pode permitir uma maior liberdade. Corre-se obviamente o risco de um ecletismo e de uma perda de rigor, mas se nós respeitarmos uma tradição metapsicológica, isso pode ser uma qualidade. O rigor vai ser dado pela metapsicologia, e não pelo nome de uma escola ou de um autor. Isso pode resultar uma vantagem em termos da prática clínica e da ampliação da percepção teórica. Outra característica latino-americana é que nós não estamos sujeitos nem às políticas estatais de saúde, nem às políticas de entidades privadas de seguro saúde que obrigam, por exemplo, setores amplos da psicanálise a fazer um desvio psicopatológico, psiquiátrico ou de pesquisa empírica.

Jornal – É isso na América Latina como um todo?

LN – Sim. Aqui o Estado não propicia psicanálise e o seguro saúde também não paga por "este serviço". Por outro lado, na Europa, o presidente de uma sociedade vai ter que discutir com o presidente do sindicato ou com o ministro da Saúde quantas sessões pode fazer para anorexia, e tem que mostrar que a psicanálise é tão efetiva quanto outras terapias em concorrência. O que acontece? A psicanálise volta a ser subsidiária da medicina. Quando tentamos fazer uma psicanálise positivista assumimos um estatuto paramédico, com o prestígio e as recompensas do paramédico, perdendo assim, a grandeza da universalidade da disciplina humana que é a psicanálise. Portanto, nós aqui não estamos sujeitos a essa pressão, temos a maior facilidade em transitar pelas disciplinas afins e nos inserirmos na comunidade. Isso propicia uma maior liberdade. É claro que nós também sofremos o desprestígio que a psicanálise vem tendo nos centros das metrópoles, mas menos. Por exemplo, a Sociedade de São Paulo tem 45 novos pretendentes à formação, com uma parcela grande entre 30 e 40 anos, o que é exceção no âmbito psicanalítico e mesmo na América Latina. Por exemplo, a APdeBA – Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires só para dar um número, tem 83% dos seus membros com mais de 60 anos. Chocante! Na Europa e nos Estados Unidos a Psicanálise é uma disciplina em grande envelhecimento, o que constitui uma preocupação da IPA e das federações.

Jornal – E a que você atribui esse rejuvenescimento, essa busca por candidatos mais jovens aqui na nossa Sociedade?

LN – Acho que é um trabalho da própria Sociedade de São Paulo, que nunca perdeu sua ligação com a comunidade, com a cultura, com as artes e com a psiquiatria.

Jornal – E também com a universidade?

LN – Com a universidade também. Em São Paulo, desde o início a análise foi leiga. Ela foi ligada à Semana de 22,2 aos intelectuais de São Paulo. Excetuando Durval Marcondes e Flávio Dias que eram médicos, todo o grupo pioneiro era não médico; essa é uma tradição que temos e que merece ser comemorada. Você vai a um congresso americano ou europeu, é chocante o que vemos: até porque as mulheres não pintam o cabelo, você vê um mar de cabelos brancos! Outro aspecto de nossa "crise" é o desvio psicoterápico da psicanálise, é um desvio positivista. Acredito que quando você pretende criar uma psicanálise cientificista, todo o resto vira ornamento; arte e cultura viram enfeites que embelezam, numa citação, um texto científico ou pretendem mostrar uma sensibilidade do autor em meio à frieza e objetividade científica. Então, a psicanálise se torna uma psicoterapia, vira uma atividade paramédica. O pior é que aí ela perde a inserção com a juventude, com a cultura, com os problemas atuais e fica muito estreita. De certa forma, eu acho que nossa crise é uma crise merecida porque nós não acompanhamos os tempos, não participamos do debate atual das humanidades. Eu sempre penso isso, a psicanálise é uma disciplina maravilhosa, não tem nenhum motivo para se pôr em dúvida as suas bases de sustentação como foram definidas por Freud: as pulsões, o recalcamento, o inconsciente, a transferência, nada disso é questionável. Agora, tudo isso vai ter um colorido matizado pelos tempos, pela cultura. Mas se estamos repetindo um discurso antigo ou estreitando o campo, vamos pagar um preço por isso. E já estamos pagando o preço; não adianta fazer política de outreach e tentar atrair candidatos e pacientes, porque isso inclusive perverte o nosso caráter, pois nós vamos para o mundo como demandantes e nossa função é de fato a de propiciadores; fornecemos algo valioso para os outros, nosso caráter social é de prestadores de serviços. Quando há essa inversão e "vamos à caça", ou fazemos propaganda, isto produz um efeito totalmente contrário. Quando falamos de assuntos relevantes, de forma criativa agregamos conhecimento ou prestamos uma ajuda significativa, as pessoas vêm. Mas quando "vamos pescar", somente desavisados mordem a isca, e o próprio grupo analítico perde qualidade. Enfim, o que é ser o presidente da FEPAL? Neste momento é reforçar a Federação Latino-Americana, integrar as federações; e na minha gestão, criar uma revista permanente da FEPAL, favorecer a reflexão através das diferentes comissões internas e, sintetizando, fazer face às demandas dos novos tempos.

Jornal – Você poderia então nos contar sobre a revista da FEPAL?

LN – Serão três números por ano, com editores independentes do rodízio da diretoria. Até a nossa diretoria, a revista era tarefa do diretor de publicações e o editor permanecia por dois anos. Não se faz revista alguma em dois anos! Vocês sabem disso, a política editorial vai maturando, vamos aprendendo e necessitamos manter uma constância. Será uma revista que terá abertura para outras disciplinas e será ensaística. A nossa revista vai se chamar Caliban, nome de um personagem do Shakespeare, de A tempestade, personagem um tanto tosco, que faz sentido na nossa linguagem, do Brasil e da América Latina. Tem ligação com a antropofagia, pois nos apropriamos das teorias, canibalizando e tornando a teoria nossa carne. Porque só somos psicanalistas quando o conhecimento repousa em nosso inconsciente; quer dizer, é teoria quando ela vira nossa carne. Portanto, esse modelo antropofágico é muito interessante, porque é um modelo mais próprio da formação do analista do que o da formação de um filósofo especializado em Freud, que terá o conhecimento consciente da psicanálise. O filósofo cita, lembra-se de cor, e o psicanalista está sempre inseguro com o quanto de apreensão tem, porque o conhecimento vai estar turbulento no inconsciente, e turbulento também no impacto da situação clínica.

Jornal – Essa concepção de uma teoria que vira a carne tem também um embasamento filosófico, por exemplo, em Merleau-Ponty?

LN – Não, é metafórico. É que ela vira patrimônio inconsciente, ela é um conhecimento tal como os sonhos, tem uma filiação consciente e tem uma filiação inconsciente. Quer dizer, não é à toa que a análise pessoal é o centro da nossa formação e isso é impossível de abdicar. E esse sempre é o conflito com as formações universitárias. Como é que você põe uma análise dentro da universidade? É muito difícil! Penso ser um conflito insolúvel, pelo menos até o momento.

Jornal – Como surgiu o tema Tradição Invenção para o próximo congresso da FEPAL?

LN – Eu gosto de uma fala do T.S. Eliot: a tradição não se herda; de fato, a tradição é apropriada através de um trabalho muito árduo. A tradição herdada é comodismo e preguiça. É interessante o Eliot falar isso, porque a poesia dele é muito moderna e feita de fragmentos reorganizados da tradição. Porque o contemporâneo é isso, é uma tradição quebrada, relida. Então, não existe a possibilidade de invenção sem a tradição. É uma reconstrução que já não tem nada a ver com a tradição, mas que usa fragmentos da tradição que já não serve mais. A gente pôs esse nome Tradição Invenção de propósito, porque não é tradição e invenção, também não é tradição-invenção ou ainda tradição ou invenção. Tradição Invenção: duas palavras para as pessoas articularem.

Jornal – Podemos pensar em algo ideogramático.

LN – Sim, você monta como você pensa. É claro que não podemos mais ler Freud como se lia em 1920, porque lemos através de um filtro que já contém Winnicott, Bion, Melanie Klein; assim, nós lemos e nos apropriamos necessariamente da teoria já de uma forma inventada, necessariamente matizada pelo momento atual e pela subjetividade do leitor. Essa é a discussão que queremos fazer, e é natural que ela surja no continente latino-americano.

Jornal – Por que é natural que aconteça no nosso continente?

LN – Porque aqui isso é mais conflitivo e recente. Na Europa a tradição é mais estabelecida. Para nós tradição e invenção é um par em conflito que nos põe a pensar e não acho que seja separável. Penso que há muitos pares em psicanálise, por exemplo: teoria pulsional e relação de objeto. A pulsão implica objeto. Como pensar uma teoria pulsional sem objeto ou uma teoria objetal sem pensar o matiz que a pulsão vai dar àquelas relações? Construção ou interpretação? A partir da Segunda Tópica temos uma área de consciente recalcado que comporta uma interpretação e uma área do inconsciente que mergulha no corpóreo e que demanda uma construção. Então, por que pôr em conflito, em contradição, quando são pares que funcionam, o tempo todo, juntos? Para nós latino-americanos, sempre existe a dualidade: por um lado, temos acesso ao que há de mais desenvolvido nas ideias da metrópole, e por outro, sabermos que essas ideias vão crescer em solo de colônia e, assim, sofrerão uma deformação específica. Li há dias um ensaio do Roberto Schwartz em que ele lembra que o Mário de Andrade foi para a França em 1939 divulgar Machado de Assis e voltou dizendo algo assim: nossa literatura vai ser respeitada na Europa quando tivermos uma moeda forte e formos construtores de aviões. Portanto, talvez nesse sentido, até por uma onda de prosperidade que o Brasil está vivendo, eu percebo que a minha chegada como brasileiro e presidente da FEPAL no Fórum Internacional ganha outro padrão de respeito.

Jornal – Nós aqui na América Latina temos duas línguas, o espanhol e o português. Em termos de espaço territorial no nosso continente, o Brasil é a metade da FEPAL; mesmo assim, de alguma maneira, nós brasileiros somos os estranhos no ninho.

LN – É comum em congressos que nas apresentações de trabalhos em espanhol vão os hispanohablantes, e nos trabalhos em português vamos nós, não temos os colegas de língua espanhola.

Jornal – Quer dizer, não existe uma troca?

LN – Há uma troca às vezes, quando se tem duas pessoas que são bastante conhecidas e que estão falando juntas; aí a sala enche e há uma troca. Neste próximo congresso da FEPAL nós vamos fazer o seguinte: primeiro as comunicações serão mais curtas, nós vamos fazer uma tentativa de apresentações com no máximo quinze minutos, e orientaremos o coordenador de mesa para seguir rigorosamente o horário. Quem falar em espanhol traz seu trabalho traduzido para ser projetado em português. Nós apresentamos em português e levamos o trabalho também em espanhol, porque apesar das línguas serem muito parecidas, eles não entendem o português. Nós entendemos melhor o espanhol de alguns países do que o de outros. Portanto, vai ser interessante ter a apresentação também projetada. O diálogo latino-americano ainda é incipiente. De algum modo, Tordesilhas existe até hoje. Mas isso tudo ainda é embrionário. Temos que pensar que estamos começando.

Jornal – Voltando ao tema da revista, você falou dessa ideia de ter uma editoria de seis anos, com três editores. Os três editores vão ficar os seis anos?

LN – Vai haver uma defasagem entre eles, a cada dois anos um dos três é trocado. Nós vamos começar a formar isso, vamos introduzir essa forma de funcionamento. Um editor para dois anos, um para quatro anos e um para seis anos. O de dois anos já sai neste Congresso, entra então o editor novo que vai permanecer seis anos. O de quatro sai no próximo e o de seis no outro, portanto a cada dois anos sai um. E são três regiões: norte, centro e sul. Dessa forma, a tradição é mantida, porque há sequência e também renovação.

Jornal – E em relação ao corpo editorial?

LN – São os editores que nomeiam o corpo editorial. É um modelo que eu propus, parecido com o da Revista Brasileira: teremos editores associados que são os representantes que fazem ligação com as sociedades locais e há um Comitê Executivo que se encarregará da execução concreta da revista. O primeiro número terá dois mil e quinhentos exemplares, será lançado no Congresso: mil e quinhentos em português e mil em espanhol.

Jornal – Não será, portanto, uma revista bilíngue, haverá versões em português e espanhol.

LN – Sim, e também teremos a tradução da revista para o inglês, que será abrigada provavelmente pela IPA, se ela aceitar. De todo modo, a revista deverá ser editada em inglês, caso contrário não participa do Fórum Internacional. A ideia é que os artigos sejam publicados integralmente em inglês, mas apenas em versão eletrônica e não em papel. Vamos aproveitar essa forma barata de publicação, porém, temos o custo da tradução. Mesmo assim, ainda é uma equação difícil de fechar, porque a FEPAL também não tem fartura de recursos.

Jornal – E serão três números por ano, tendo que fazer articulações nestas três regiões. Isso dá o maior trabalho!

LN – É um trabalho enlouquecedor! Nós temos editores muito bons que foram escolhidos a dedo. Algo que consideramos foi que geralmente nossas revistas sobrevivem porque têm leitores cativos, a assinatura é obrigatória, portanto, nunca estão submetidas a um teste de qualidade. Quando eu editava a ide, chegamos a ter seiscentos assinantes fora, o que nos forneceu recursos para editarmos o Álbum de Família, editarmos filmes com nossos pioneiros e começarmos todo o Projeto Memória. Todos os analistas pioneiros têm entrevistas, filmes, alguns feitos por profissionais, outros amadores, mas realizamos estes registros; fizemos muita coisa! Tivemos, portanto, um momento em que conseguimos achar o espírito do tempo, o Zeitgeist. Então, as pessoas queriam ler a revista. Em relação à Caliban, cogitou-se fazer a assinatura obrigatória; quem se inscreve no Congresso pagaria mais dez dólares pelo número inicial e trinta dólares pela assinatura anual. Prevaleceu a ideia de que a revista deverá correr risco de uma avaliação pelo público e se ela não for mesmo interessante, não sobrevive. A Revista tem alto custo e, portanto, ela terá que ser boa para sobreviver. É, assim é peito aberto. Sem risco, não se ganha. Eu não conheço nenhum investimento que não tenha risco e resulte em ganho alto. Nós optamos pelo risco tanto em fazer o Congresso aqui na cidade São Paulo, que como sabemos, no momento, é muito cara, como fazer a revista nesses moldes. Devo dizer que isto demonstra que temos na diretoria da FEPAL, na Revista e no Comitê Local do Congresso equipes maravilhosas. Assim, como nossa atividade de analistas é uma atividade solitária, a atividade institucional é necessariamente grupal. Tenho a felicidade de trabalhar com uma equipe fantástica e que esta é a única maneira de levar adiante um projeto tal como este, desenvolvido em conjunto.

Jornal – Nós pensamos também em conversar com você sobre o tema do nosso número, Autoria, que consideramos ter muita relação com o tema do congresso, Tradição Invenção.

LN – A autoria é nome próprio, eu falo isso, eu acho isso. Mas, como disse antes, a apropriação mesma da tradição já é um trabalho em nome próprio, não existem duas pessoas que façam a mesma leitura de um texto. Temos muitos Freuds, até as ditas escolas psicanalíticas têm vários Freuds. Há um Freud kleiniano, lacaniano, winnicottiano etc. E, é claro que no interior das escolas cada analista tem seu vértice pessoal. Como não é uma obra fechada, põe o pensamento para funcionar, e cada analista não pensa duas vezes a mesma coisa lendo o mesmo texto de Freud. Eu sempre dou esse exemplo: na preparação para um seminário, geralmente escrevemos ao pé da página duas ou três palavras, e quando chega ao seminário, uma semana depois, não entendemos o que escrevemos; não faz sentido, perdeu o sentido, lemos de novo e fazemos outra rede associativa. Eu tento saber o que estava pensando, quando escrevi, porque eu ponho duas ou três palavras achando que depois é só ler as duas ou três palavras que vou lembrar o raciocínio que tinha feito. Não é assim que acontece.

Jornal – Fica como em uma sessão de análise, não é? Você escreve uma sessão e ela já não é a mesma.

LN – O modo do nosso aprendizado é muito pessoal e muito matizado pelo momento. Eu apresentei um trabalho baseado no Lévinas, no Congresso da IPA em Chicago, em que o tema era "Convergências e Divergências". Esse filósofo fala em anseio metafísico que é um anseio que se pretende ir além, e eu inventei esse nome que é o do anseio metapsicológico, de que a gente tem um anseio em ir além da prática imediata, da construção de uma coisa além do que você está vendo, que é a construção de uma teoria, é um anseio em busca de teoria. Outro ponto que achei importante na minha descoberta do Lévinas como autor foi um raciocínio que ele faz a partir do conceito de infinito. Ele fala uma coisa muito linda: que o infinito é um objeto que traumatiza o seu conceito, porque se o conceito abarcar o infinito, ele destrói o infinito. Então, o infinito tem um conflito com seu conceito, permanente. Na sequência, ele fala que a face do outro, o rosto do outro é a alteridade infinita, a face … Por que a face? A alteridade é infinita, portanto, ela não é possível de ser apropriada pelo conceito. Quando você pretende conhecer o outro, você realiza um gesto de violência, porque você tenta transformar o "outro" no "mesmo", uma possessão sua. Se eu disser: agora eu sei quem você é, é quase uma ofensa, é uma redução. Então, o que eu faço? Eu posso te deixar falar, eu posso ser seu anfitrião, eu posso receber você na minha intimidade, mas eu não me aproprio de você. Na minha linguagem psicanalítica, poderia traduzir: a interação que produz algo é resultado de um momento genital. O conhecimento que eu pretendo possuir não passa de um movimento sob a égide da oralidade; e o conceito que eu fico limpando e controlando de suas impurezas relaciona-se com analidade. Portanto, conhecer é um ato de genitalidade, não implica em posse, implica respeito à alteridade; e respeito não é um gesto bondoso, porque alteridade, sendo infinita, me traumatiza no gesto de aproximação. Resulta num momento de construção efêmera de sentido. Tomei para mim esse conceito do Lévinas, de que o ato primeiro do conhecimento não é nem estético, nem ontológico, é um ato ético. O conhecimento psicanalítico começa com um ato ético, com um gesto ético de se deixar traumatizar pela presença do outro, o que é muito bonito, inclusive esteticamente, mas só depois viria a ontologia e a estética. Não é bondade porque eu não estou sendo maior que você, e você, objeto da minha vontade. Também outra coisa que eu costumo dizer é que bondade em psicanálise é antiético, porque põe a qualidade em mim. Nesse encontro, que nunca é tranquilo, se configura na nossa linguagem a genitalidade, porque nunca em um encontro genital o outro se torna possessão minha. Isto permite que os dois se encontrem infinitamente, porque se eu já sei; se já "comi", que é um termo sexual também, eu destruí o objeto. É a interação que produz, como por exemplo, a interação que eu tenho com a leitura do Freud. Cada momento é fértil. Eu leio e se produz uma ideia, e não consigo produzir a mesma ideia quando leio outra vez. Há autores que ao serem lidos propiciam isso melhor, outros trazem um conhecimento fechado e nos atraem por parecerem mais seguros. A gente não volta ao mesmo texto o número de vezes que volta ao Freud, o que demonstra a genialidade da escrita dele. Portanto, tudo em psicanálise passa pela autoria, ou não é psicanálise, é procedimento aplicado, que é uma das tendências na psicanálise de encontrar os procedimentos adequados para cada situação. Como eu disse antes, o seguro saúde pede isso, a política estatal de saúde pede isso, e nós, como analistas, não podemos dar. Então, a própria leitura é uma leitura autoral, eu leio um autor como um autor. Uma instituição deveria patrocinar a coragem de cada um ser autor, e não é bem assim que funciona, a gente é muito chamado a fazer parte, a ser englobado e marcar nossa definição, nossa identidade por uma marca exterior à nossa. Sou freudiano, bioniano, kleiniano, eu sou … É claro que isso aponta direções e são direções pertinentes, mas eu não sei mais o que é ser freudiano! Desconfio que eu também não saiba direito mais o que é ser kleiniano, a gente se aproxima desses textos como um patrimônio. Uma ideia, quando chega ao solo colonizado como o nosso, cresce de uma determinada forma, necessariamente particular. A própria história das sociedades locais faz com que os conhecimentos que chegam à Sociedade de São Paulo cheguem de um jeito completamente diferente do que chega ao Rio de Janeiro, ou em Porto Alegre, ou em Los Angeles, ou em Lima, ou em Bogotá, e reconhecemos parte disso, porque estes diferentes jeitos também chegam até nós. Então, quando nos encontramos nesses congressos, nessas federações, algo muito interessante é a diversidade. Um lugar que eu adoro fazer congresso é no lobby do hotel, às vezes mais até do que nas conferências, o lobby é muito mais autoral, permite essa aproximação flaneur com o objeto de nosso interesse, no encontro com as pessoas. É muito interessante esta nossa atividade, encontrando e desencontrando, convergindo e divergindo, enfim, dando um passo a mais em nosso sentido próprio. Isto é parte importante no que amamos em nossa atividade.

Enfim, agradeço a vocês esta oportunidade de expressão e a gentileza de vocês me ouvirem. Espero ter sido de alguma utilidade.

 

 

* Presidente da Federação Psicanalítica da América Latina - FEPAL.
1 Estiveram presentes pelo Jornal de Psicanálise: Eunice Nishikawa, Abigail Betbedé, Miriam Altman e Raquel Elisabeth Pires.
2 Também conhecida como Semana da Arte Moderna, ocorreu de 13 a 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.