SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.45 número82Uma aproximação da crítica literária à psicanálise na leitura de O filho eterno, de Cristóvão Tezza: relações entre leitor, narrador e personagemA questão da autoria: o impensado das obras de pensamento - arte, narrativa clínica e teoria psicanalítica índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.45 no.82 São Paulo jun. 2012

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

O autor nos escritos de Foucault: entre o discurso e a morte

 

The author on Foucault writings: between discourse and death

 

El autor en los escritos de Foucault: entre el discurso y la muerte

 

 

Sérgio Adorno1

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo FFLCH/USP
Núcleo de Estudos da Violência Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este ensaio procura seguir os argumentos de Foucault na tese da morte do autor, resultado da crítica do sujeito moderno que funda a filosofia foucaultiana. O caminho tomado pelo estudo dá foco a questões derivadas da arqueologia do saber, especialmente a crítica radical da tradição kantiana do sujeito de conhecimento. Em um segundo momento, o texto acompanha os argumentos que levam Foucault a decretar a morte do autor, concluindo que o sujeito conhecedor e criador é mais um produto de práticas discursivas do que de uma presumida unidade transcendental da razão.

Palavras-chave: Arqueologia, Discurso, Sujeito, História, Verdade.


ABSTRACT

This essay aims to follow Foucault's arguments on the thesis of the death of the author, result of the critique of the modern subject that has grounded Foucauldian philosophy. The path taken by the study focuses on questions derived from the archeology of knowledge, mainly the radical critique of the Kantian tradition of the knowing subject. Secondly, the text accompanies the arguments that led Foucault to decree the death of author, concluding that the knowing and creative subject is more the product of discursive practices than of a presumed transcendental unity of reason.

Keywords: Archeology, Discourse, Subject, History, True.


RESUMEN

Este ensayo tiene como objetivo seguir los argumentos de Foucault sobre la tesis de la muerte del autor, resultado de la crítica al sujeto moderno que funda la filosofía foucaultiana. El camino tomado por el estudio se centra en las cuestiones derivadas de la arqueología del saber, especialmente la crítica radical de la tradición kantiana del sujeto de conocimiento. En segundo lugar, el texto acompaña los argumentos que llevan a Foulcault a decretar la muerte del autor, concluyendo que el sujeto conocedor y creador es más un producto de prácticas discursivas que de una supuesta unidad trascendental de la razón.

Palabras clave: Arqueología, Discurso, Sujeto, Historia, Verdad.


 

 

Mas o que é filosofar hoje em dia – quero dizer, a atividade filosófica –
senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento.
(Foucault, História da Sexualidade, v. II, p. 13)

 

É reconhecida e marcante a presença do filósofo francês Michel Foucault, falecido há quase trinta anos (25/6/84), no pensamento social moderno. Suas críticas endereçadas ao lugar do sujeito na filosofia moderna, às concepções tradicionais de história, ao modo convencional de se tratar as relações de poder na teoria política clássica e ao deslocamento introduzido com sua história da substância ética na experiência greco-romana na antiguidade clássica impressionaram profundamente intelectuais e cientistas sociais de todo o mundo. Muitos buscaram nas análises foucaultianas sugestões teórico-metodológicas capazes de responder aos impasses provocados pela crise dos modelos teóricos marxista e positivista, até há pouco hegemônicos no domínio da explicação científica.

Sua inserção no cenário cultural, em particular intelectual, de nossa contemporaneidade revela-se em não poucas facetas: nos confrontos com as tradições kantianas e hegelianas; nos diferentes objetos teóricos e empíricos aos quais se voltou em seu trabalho de reflexão; no desprezo por problemáticas "clássicas" tais como a da objetividade do conhecimento, a da ideologia e da verdade, a do papel do intelectual "orgânico", a da cisão entre saber e poder, a da autonomia da linguagem, entre tantas outras. Não menos destacada é sua militância política em favor dos assujeitados e oprimidos, sobretudo aqueles confinados em instituições "fechadas" de controle social, manifesta em artigos divulgados na imprensa e na coordenação de movimentos de protesto coletivo. Diríamos, um intelectual francês que, perfilando a tradição francesa desde a Revolução de 1789, alia pensamento e intervenção no debate público e no curso das ações políticas. Mas que o fez não em nome de valores universais e abstratos, porém em torno de questões concretas, conectadas com a experiência daqueles que se encontravam sob domínio de outrem ou sob jugo de sutis e invisíveis, porém poderosos, mecanismos de sujeição.

Embora qualquer tentativa de submeter uma obra vasta, heterogênea, múltipla e até mesmo disforme a um eixo ou questão principal corra o risco de esvaziar sua riqueza e complexidade, a maior parte dos analistas considera que, no conjunto, a obra de Foucault pode ser apreendida em três campos: o da análise dos sistemas de conhecimento, o das modalidades de poder e o das relações de si para consigo, campos aos quais correspondem respectivamente três abordagens metodológicas: arqueologia, genealogia e ética.

Essas diferentes problemáticas teórico-metodológicas trouxeram substantivos e agudos deslocamentos em relação ao modo tradicional de conceber o sujeito, a sociedade e o saber. Como o próprio Foucault sugere em sua última entrevista (Rabinow e Dreyfus, 1984), a problemática do sujeito é constitutiva de seu projeto filosófico. O sujeito transcendental, herdeiro do iluminismo e em particular do kantismo, como medida de si e de todas as coisas, é questionado e relegado. Combate-se a soberania do homem, enquanto sujeito; o homem não é aquilo a partir do qual se organiza o sentido. Ele é mesmo produto de certa prática discursiva – a das ciências humanas, que determina suas condições e possibilidades. É neste contexto de desobstrução discursiva que Foucault decreta a "morte do homem". Trata-se não mais de pensar o homem a partir do próprio homem, senão de examinar os modos de objetivação do sujeito, ou seja, as operações discursivas pelas quais o indivíduo se constitui a si próprio como louco, delinquente, doente e inclusive o autor. A principal consequência desse empreendimento filosófico reside na abertura do pensamento a um novo espaço: o de poder pensar como, em uma cultura como a nossa, se instituem relações de alteridade e se realizam os intercâmbios entre diferença e identidade.2

É neste território que Foucault edificou sua atividade filosófica, a de pensar diferentemente, sacudir os hábitos consolidados, perturbar as familiaridades aceitas, deslocar olhares do centro para a periferia dos saberes, dar ouvido às vozes dissonantes e desconcertantes. Nas inúmeras questões a que se debruçou, passou como um verdadeiro tsunami nos alicerces da sabedoria ocidental, entre os quais a inquietante obsessão intelectual para com as referências ao autor, à autoria, à obra e à escritura. Nossa cultura os considera fragmentos originários cuja reconstrução arqueológica conduz ao percurso que leva do desconhecimento à verdade, da escuridão à luz, do senso comum ao enunciado esclarecedor. O autor é uma referência de autenticidade, uma nomeação que confere fidedignidade ao dizível, chancela de reconhecimento e abertura do olho à leitura. Mas, é também – e mais do que nunca – uma experiência intelectual, uma forma de subjetividade.

Em parte, nossa subjetividade moderna está presa à noção de autor. Em duas oportunidades Foucault abordou a questão. Ao que tudo indica, a primeira vez em um ensaio primoroso, publicado no Bulletin de la Société Française de Philosophie,3 depois um pouco modificado para uma conferência na Universidade de Buffalo, Estado de Nova Iorque (EUA), em 1970.4 A segunda menção encontra-se em sua lição inaugural no Collège de France, pronunciada em dezembro de 1970, intitulada A ordem do discurso.5 Em ambos os textos, Foucault sustenta a tese de que o autor é um efeito do discurso.6 Em ambos, a ideia de autor está vinculada ao tema do sujeito fundador. A lição inaugural, mais concisa no tratamento do tema, remete a questão do autor a um dos procedimentos de controle e de delimitação do discurso. No ensaio, O que é um autor (1969), o tema é explorado com maior densidade, a despeito das advertências iniciais do próprio Foucault de que se tratava de reflexões preliminares.

O propósito deste ensaio é modesto. Primeiramente, busca percorrer os argumentos desenvolvidos por Foucault para sustentar sua tese, situando-os no conjunto das questões tratadas na arqueologia do saber, em especial sua crítica radical ao sujeito da tradição kantiana. Em segundo lugar, procura acompanhar os argumentos que levaram Foucault, tal como anteriormente o fizera, a decretar a morte do autor.

 

A morte do sujeito transcendental e o declínio da verdade

O tema da crítica do sujeito sempre foi um grande divisor de águas entre Foucault e os filósofos que lhe foram contemporâneos. Tema certamente difícil, tratado com aridez em As palavras e as coisas (1966/1967), quase sempre mal compreendido sobretudo quando Foucault, por assim dizer, decreta a morte do sujeito. Não cuido aqui de reconstruir todos os passos teóricos que levaram Foucault à desconstrução do sujeito, não apenas nessa obra como em várias outras. Trata-se de uma operação complexa, consumiria páginas e páginas de demonstração e – o pior – pouco poderia acrescentar ao que já se sabe e ao que sabiamente comentaram sejam seus defensores, sejam seus detratores. O objeto é de fato polêmico e o melhor que se pode fazer neste curto espaço é remeter a algumas referências bibliográficas que melhor mapeiam os termos da questão e, mais do que isto, singularizam sua originalidade e o contexto em que o debate emergiu (Dreyfus e Rabinow, 1984; Owen, 1994). De qualquer modo, vale percorrer em seus delineamentos gerais o aparecimento do homem como sujeito do conhecimento, mesmo que ao custo de empobrecer a riqueza do processo de construção dos argumentos extraídos da arqueologia histórica dos saberes.

As palavras e as coisas tem por subtítulo uma arqueologia das ciências humanas. Construída na esteira do método aplicado à arqueologia do olhar médico (Foucault, 1963/1977), aquela obra tem por objeto o aparecimento do homem no cenário do saber ocidental moderno, território sobre o qual se edificaram as ciências humanas, mais propriamente os saberes7 sobre o homem. Como apontam Dreyfus e Rabinow,

em um primeiro momento, Foucault tentou compreender como a civilização ocidental se esforçava para considerar e apreender o que se apresenta como radicalmente o "outro" no homem; em seguida, ele se voltou para os sistemas de conhecimento de si nascidos da reflexão do pensamento ocidental sobre os aspectos do homem aos quais o pensamento tinha mais facilmente acesso. Pode-se, grosso modo, classificar esses aspectos em três categorias: o social, o indivíduo corporificado e as significações comumente aceitas. Na classificação de Foucault, esses aspectos se transformam no estudo das diferentes disciplinas que se interessaram pelo trabalho, pela vida e pela linguagem. Elas constituem o objeto de seu livro As palavras e as coisas. (Dreyfus e Rabinow, 1984, p. 36)

Portanto, a arqueologia das ciências humanas é uma arqueologia das diferentes disciplinas que pretendem enunciar o acontecimento8 homem no interior das teorias da sociedade, da linguagem e do indivíduo.

O aparecimento desses saberes é uma invenção recente, data de apenas dois séculos. Esse aparecimento se dá em uma ordem epistêmica,9 radicalmente distinta daquela que predominou na era clássica. Nesta, a ordem do saber estava constituída sobre o princípio da semelhança

que orientou em grande parte a exegese e a interpretação dos textos: foi ela que organizou o jogo de símbolos, permitiu o conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de as representar. (Foucault, 1966/1967, p. 34)

Por meio de quatro procedimentos – conveniência, emulação, analogia, simpatia – foi possível estabelecer os nexos das coisas entre si e das coisas com as palavras, entre significante e significado. A linguagem aparecia então com o signo das coisas; conhecer era interpretar.

O conhecimento era caracterizado por uma positividade que percorria e atravessava as coisas, de forma a aproximar tudo com tudo. Daí a similitude entre os quatro elementos: ar, fogo, água e terra; ou a similitude entre as doenças e seus sintomas; ou ainda entre a noz e a morfologia do cérebro. O conhecimento limitava-se a descrever as propriedades essenciais das coisas, razão do privilégio da visão e do visível. Era taxinômico, buscava semelhanças, diferenças e identidades. Repousava no estudo de três classes de fenômenos: a) conhecimento das riquezas (estudo do comércio e da troca); b) conhecimento dos seres vivos (história natural, taxinômica, classificação dos seres vivos em gêneros e espécies); c) estudo das palavras (gramática). Nesta configuração do saber, o lugar do homem era tímido, pois o papel de criador era reservado a Deus. "O papel do homem era explicar a ordem do mundo … O homem explicava, mas não criava: ele não era uma fonte transcendental de significação". (Dreyfus e Rabinow, 1984, p. 40).

Com o ocaso do Renascimento, essa radical correspondência entre linguagem e mundo ficou invalidada. A linguagem deixou de ser considerada como a escritura material das coisas. O signo já não é mais marca, senão instrumento de representação. Diz Foucault,

esta nova disposição implica o aparecimento de um novo problema, até então desconhecido; com efeito, as pessoas perguntavam-se como era possível reconhecer se um signo designava realmente o que significava; a partir do século XVII perguntar

se-á como é que um signo pode estar ligado ao que significa … A profunda interdependência da linguagem e do mundo acha-se desfeita. O primado da escrita é suspenso. Desaparece então essa camada uniforme em que se entrecruzaram indefinidamente o visto e o lido, o visível e o enunciável. As coisas e as palavras vão separar-se. O olho será destinado a ver, e a ver apenas; o ouvido, apenas a ouvir. O discurso terá então por objetivo dizer o que é, mas já não será coisa alguma do que diz. (Foucault, 1966/1967, pp. 67-68)

Com essa mutação, desapareceu a continuidade entre estrutura e caráter (sistema); a inquietação e a curiosidade deslocam-se do visível para o invisível, da superfície para a profundidade, do espaço plano bi-dimensional para o espaço volumoso, tri-dimensional. Esses deslocamentos fomentam o nascimento das ciências empíricas, por meio das quais as riquezas, os seres vivos e as palavras não são mais representações; têm profundidade enquanto trabalho, vida e linguagem. O saber penetra o nível mesmo das coisas. Em decorrência, o homem se transforma em objeto de saber, isto é, ele se torna finito. A finitude do homem significa conhecer tudo sobre o trabalho, sobre a vida, sobre a linguagem, objetos respectivamente de três ciências empíricas: economia, biologia e a filologia. Portanto, o objeto das ciências empíricas é a finitude do homem trabalhando, vivendo, falando. "O objeto do século XIX forma-se ali onde acaba de se calar a plenitude clássica do ser". (Foucault, 1966/1967, p. 175).

O nascimento das ciências empíricas é contemporâneo do nascimento da filosofia moderna que se anuncia em Descartes e alcança seu ápice com Kant. É igualmente contemporâneo da definitiva entrada do homem no domínio do saber ocidental, como aquele sobre o qual se funda todo o conhecimento possível e possibilidade mesma da verdade nesta ordem de saber. Foucault apresenta certamente uma leitura singular do pensamento kantiano. Para ele, Kant, fundador da antropologia filosófica, promoveu a retirada definitiva do saber e do pensamento da teoria geral da representação entre as palavras e as coisas. Ao fazê-lo, não mais haverá correspondência entre sujeito (o que conhece) e o objeto (algo sobre o que se conhece). Em decorrência, o homem emerge como medida de conhecimento, como a possibilidade mesma do saber empírico. Essa démarche filosófica elegerá o estudo das faculdades do conhecimento como ponto de partida. O sujeito dita as regras do conhecimento cuja unidade – o homem – é assegurada pela continuidade e harmonia que percorre do desejo ao conhecer, do instinto ao saber, do corpo à verdade. Sob esta perspectiva, a história da ciência e dos saberes somente pode ser concebida como uma história continuísta e progressista. Trata-se do progresso do sujeito em seu operar ilimitado de saber, em sua busca incessante pela verdade. O homem aparece como sujeito justamente porque se (re)apresenta como sede da razão.

Portanto, "a positividade nova das ciências da vida, da linguagem e da economia está em correspondência com a instauração de uma filosofia transcendental". (Foucault, 1966/1967, p. 321). É nela que reside o homem e seu duplo, como ser empírico e como ser transcendental, como objeto e sujeito do conhecimento. É afinal a partilha entre o empírico e o transcendental que abre espaço para a soberania definitiva do homem no interior do saber. Trata-se, como afirma Foucault, de uma filosofia do mesmo, pois tudo nasce no homem, tudo parte do homem, tudo retorna ao homem. É com essa partilha que se tornou possível também o nascimento, no século XIX, das ciências humanas: sociologia, psicologia e o estudo dos mitos; vale dizer, respectivamente, novas formas de representação: do homem que trabalha, vive e fala. Daí também a razão pela qual uma história arqueológica do homem arrasta, em seu bojo, uma série de consequências epistemológicas e metodológicas, como crítica à continuidade histórica tanto quanto crítica da verdade a que o sujeito do conhecimento tem a pretensão de aceder.

Em lugar da continuidade e do progresso, a história arqueológica sustenta a descontinuidade. Não tem por horizonte o nexo evolutivo entre passado, presente e futuro. Não é retrospectiva, sequer recorrente.

A arqueologia não se propõe tratar como simultâneo o que se dá como sucessivo; não intenta fixar o tempo e substituir seu fluxo de acontecimentos por correlações que desenham uma figura imóvel … É preciso, pois, para constituir uma história arqueológica do discurso, liberar-se de dois modelos que, durante largo tempo sem dúvida, impuseram sua imagem: o modelo linear da palavra (e por uma parte ao menos o da escritura) no qual todos os acontecimentos se sucedem uns aos outros, salvo efeito de coincidência e superposição; e o modelo do fluxo da consciência cujo presente se escapa sempre de si mesmo na abertura de um porvir e na retenção do passado. (Foucault, 1969/1972, pp. 283-284)

A crítica arqueológica de uma história progressista e continuísta traz embutida a problemática da verdade. Desde há muito, esta problemática está encerrada no campo da validação do conhecimento científico. A crítica arqueológica pretende justamente liberar o saber desta exigência. Esse imperativo conduz Foucault a um empreendimento novo, anunciado em A ordem do discurso (1971). Trata-se agora de acoplar à história arqueológica uma história genealógica que procura averiguar não mais como os discursos se constituem, porém porque se constituem. Esse é o momento em que se colocam de modo decisivo as relações entre saber e poder. É o momento em que se impõe uma reflexão voltada para a descoberta dos fundamentos da verdade, mais propriamente a da política do verdadeiro. Em uma das passagens mais conhecidas, Foucault afirma:

cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade; isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (Foucault, 1979, p. 12; Foucault, 1984, t. III, p. 158)

O que é um autor? se move justamente no interior destes eixos: discurso e acontecimento; sujeito, história e verdade. O ensaio radicaliza o projeto arqueológico de uma crítica do humanismo enquanto metafísica da subjetividade. Ele se propõe a percorrer os mecanismos – vale dizer, estratégicas e práticas discursivas – pelos quais chegamos, em nossa cultura, a reconhecer a singularidade e originalidade do gênio criador. O autor é uma invenção, a obra uma ilação, a escritura uma sorte de enunciação da verdade profética. Par a par à morte do sujeito, Foucault parece estar aqui decretando a morte do autor e, mais do que isto, sua marca de distinção: a autoria.

 

O autor, efeito de discurso

Ao iniciar sua conferência na Sociedade Francesa de Filosofia, Foucault adverte a seus interlocutores que o tema a ser apresentado ainda se encontrava sob forma preliminar. É certo que há um pouco de verdade nesta advertência, sobretudo se o texto for comparado com outras produções melhor fundamentadas em copiosas investigações históricas, como nos livros anteriores (1961, 1963 e 1966),10 em alguns ensaios que compõem Dits et Écrits (1984) e mesmo os cursos que vem sendo publicados. No ensaio O que é um autor? há sugestivos insights, pistas de investigação, argumentos surpreendentes, porém falta-lhe um território histórico mais sólido, em torno da análise de obras e autores ou de citações extraídas de fontes documentais.

Ele tampouco carecia de experiência anterior com o tratamento de textos literários. Seu livro Raymond Roussel (1963/1973) havia explorado os poderes ocultos e visíveis da linguagem. Roussel viveu entre a França e a Itália, nas décadas de 1920 e 1930. Participou da geração de escritores malditos daquele período. Habituou-se ao uso frequente de drogas. Escreveu uma obra considerada obscura, embora dotada de linguagem precisa. Em 1933, publica um volume denominado Comment j'ai écrit certains de mes livres. Foucault vislumbrou a possibilidade de encontrar nessa obra o fio condutor da produção literária de Roussel, desde seus escritos de juventude, Nouvelles Impréssions até os escritos maduros como Impréssions d'Afrique. O enigma da obra se tornou ainda mais atraente pois, durante a publicação do livro revelação, naquele ano, Roussel abandona Paris e se dirige a Palermo. Continua a se drogar e a experimentar grande euforia, como se tivesse adquirido um inconfessável gosto pela morte. Procura matar-se ou fazer-se matar. Na manhã em que deveria justamente se submeter a um tratamento de desintoxicação, foi encontrado morto no quarto do hotel onde havia se instalado. Como se verá, essa relação entre o autor e a morte constituirá um dos pontos fundamentais de O que é um autor? Mais do que uma relação material e factual, o que está em jogo são as operações da escrita que decretam o suicídio do autor. Foucault revela, em sua análise arqueológica do texto literário, que a obra que promete ser a chave do esclarecimento é justamente aquela que melhor encerra o segredo da escritura. É ela mesma autora de sua liquidação. Como afirma Foucault,

Comment j'ai écrit certains de mes livres oculta tanto e mais do que descobre a revelação prometida … A promessa da chave, a partir da formulação que a entrega, esquiva o que promete, ou melhor a translada para além do que ela mesma pode liberar – a uma interrogação que alcança na totalidade a linguagem de Roussel. (Foucault, 1963/1973, p. 15)

Portanto, a advertência inicial não se explica por carência de experiência com o texto literário. A advertência parece ter outro objetivo e mesmo significado. Foucault não estava falando para uma plateia de pessoas comuns, pouco afeitas à história do pensamento filosófico. Estava na sede da mais importante associação francesa de filosofia com suas convenções e hábitos intelectuais herdados de tempos imemoriais. O que pretendia com essa advertência era justamente antecipar o estupor que certamente se abateria sobre os presentes. Afinal, o autor e sua obra não seriam, eles mesmos, a prima facie do pensamento filosófico, desde suas raízes na antiguidade clássica greco-romana? Não foram os grandes poetas e teatrólogos os que inauguraram a possibilidade mesma de um pensamento distinto do senso comum? Pois, com a conferência O que é um autor? Foucault pretendeu atacar um dos mais sólidos alicerces da tradição ocidental do pensamento filosófico e literário:11 a quimera da origem,

a história ensina também a rir das solenidades de origem … gosta-se de acreditar que as coisas em seu início se encontravam em estado de perfeição; que elas saíram brilhantes das mãos do criador, ou na luz sem sombra da primeira manhã. A origem está sempre antes da queda, antes do corpo, antes do mundo e do tempo; ela está ao lado dos deuses, e para narrá-la se canta sempre uma teogonia. (Foucault, 1979, p. 18; 1984, t. II, p. 139)

Foucault sabe que vai chocar tanto quanto por ocasião da decretação da morte do sujeito. Por isso, como uma espécie de atitude preventiva, prepara o terreno adversário, afirmando

creio – sem estar de resto muito seguro – que é da tradição trazer a esta Sociedade de Filosofia o resultado de trabalhos já acabados, para os propor à vossa apreciação e à vossa crítica. Infelizmente, receio que o que os trago hoje seja demasiado insignificante para merecer a vossa atenção: é um projeto que gostaria de submeter à vossa opinião, um ensaio de análise de que ainda mal entrevejo as grandes linhas; … (Foucault, 1992, p. 30)

Pede compreensão para as incertezas e o silêncio, "lugar primeiro do discurso" de que poderá se valer diante de questões para as quais não tivesse respostas satisfatórias.

A advertência não se resume à "ausência de uma voz indispensável", todavia tem por alvo igualmente reconhecer críticas que recebeu por ocasião da publicação de As palavras e as coisas. Nesta obra, diz ele,

tinha tentado analisar massas verbais, espécie de tecidos discursivos que não eram escondidos pelas unidades habituais do livro, da obra e do autor. (Foucault, 1969/1992, p. 31).

Por um lado, falava em grandes campos discursivos, como a história natural, a análise das riquezas, o estudo da gramática, a economia política mas, não situava escolas e correntes de pensamento distintas no interior desses campos. Por outro, pinçava aqui e acolá nomes de autores, como Buffon e Curvier (além de Condillac e Marx) como se pretendesse identificar uma originalidade nesses autores, sem que algum critério razoável fosse explicitado.

De fato, não apenas nessa obra como nas anteriores, essas transgressões são frequentes. Perfilando as regras da análise arqueológica, em especial o princípio da descontinuidade, é frequente que a menção aos autores e obras fundadoras seja ignorada ou, quando muito, matizada. Embora, em grande parte de sua obra, ao menos desde a História da loucura (1961/2010) até Vigiar e punir (1975/1977b), ele recorra sempre às grandes cesuras históricas – renascimento, era clássica e era moderna – e conquanto, em suas pesquisas históricas ele buscasse precisar os fatos no tempo, nunca se sentiu constrangido a reordenar o tecido histórico, a descobrir proximidades e distâncias entre arquivos discursivos nascidos em tempos distintos ou pertencentes a eras ultrapassadas sempre com o propósito de reconstruir a ordem do discurso. A provocativa relação que buscou estabelecer entre a confissão católica e a escuta psicanalítica demonstra claramente sua ausência de pudor no que concerne a tais transgressões. Assim, para ele,

o problema não consistia em descrever Buffon ou Marx, nem em restituir o que eles haviam dito ou querido dizer: procurava simplesmente encontrar as regras pelas quais eles tinham formado um certo número de conceitos ou de teorias que se podem encontrar em suas obras. (Foucault, 1969/1992, p. 32)

Feitas estas ressalvas, ele parte de algumas questões emprestadas de Samuel Beckett: "que importa quem fala, disse alguém, que importa quem fala". Esse ponto de partida parece ter sido o grande leitmotiv do texto. Tudo sempre retorna a ele. O objeto do ensaio é percorrer as diferentes funções que o autor e a obra desempenham no interior dos discursos de verdade. Segundo Foucault, nossas convenções científicas e acadêmicas elegem o autor e a obra como momentos singulares da individualização na história das ideias e do pensamento. Quaisquer outros recortes ou classificações, como o gênero literário ou a escola de pensamento, tem menor peso e significação. Portanto, é preciso desconstruir essa centralidade e individualidade. Foucault está menos preocupado em explicar a genealogia do autor e da obra, contudo explicar como tais categorizações vieram a se constituir em cânones da análise da ciência ou dos saberes. É o que se ensina nas escolas; compreender a evolução (com todas as reticências que este conceito traz subjacente) requer referência ao autor e à obra original. Não sem razão, a centralidade e individualidade de ambos estão atreladas às solenidades de origem. Essa perspectiva explica também o descarte, logo de início, de uma derivação para a análise histórico-sociológica da personagem autor.12

Quais as funções que desempenham autor e obra? Primeiramente, reportando-se à frase de Beckett, reconhece que a escrita contemporânea libertou-se do problema da expressão. Essa libertação toma a forma de independência em relação ao encerramento no quarto obscuro da interioridade, com isto querendo dizer que "a escrita hoje é um jogo ordenado de signos que se deve menos ao seu conteúdo significativo do que à própria natureza do significante" (Foucault, 1992, p. 35). Em outras palavras, presentemente, autor e obra não podem mais ser concebidos como monumentos a serem decifrados a partir de mecanismos capazes de lhes auscultar suas profundezas e trazer suas verdades à superfície do entendimento e da compreensão. Não é mais o caso de apelar à hermenêutica ou ao comentário13 para aceder ao seu sentido último.

O segundo tema já foi anteriormente mencionado. Diz respeito à proximidade que Foucault estabelece entre a escrita, um dos atributos do autor, e a morte. Diz ele, a respeito: trata-se de um tema milenar, que se reporta à antiguidade clássica greco-romana. Na epopeia greco-romana, a escrita cuidava de preservar a imortalidade dos heróis. Mas,

a nossa cultura metamorfoseou este tema da narrativa ou da escrita destinadas a conjurar a morte; a escrita está agora ligada ao sacrifício da própria vida; apagamento voluntário que não tem de ser representado nos livros, já que se cumpre na própria existência do escritor. A obra que tinha o dever de conferir a imortalidade passou a ter o direito de matar, de ser a assassina de seu autor. (Foucault, 1969/1992, p. 36; 1984, t. I, p. 793)

Esse é indubitavelmente um argumento forte que se reporta à morte do sujeito decretada nas páginas finais de As palavras e as coisas. Vejamos:

Em nossos dias, e uma vez mais Nietzsche indica de longe o ponto de inflexão, não é tanto a ausência ou a morte de Deus que é afirmada como o fim do homem … descobre-se então que a morte de Deus e o último homem estão indissoluvelmente ligados … (Foucault, 1966/1967, p. 499)

E mais:

hoje em dia, o fato de a filosofia estar sempre e ainda em vias de acabar e o fato de nela talvez, mas mais ainda fora dela e contra ela, na literatura como na reflexão formal, se pôr a questão da linguagem, provam indubitavelmente que o homem está em vias de desaparecer. (Foucault, 1966/1967, p. 500)

Daí porque a escrita contemporânea não deixe rastros e promova o apagamento das características individuais do sujeito que escreve.

Ainda assim, o desaparecimento do autor está bloqueado pela vigência de três noções que operam o discurso científico e literário. Foucault destaca três noções: a obra, a escrita, o nome do autor. Primeiramente, o que é uma obra? De início, é o que escreveu o que nomeamos como autor. Será que tudo o que um autor escreveu pode ser enfeixado em uma obra? Como integrar na obra tanto os escritos reconhecidos, prefaciados, reconhecimentos pela crítica, quanto os papéis avulsos, tais como correspondências pessoais, notas fiscais, diários de contabilidade, cadernos de anotações pessoais que reúnem quer observações necessárias à escrita literária quanto endereços de residências, de telefones, de emails? "Como definir uma obra entre milhões de vestígios deixados por alguém depois da morte?" (Foucault, 1969/1992, p. 38). Dito de outro modo, a obra é uma construção discursiva que depende da intervenção de forças externas à obra e ao autor, entre as quais o papel do historiador de ciência e literatura, da crítica especializada, da recepção do público leitor, das tendências do mercado editorial, dos modismos de época e, por que não, do próprio acaso. Ela não diz necessariamente respeito à qualidade dos escritos que a enfeixam, ao seu impacto social e estético, à sua unidade interna ou integralidade imanente, ou ainda sua originalidade frente ao tempo passado ou presente. O obra pode ser resultado do conjunto de todas essas forças, da ação decisiva de uma delas ou de nenhuma delas em particular. Por isso, a obra também está igualmente condenada ao desaparecimento precoce, salvo se mecanismos discursivos a inventarem incessantemente, por exemplo, nos cursos acadêmicos.

Noção não menos perturbadora é, em segundo lugar, a de escrita. Segundo Foucault, em nossos dias, a escrita poderia prescindir do autor e ao mesmo tempo essa condição lhe conferiria um estatuto próprio. Porém, ela permanece presa aos caracteres empíricos do autor, como se fossem inseparáveis e referidos um ao outro, conquanto essa dependência apareça matizada por duas modalidades de escrita: a crítica e a religiosa. Ambas remetem ao velho problema das origens, mais propriamente das matrizes originais da crítica e da escritura religiosa. Foucault encontra um fundamento religioso na escritura crítica.

Com efeito, atribuir à crítica um estatuto originário, não será uma maneira de retraduzir em termos transcendentais, por um lado, a afirmação teológica do seu caráter sagrado e, por outro lado, a afirmação crítica de seu caráter criador? (Foucault, 1969/1992, p. 40)

Entre a crítica e a escrita religiosa há inúmeros pontos em comum: a busca do sentido oculto que supõe interpretação e comentário; a preservação da tradição; o princípio estético da sobrevivência da obra para além de sua morte e de seu autor. Enfim, a crítica tem sentido profético, anunciador dos novos tempos, aponta para o devir de forma que contribui para bloquear o desaparecimento do autor. Nas palavras de Foucault, "o desaparecimento do autor, que desde Mallarmé é um acontecimento incessante, encontra-se submetido à clausura transcendental" (Foucault, 1969/1992, p. 41). Daí não basta anunciar a morte do autor, contemporânea da morte de Deus e do homem; é preciso

localizar o espaço deixado vazio pelo desaparecimento do autor, seguir de perto a repartição das lacunas e das fissuras e perscrutar os espaços, as funções livres que esse desaparecimento deixa em aberto. (Foucault, 1969/1992, p. 41)

Por fim, o que é o nome do autor? Como funciona? Antes de mais nada, é um nome próprio, singular, embora não tenha significação pura e simples. "É mais do que uma indicação, um gesto, um dedo apontado para alguém; em certa medida, é o equivalente a uma descrição". (Foucault, 1969/1992, p. 44). Convém observar que Foucault estabelece uma sorte de equivalência entre o nome próprio (voltado para a descrição de quem quer seja) e o nome do autor (capaz de promover a designação daquele que promove a escrita). O nome do autor tem um papel determinado: o de

reagrupar um certo número de textos, delimitá-los, selecioná-los, opô-los a outros textos. Além disso, o nome do autor faz com que os textos se relacionem entre si … (Foucault, 1969/1992, pp. 44-45)

Diríamos que o nome do autor confere identidade à obra e à escrita. Ele identifica sua atribuída unidade, impede que os papéis se despedacem em fragmentos, garante nomeação à autoria.

A partir dessas três noções é possível entender o que é um autor. Nascido na transição do século XVIII para o XIX, na esteira do ato de escrever como tipicamente transgressor e no domínio das regras de propriedade intelectual impostas pelo mercado consumidor de bens simbólicos, como são os produtos artísticos, o autor é o que

permite explicar tanto a presença de certos acontecimentos numa obra como as suas transformações, as suas deformações, as suas modificações diversas … (Foucault, 1969/1992, p. 53)

Além do mais, o autor confere unidade à obra, faculta dissipar contradições internas, é fonte de expressão. De fato, ao longo do ensaio, o filósofo francês sugere (talvez mais do que o demonstre) os mecanismos através dos quais – em nossa cultura ocidental moderna, mais propriamente no texto literário e científico – autor, escrita e obra adquiram a função primordial de fazer circular a verdade estabelecida em determinada época, em um campo discursivo determinado. O autor é justamente o eixo que articula discursos, confere-lhes legitimidade, atribui-se-lhes uma certa unidade de escrita. Se a função do autor é produzir efeitos discursivos (de interdição e controle) e sobretudo conferir legitimidade (vale dizer, validar enunciados), o autor está então tão condenado à morte quanto o sujeito que o suporta. Não existe o autor, senão um complexo de "instaurações discursivas", entre as quais literárias e científicas. O autor é uma ilação, que tem funções determinadas, entre as quais a de instaurar a escrita que, em nossa contemporaneidade, tem por função não a de assegurar a imortalidade, porém a de rememorar (pois é disto que se trata, a de reavivar) o sacrifício.

 

Referências

Adorno, S. (1994). Introdução. In S. Adorno, Escritos, Michel Foucault. (pp. vii-xi). São Paulo: Departamento de Sociologia, FFLCH/USP.         [ Links ]

Adorno, S. (2000). Dor e sofrimento: presenças ou ausências na obra de Foucault? Michel Foucault. Histórias e destinos de um pensamento. Cadernos da F.F.C., 9 (1), 11-33.         [ Links ]

Cardoso, I. A. R. (1995). Foucault e a noção de acontecimento. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, 7 (1-2), 53-66.         [ Links ]

Dreyfus, H. e Rabinow, P. E. (1984). Michel Foucault. Un parcours philosophique. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Ewald, F. (1997). Foucault et l'actualité. In Au risqué de Foucault. Textes réunis par Dominique Franche et alli. Paris: Centre Michel Foucault, Centre Georges Pompidou.         [ Links ]

Foucault, M. (1967). As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1966)        [ Links ]

Foucault, M. (1969). Qu'est-ce qu'un auteur? Bulletin de la Société Française de Philosophie, 63 année, no. 3, juillet-septembre, 1969, pp. 74-104. (Société Française de Philosophie, 22 février 1969; débat avec M. de Gandillac, L. Goldmann, J. Lacan, J. d'Ormesson, J. Ultimo, J. Wahl)        [ Links ]

Foucault, M. (1971). L'ordre du discours. Leçon inaugurale au Collège de France prononcée le 2 décembre 1970. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1972). Arqueologia del saber. (2a ed.). México: SigloVeintiuno. (Trabalho original publicado em 1969)        [ Links ]

Foucault, M. (1973). Raymond Roussel. Buenos Aires: SigloVeintiuno. (Trabalho original publicado em 1963)        [ Links ]

Foucault, M. (1977a). O nascimento da clínica. Uma arqueologia do olhar médico. Rio de Janeiro: Forense. (Trabalho original publicado em 1963)        [ Links ]

Foucault, M. (1977b) Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em 1975)        [ Links ]

Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal.         [ Links ]

Foucault, M. (1984). Dits et écrits. Paris: Gallimard, t. I, II e III.         [ Links ]

Foucault, M. (1992). O que é um autor? (3a ed.). Lisboa: Veja, 168p. (col. Passagens). (Trabalho original publicado em 1969)        [ Links ]

Foucault, M. (2010). História da loucura. São Paulo: Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1961)        [ Links ]

Frank, M. (1989). Sur le concept de discours chez Foucault. In Michel Foucault philosophe. Rencontre internationale. Paris 9, 10, 11 janvier 1988. Paris: Seuil.         [ Links ]

Gutting, G. (1989). Michel Foucault's archeology of scientific reason. Cambridge: Cambridge University Press.         [ Links ]

Rabinow, P. (Ed.) (1984). The Foucault Reader. London: Penguin Books.         [ Links ]

Owen, D. (1994). Maturity & modernity. Nietzsche, Weber, Foucault and the ambivalence of reason. London and New York: Routledge.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Sérgio Adorno
Av. Prof. Almeida Prado, 520 – Cidade Universitária
05008-070 São Paulo SP
www.nevusp.org
E-mail: sergioadorno@gmail.com

Recebido em: 10/6/2012
Aceito em: 27/6/2012

 

 

1 Professor titular de Sociologia (FFLCH/USP) e Coordenador científico do NEV (Núcleo de Estudos da Violência USP).
2 Estes parágrafos iniciais foram extraídos e adaptados de Adorno, S. Introdução, in Escritos, Michel Foucault. São Paulo: Departamento de Sociologia, FFLCH/USP, 1994, pp. vii-xi.
3 Qu'est-ce qu'un auteur? Bulletin de la Société Française de Philosophie, 63 année, no. 3, juilletseptembre, 1969, pp. 74-104. (Société Française de Philosophie, 22 février 1969 ; débat avec M. de Gandillac, L. Goldmann, J. Lacan, J. d'Ormesson, J. Ultimo, J. Wahl). Posteriormente, Foucault autorizou a republicação desta versão na revista de Psicanálise Littoral (no. 9, junho de 1983). Ver Foucault (1994, v. I, pp. 789-821). Ver também: Foucault, M. O que é um autor? (3a ed.). Lisboa: Veja, 1992, 168p. (col. Passagens).
4 Na conferência de Buffalo, Foucault leu uma versão alterada do texto original. Embora baseada na sessão original da Sociedade Francesa de Filosofia, é mais conciso, adensa certas questões. Nesta conferência estão excluídas as intervenções dos filósofos presentes naquela sessão de debate. O texto foi publicado em Textual Strategies: Perspectives in post-structuralist criticismo editado por J. Harari, pp. 141-160 (Methuen&CoLtd). Posteriormente incluído em Paul Rabinow, (ed.) The Foucault Reader. London, Penguin Books, 1984, pp. 101-120.
5 Foucault, M. L'ordre du discours. Leçon inaugurale au Collège de France prononcée le 2 décembre 1970. Paris, Gallimard, 1971. Trata-se da conferência que pronunciou ao assumir a Cátedra de História do Pensamento, que pertencera a Jean Hyppolite e que logo Foucault converteria em Cátedra de História dos Sistemas de Pensamento.
6 Foucault frequentemente identificou discursos como acontecimentos linguísticos. Nas Palavras e as coisas ele definiu discurso como um conjunto de signos verbais que se manifestam sob uma ordem simbólica determinada. "Durante toda a idade clássica a linguagem foi formulada e refletida como discurso, quer dizer, como análise espontânea da representação" (Foucault, 1966/1967, p. 306). N'Arqueologia do saber (1969/1972), refere-se aos discursos como um conjunto de enunciados, que podem pertencer a campos os mais distintos e que obedecem a regras determinadas de produção, circulação, distribuição, partilha e disseminação de objetos e conceitos, segundo estratégias e procedimentos determinados. Em L'ordre du discours (1971), ele se concentra em alguns desses procedimentos: os de exclusão (como o interdito, a partilha entre razão e desrazão, a oposição entre o verdadeiro e o falso), os de acontecimento e acaso (que incluem o comentário, o autor e a organização das disciplinas), e os de rarefação cujas principais estratégias repousam no ritual, na "sociedade de discursos" e em sua apropriação social. Todos esses procedimentos remetem à ideia de um sujeito originário e fundador. Para uma análise do conceito de discurso em Foucault, em especial suas proximidades e distâncias para com o estruturalismo ver Frank (1989).
7 Convém lembrar as distinções que Foucault faz entre ciência – construída em torno do problema epistemológico da verdade – e os saberes, "este conjunto de elementos formados de maneira regular por uma prática discursiva e que são indispensáveis à constituição de uma ciência, ainda que não estejam necessariamente destinados a lhe dar lugar (...) um saber é também um espaço no qual o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que trata em seu discurso..." (Foucault, 1969/1972, p. 306).
8 "É preciso entender por acontecimento não uma decisão, um tratado, um reino, ou uma batalha, mas uma relação de forças que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado contra seus utilizadores, uma dominação que se enfraquece, se distende, se envenena e uma outra que faz sua entrada mascarada". (Foucault, 1971/1979, p. 28 e 1984, t. II, p. 148). Esse texto data da mesma época d'A ordem do discurso, portanto já direcionado para a transição da arqueologia para a genealogia. De qualquer modo, o acontecimento modernoé por excelência a entrada do homem na ordem do saber ocidental. Ver também a respeito Cardoso (1995) e Ewald (1997).
9 Segundo Foucault, o pensamento se move entre dois extremos. Em um deles, há os códigos fundamentais de uma cultura – "aqueles que regem a sua linguagem, os esquemas perceptivos, as suas permutas, as suas técnicas, os seus valores, a hierarquia de suas práticas" (Foucault, 1966/1967, p. 8), os quais fixam para o homem as ordens empíricas com que ele terá de lidar. No outro extremo, estão as teorias científicas e as interpretações que explicam por que há uma ordem, quais suas leis gerais. Mas, há também um domínio intermediário, mais confuso e mais obscuro, que se distancia progressivamente das ordens empíricas e faz desaparecer sua transparência inicial. É justamente esse domínio intermediário que Foucault nomeia de episteme, uma espécie de a-priori histórico dos discursos. Na idade moderna a episteme é ditada pela emergência do homem no interior dos saberes e dos discursos filosóficos e científicos. Ver (Foucault, 1966/1967, pp. 8-9).
10 Histoire de la folie à l'âge classique (1961); Naissance de la Clinique (1963); Les mots et les choses (1966).
11 Neste ensaio, é frequente que Foucault procure alcançar na categoria autor e obra tanto os textos literários, quanto filosóficos e científicos. Em algumas passagens, ele faz distinções, indicando que algumas estratégias discursivas funcionam de certo modo nos textos literários e de modo distinto nos textos científicos. Porém, o ensaio é construído em grande medida tendo por referência não explícita os textos literários.
12 Certamente, esta advertência tinha um endereço certo. Entre os presentes, estava o filósofo Lucien Goldmann, que dedicou parte de sua obra à análise sociológica da literatura.
13 Em O nascimento da clínica (1963/1977a), Foucault critica abertamente a noção de comentário, recorrente na hermenêutica. "Por comentário, é necessário compreender por sua vez a pesquisa do fundamento ontológico que se dissimula atrás dos discursos e todas as tentativas para restaurar a inteligibilidade perdida de uma disciplina que era considerada como séria em uma outra época". (Dreyfys e Rabinow, 1984, p. 32).