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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.45 no.82 São Paulo jun. 2012

 

ARTIGOS NÃO TEMÁTICOS

 

Das Unheimliche no corpo: reflexões a partir da crise pseudoepiléptica1

 

Das Unheimliche in the body: reflections based on non-epileptic seizures

 

Das Unheimliche en el cuerpo: reflexiones a partir de las crisis pseudo epilépticas

 

 

Berta Hoffmann Azevedo2

Instituto de Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP
Faculdade de Psicologia da Universidade São Marcos

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho trata da sensação de inquietante estranhamento referida por pacientes diagnosticados com crises pseudoepilépticas em relação ao seu corpo. Aproveitando-se dos estudos de Freud a propósito do Unheimliche no campo da estética, o trabalho aborda o conceito em seu potencial clínico e apresenta um fragmento de caso em que tal sentimento está presente e é valorizado em análise. O caso clínico apresenta tanto o conceito de Unheimliche funcionando clinicamente, quanto a clínica da histeria, ainda viva em suas manifestações mais espetaculares.

Palavras-chave: Pseudoepilepsia, Unheimlich, Psicanálise.


ABSTRACT

This paper is about the uncanny feeling about their own body, referred to by patients diagnosed with non-epileptic seizures. Based on Freud's studies of the Unheimliche on the aesthetic field, this paper brings the concept of its clinical potential and presents a fragment of a case in which such felling is presented and analyzed. The clinical case presents both the concept of the Unheimliche working clinically and the hysteria, still alive in its most spectaculars manifestations.

Keywords: Non-epileptic seizures, Unheimlich, Psychoanalysis.


RESUMEN

El trabajo trata de la sensación de inquietante extrañeza narrada por los pacientes diagnosticados con crisis pseudo-epilépticas en relación a su cuerpo. Partiendo de los estudios de Freud, a propósito de lo Unheimliche en el campo de la estética, el trabajo aborda el concepto en su potencial clínico y presenta un fragmento de caso en que tal sentimiento está presente y es valorizado en el análisis. El caso clínico escogido presenta tanto el concepto de Unheimliche en su aplicación clínica, cuanto la clínica de la histeria, aún viva en sus manifestaciones más espectaculares.

Palabras clave: Pseudo-epilepsia, Unheimlich, Psicoanálisis.


 

 

Em uma viagem de trem, Sigmund Freud se viu surpreendido por uma experiência estranha. Após uma sacudida mais violenta, a porta que se comunicava com o toalete se abriu e ele viu entrar em sua cabine um senhor desconhecido, vestido com roupão e gorro. Supôs que, ao sair do banheiro, o ancião se havia equivocado, dirigindo-se à cabine alheia. Qual não foi sua surpresa quando, ao levantar-se para adverti-lo, Freud percebeu que o estranho em questão era sua própria imagem refletida na porta da cabine.3

Após anos tratando de sua epilepsia, Flora é encaminhada para o exame de vídeo-EEG, por meio do qual os médicos buscavam uma explicação para a falta de sucesso dos tratamentos. Apesar dos anticonvulsivantes administrados diariamente, as crises convulsivas continuavam a ser frequentes no dia a dia da jovem. Com o resultado do exame, a paciente recebe a notícia de que não há nenhuma explicação neurológica para as diárias manifestações convulsivas que tantas restrições lhe trazem há 14 anos. É preciso buscar outra explicação.

Cada um a sua maneira, Freud e Flora experimentaram uma sensação que o pai da Psicanálise nomeou como Unheimliche. Em seu texto, Freud (1919/2003c) dedica-se a compreender as circunstâncias propiciadoras de tal sentimento.

Para dar início a sua pesquisa, recorre aos dicionários, na busca pelos significados da palavra. No alemão, a forma adjetiva unheimlich mostra-se claramente oposta a heimlich, pelo prefixo un, que designa negação. Isso, entretanto, não é suficiente para clarear o sentido da palavra, já que o termo heimlich carrega consigo uma ambivalência. O uso mais comum de heimlich é o de familiar, íntimo, doméstico, o que daria a seu oposto o sentido de não familiar, desconhecido. Todavia, Freud tem a intenção de ir além da equação estranho = não-familiar, uma vez que nem tudo que é novo causa estranheza.

Ele encontra, então, o segundo sentido de heimlich: manter algo clandestino, ocultá-lo. Entre os exemplos do oposto deste segundo significado, Freud encontra uma frase de Schelling que o deixa intrigado: "Unheimlich é o nome de tudo o que deveria ter permanecido secreto, oculto … mas veio à luz" (Freud, 1919/2003c, p. 224).

Neste ponto, Freud percebe que a palavra heimlich pertence a dois grupos de representações que, apesar de não serem diametralmente opostas, são muito afastadas – "familiar, agradável" e "clandestino, oculto" – e que, entre as múltiplas formas de seu significado, existe também uma que coincide com o seu oposto unheimlich. A frase de Schelling seria o exemplo do uso dito incomum do unheimlich, como oposto do segundo sentido.

Freud (1919/2003c) tem, a propósito do Unheimliche, como único interlocutor na literatura médico-psicológica Ernst Jentsch (1906, cf. Freud, 1919/2003c), quem Freud considera ter contribuído para a compreensão do fenômeno. É com esse autor que Freud discutirá a origem desse sentimento, buscando ir além do que ele já havia proposto. Jentsch destacou como exemplo de causa de Unheimliche a dúvida sobre se algo é vivo ou inanimado, e aponta E. T. A. Hoffmann4 - um dos pilares da literatura romântica alemã - como hábil na arte de produzir esses efeitos em seus contos.

Para exemplificar tal fenômeno, Jentsch estuda o conto de Hoffmann (1817/2010) intitulado "O homem da areia". Nele, Natanael, principal personagem do conto, se vê atormentado por reencontrar na juventude um dos fantasmas de sua infância. Quando criança, ouvia da babá histórias sobre o Homem da Areia, que jogava areia nos olhos das crianças para, então, roubar-lhe os olhos. Em sua fantasia, esse era o homem que visitava seu pai algumas noites em seu escritório. Decidido a conhecer seu rosto, Natanael esconde-se no escritório do pai e reconhece no homem o sinistro rosto do advogado Copellius, que costumava jantar em sua casa. Assim que o viu, o homem o assustou com a ameaça de que lhe tiraria os olhos. Tempos depois, após uma visita noturna de Copellius, seu pai foi encontrado morto, vítima de uma explosão. Já mais velho, Natanael pensa ter reencontrado Copellius, agora respondendo pelo nome de Coppola, um vendedor de óculos itinerante. Nessa mesma época, Natanael se apaixona por Olímpia, moça que avistava de sua janela. A suspeita sobre a verdadeira identidade de Coppola ganha caráter de certeza ameaçadora quando Natanael descobre que a bela mulher por quem se apaixonara não era humana, mas um autômato, uma boneca, cujos olhos foram colocados por Coppola.

Para Jentsch, o principal artifício causador da sensação de Unheimliche no conto está na boneca Olímpia, que, enganosamente, parecia animada. A Freud não restam dúvidas de que o estranhamento nesse conto se deve ao Homem da Areia e à representação de perder os olhos, relacionada intimamente à angústia de castração. Ele passa a recorrer, para o esclarecimento do Unheimliche do Homem de Areia, a fatores infantis, ensaiando essa mesma derivação para os demais casos de vivência da estranheza.

Nessa tarefa, Freud (1919/2003c) escolhe outra história de Hoffmann, desta vez "O elixir do Diabo", e destaca os mais salientes motivos do efeito unheimlich, a fim de verificar se derivam de fontes infantis: a presença de duplos, a telepatia, a identificação com outra pessoa a ponto de equivocar-se sobre o próprio eu e o permanente retorno do igual na repetição.

Com respeito ao duplo, Freud se aproveita do texto de Otto Rank de mesmo nome para abordar a transformação que ocorre até chegar ao efeito estranho. Rank estuda a relação do duplo com a sombra, a própria imagem refletida, os espíritos guardiões, a crença na alma imortal e o medo da morte. Para ele, a sombra e o reflexo teriam sido a forma de representação da alma, e a alma imortal teria sido o primeiro duplo do corpo. Ele entende o duplo como enérgica desmentida do poder da morte, o duplo sendo um recurso para defender-se do aniquilamento.

Freud procura entender como algo destinado a desmentir o poder da morte passaria a ser causador de sensação de estranheza e medo. Ele garante que essas representações nasceram sobre o terreno do narcisismo primário e, com a superação dessa fase, o duplo passa de um seguro de sobrevivência para o unheimlich anunciador da morte.

Freud (1919/2003c) afirma que a motivação manifesta da figura de um duplo não permite compreender o alto grau de Unheimliche a ele aderido, já que nada de seu conteúdo mais superficial pode explicar o empenho defensivo do eu que o projeta fora de si como algo alheio. O caráter estranho somente pode estar no fato de o duplo ser uma formação oriunda das épocas primordiais da vida psíquica, já superadas.

Além do duplo, o fator da repetição do igual, sob certas condições e combinado a determinadas circunstâncias, é apontado por Freud como fonte do sentimento de Unheimliche. A repetição não deliberada torna estranho o que, em si, seria inofensivo, como quando, num curto espaço de tempo, somos confrontados com um mesmo número em diferentes situações, tendo a impressão de que tal número teria algum significado secreto.

Na busca por compreender a hipótese da origem infantil sobre o que causa a sensação de estranho, Freud dá exemplos de pressentimentos, ou o do caso em que o paciente obsessivo conhecido como o Homem dos Ratos, após desejar a morte do ancião que habitava o quarto cobiçado para si, recebeu com estranhamento a notícia de seu falecimento quatorze dias depois. Esses exemplos, Freud os reúne como dependendo do que chamou de onipotência de pensamento, e afirma que a análise dos casos de Unheimliche nos reconduz à antiga concepção do mundo do animismo. Para ele, é como se tudo o que hoje nos parece estranho cumprisse a condição de tocar os restos de atividades animistas.

A descoberta de que o que se repete nos diferentes casos de Unheimliche são fatores de natureza infantil levam Freud a formular duas conclusões. A primeira delas é a de que a natureza secreta do Unheimliche está em ser um material recalcado que retorna. A segunda, que é derivada desta, é a de que com essa natureza é possível entender que os usos da língua façam heimlich passar para o seu oposto unheimlich, porque o estranho deste último não é algo efetivamente novo ou alheio, mas antes conhecido e antigo, que havia sido afastado da consciência pelo processo de recalcamento. Essa constatação permite dar um novo sentido à frase de Schelling que trata unheimlich como aquilo que deveria ter permanecido oculto, mas apareceu.

Tendo em vista essas considerações, opto por adotar como expressão equivalente no português um termo já utilizado em linguagem corrente que contempla os dois aspectos que compõem o sentimento de Unheimliche: estranhamente familiar.

Tomando essa expressão como unheimlich, fica explícito que existem duas vertentes que correm em paralelo, simultaneamente: o familiar e o desconhecido. Na fala do paciente surge em primeiro plano o que é da ordem do externo, alheio a ele, faltando-lhe a percepção do familiar. O papel do analista é de, partindo do que é alheio, aproximar o paciente do que é familiar.

 

O Unheimliche na pseudoepilepsia

Na experiência de escuta junto a pacientes diagnosticados com crises pseudoepilépticas, a queixa de Flora não se mostra rara. Ela traz uma sensação comumente relatada por aqueles que, de uma hora para a outra, perdem toda e qualquer explicação para o que se passa em seu corpo. Falam de uma estranheza que se instala ao perceberem este corpo, ao mesmo tempo tão conhecido e familiar, tornar-se intensamente desconhecido. A falta de controle corporal e as notícias sobre as crises de que pouco ou nada sabem tornam ameaçador aquilo que têm de mais íntimo.

Enquanto dissociado, o fenômeno terá sua explicação buscada na exterioridade. A cultura atual conta, para isso, com dois apelos principais: a Medicina e a Religião. Aqueles que tomam um caminho na busca por esclarecimentos médicos muitas vezes não excluem a procura pelo outro campo, ou podem vir a lançar mão dele quando as explicações do primeiro passarem a não dar conta do problema.

Na pseudoepilepsia, a recorrência das crises e os erros diagnósticos fazem com que muitos pacientes sejam tratados durante anos como epilépticos. A notícia da inexistência de alterações no eletroencefalograma que justifiquem as crises apresentadas recoloca a pergunta: o que acontece no meu corpo? A frustração com a falta de explicações médicas abre a possibilidade da pergunta ser endereçada a si. Mas nem sempre é esse o movimento observado.

Minha experiência se restringe a pacientes que, assim que receberam o diagnóstico de crise pseudoepiléptica , foram incentivados pelo médico a buscar uma intervenção psicanalítica,5 já que possivelmente a questão seria psíquica. Mesmo com essa sugestão, a chegada desses pacientes vem acompanhada da dúvida sobre a possível implicação deles no fenômeno: "Por que eu iria querer ficar doente? Não faz sentido!" O trabalho inicial parece ser o de receber essa sensação de Unheimliche e analisá-la para que, com a fala, o sintoma possa ser historicizado e passível de ser incorporado como seu.

As queixas costumam abordar a estranheza causada por não saber o que esperar de seu próprio corpo. Passam a desconhecer aquilo que sentem como mais próprio. O corpo ganha vida e é falado na terceira pessoa, como não sendo parte bem integrada de si naquele momento: "o corpo". Trata-se da sensação estranha de ver uma certa autonomia em algo que esperariam estar integrado com a sua vontade.

Julia Kristeva (1994), psicanalista que se dedicou ao tema do Unheimliche em seu livro Estrangeiro para nós mesmos, sublinha a relação entre a angústia e o sobrenatural, que levaria o sujeito a uma certa despersonalização. O sobrenatural seria primeiramente choque, espanto, coisa insólita – a qual, mesmo quando se reúne à angústia, preserva esse aspecto de infortúnio que conduz o ego para além da angústia até a despersonalização.

Apesar de não estarmos tratando de casos de psicose, já que o Unheimliche é um fenômeno que resulta do recalcamento, ele parece dar ao neurótico uma sensação momentânea de despersonalização, que acompanha o psicótico com frequência.

É digno de nota que a epilepsia já aparecia nos escritos freudianos como elemento causador de estranheza (Freud, 1919/2003). Jentsch, antes dele, lançou a ideia de que os acessos epilépticos e as manifestações de insanidade provocam no espectador a impressão de tratar-se de processos automáticos e mecânicos. Freud (1919/2003c) desenvolve a argumentação de que o efeito estranho da epilepsia tem a mesma origem daquele causado pela loucura. O leigo observa nesses fenômenos a ação de forças que, por um lado, não são suspeitas previamente em seu semelhante, mas, por outro, está vagamente ciente de existirem em regiões remotas de seu ser. O foco, nesses casos, estava colocado no estranho despertado em quem assiste.

Interessa-me, mais do que isso, o abalo, quem sabe ainda mais intenso, que sente aquele que tem seu corpo tomado por essas manifestações que não consegue controlar de maneira deliberada. Não só isso, como também o susto de ser tomado por algo que a medicina não consegue explicar.

A crise pseudoepiléptica parece portar uma diferença fundamental no que concerne aos ataques epilépticos. Ela introduz um mistério que deixa em aberto a pergunta a respeito da origem de uma força que pode tomar formas demoníacas.

Temos, assim, dois tempos do susto: aquele de quem tem seu corpo tomado por manifestações estranhas, e aquele que se segue à descoberta de que não pode contar com uma explicação médica para o caso. Na denúncia médica do não envolvimento de problemas orgânicos no fenômeno pseudoepiléptico, o paciente vê, de uma hora para a outra, sua operação psíquica desfeita, precisando reencontrar-se com conteúdos que estavam seguros no sintoma. Surge um segundo momento de Unheimliche. O primeiro momento, então, traz a marca do sintoma, denunciando um desconhecimento naquilo que parece mais familiar. O segundo reage a um enigma sobre a origem desse mal.

É apoiado nesse mistério que o duplo ganha destaque. Esse outro desconhecido que aparece no momento da crise, impulsionando movimentos animalescos e inesperados, e contrasta com o sujeito que protagoniza as demais ações cotidianas.

 

Estranhamente demoníaco ainda hoje

Em muitos espaços, as alterações de consciência e de comportamento são atribuídas, ainda hoje, à ação do demônio, ou de entidades que visitam o humano. Essas ideias surgem não apenas para aqueles espectadores das manifestações, como também são compartilhadas pelos que as protagonizam. Não por acaso, na Idade Média essas doenças eram atribuídas às influências dos demônios.

Na pseudoepilepsia, a crise comumente encontra explicação nessas forças alheias ao sujeito, tirando-o do caminho da posição ativa e colocando-o como um instrumento para que certa entidade se apresente. Quando isso acontece, aparentemente não faz sentido direcionar a pergunta para o sujeito, já que a crise é obra de outro. Há um caminho de reencontro a ser percorrido.

A ideia desse duplo que se apresenta em seu corpo parece carregar um misto de horror e fascinação. Se, por um lado, o sujeito é tomado por uma manifestação no corpo que não controla, a existência de algo superior, para além do que vivemos corriqueiramente, pode ser um alento à noção de que a vida se resume ao que é vivido, sendo, portanto, finita. Há algo de sobrenatural envolvendo seu corpo, de maneira que essa crença, ao mesmo tempo em que assusta, igualmente encanta. Em especial no caso da histeria, o aspecto de ser único e especial, escolhido entre outros corpos para ser tomado, pode tornar-se atraente.

Além disso, quando a angústia ganha o caráter demoníaco, está projetada para fora e encontra um representante cultural. Já não é apenas angústia livre: recebe um nome na cultura. No caso de Flora esse ponto ganha ilustração, podendo ajudar na compreensão do fenômeno.

 

O Caso Flora – Entre Deus e o Diabo: um embate identificatório

Ao chamar por seu nome na sala de espera, encontro uma universitária com certo ar colegial, que chega para atendimento após passar pelo vídeo-EEG. Suas roupas são pouco femininas, usa camiseta escura e calça jeans, e vejo pendurado em seu pescoço um crucifixo.

Apesar de se dizer impaciente com os tantos anos de crise que diz terem atrapalhado sua vida, Flora não apresenta desespero em descobrir sua origem. Pareceu-me que ela estava especialmente ligada a essas particulares manifestações, como a definindo para si e para os outros. A paciente vinha convivendo com tais crises desde seus nove anos. Ao chegar para atendimento, ela contava vinte e três anos.

Dentre os pacientes vindos em função de crises pseudoepilépticas, Flora foi aquela que apresentou maior fascinação em relação aos seus sintomas. Era como se eu a visse reclamar e ao mesmo tempo cultuar tais estranhezas. Seu corpo era revestido de mistérios para ela e para os outros.

Quando tinha nove anos, Flora rolou no chão com um amigo em uma brincadeira e, levada pela mãe para uma enfermaria, teve sua primeira crise. "Eu estava sentada na maca e caí para a direita, e venho caindo para a direita há quatorze anos". Desde esse tempo, é como se ela tivesse encontrado o seu lugar em casa. Sua irmã mais velha, que sempre teve as maiores atenções de sua mãe, passou a ter que dividi-las com as constantes preocupações endereçadas aos sintomas de Flora. O pai, que parece pouco amoroso, certa vez precisou pegá-la no colo para levá-la a um hospital. Ele sempre teve seus casos extraconjugais, aos quais Flora reagia como esposa, investigando as amantes do pai e solicitando que se afastassem dele. Ela dizia ter muita pena de sua mãe, que não fazia nada senão sofrer.

A família, muito religiosa, paulatinamente transferiu suas esperanças dos médicos para a igreja. Recorreram a especialistas médicos, sem encontrar muitas respostas. Um deles, envolvido em pesquisas sobre magnetismo, orientava que Flora enrolasse sua cama em plástico para dormir e evitasse assistir a televisão. As restrições eram muitas, mas a proximidade alcançada com a mãe foi igualmente intensa.

As expectativas em relação ao pai sempre foram um tanto frustradas. Em algumas sessões, Flora falava de sua mágoa quanto à falta de dedicação do pai para com seu problema. Contou-me, certa vez, de uma convulsão em que fora jogada entre a cama e o guarda-roupa e, apesar do barulho, seu pai, que estava no quarto ao lado, não veio acudi-la. De modo semelhante, durante a internação para o exame do vídeo-EEG, o pai não a acompanhou e, mais do que isso, foi o motivo pelo qual sua mãe a deixou sozinha à noite.

A vontade de ter alguém que cuidasse dela e de receber do pai as mesmas atenções que ele dava às amantes rapidamente transformava-se em uma resposta onipotente de bastar-se sem o amor alheio. Tomava como certo que não teria amigos e que a afeição da mãe destinava-se à irmã, poupando-se da frustração de expectativas que pudesse formular.

Em determinado momento, Flora relatou uma lembrança que considerava sem importância e vaga. Quando pequena, presenciou sua irmã debater-se em uma convulsão e ser carregada nos braços do pai, às pressas, para um hospital.

Uma das queixas que Flora trazia para as sessões era a predileção da mãe por essa irmã, deixando-a preterida. Por outro lado, também reclamava do intenso controle exercido pela mãe em função de suas crises, que eram igualmente frequentes.

Na sua fala, chamou-me a atenção o fato de Flora referir-se às suas crises como sendo ativas, e ela, passiva. Dizia: "Deu em mim e eu fiquei me debatendo por alguns minutos, ficou lá dando em mim", ou "me jogou no chão". Tais falas sugeriam a pergunta sobre quem fazia tais coisas. Foi então que ela contou que, levada por um namorado, conhecera um centro espírita e lá recebera um status diferenciado. Conta, com certo orgulho, que se referiram a ela como alguém em proximidade com os espíritos e que sofreria muito se não desenvolvesse seu dom. Ali era como se Flora tivesse algo de especial, uma sensibilidade além da dos demais. O interessante é que, escutando-a, não parecia que Flora acreditasse realmente nos espíritos que a possuíam. Era como se ela ficasse fascinada com o olhar direcionado a ela por aqueles que acreditavam, e o brilho fálico com que ficava revestida a levasse a manter a brincadeira.

A atração de tais respostas foi tanta que sua família, a qual sempre cultivou os costumes cristãos, começou a procurar acolhimento no espiritismo. Em momentos de maior frequência das crises, passaram a chamar pessoas que pudessem interferir com os espíritos. Essa nova crença familiar foi palco para o aparecimento da rivalidade de Flora com sua cunhada. Esta, que também principiou a ter indicativos de interferência dos espíritos, desviou parte do interesse da família.

Durante o processo comigo, sempre que se aproximava de conteúdos que pudessem implicá-la em sua escolha, ela recorria a histórias sobre sua sensibilidade aos espíritos. Ela falava da dúvida sobre até onde deveríamos atribuir responsabilidade aos espíritos. Dizia ser confortável ter encontrado certa compreensão nos centros espíritas, pois era muito perturbador não fazer ideia do que se passava em seu corpo e não poder contar com os médicos, que não descobriam o que era. Essas colocações não eram feitas em tom de fragilidade. Era aí nesse mistério especial que parece que Flora se sustentava. "Os médicos falam que eu tenho algo raro e que nem eles podem explicar". Havia um prazer especial em ver os médicos, de quem se viu dependente desde criança, debaterem-se na impotência em entender seu padecimento. Entretanto, percebia que certas coisas escapavam à explicação espírita. Foi seguindo esse fio estranhamente familiar que conseguimos construir um trabalho. Nessa brecha dada justamente pela estranheza.

De fato, Flora é possuída, mas quem sabe não por espíritos ou demônios, como julgava. A possessão conjuga em si dois aspectos. Se, por um lado, ela é tomada por uma entidade que a coloca como passiva, deixando-se possuir como não o faz em sua vida amorosa, para Flora o poder fálico do que encarna também a torna poderosa. A maneira como ela fala disso é justamente dando a ver que ela tem algo que o outro não tem.

O prazer demonstrado por Flora, quando "examinamos" suas crises, faz lembrar aquele relatado por Freud (1895/2003a) sobre a expressão de prazer no rosto de Elisabeth von R., quando tinha sua perna dolorida examinada. Esses exemplos indicam que, no sofrimento desses sintomas, também se encontra prazer.

As expressões "ser possuída" e "dar", utilizadas por Flora para se referir à convulsão, não deixam de aludir também à sexualidade. Retomemos a ocasião da primeira crise. Flora brincava com um amigo e, ao rolar no chão com ele, algo se deu que a levou à crise. O olhar da mãe de desaprovação incrementava o conteúdo sexual da brincadeira. A excitação sentida não encontrou outra expressão senão na convulsão. As fantasias em jogo possivelmente se relacionavam a esse pai que ela diz "sem vergonha". Ao mesmo tempo em que não se aproximava afetivamente da filha, o pai deixa uma marca de sedução, trazida na expressão "sem vergonha".

A mãe não ocupava o espaço de objeto de amor do marido, preocupando-se apenas com o que os vizinhos pensariam desses casos extraconjugais, deixando à filha a tarefa de agir em relação a isso. No que concerne à sexualidade, Flora dispunha de dois modelos identificatórios. De uma parte, a mãe, que, muito religiosa, era contra sexo antes do casamento. Por outra o pai, cujo exercício sexual era tido como "sem vergonha," por envolver traições.

Na vida sexual adulta de Flora, as preocupações da mãe ainda eram presentes e geravam ambivalência. Assim como ela se apresentava, nas primeiras entrevistas, dizendo-se bastante resolvida, ao falar que inclusive dava aulas sobre sexualidade na escola, aos poucos, foi aparecendo o impedimento de usufruir de fato de sua genitalidade.

Se Flora ridicularizava a mãe, por suas preocupações morais – e, propositalmente, a impactara ao contar que já não era mais virgem, dizendo "Ih, por aqui já passou muita coisa" –, passam a se delinear nas sessões escolhas amorosas em que o sexo não está presente, seja por causa das crises, seja porque, quando envolvida afetivamente, faltava-lhe o desejo. O usufruto da genitalidade ficava, então, impedido, denunciando um conflito.

Voltemos então à sexualidade envolvida na possessão. Em seu trabalho de 1923, "Uma neurose demoníaca no século XVII", Freud trabalha a ideia de que os casos de possessão correspondem às nossas neuroses e que, por consequência, para explicá-los precisamos recorrer aos poderes do psiquismo. A seus olhos, os demônios seriam desejos maus e repreensíveis, que têm sua origem em impulsos repudiados e recalcados.

Nesse texto, Freud (1923 [1922]/2000) focaliza a ideia do demônio como substituto paterno. Segundo o autor, Deus é um substituto paterno, cópia de um pai, tal como é visto na infância. O diabo, por sua vez, seria o oponente de Deus, sua antítese e, portanto, muito próximo a ele em sua natureza. Freud afirma não ser necessária muita perspicácia para concluir que Deus e o Demônio eram originalmente o mesmo, uma única figura cindida posteriormente em duas com características opostas.

Transpondo-se a Flora, ser possuída pelo demônio seria, portanto, ser possuída pelo pai. Apesar de suas inclinações amorosas ao pai, é à sua mãe que o sintoma parece solicitar. Flora tem para com a mãe um grande ressentimento, por perceber seu interesse desviado de si. Trata-se de uma reivindicação antiga, de que recebe pouco da mãe. Comparações sobre o que a irmã recebe tomam grande parte de seu relato, e fala disso sentindo-se injustiçada e traída. Ao mesmo tempo em que o enigma de seu sintoma coloca à mãe uma distância, uma impossibilidade de saber sobre algo íntimo da filha, também lhe solicita interesse e cuidados. A mãe é quem assiste à maior parte das convulsões. A mesma mãe que descuida de seu casamento e de Flora para endereçar seus interesses para a filha mais velha.

Em uma discussão sobre o texto "Uma neurose demoníaca no século XVII", Renato Mezan (1985) inclui uma interpretação complementar à possessão demoníaca. Alguns elementos trabalhados levam a crer que o demônio não é apenas um substituto paterno, mas um misto de pai e de mãe. "A representação do Diabo, dissemos, é próxima à da mãe; ele vive no centro da Terra (figuração do ventre materno), está ligado ao fogo e aos odores fortes …" (Mezan, 1985, p. 530). No caso trazido por Freud no texto de 1923 (2000), o Diabo que possui o pintor também tinha seios, aludindo ao corpo materno.

Desta forma, explica-se que o Diabo concentre em si a agressividade da relação hostil com o pai, e as características de sedução que derivam de sua origem materna. Ele é, efetivamente, um misto de pai e mãe … (Mezan, 1985, p. 531)

No caso de Flora, essa interpretação faz muito sentido. A menina parece conjugar identificações e direcionar investimentos amorosos ambivalentes, tanto para a mãe quanto para o pai. De fato a relação de Flora com sua mãe reúne sentimentos de atração e repulsa. Sua superproteção e controle são reclamados nos dois sentidos do termo: reclama por tê-los e reclama em função de tê-los. Convulsiona, então, para não se deixar possuída por ela, convulsão esta que, apesar de aludir à luta, também denuncia o deixar-se possuir.

O sofrimento maior de Flora estava situado nessa vinculação ambivalente com a mãe e sua também ambivalente identificação com o feminino disponível nesse modelo. É como se Flora desvalorizasse o feminino apresentado pela mãe, que não dispõe de sua sexualidade, mantendo-se presa a valores morais e aparências, sem nada fazer em relação às traições do marido. No entanto, ela não encontra outra maneira de ascender à sua feminilidade sem passar por essa referência materna.

A outra saída encontrada é pela via da identificação com o ser "sem-vergonha" do pai, o que a faz propor situações triangulares entre namorados e ex-namorados, despertando ciúmes e dúvidas sobre possíveis traições. Sua tentativa é a de, assim, poder desfrutar de uma sexualidade dita bem resolvida, mas que em pouco contempla uma posição feminina, estando mais a serviço de lançar um desafio. Desafiava os homens a mostrarem-se à altura de seus atributos de femme fatale. Desafiava a mãe a suportar a sexualidade inequívoca da filha. Ela mostra-se sedutora na relação com diferentes homens, mas quando pode consumar seu aparente desejo, eventos "externos" a atrapalham.

No convulsionar de Flora parecem estar contempladas essas duas posições identificatórias. Por um lado, entrega-se aos prazeres pulsionais, enquanto, por outro, resguarda-se como uma religiosa. Freud (1908/2003b) descreve um exemplo de como o ataque histérico pode conjugar posições identificatórias opostas em uma mesma crise. Ele fala de uma menina que, durante a crise, despe-se levantando o vestido com uma mão, enquanto, com a outra, procura tapar-se. Essa é uma imagem que facilmente permite uma aproximação com o caso de Flora, por seu conflito interno semelhante. Nossa paciente não usava vestidos, mas com uma mão seduzia seus homens, enquanto com a outra os impedia de se aproximar.

Para Freud (1923 [1922]/2000), a diferença de sua obra para outros tempos em que se pensou a possessão está em eliminar a projeção dessas entidades mentais para o mundo externo feita na Idade Média. Diante de casos como o de Flora, vemos os múltiplos sentidos contemplados na crise e o recurso ainda corrente da possessão como explicação das convulsões. Nesse aspecto, a Idade Média não está assim tão distante, o que torna ainda mais necessário o resgate de posicionamentos como os de Freud, de tomar esses casos como objeto de escuta psicanalítica para que tais pacientes tenham a chance de lidar com seus demônios sem deixar-se possuídos por eles.

O caso Flora se mostra especialmente rico, pois estimula pensamentos clínicos e metapsicológicos em muitas direções. Se neste espaço privilegiei a escuta e o manejo com o Unheimliche referido na análise, seu caso também nos convoca a fazer trabalhar a clínica da histeria. O caso nos apresenta a história de uma menininha que, excitada em uma brincadeira corporal com um amigo, se volta para o pai através de um sintoma que o convoca. A menina, após o olhar da mãe repreendendo a brincadeira cai para a direita e retorce seu corpo em um movimento pulsional convulsivo. Essa mesma menina que desde cedo precisava ter sua sexualidade "endireitada", quando crescida, se ocupa em investigar as amantes do pai na busca por descobrir quem são. Atrapalhada em seus modelos identificatórios, a moça ao invés de buscar saber do que deseja, buscava apreender das amantes o que as fazia desejáveis, na tentativa de descobrir o que é ser mulher. Flora nos faz manter viva a clínica da histeria e acende uma importante discussão, não desenvolvida neste trabalho, a respeito da atualidade clínica da histeria e das temáticas edípicas dentro da Psicanálise.

 

O Unheimliche como dipositivo clínico

Está certo que o encontro com uma parte de si que não é controlada pela consciência, sendo determinada por um outro interno, é parte de qualquer análise. Todavia, quando o estranho se apresenta em uma intensidade tal que fica difícil integrá-lo como fazendo parte de si, as respostas são buscadas fora.

O que pretendo sublinhar neste trabalho é a possibilidade de aproveitar esses sentimentos estranhamente familiares como abertura para um trabalho analítico, aproveitando do trabalho realizado por Freud no campo da estética para dar ao Unheimliche um estatuto metapsicológico e clínico a que tanto se presta. Ali, onde existe uma pergunta que intriga o paciente com a intensidade do estranhamento causado é que podemos inaugurar uma investigação ainda não empreendida. Tal sentimento, quando aparece na análise, pode (e deve) ser tomado como via de trabalho, justamente porque denuncia algo estranhamente familiar e, assim como o sonho, deve ser entendido como retorno do recalcado e, portanto, ter seu ruído escutado na situação analítica.

Trata-se de uma descoberta importante: a de que há, realmente, dentro de cada um algo que se desconhece e que leva o sujeito a funcionamentos que ele próprio não compreende. Há, de fato, um estranho dentro de todos.

Como no encontro de Freud consigo mesmo, na imagem de si refletida na porta do trem, o paciente precisa fazer o trajeto para o (re)encontro com esses aspectos recalcados que ressurgem, desenredando-se da confusão com o próprio reflexo.

 

Referências

Azevedo, B. (2011). Crise pseudoepiléptica: corpo, histeria e dor psíquica (Coleção Clínica Psicanalítica). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

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Freud, S. (2003a). Estudios sobre la histeria. In. S. Freud, Obras completas de Freud. (Vol. 2, pp. 1-194). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1895)        [ Links ]

Freud, S. (2003b). Las fantasias histéricas y su relación con la bissexualidad. In. S. Freud, Obras completas de Freud. (Vol. 9, pp. 137-147). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1908).         [ Links ]

Freud, S. (2003c). Lo ominoso. In. S. Freud, Obras completas de Freud. (Vol. 17, pp. 219-251). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1919)        [ Links ]

Hoffmann, E. T. A. (2010). O homem da areia (Coleção Novelas Imortais). Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores. (Trabalho original publicado em 1817)        [ Links ]

Kristeva, J. (1994). Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco.         [ Links ]

Mezan, R. (1985). Freud, pensador da cultura. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Berta Hoffmann Azevedo
Rua Manoel da Nóbrega 354/85 – Paraíso
040001-001 São Paulo, SP
Tel: 11 3262-1825
E-mail: bertaazevedo@hotmail.com

Recebido em: 17/5/2012
Aceito em: 13/6/2012

 

 

1 As ideias apresentadas nesse trabalho são derivadas da pesquisa de mestrado realizada na PUCSP com apoio CNPq e CAPES e estão mais desenvolvidas no livro Crise Pseudoepiléptica, Casa do Psicólogo, 2011.
2 Membro filiado do Instituto de Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP. Psicóloga e psicanalista, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, professora e supervisora clínica da Faculdade de Psicologia da Universidade São Marcos.
3 Freud (1919/2003c, p. 247) relatou o ocorrido em uma nota de rodapé do texto.
4 Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, escritor alemão. Um dos maiores nomes da literatura fantástica mundial.
5 Experiência adquirida junto ao grupo de pesquisa coordenado pela Dra. Mara Cristina de Lúcia, na Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas de São Paulo.