SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.45 número82Transmisión del psicoanálisis y universidadLegado de André Green: recordar, elaborar, asumir índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.45 no.82 São Paulo jun. 2012

 

FORMAÇÃO PSICANALÍTICA

 

Trabalho psicanalítico processualmente orientado na primeira entrevista e a importância da cena de abertura1

 

Process-orientated psychoanalytic work in the first interview and the importance of the opening scene

 

Trabajo psicoanalítico orientado por el proceso en la primera entrevista y la importancia de la escena de abertura

 

 

Peter Wegner2

Associação Psicanalítica Alemã (DPV)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Desde o primeiro momento da entrevista inicial até o final do longo curso de uma psicanálise, a troca inconsciente entre analisando e analista, e a análise da relação entre transferência e contratransferência, estão no cerne do trabalho psicanalítico. Recorrendo às entrevistas iniciais de uma estudante com enfermidade psicossomática e depressiva, foi desenvolvida uma compreensão psicanalítica dos primeiros encontros nos seguintes domínios: a "posição diagnóstica", a "posição terapêutica", a "cena de abertura" e a "introspecção livremente flutuante do analista". A cena de abertura da primeira entrevista já condensa a psicopatologia central – uma aderência ao objeto primário por este nunca ter sido experienciado, com segurança, como estando presente pela paciente. Investigações mais recentes se referem a "qualidades do processo" da relação psicanalítica, como "sincronização e "auto-eficácia." Esta última qualidade procura descrever quanto tempo é necessário entre as sessões de entrevista para que processos internos construtivos e destrutivos ganhem terreno no paciente e o que isso pode significar na decisão sobre o tratamento por vir. Todos esses fatores combinados podem levar ao estabelecimento de uma indicação diferencial processualmente orientada, que ainda considera o fato de que ser confrontado com o temor dos processos inconscientes de troca é específico à profissão do psicanalista.

Palavras-chave: Entrevista psicanalítica inicial, Indicação diferencial processualmente orientada, Cena de abertura, Posição de introspecção livremente flutuante, Qualidades do processo.


ABSTRACT

From the very first moment of the initial interview to the end of a long course of psychoanalysis, the unconscious exchange between analysand and analyst, and the analysis of the relationship between transference and countertransference, are at the heart of psychoanalytic work. Drawing on initial interviews with a psychosomatically and depressively ill student, psychoanalytic understanding of initial encounters is worked out in the following domains: the "diagnostic position", the "therapeutic position", the "opening scene", the "countertransference" and the "analyst's free-floating introspectiveness". The opening scene of the first interview already condenses the central psychopathology – a clinging to the primary object because it was never securely experienced as present by the patient. More recent investigations refer to "process qualities" of the analytic relationship, such as "synchronisation" and "self-efficacy". The latter seeks to describe after how much time between the interview sessions constructive or destructive inner processes gain ground in the patient and what significance this may have for the decision about the treatment that follows. All these factors combined can lead to establishing a differential process-orientated indication that also takes account of the fact that being confronted with the fear of unconscious processes of exchange is specific to the psychoanalytic profession.

Keywords: Initial psychoanalytic interview, Differential process-orientated indication, Opening scene, Position of free-floating introspectiveness, Process qualities.


RESUMEN

Desde el primer momento de la entrevista inicial hasta el final de un largo trayecto psicoanalítico, el intercambio inconsciente entre analizado y analista, así como, el análisis de la relación entre transferencia y contratransferencia, constituyen el centro del trabajo psicoanalítico. Recurriendo a las entrevistas iniciales de una estudiante afectada por una enfermedad psicosomática y depresiva, se desarrolló una comprensión psicoanalítica de los primeros encuentros considerando los siguientes dominios: la ‘posición diagnóstica', la ‘posición terapéutica', la ‘escena de apertura', la contratransferencia y la ‘introspección libremente flotante del analista'. La escena de apertura de la primera entrevista ya condensa la psicopatología central – una adherencia al objeto primario por este nunca haber sido experimentado con seguridad como estando presente por la paciente. Investigaciones más recientes se refieren a "cualidades del proceso" de la relación analítica como la "sincronización" y "auto-eficacia". Esta última busca describir cuánto tiempo es necesario entre las sesiones de entrevista para que procesos internos constructivos o destructivos ganen terreno en el paciente y qué significado esto puede tener en relación al tratamiento a seguir. Todos estos factores combinados pueden conducir al establecimiento de una indicación diferencial orientada por el proceso, que además toma en cuenta el hecho de que ser confrontado con el miedo de los procesos inconscientes de intercambio es específico a la profesión psicoanalítica.

Palabras clave: Entrevista psicoanalítica inicial, Indicación diferencial orientada por el proceso, Escena de apertura, Posición de introspección libremente flotante, Cualidades de proceso.


 

 

Primeira entrevista com a Sra. E

Quando vou chamar a paciente na sala de espera, ela está em pé de costas para mim, discutindo algo com a secretária. Fico surpreso e um pouco sem saber o que fazer. Quando finalmente nos cumprimentamos, nossas mãos se desencontram. Na sala de atendimento, ela não sabe onde deve se sentar.

Senta-se na beirada da poltrona, segurando a bolsa entre nós, sobre seus joelhos. Veste-se informalmente, de forma um tanto convencional, e há sinais de neurodermatite em sua pele. Parece estar exaurida, desesperada e extremamente séria. Conta que já fez duas entrevistas e finalmente me foi encaminhada. Meu primeiro pensamento é que ela se sentiu "mandada embora", e que vir até mim agora é algo fadado ao insucesso. Sinto-me constrangido e obrigado a fazer perguntas

A paciente se volta, se dirige para outra pessoa de quem não consegue se separar. Está desorientada e retraída na sala, atrás da barricada da sua bolsa. Preciso então fazer perguntas, porque mandaram-na embora.

Mais adiante no processo de entrevista, a cena de abertura se transforma: ela veio por causa de sua "severa neurodermatite" que teve início logo depois da Abitur.3 Sua mãe era alcoolista, e ela não conseguia mais se dar bem com ela. Não conseguia decidir que matéria estudar na faculdade e "caiu num limbo profundo". Prosseguiu falando acerca do seu pai, seu contexto familiar, sua profissão e o que ele pensava sobre a sua "doença física". Agora ela tem 25 anos, estuda alemão e ciência da cultura (Kulturwissenschaft). Até algumas semanas atrás, ainda morava em casa, pois temia deixar sozinhas a mãe e a irmã 5 anos mais nova. Só agora foi morar com seu primeiro namorado, que conheceu na escola.

Digo: "A ansiedade de separação e o início da neurodermatite ocorreram ao mesmo tempo". A Sra. E responde, surpresa: "É verdade! Mas mesmo antes disso, eu me percebia diferente das outras pessoas. Nunca fui a uma discoteca, nunca gracejei sobre os meninos, eu lia bastante e só saía com minha família". Quando aponto a proximidade das matérias que ela estuda com a profissão do seu pai, ela sorri afirmativamente, demonstrando reconhecer a associação.

Fora isso, ela diz, não saberia descrever seu pai. Seria ele rígido? Ela nunca ousou criticá-lo, sempre foi bem educada e, por isso, os pais sempre confiaram nela. Demorou muito para o namorado conseguir conquistá-la, e, "obviamente, sexualidade é um grande problema!".

Tenho agora uma paciente sentada à minha frente que precisa ser conquistada com perguntas, mas que tem algo a dizer, e me atrai para sua história com pequenos gestos; seus modos pensativo e hesitante são atributos atraentes. Ela parece emergir de um mundo antigo que eu realmente não consigo evocar. Sua cortesia infantil obscurece sua feminilidade e inspira o desejo de descobrir seu mistério. Ela então volta a mergulhar no silêncio e no seu passado sem palavras.

Descubro questões ligadas a alergias diversas, a dietas obrigatórias e tentativas caras e malsucedidas de tratar a neurodermatite e a coceira excruciante na sua pele. Finalmente ela diz: "meu silêncio é o motivo que impediu minha decisão de fazer psicoterapia até agora. Não gosto de falar a meu respeito sem motivo". Eu digo: "Talvez você ache intolerável falar sobre si mesma por não se entender e não entender seu corpo?" A Sra. E sorri, relaxa um pouco, e diz: "Os dois primeiros colegas talvez nem ao menos soubessem como eu poderia ser ajudada".

Inconscientemente aqui, o não ser entendida, a falta de palavras e algo novo estão condensados – o sorriso coloca uma esperança em cena. Seria um motivo para falar de si, ter alguém para escutá-la, mesmo quando ela está em silêncio e não se compreende? Será que ela é mais do que seu intelecto; será que também é alma, afetos e corpo? Será que, como consequência, ela inconscientemente vincula a esperança que surgiu com suas dúvidas? Ela não será mandada embora apesar de tudo, agora que ela me encarrega diretamente da enxurrada de desejos, ansiedades e ataques destrutivos, que ela até agora não pode pensar, sentir e pôr em palavras?

Ela diz: "Notei que você falou em psicanálise no telefone. É verdade que a psicoterapia trata de questões atuais enquanto psicanálise começa com a infância? Respondo que ela está preocupada que eu também possa mandá-la embora e ressalto que nós ainda não pudemos falar da sua infância, o que teríamos tempo de fazer ainda que numa segunda entrevista. Ela concorda!

 

Compreensão processualmente orientada na primeira entrevista

Na primeira entrevista psicanalítica, os pacientes desejam retratar seu mundo interno, um mundo interno que em certa medida, lhes é inteiramente desconhecido.

Antes do primeiro encontro, o entrevistador já está associado à esperança, ao medo ou destruição. O processo começa com os "fenômenos preliminares", como por exemplo, marcar a entrevista por telefone (Argelander, 1976). A escolha de palavras e a voz do paciente ao telefone pode ter uma influência duradoura positiva ou negativa no entrevistador e, reciprocamente, a atitude do analista ao telefone pode determinar se a entrevista será realmente produtiva.

Em seguida vem o primeiro encontro pessoal, a cena de abertura, a primeira comunicação verbal do paciente, a primeira intervenção verbal do psicanalista, comunicações acerca do histórico de vida e do caso, a primeira interpretação no sentido mais estrito, o acordo sobre como prosseguir e, finalmente, o agendamento da próxima consulta ou a última despedida. Nesse processo, a atitude interna do psicanalista está constantemente alternando entre a escuta, a conceitualização, uma atenção introspectiva, assumir papéis, reagir e intervir, entre o passado e presente, e, entre uma atitude diagnóstica e terapêutica (Wegner, 2008).

Para o analista, a possibilidade de entender algo sobre o paciente e sobre a relação que se inicia, é uma precondição essencial para encorajar e manter uma relação terapêutica, à medida que muitas motivações inconscientes ainda não podem ser transformadas para a relação transferencial.

Inversamente, a não ser que o desamparo do paciente tenha atingido proporções extremas, na maioria da vezes, ele só manterá uma relação terapêutica se ele se sentir adequadamente compreendido pela atitude e intervenção do analista. A possibilidade do paciente tolerar ou não uma compreensão inadequada, pode ser uma medida das suas capacidades egoicas. Se o analista conseguir escutar atentamente, ele também detectará que frequentemente o paciente traz seu próprio "diagnóstico" sobre seu sofrimento psíquico ou somático, que também é veiculado através do processo de interação. A tarefa do analista é formulá-lo do modo mais exato possível.

O objetivo da entrevista é conseguir descrições intersubjetivas do processo que conduzam a avaliações terapêuticas relevantes, tal como documentado, por exemplo, por von Eckstaedt (1991). Também podemos entender assim as reflexões de Danckwardt e Gattig, que sugerem "uma variante especial da entrevista inicial" para obter respostas a respeito de como a indicação de tratamento psicanalítico de alta frequência pode ser sustentada:

Além das observações sobre o curso de uma sessão de entrevista, observações sobre o curso de todas as entrevistas preliminares devem ser conduzidas uma ou duas vezes por semana. Dessa maneira, muitos dados dinâmicos poderiam ser coligidos com base numa interrogação conclusiva além dos dados objetivos (por exemplo, acerca de manifestações da compulsão à repetição), que dariam uma resposta à provável melhor densidade de frequência das sessões. (1998, p. 44)

 

O ponto de vista do diagnóstico

O ponto de vista diagnóstico do analista, levando em conta a psicologia unipessoal, esteve muito tempo em primeiro plano na história da psicanálise. Isso requer uma atitude que permita o máximo de comunicações sinceras do paciente, que leva as partes não neuróticas ou não psicóticas do paciente à sua expressão máxima, sem a ocorrência de interações de satisfação pulsional ou gratificações – atitude em conformidade com o princípio de abstinência. Freud descreveu essa tarefa em "Esboço" da seguinte forma:

O médico analista e o ego enfraquecido do paciente, apoiados no mundo externo real precisam se unir contra os inimigos, que são as demandas pulsionais do id e as demandas de consciência moral do superego. (Freud, 1938, p. 173)

O próprio Freud não tinha uma técnica de entrevista especificamente formulada, mas fez vários comentários a respeito da primeira entrevista, tais como:

Qualquer pessoa que espere aprender nos livros o nobre jogo do xadrez logo descobrirá que apenas as aberturas e as jogadas finais admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita variedade de movimentos que se desenvolve a partir da abertura resiste a qualquer descrição. (Freud, 1913, p. 123)

Sua ideia de uma análise experimental não teve uma continuidade sistemática.

Somente as obras mais recentes de Argelander, trouxeram novas descobertas e apontaram, finalmente, para uma direção integradora. O analista tem três diferentes fontes disponíveis de dados: 1. Informação objetiva, 2. Informação subjetiva e 3. Informação cênica ou situacional. Ele escreve:

A confiabilidade da descrição da personalidade e de seus distúrbios psíquicos aumenta com a integração da informação obtida a partir das três fontes. (Argelander, 1976, p. 28)

Na informação cênica, a experiência da situação com todas suas emoções e processos representacionais predomina mesmo quando o paciente está em silêncio. A conexão com outros dados é um ato secundário. O critério de confiabilidade da informação é a evidência situacional ou cênica:

Essa informação nunca pode ser praticamente conferida por meio de repetição e, portanto, é descartada ou não mencionada pela maioria dos entrevistadores ainda que seja a mais rica em matéria do que revela a respeito do prognóstico do processo terapêutico. (Argelander, 1976, p. 28; cf. também Danckwardt, 1978)

 

O ponto de vista terapêutico

Para o paciente, a primeira entrevista frequentemente representa uma primeira autoexperiência psicanalítica (Schubart, 1989) com importância decisiva para o processo posterior de tratamento. Uma precondição para o sucesso dessa autoexperiência é o analista se aproximar dos conflitos inconscientes do paciente por meio da compreensão e da interpretação. A eficácia de uma boa interpretação experimental é um critério extremamente importante para uma indicação positiva de psicanálise. Não são poucas as exigências feitas ao psicanalista interpretante, mas não é necessário que ele seja mais do que "suficientemente bom", pois

vencemos nossa partida analítica enquanto ser humano e permitimos que nosso parceiro seja um ser humano dessa maneira, ao perdermos o ideal por um triz, já que a onipotência absoluta impede a autonomia do outro. (Loch, 1965a, p. 22)

Mas é extremamente importante do ponto de vista terapêutico, o fato do próprio analista poder ou não, tomar o paciente para tratamento. (cf. Bolognini, 2006). Além da atitude fundamental de curiosidade, empatia, identificação e responsabilidade, o psicanalista deve também dar atenção às suas possibilidades situacionais específicas no setting. Juntamente com alguns outros fatores, isso pertence à dimensão de "indicação subjetiva", tal como teorizada por Dantlgraber. Seu artigo, "Observações sobre a indicação subjetiva para psicanálise" (1982) marca uma importante mudança de direção na técnica psicanalítica de entrevista, da assim chamada "analisabilidade do analisando" para o exame do que ocorre na relação paciente e analista que conduz a uma indicação subjetiva positiva que tenha como consequência um trabalho essencialmente psicanalítico. Analisabilidade não é entendida em termos quantitativos medidos por critérios objetivos aplicados ao paciente; ao contrário, é medida pelas próprias possibilidades subjetivas do analista (Wegner, 2011b, pp. 189-193).

 

A cena de abertura

Atribuiu-se especial importância ao próprio início da entrevista desde a época de Freud, assim como aos sonhos iniciais e às ações sintomáticas. Cada momento da relação analista-paciente pode ser sistematicamente examinado e entendido como expressão de uma comunicação inconsciente. Mas, o começo da entrevista tem ainda uma característica distintiva, ou seja, a de que os dois participantes ainda não tiveram qualquer experiência real um com o outro.

No momento inicial da entrevista, paciente e analista passam de uma situação protegida para uma situação desprotegida. O analista também está desprotegido à medida que o novo que lhe chega não foi ainda compreendido e persiste a incerteza se poderá ser compreendido. Essa "desestabilização do equilíbrio intrapsíquico" (Kind, 1986) tanto no paciente quanto no analista está ligada a afetos intensos. Bion (1987) se refere a uma "tempestade de emoções".

Chamei, portanto, esse momento específico da primeira entrevista de cena de abertura (Wegner, 1988; Wegner e Henseler, 1991) enfatizando duas coisas diferentes: a) a interação cênica inevitável no único encontro de analista e paciente que começa sem qualquer conhecimento prévio do outro; b) a atualização, que se associa a isso, de áreas pré-verbais da personalidade, conflitos ou estados pré-edípicos, que segundo Stone (1961), são especificamente atualizados pela situação analítica.

A cena de abertura é definida como a totalidade da interação que ocorre entre analista e paciente, desde a saudação pessoal até o início da entrevista, incluindo a primeira sentença dita sob as condições básicas de recomendação e tratamento psicanalítico a ser oferecido. A "totalidade da interação" significa todas as ações verbais e não verbais; todas as comunicações diretas e indiretas, bem como os processos psíquicos pré-conscientes e inconscientes concomitantes do analista e do paciente (Wegner, 1988, 1992).

 

A contratransferência

O analista não deve apenas diagnosticar e intervir; ele precisa se observar como parte do que ocorre na interação, na transferência e na contratransferência. Deve-se ressaltar que o analista não reage apenas, mas é também influenciado por muitos outros fatores: sua atitude fundamental, sua vida individual e a história do seu aprendizado, sentimentos situacionais específicos acerca da expectativa de um novo paciente e estratégias subjetivas investigativas e de resolução de problemas, que reduzem o fluxo de informação. Todos esses fatores da parte do analista entram na cena da abertura.

Heimann (1950, 1960, 1964) deu um status importante à análise da contratransferência como um instrumento diagnóstico, e Rosenfeld ressaltou que: "Os bloqueios mais comuns na interação paciente-analista referem-se às ansiedades mais primitivas da infância do analista" (1987, p. 40).

Hoje em dia, precisamos lidar de modo mais sistemático com as ansiedades do analista a respeito do método psicanalítico, porque essas ansiedades são "contingentes ao sistema e, por isso, específicas à profissão" (Danckwardt, 2011a, p. 113).

Há duas escolas de pensamento principais no debate acerca da contratransferência: a contratransferência é colocada como reação inconsciente do analista ao paciente, no sentido de uma perturbação da sua capacidade de trabalho ("abordagem clássica", Kernberg, 1965) ou como a totalidade das reações cognitivas e emocionais do analista ao paciente ("abordagem totalista", ibid.). Recentemente essa discussão levou ao estabelecimento de uma psicologia orientada pelo processo bipessoal, que descreve como "lidamos com o sistema relacional no qual um fator é também função do outro" (Loch, 1965a, p. 15). Loch ressalta decisivamente o aspecto analítico da relação de objeto na reciprocidade. Afirmações tais como a de Heimann de que "a contratransferência do analista não é só parte integrante da relação analítica, mas é também criação do paciente, é uma parte da personalidade do paciente" (1950, p. 83) ou a de Bion, de que "interpretações psicanalíticas podem ser vistas como teorias mantidas pelo analista sobre os modelos e teorias que o paciente tem do analista" (1984, p. 17) estão afinadas, consequentemente, com os termos de uma psicologia bipessoal.

Enquanto o analista anteriormente era visto no campo de investigação como uma variável dependente (em relação ao paciente como variável independente), hoje ele é problematizado como variável independente, ou seja, independente da transferência do paciente. "A interpretação do comportamento transferencial como reação à contratransferência é um desses problemas", escreve Fliess (1953, p. 273) e Loch afirma:

O analista precisa da contratransferência para poder entender o paciente, no entanto ele precisa simultaneamente ultrapassá-la para poder fazer uma interpretação. (Loch, 1965a, p. 21)

Isso dá margem à suposição de que "a dialética da dupla negação é um princípio operante da nossa técnica" (p. 20, 21).

Na verdade, é assim que se tece entre paciente e analista uma malha de processos interativos, reciprocamente influenciáveis, que requer uma linguagem (modelo representacional; cf. também Bion, (1984 [1965]) para ser descrita e entendida conceitualmente, e que deve ser sempre, e a cada vez, buscada. Isso significa, essencialmente, que não podemos supor uma causalidade unidimensional.

O instrumento de investigação é o analista sozinho, e Loch ressalta: "o objeto de investigação e o instrumento de pesquisa … [pertencem] à mesma categoria" (Loch, 1965a, p. 21). Ele processa sinais em duas direções como se houvesse dois vetores no campo psicodinâmico da situação investigativa:

1. um vetor representa as comunicações conscientes e seu correlato inconsciente, em que as distorções reconhecíveis nas comunicações do paciente no contexto do aqui-e-agora, (por exemplo pelos aspectos transferenciais) são especialmente importantes.

2. o segundo vetor se dirige ao processamento detalhado que ocorre no próprio analista. Isso é o que eu chamaria de direcionamento introspectivo que diz respeito aos processos internos conscientes e inconscientes.

Mesmo no início de uma entrevista, a quantidade de informação que o analista processa abrange uma proporção quase infinita. Noutras palavras, ele se confronta com uma complexa situação de resolução de problemas, em que ele só consegue manter um comportamento competente, artificialmente reduzindo ou ordenando todos os dados. Sem isso, o sistema do analista entraria em colapso, o que frequentemente ocorre em parte, e é de grande relevância diagnóstica.

Geralmente leva algum tempo para o entrevistador realmente se adaptar ao novo paciente. O analista, assim como o paciente, também precisa ultrapassar um limiar a partir do qual ele pode escutar verdadeiramente. Esse limiar também implica no direito do entrevistador decidir se deseja assumir a responsabilidade por um paciente em particular. Há evidências consideráveis de que essas decisões são feitas – de modo mais ou menos consciente – muito rapidamente. Acima de tudo, porém, esse limiar é colocado contra a investida dos desejos descontrolados do paciente, os quais o analista só pode estar verdadeiramente pronto para processar se sentir que lhe é concedido ter acesso aos conflitos inconscientes intrapessoais e interpessoais inconscientes. A maioria dos pacientes conhece isso muito bem, afinal de contas eles não são somente vítimas de seus sintomas, mas também agentes da sua própria história de sofrimento, ainda que prefiram outros conceitos explicativos em nível consciente. Além do mais, esse limiar protege o analista do fato de que todo paciente, com sua maneira específica, é capaz de incitar a estrutura de personalidade inconsciente do analista ou sua estrutura conflitual, afetando assim suas áreas de vulnerabilidade narcísica. Todos esses problemas são acompanhados por afetos intensos, especialmente por ansiedade do analista a respeito tanto dos seus próprios sentimentos quanto dos sentimentos do paciente.

 

A posição de introspecção livremente flutuante

A análise da contratransferência no analista possibilita ao paciente a vivência do seu si-mesmo (ego-self), e constitui o reconhecimento da diferenciação do "você-objeto", enquanto torna-se possível a experiência de exigências pulsionais libidinais e agressivas e ao mesmo tempo a renúncia a elas. Esse aspecto do desenvolvimento ontogenético se repete durante o processo psicanalítico e embrionariamente no primeiro encontro, e pode, se tudo caminhar bem, retificar fixações específicas, ou seja, permitir novas experiências por intermédio da atribuição de significado que o analista dá através de suas interpretações.

A dimensão da aliança terapêutica no paciente (ou a capacidade de "cisão terapêutica do ego", Sterba (1934) é, portanto, também uma condição para o funcionamento da interação psicanalítica, de maneira similar à identificação do analista com o método.

A capacidade de assumir uma posição ex-cêntrica representa em certo sentido uma operacionalização da atividade introspectiva do analista, uma precondição para a contratransferência, no sentido da prática terapêutica, ser trazida à consciência. Até sermos capazes de perceber a contratransferência, não podemos entender ou defini-la, independentemente da sua existência ou não e do seu modo de ocorrer. Atingir a condição de assumir uma posição ex-cêntrica baseia-se numa estrutura mental interna formada pela internalização da constelação edipiana, que "permite auto-observação objetiva com participação subjetiva. Isso significa que insight e "sentimento" podem coincidir internamente, dando à compreensão um senso de realidade interna" (Britton, 1989a, 1989b, p. 24).

Neyraut deu uma importante contribuição a respeito da contratransferência, ainda que sua formulação do que ele chamou de "precessão da contratransferência" (1974, pp. 15-16) tenha gerado certa confusão. O termo alemão4 pode constituir uma tradução um pouco inexata do que se pretendia. Em minha opinião, o que Neyraut queria dizer é que o analista no processo analítico, especialmente quando está protegendo as condições do setting, executa desde o início para o paciente e para a situação analítica um trabalho preparatório específico, ou para dizer de outro modo, presta um tributo definitivo (cession = transferir, admitir, se render) "ou seja, de estar direta e pessoalmente envolvido e possivelmente iluminar esse envolvimento" (pp. 15-16). Esse trabalho preparatório específico, na verdade, precede a transferência concreta do paciente, já que ele pode ainda não saber que ao se abrir ao processo psicanalítico, ele estará transferindo padrões específicos de relações objetais para o analista. Em cada caso, precisamos supor que também haja transferência do analista para o paciente.

Neyraut usa uma

teoria ampliada de contratransferência … [que] … abrange todas as afirmações, ideias, sentimentos, interpretações, ações ou reações do analista. (Neyraut, 1974, p. 18)

e busca

apreender o paradoxo da contratransferência, de que, ao mesmo tempo em que precede a situação analítica concreta (análise didática, formação, distorções ou ortodoxias de todo tipo) e só atinge sua real dimensão quando confrontada com as exigências internas que surgem da situação analítica em si. (Neyraut, 1974, p. 18)

Esse paradoxo pode ser psicanaliticamente explicado como

tanto a transferência quanto a contratransferência … são sabidamente formas motivadas de comportamento no sentido de representarem relações de objeto que são direcionadas ou instigadas por necessidades pulsionais. (Loch, 1965b, p. 41)

Porém, da perspectiva psicanalítica, as necessidades pulsionais deveriam ser descritas como uma variável independente (por exemplo, à medida que o analista está convencido e pronto a (contra)transferir seus próprios padrões de relação de objeto para o paciente e, sempre que possível, analisá-las). O paradoxo da contratransferência poderia ser resolvido ao se referir às partes do analista que descrevemos como variáveis independentes, e que precedem a transferência do paciente ou já existem independentemente de uma transferência específica.

Béjarano (1977, p. 10) fez uma distinção entre uma "contratransferência geral" e uma "contratransferência específica", em que esta última se refere apenas a um paciente específico enquanto a primeira corresponde à atitude introdutória profissionalizada do analista. Essas distinções têm uma relevância claramente marcada também em relação à técnica de tratamento: podemos distinguir então entre a atitude do psicanalista que lhe permite adotar um funcionamento específico em relação ao paciente e à interpretação. Mas, a atitude do analista incorpora facetas de algo que pertence à perspectiva observante do analista como variável independente no campo de investigação.

Isso se aplica especialmente aos assim chamados "pacientes com distúrbios primitivos,5 como elaborado por Béjarano (1977) em que as interpretações de fatos baseadas nas fases são, ao menos no sentido da atitude interpretativa clássica, ineficazes ou até perigosas (p. 1) e deveriam ser substituídas pela "atitude do analista" (p. 2), isto é, suas vivências e sentimentos na situação analítica, que são constantemente corrigidas, entre outras coisas, pela análise da contratransferência (cf. também Dantlgraber, 1989; Treurniet, 1991). A atitude, como um fator terapêutico eficaz, é predominantemente invariante em relação à transferência do paciente e, assim, pertence ao analista como um aspecto das variáveis independentes, pois a atitude se relaciona à capacidade especial do analista de se libertar dos seus objetos internos (Loch, 1965b, p. 44). A habilidade de transcender os enredamentos de suas próprias relações de objeto pulsionais, isto é, de conseguir se separar, é para Loch simultaneamente a

razão subjacente da abstinência, para a qual o analista deve estar capacitado, e que só será possível se ele puder estar só, sem se sentir solitário; pois a solidão, vivida como abandono e isolamento é, em si, um fenômeno psicopatológico que bloqueia ou impede a compreensão, como também o processo de libertação e de liberação do paciente. (Loch, 1965b, p. 44)

Isso se aplica em especial aos pacientes com os assim chamados distúrbios primitivos, para quem a atitude do analista tem relevância terapêutica especial e, deve-se acrescentar que esses pacientes podem produzir efeitos no analista com força total até mesmo no primeiro encontro. Se o analista tiver de lidar com padrões de relação de objeto do relacionamento com o objeto primário, a salvaguarda da própria vida (perceptível como ansiedade catastrófica a respeito de dependência e perda de objeto) torna-se o foco central do trabalho terapêutico, diferentemente da interpretação das condições de uma ansiedade específica (tal como a ansiedade edípica a respeito de impulsos pulsionais libidinais). Isso se aplica, entretanto, de modo particular também aos pacientes psicossomáticos, que graças aos trabalhos da Escola de Psicossomática de Paris chegam cada vez mais ao nosso conhecimento (cf. Aisenstein & Rappoport de Aisemberg, 2010).

Tendo isso em mente, é afinal necessário, juntamente com a "atenção livremente flutuante" e a "responsividade livremente flutuante" do analista (Sandler, 1976) inferir outro vetor no campo de investigação e na situação de tratamento, ou seja, "a condição de introspecção livremente flutuante" (Wegner, 1992), que difere da atenção livremente flutuante por meio desse direcionamento específico e, além disso, faz parte da identificação com o método psicanalítico.

 

Indicação diferencial processualmente orientada

Os pacientes cada vez menos nos procuram com o desejo de psicanálise de alta frequência. Estamos, portanto, sendo confrontados com mais intensidade com a questão de que tipo de indicação, para que tipo de tratamento psicanalítico que vai ser indicado e por quem. O que quer o paciente, o que ele necessita, com o que paciente e analista concordam, que ajustes podemos ou precisamos fazer, e quais são nossos critérios para uma indicação diferencial? A Federação Europeia de Psicanálise montou um "Grupo de Trabalho sobre o início do tratamento" para dar conta desse sério desafio. Isso será relatado com detalhes noutro lugar.

Um grupo de trabalho da Associação Psicanalítica Alemã (E. Gattig, J.F. Danckwardt, G. Schmidhusen e P. Wegner) também se dedicou a esse tema usando um método (como nos "grupos clínicos livres" das conferências da Federação Europeia de Psicanálise) que vem desde Wolfgang Loch. O resultado que emergiu disso tudo foi que, em todas as apresentações de casos clínicos, o que foi chamado de sincronização entre analista e analisando constitui um fenômeno central da técnica de tratamento que pode ser entendido como "qualidade específica do processo da relação analítica" (Gattig e Danckwardt, 2009).

Outro fenômeno observável poderia ser chamado de auto-eficácia. Isso significa dirigir a atenção "ao que continua a operar progressivamente entre as sessões, por exemplo, fenômenos residuais da sessão e, além disso, quanto tempo [entre as sessões] … leva, para que um auto arranjo de organização patológica do self do paciente" recomece. Quando não surge ou só minimamente surge uma pequena auto-eficácia, é possível supor, por exemplo, que não seja adequado para o paciente um trabalho psicoterapêutico de orientação psicanalítica de baixa frequência.

Outro fator adicional deverá ser submetido no futuro a um exame mais sistemático, ou seja, a ansiedade do psicanalista quanto ao método psicanalítico (Danckwardt, 2011b, p. 212f), pois essas ansiedades da parte do analista podem inconscientemente levar a decisões que vão obstruir o início de uma análise.

Todos esses fenômenos relevantes, clinicamente observáveis, são resultados de uma elaboração secundária detalhada das discussões de grupo sobre material de pacientes e demonstram que nossos empreendimentos em pesquisa são de fato recompensados, quando consideramos cuidadosamente as qualidades do processo.

 

A segunda entrevista da Sra. E

A Sra. E rompe o silêncio inicial perguntando: "Você está esperando alguma coisa?" Só nos resta rir. Em seguida ela diz: "Tenho me preocupado com o período dos 0 aos 18 anos! Aquele sentimento de ser diferente só começou com a puberdade. Não tenho ideia de como aconteceu. Em criança eu era totalmente normal, uma criança feliz e mediana. Meus pais confirmariam isso".

Esse começo notável da segunda entrevista mostra que ela tentou continuar o trabalho sozinha e chegou a um beco sem saída. O tempo, até o próximo encontro comigo deve tê-la atormentado de tão lento, com muita turbulência e uma crescente confusão. Mas eu não devo saber nada disso; pelo contrário, ela coloca projetivamente em mim a ideia de que estou ansiosamente "esperando" por "alguma coisa" dela. Nesse estado de espírito, ela vê seu passado através do olhar de seus pais, mas suspeita, sem de fato saber, que ela não teve uma infância feliz. No decorrer da sessão, ela recorda vários tipos de distúrbios alimentares, "sonhos terríveis" atuais e problemas de sono que já tinha tido na infância. A mãe, então, precisava sentar-se ao lado da sua cama até ela adormecer. No entanto, sua preocupação maior é com a questão da sua doença ser física ou mental. Mas esse início também mostra como ela gostaria de estar próxima a mim. Acho essa proximidade perceptível obscuramente assustadora.

Conseguimos estabelecer que o surgimento da neurodermatite coincidiu com o início da relação com seu namorado e seu sentimento de ser diferente com a emergência da sexualidade na puberdade. A proximidade física com seu namorado representa a base dos conflitos atuais. Tenho a impressão de que ela não tem qualquer ideia verdadeira a respeito da sua sexualidade.

Ela diz: "Por baixo, estou cheia de ansiedade e confusão, meu corpo todo coça constantemente. Não consigo mais me concentrar em nada. Também tenho um medo terrível de engravidar, apesar de tomar anticoncepcional há anos". Eu reflito: "Você não tolera a proximidade e o contato. Você se sente ferida!" Ela concorda, admirada.

Ao final da entrevista, tenho certeza de que quero oferecer tratamento psicanalítico e pergunto: "O que você pensa, como devemos continuar?" Ela responde: "Embora eu tenha dificuldade de decidir como sempre, consigo ver-me fazendo psicoterapia. O que você acha disso?" Eu respondo: "Consigo ver-me trabalhando com você".

 

A terceira entrevista com a Sra. E

No período que culminou com a terceira entrevista, ansiedades e resistências foram mobilizadas na Sra. E. Ela estava sozinha por muito tempo novamente, arrebatada por sentimentos e confusão interna.6 Parece tensa e ansiosa.

Ela me pega totalmente fora de guarda: "Tenho duas perguntas: exatamente como você trabalha e o que acontece numa psicanálise? A psicanálise só trata da infância? Afinal, tenho muitos problemas atuais para resolver". Respondo: "Parece-me que você tem medo que seus "limites" sejam "feridos" se você vier para quatro sessões no divã e não puder "ver"-me. Ela me olha sem acreditar, e ri: "Quatro vezes por semana?" Ela então fica em silêncio e finalmente diz: "Você sabe quão urgentemente preciso da sua ajuda!"

Conversamos sobre todas as questões necessárias ao setting, arranjos sobre minhas férias, o valor do pagamento, minhas regras a respeito de faltas e assim por diante e finalmente concordamos com uma análise de quatro sessões semanais. Poucos meses depois do início do tratamento, a paciente pediu uma quinta sessão por sentir a interrupção de fim de semana intoleravelmente longa, arranjo que mantivemos até o fim do tratamento.

 

O desejo de proximidade e o medo da não-separação

A cena de abertura da primeira entrevista condensa um elemento essencial da psicopatologia, ou seja, a condição de não-separação do objeto primário, na qual ela não podia ter uma vivência de si mesma, e que continha uma aparente contaminação recíproca total, que ela também temia como um perigo mortal. Ao mesmo tempo, os sintomas físicos determinaram toda a análise, expressando simultaneamente a falta de qualquer conexão ou compreensão entre ela e seu corpo. Durante muito tempo, a paciente manteve a impressão de poder ter experiências introspectivas. A linguagem que ela usava para fazer isso servia para driblar sua catástrofe interna de falta de palavras. Isso mal pôde funcionar porque aceitei a função de objeto não separado na transferência.

Ela diz: "É sobre o seu corpo, o seu funcionamento e os seus desejos. Eu só tenho a ideia de ‘dois em um'. Eu sou ‘dois em um'. Eu não existo sozinha porque sem você, tudo está faltando".

Essa afirmação me ajudou a entender que "eu" e "meu corpo", além da complicação da nossa diferença sexual, tinham que sobreviver intactos para que a paciente pudesse conseguir alguma autoconfiança. A isso pertenciam todas as percepções, sentimentos e pensamentos meramente imagináveis, na Works of Sigmund Freud contratransferência, que a Sra. E conseguia absorver "através da sua pele", em primeiro lugar como se não estivesse separada de mim e depois por si própria. Não tive que apenas "conquistar" como também "esperar" por ela, tive de cuidar por ela, tolerar, odiar e amá-la e pensar e falar por ela.

Na terceira entrevista, "ela me queria", sem me querer, mas sem mim, ela seria "nada": "você sabe quão urgentemente preciso da sua ajuda!". O processo pelo qual uma relação surgiu e se desenvolveu, a percepção de nossas naturezas corporais e a invenção de nossa linguagem partilhada, permitiram as condições para o surgimento do desenvolvimento de seu ego-self, "que é, primeiro e principalmente, um ego-corporal" (Freud, 1923, p. 27), e para a tolerância da separação sem solidão.7

 

O retorno do início até a separabilidade do fim: A "posição psicanalítica"

"Desde o primeiro momento da entrevista inicial até o final do longo curso de uma psicanálise, a troca inconsciente entre analisando e analista, e a análise da relação entre transferência e contratransferência, estão no cerne do trabalho psicanalítico". (Wegner, 2000, p. 811)

Ao longo de muitos anos a Sra. E ressaltou: "Depois de cada sessão me sobrevém a insegurança se voltarei a vê-lo". Cada interrupção era uma ameaça que a mergulhava em desespero. Às vezes eu achava intolerável a não existência, ou em outras palavras, a aniquilação de uma confiança em construção. Cada sessão parecia uma primeira entrevista. No final do tratamento a Sra. E era capaz de tolerar amor e ódio simultaneamente e, portanto, era grata por uma independência que até então não vivenciara.

O desenvolvimento de uma posição predominantemente "diagnóstica" para uma posição "terapêutica-diagnóstica" ou de uma psicologia unipessoal para uma psicologia bipessoal, significa um progresso decisivo na técnica atual de entrevista. Sem a capacidade autoanalítica do analista, toda entrevista corre o risco de fracassar. O fato do próprio analista com introspecção livremente flutuante se tornar o instrumento real de diagnóstico, sublinha a complexidade e o paradoxo do trabalho psicanalítico com eventos inconscientes relacionais desde o princípio. A insistência na posição diagnóstica contém riscos, sobretudo para um provável acordo relativo ao contrato e resultante processo do tratamento. Se nem eu mesmo sei se posso ou quero começar o tratamento com um paciente específico, como pode o paciente se comprometer com o processo psicanalítico? Certamente o analista está mais protegido porque tem uma experiência de si mesmo como mais separado do paciente, mas simultaneamente a comunicação inconsciente com o paciente ficará restrita e, ao contrário, este pode se perceber como objeto de um "poder" estrangeiro invasivo e intrusivo. O sucesso da comunicação inconsciente na transferência e contratransferência, e simultaneamente a sua contínua dissolução pelas interpretações, parecem ser os fatores decisivos para o andamento bem sucedido de um tratamento psicanalítico. Estabelecer uma indicação positiva para análise, portanto, significa que o próprio entrevistador possa se certificar: "Eu consigo imaginar um tratamento psicanalítico com esse paciente!" Assumimos assim, portanto, uma "postura psicanalítica" fundamentalmente diferente de todos os outros procedimentos psicoterapêuticos.

Em conclusão, a questão que se deve levantar é a de como se pode ensinar essa postura psicanalítica. Uma análise / análise didática bem sucedida é suficiente? Que experiências adicionais são necessárias nas supervisões individuais e nos seminários específicos? Em todo caso, até um analista com grande experiência clínica necessita constantemente uma permeabilidade adequada para os processos inconscientes, e precisa de constantes trocas pessoais corretivas com colegas a respeito do seu trabalho.

 

Referências

Aisenstein, M., Rappoport de Aisemberg, E. (Eds.) (2010). Psychosomatics Today. A Psychoanalytic Perspective. International Psychoanalytical Association. London: Karnac Books.         [ Links ]

Argelander, H. (1976). The Initial Interview in Psychotherapy. Translated by Hella Freud Bernays. New York: Human Sciences Press.         [ Links ]

Béjarano, A. (1977). Countertransference and narcissism EPF-Bulletin, 12, 5-10.         [ Links ]

Bion, W. R. (1984 [1963]). Elements of Psycho-Analysis. Reprint, London: Karnac Books.         [ Links ]

Bion, W. R. (1984 [1965]). Transformations. Reprint. London: Karnac Books.         [ Links ]

Bion, W. R. (1987). Making the best of a bad job. In W. R. Bion, Clinical seminars and four papers (pp. 247-257). Abingdon: Fleetwood.         [ Links ]

Bolognini, S. (2006). The profession of the ferryman: considerations on the analyst's internal attitude in consulting and in referral. Int. J. Psychoanal., 87, 25-42.         [ Links ]

Britton, R. (1989a). The missing link: parental sexuality in the Oedipus complex. In J. Steiner (Ed.), The Oedipus Complex Today. Clinical Implications (pp. 83-101). London: Karnac Books.         [ Links ]

Britton, R. (1989b). Zwischen innerer und äußerer Realität: die Borderline-Position [Between internal and external reality: the borderline position]. In H. Luft and G. Maus (Eds.), Die Abwehr unbewußter Phantasien. Tagungsband (pp. 17-36) [Defences against unconscious fantasies. Conference volume]. Wiesbaden: Congress-Organisation Geber+Reusch.         [ Links ]

Danckwardt, J. F. (1978). Zur Interaktion von Psychotherapie und Psychopharmakotherapie [On the interaction between psychotherapy and psychopharmacotherapy]. Psyche, 32, 11-154.         [ Links ]

Danckwardt, J. F. (1996). Wolfgang Loch – Wege zum Psychischen [Paths to the psyche]. In J. F. Danckwardt, Wege zum Menschen [Paths to the human being] 48 (5), pp. 273-283.

Danckwardt, J. F. and Gattig, E. (1998). The Indication for High-Frequency Analytical Psychotherapy in the Contractual Medical Health Service. A Manual. Stuttgart (frommannholzboog).         [ Links ]

Danckwardt, J. F. and Wegner, P. (2007). Performance as annihilation or integration? Int. J. Psychoanal., 88, 1117-1133.         [ Links ]

Danckwardt, J. F. (2011a). The fear of method in psychoanalysis. Psychoanalysis in Europe. Bulletin, 65, 113-124.         [ Links ]

Danckwardt, J. F. (2011b). Die vierstundige analytische Psychotherapie in Ausbildung und Behandlung – ein Auslaufmodell? [The four-sessions weekly psychotherapy in training and treatment – discontinued model?] Z Psychoanal. Theorie Prax, 26/2, pp. 208-220.

Dantlgraber, J. (1982). Bemerkungen zur subjektiven Indikation fur Psychoanalyse [Observations on the subjective indication for psychoanalysis]. Psyche, 36, 193-225.         [ Links ]

Dantlgraber, J. (1989). Die psychoanalytische Haltung als Stufe in der Ubertragungsegenubertragungsbeziehung [The psychoanalytic attitude as a stage in the transferencecountertransference relationship]. Psyche, 43, 973-1006.         [ Links ]

Dantlgraber, J. (2011). Observations on the subjective Indication for Psychoanalysis. In Reith, B. et al. Initiating Psychoanalysis. Persepctives. Teaching Series. The New Library of Psychoanalysis Series (pp. 194-222). London: Routlege.         [ Links ]

Eckstaedt, A. (1991). Die Kunst des Anfangs. [The art of beginning]. Frankfurt: Suhrkamp.         [ Links ]

Fliess, R. (1953). Countertransference and counteridentification. J. Amer. Psychoanal. Assn. 1, 268-284.         [ Links ]

Freud, S. (1913). On beginning the treatment. (Further recommendations on the technique of psychoanalysis, I). In S. Freud, The Standard Edition of the Complete Psychoanalytical Works of Sigmund Freud. (Vol. 13, pp. 123-144). London: Hogarth Press.         [ Links ]

Freud, S. (1923). The ego and the id. In S. Freud, The Standard Edition of the Complete Psychoanalytical Works of Sigmund Freud. (Vol. 19, pp. 12-66). London: Hogarth Press.         [ Links ]

Freud, S. (1938). An outline of Psycho-Analysis. In S. Freud, The Standard Edition of the Complete Psychoanalytical Works of Sigmund Freud. (Vol. 23, pp. 144-207). London: Hogarth Press.         [ Links ]

Gaddini, E. (1964). Uber Konstitutivphänomene der Gegenubertragung [On constitutive phenomena of the countertransference]. Psyche, 18, 139-159.         [ Links ]

Gaddini, E. (1998). Das Ich ist vor allem ein körperliches. Beiträge zur Psychoanalyse der ersten Strukturen [The ego is first and foremost a body ego. Contributions to the psychoanalysis of the earliest structures]. Edited by Gemma Jappe und Barbara Strehlow. Tubingen, edition diskord.         [ Links ]

Gattig, E. and Danckwardt, J. F. (2009). Psychoanalytisches Arbeiten in verschiedenen Settings. Vorläufige Ergebnisse eines DPV-Forschungsprojektes [Working psychoanalytically in various settings. Preliminary findings of a DPV research project]. In G. Schneider, H.-J. Eilts, J. Picht, (Eds.), Psychoanalyse, Kultur, Gesellschaft [Psychoanalysis, culture, society]. DPV-Herbsttagung 2009 [DPV autumn conference]. Distribution: Congress-Organisation Geber+Reusch. Frankfurt.         [ Links ]

Heimann, P. (1950). On counter-transference. Int. J. Psychoanal., 31, 81-84.         [ Links ]

Heimann, P. (1960). Counter-transference. Brit. J. med. psychol., 33, 9-17.         [ Links ]

Heimann, P. (1964). Bemerkungen zur Gegenubertragung [Observations on the countertransference]. Psyche, 18, 483-93.         [ Links ]

Kernberg, O. F. (1965). Notes on counter-transference. J. Am. Psa. Ass., 13, 38-56.         [ Links ]

Kind, J. (1986). Der Stundenanfang in der analytischen Psychotherapie [The beginning of the session in analytic psychotherapy]. Z. psychosom. Med. Psychoanal., 31, 216-230.         [ Links ]

Laimböck, A. (2000). Das psychoanalytische Erstgespräch [The psychoanalytic initial conversation]. Tubingen: Edition Diskord.         [ Links ]

Loch, W. (1965a). Ubertragung–Gegenubertragung. Anmerkungen Zur Theorie und Praxis [Transference–countertransference. Observations on theory and practice]. Psyche, 19, 1-23.

Loch, W. (1965b). Voraussetzungen, Mechanismen und Grenzen des psychoanalytischen Prozesses [Preconditions, mechanisms and boundaries of the psychoanalytic process]. Bern: Huber.         [ Links ]

Loch, W. (2006). The Art of Interpretation. Deconstruction and New Beginning in the Psychoanalytic Process. Edited with commentary by Peter Wegner. London: International Psychoanalytical Association/Karnac Books.         [ Links ]

Loch, W. (2010). Erinnerung, Entwurf und Mut zur Wahrheit im psychoanalytischen Prozess. Gesammelte Schriften [Memory, outline and courage for the truth in the psychoanalytic process]. Cord Barkhausen and Peter Wegner (Eds.). Frankfurt: Brandes & Apsel.         [ Links ]

Miller, H. (1970). Face to Face. Conversations with Georges Belmont. Antony Macnabb and Harry Scott (Trans.). London: Sidgwick & Jackson.         [ Links ]

Neyraut, M. (1974). Die Ubertragung [The countertransference]. Frankfurt: Suhrkamp.         [ Links ]

Reith, B. et al. (2010). The specific dynamics of initial interviews: switching the level, or opening up a meaning space? Report on Phase 1 of the WPIP Study of Initial Interviews. In Psychoanalysis in Europe. Bulletin 64, Supplement, 57-80.         [ Links ]

Reith, B. et al. (2011). Initiating Psychoanalysis. Perspectives. Teaching Series. The New Library of Psychoanalysis Series. London: Routledge.         [ Links ]

Reith, B. (2011). The WPIP investigative process: from the anxiety of the analytic couple to that of the research team. Report of the Working Party on "Initiating Psychoanalysis" (WPIP). Psychoanalysis in Europe. Bulletin, 65, 57-60.         [ Links ]

Rosenfeld, H. (1987). Impasse and Interpretation: Therapeutic and Anti-Therapeutic Factors in the Psychoanalytic Treatment of Psychotic, Borderline, and Neurotic patients. London: International Psycho-Analytic Library.         [ Links ]

Sandler, J. (1976). Countertransference and role-responsiveness. Int. J. Psychoanal., 30, 461-480.         [ Links ]

Schubart, W. (1989). The patient in the psychoanalyst's consulting room – the first consultation as a psychoanalytic encounter. Int. J. Psychoanal., 70, 423-432.

Sklar, J. (2011). Psychosomatics and technique. In J. Sklar, Landscape of the Dark. History, Trauma, Psychoanalysis (pp. 115-124). London: Karnac Books.         [ Links ]

Stephanos, S. (2011). Psychosomatisches Phänomen und "pensée opératoire" [Psychosomatic phenomenon and "operative thinking"]. In S. Stephanos, Psychosomatisch-psychoanalytische Therapie. Heilungsprozesse, Objektbeziehung und kulturelles Milieu (pp. 19-77) [Psychosomatic-psychoanalytic therapy. Healing processes, object-relationship and cultural milieu]. Frankfurt: Brandes & Apsel.         [ Links ]

Sterba, R. (1934): The fate of the ego in psychoanalytic therapy. Int. J. Psychoanal., 15, 117-126.         [ Links ]

Stone, L. (1961). The Psychoanalytic Situation. An Examination of its Development and Essential Nature. The Freud Anniversary Lecture Series. New York: International University Press Inc. [Die psychoanalytische Situation. Frankfurt: Fischer,         [ Links ] 1973.]

Treurniet, N. (1991). Support of the analytic process and structural change. [Unpublished]         [ Links ]

Wegner, P. (1988). Die Bedeutung der Anfangsszene im psychoanalytischen Erstinterview [The importance of the opening scene in the psychoanalytic first interview]. Tubingen: Dissertation, Tubingen University.         [ Links ]

Wegner, P. and Henseler, H. (1991). Die Anfangsszene im Prisma einer Analytikergruppe [The opening scene in the prism of an analysts" group]. Forum Psychoanal., 7/3, 214-224.         [ Links ]

Wegner, P. (1992). Zur Bedeutung der Gegenubertragung im psychoanalytischen Erstinterview [On the importance of the countertransference in the psychoanalytic first interview]. Psyche – Z Psychoanal., 46 (3), 286-307.

Wegner, P. (2000). Passion, countertransference enactment, and breakdown in the psychoanalysis of a young woman. J. Am. Psychoanal. Assoc., 48 (3), 811-838.         [ Links ]

Wegner, P. (2006). Uberwältigtwerden als Performance. Performance als Restitutionsversuch [Being overwhelmed as performance. Performance as an attempt at restitution]. Jb. Psychoanal., 53, 29-51.         [ Links ]

Wegner, P. (2007). Repetition, transference and somatosis. Panel report, IPAC, Berlin 2007. DPV-Informationen, 43, p. 44.         [ Links ]

Wegner, P. (2008). Erstinterview [First interview]. In Mertens, W. and Waldvogel, B. (Eds.). Handbuch psychoanalytischer Grundbegriffe. (pp. 177-180) [Handbook of basic psychoanalytic concepts] (3rd revised and expanded edition). Stuttgart: Kohlhammer.         [ Links ]

Wegner, P. (2011a). From not-feeling to transformation of the unbearable. Panel at the 47th IPA Congress, Mexico City 2011. When the body disrupts the analytical situation. Chair: Rappoport de Aisemberg, Elsa (Argentina). Presenter: Aisenstein, Marilia (France); Horn, Admar (Brazil); Wegner, Peter (Germany). [Unpublished]         [ Links ]

Wegner, P. (2011b). Commentary on "Observations on the subjective Indication for Psychoanalysis" by Josef Dantlgraber. In Reith, B. et. al., Initiating Psychoanalysis. Perspectives. Teaching Series. The New Library of Psychoanalysis Series (pp. 189-193). London: Routledge.         [ Links ]

Wegner, P. (2011c). The Opening Scene and the Importance of the Countertransference in the Initial Psychoanalytic Interview. In Reith, B. et al., Initiating Psychoanalysis. Teaching Series. The New Library of Psychoanalysis Series. (pp. 225-242). London: Routlege.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Dr. Peter Wegner
Pfalzhaldenweg 16
D-72070 Tubingen
E-mail: wegner@t-online.de
www.drpeterwegner.de

Recebido em: 2/6/2012
Aceito em: 13/6/2012

 

 

Tradução do original alemão para o inglês: Sophie Leighton
Tradução do inglês: Tania Mara Zalcberg
Revisão: Iliana Warchavchik
Revisão a partir do texto em alemão: Michael Harald Achatz
1 Conferência proferida na SBPSP em 2/6/2012.
2 Membro e analista didata da Associação Psicanalítica Alemã (DPV) e ex-presidente da Federação Europeia de Psicanálise (EPF).
3 Abitur é exame realizado no último ano do ensino médio e serve de admissão para a universidade (NT).
4 Vorgängigkeit der Gegenübertragung = antecedente (ou antecedência) da contratransferência. (nota de tradução para o inglês).
5 Early disordered patients.
6 No sentido de uma reorganização proliferadora patológica do self (Danckwardt, 2011b, p. 212).
7 No sentido de aproximação à "posição depressiva".