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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.45 no.83 São Paulo dic. 2012

 

Debate: com quem aprendemos psicanálise?

 

 

No dia 5 de dezembro de 2012 realizamos o debate sobre o tema proposto pelo corpo editorial do Jornal de Psicanálise para este número "Com quem aprendemos psicanálise?".1 Como ocorreu no número anterior, pensamos numa troca de experiências com pessoas em vários níveis de formação e participação dentro da sbpsp, criando uma rede de comunicação tanto no eixo horizontal como vertical. Outro critério foi a escolha de colegas que tenham tido participação ativa em grupos e instituições dentro e fora da nossa sociedade. Convidamos para este debate, Maria Olympia de Azevedo Ferreira França, analista didata, uma das decanas da nossa sociedade, com várias participações dentro da nossa instituição inclusive como editora do Jornal de Psicanálise. Berta Hoffmann Azevedo, é membro filiado, teve a graduação e parte da sua formação no Rio Grande do Sul, tem experiência institucional no Hospital das Clínicas, desenvolvendo sua tese de mestrado na PUC. Mônica Amaral, membro associado, fez sua formação na França e no Brasil, é docente da Faculdade de Educação da USP e tem desenvolvido um trabalho com adolescentes também fora do consultório. E Rogério Coelho de Souza, membro filiado, esteve à frente durante muitos anos no projeto Articulação da Diretoria de Cultura e Comunidade, tendo passado por instituições como o Enfance.

Jornal: Gostaríamos que vocês falassem das suas trajetórias na busca de serem psicanalistas, para acender uma fagulha que seja na indagação que lançamos para este número: "Com quem aprendemos psicanálise?".

Maria Olympia França: O convite de vocês para participar desta conversa, "Com quem aprendemos psicanálise?", de imediato sinalizou-me a gratidão que tenho por todas as fontes através das quais eu conheci a psicanálise. Mas a primeira coisa que eu teria que refletir seria me indagar: "o que é psicanálise, ou o que é psicanálise para mim?" E eu diria: "É aprender a viver". Essa para mim é a principal qualidade que a psicanálise nos traz. E então, com quem a aprendemos? Embora fazendo uso de um quase chavão, cabe-me somente responder: vivendo o que estiver ao nosso alcance. Sofrendo o que for sofrido e alegrando-se com nossas conquistas; conhecendo e construindo vínculos afetivos através da convivência com nossos pares para assim estabelecer nossa dinâmica psíquico-afetiva. Freud teve a genialidade de observar profundamente o funcionamento mental para em seguida sistematizar seus achados vivenciais reunindo-os em uma Teoria. Quais os campos mais férteis para seus achados? Os livros? Com certeza, não. Mais do que tudo, Freud estava atento a todos os movimentos psicoemocionais de sua vida e ao seu redor. Refletia sobre eles seja no contato solitário consigo mesmo, seja nas francas, longas e profundas conversas com seus pares, procurando situar e correlacionar suas emoções e sentimentos acionados pelas ocorrências experimentadas. O caminho via descobertas pessoais percorrido por Freud diz a favor de que a psicanálise é feita de carne e osso e que para utilizá-la de maneira genuína, é necessário que tenhamos a base experiencial da mesma, vivendo. É nesse espaço de vivências pessoais que se inserem os modelos afetivos e morais que recebemos de nossas famílias e de nossa participação, anônima ou não, nas "praças públicas, nas feiras, nas favelas, nos palácios," enfim, por onde houver a face humana. Esta também é encontrada nas obras de arte, na literatura, na música, nas invenções e destruições, na paz e na guerra, na fartura e na pobreza, enfim, no feio e no bonito. A psicanálise enquanto método favorecerá a utilização dessas vivências para a expansão mental.

Além do espaço das experiências de interação puramente individuais, responsáveis talvez pelo cerne de nossa personalidade, dois outros se formaram para a aprendizagem ou transmissão da psicanálise: o espaço da experiência analítica individual e aquele de investigação e estudo teórico, organizado em torno de uma instituição para tal finalidade. Estes dois espaços terão como função primordial favorecer a articulação e a organização dos achados recebidos pela vida afora. De maneira ímpar, o exercício da análise pessoal nos dará as condições mínimas para nos aproximarmos clinicamente da nossa e das mentes alheias da maneira mais abrangente possível. São estas as considerações que nos levam a conceber a psicanálise como um instrumento para aprender a viver, desde que ela nos dê subsídios para conquistar a noção de "um si mesmo", de nossa subjetividade e do reconhecimento da alteridade. Penso que cabe às Instituições psicanalíticas a transmissão da psicanálise sob dois outros vértices: a transmissão pura e simples dos achados teóricos desde aqueles básicos de Freud e de seus seguidores, assim como a transmissão, tanto quanto possível, das implicações éticas da tarefa analítica.

Vocês nos pediram também para contar um pouco sobre nossa trajetória de vida que nos levou a sermos psicanalistas. De fato, não é possível falarmos desta escolha sem passarmos pelo percurso de nossa vida privada na qual, alguns fatos são responsáveis pelo aproximar-se da psicanálise. Sob este vértice, encontro em mim talvez o mesmo alvo que parece ter sido o de Freud: o prazer na curiosidade pela vida humana, incrementado pela necessidade de recursos para enfrentar os desafios da vida. Como para todos nós, muitos foram os meus. Alguns deles simplesmente para dar conta da sobrevivência do cotidiano, outros para realizar desejos que eu vislumbrava e outros ainda para manter e levar à frente meus ideais. Sem dúvida, todas as experiências significativas de minha vida ensinaram-me o que eu chamo de psicanálise: percorrer e familiarizar-me com tudo aquilo que me aproxima da convicção de ser autora de mim mesma, enfim, de existir e, na tentativa do quanto possível, abandonar meus preconceitos e meus "falsos-selves". Comecei minha análise pessoal em 1965, muitos anos antes de ter cursado uma faculdade. O percurso de minha vida era pleno de experiências, mas eu me via atolada nas mesmas por serem bastante complexas: a felicidade de me sentir querida, sobretudo por meu pai e a dor incompreensível de perdê-lo aos nove anos, o desafio de trabalho aos dez anos, a convivência com oito irmãos, as alternâncias de nível econômico com a morte de meu pai, a morte prematura de meu irmão, a insegurança afetiva com a qual eu desde cedo me deparei. Vivi assim alguns paradoxos: por um lado grandes dificuldades financeiras e por outro a convivência com minha família paterna de grande poder aquisitivo. Tenho toda uma ancestralidade nobiliárquica que, embora nos transmitisse valores de igualdade social, sabemos que o destino dessas origens muitas vezes é alienante. Veja que ironia da sorte: em troca das dificuldades sofridas pela morte de meu pai, ganhei um passaporte de libertação de concepções conservadoras e endogâmicas. Também considero importantes: meu interesse desde muito cedo pela Política de meu país, aprendida com meu pai, minha participação nas lutas de 1964, a alegria e também o peso de, aos 23 anos, ter três filhos e estar esperando o quarto, enfim, as alegrias e o medo de sucumbir aos meus fracassos. Pelos mesmos motivos conheci e enfrentei coisas muito valiosas para a tarefa analítica, como a satisfação no desafio da vida, a força da persistência, a bondade e a solidariedade daqueles que pensaram em mim. Mas porque estou falando isto tudo? Tem a ver diretamente com nosso consultório? Penso que sim. Exercitei alguns traços de personalidade que penso serem importantes para o analista trabalhando. Aprendi a me virar e ser atrevida em face de situações conflitantes; aprendi que a vida a gente vai buscar. Aprendi o valor da paciência e da espera; o exercício da criatividade. O material cru para aprender psicanálise constou disso tudo que me mostrara de perto a diversidade e o imprevisível, a transitoriedade e a finitude da vida. Seja pelo excesso de vivências com suas marcas profundas, seja pela desistência de enfrentá-las, provavelmente eu teria parado por aí se não tivesse tido a sorte de enfrentar uma análise pessoal. Após a decepção de 1964 e a dor de acompanhar tanto sofrimento desnecessário por parte de companheiros, tive a sorte de ser aconselhada, na verdade informada sobre os recursos que poderia obter submetendo-me a uma análise. Foi Alceu Amoroso Lima, intelectual firme em seus valores sociais que me dirigiu para a sbpsp. Iniciei então uma análise com Breno Ribeiro, um dos pioneiros de nossa Sociedade. E aqui vai minha gratidão ao meu analista e a esta Instituição. Se digo que aprendi psicanálise vivendo, também me é claro que foram em minhas análises que aprendi a psicanálise como instrumento quase que único para utilizar a meu favor a série de experiências então colecionadas e nem sempre suficientemente digeridas. Essa análise me trouxe vida nova e decidi então cursar a faculdade de psicologia para depois candidatar-me ao Instituto, "obviamente" da Sociedade de meu analista. Uma de minhas constantes preocupações com nossa Sociedade foi de que ela seja aberta para o social inclusive como benefício para ela mesma, "para conhecer o mundo". Parece que nos afastamos um pouco da abertura para o social em relação aos nossos primeiros anos de existência, nos quais se dava mais atenção, anonimamente ou não, aos problemas humanitários que estão a nossa volta. Ganhou-se mais democracia interna, mas perdeu-se algo valioso para a formação do analista que pretende estar de portas abertas para quem chegar. De todo jeito gosto muito de nossa Instituição.

Rogério Coelho de Souza: Interessante, não é, Maria Olympia? Porque apesar do Jornal ter feito três perguntas, é difícil respondê-las separadamente. Você estava nos contando, na tentativa de juntar as três: a história de vida, a origem...O tema implica nessa superposição que vocês do Jornal tentaram dividir didaticamente em três perguntas. O que a Maria Olympia conta é muito importante porque mescla as três questões, não é? A família, origem, a formação teórica, a instituição, essas coisas todas...Formando uma rede, como um tecido dentro de nós. Acho que não há como não ser assim.

Monica Amaral: Fiquei intrigada com a segunda pergunta2 falando da diversidade dos grupos, que me fez pensar na dispersão, mais do que na diversidade. E eu acho que esse é um grande problema que a gente vive hoje. Às vezes, me sinto uma escrava da internet! Então eu acho que um dos grandes desafios para a psicanálise, é caminhar na contramão, como dizia Walter Benjamin, "no contrapelo da história". E isto pode ser pensado tanto no que diz respeito a nós mesmos, quanto em relação aos nossos pacientes. Também na Universidade, onde fazemos pesquisa. No caso, coordeno uma pesquisa envolvendo jovens de catorze, quinze anos no Capão Redondo, considerada uma das regiões mais violentas, mas que em contrapartida é a terra dos Racionais mc's, um grupo pioneiro de rappers em São Paulo. Estou trabalhando com esse interesse dos jovens pelo rap. Embora tenha estudado um pouco sobre o funk, hoje estou me debruçando mais sobre o hip hop e o rap. Pensando a propósito destas manifestações culturais, se de um lado, observa-se uma tendência pós-moderna, marcada pela dispersão, volatilidade das relações pessoais, assim como com o conhecimento, de outro, delineia-se outra tendência, às vezes atravessando a primeira, que é a necessidade de construção de uma identidade, a mais fortalecida possível. É isso que eu vejo naqueles jovens do movimento hip hop e do rap.

Quanto à minha formação, fiz um percurso pela psicanálise, inicialmente pela epistemologia da psicanálise na Unicamp com os filósofos Roberto Monzani, Bento Prado, para depois fazer o doutorado na usp. Procurei a orientação da Profa. Iray Carone, no ipusp3, por se tratar de uma filósofa que sempre se demonstrou aberta ao diálogo crítico com a psicanálise, a partir de nossa inserção no mundo. Então desde a época que eu a procurei no mestrado e depois no doutorado, foi para pensar, não apenas a partir da Teoria Crítica (Escola de Frankfurt) que era objeto de estudo dela, mas para fazer convergir esse percurso "teórico", da Teoria Crítica à psicanálise. Fiz uma parte de meu doutorado com Laplanche e fiz estágio pós-doc com Philippe Jeammet, para conhecer o trabalho clínico desenvolvido por este último com casos bem graves na adolescência. E foi riquíssimo. E depois, mergulhei na psicanálise orientada para a clínica aqui na Sociedade. Um percurso que foi sendo sintetizado ao longo de meu trabalho, seja clínico, seja com os adolescentes da periferia por meio de oficinas de arte, seja supervisionando os meus orientandos que estão fazendo suas pesquisas de campo com os jovens por meio da música.

Então, procuro entender essa dupla vertente pós-moderna, que visualizo nos interstícios da vida de qualquer segmento social, marcada, de um lado, por essa tendência fluída e de outro, por essa necessidade de afirmação de si, principalmente daqueles que estão soltos demais no mundo. Encontrei no filósofo Slavoj Zizek um autor que transita muito entre a psicanálise e a Filosofia, particularmente, em seu livro Violence (2008), onde sustenta que estamos vivendo "sem mundo", no Worldless. E eu digo: "Alguns estão mais sem mundo que outros". E quanto mais sem mundo, maior a necessidade de afirmação de si. E aí, finalmente, descubro Axel Honneth, em seu livro Luta por reconhecimento (2003). Este autor trabalhou com Habermas, mas discorda em um assunto que Adorno também discordaria se estivesse vivo. Habermas acredita na possibilidade de se criar, mesmo numa sociedade de classes permeada por contradições, uma situação ideal para que haja uma comunicação entre pessoas e grupos que exercem poderes distintos e desiguais. No entanto, Axel Honneth deixa claro que essa situação não existe: "que a luta pelo reconhecimento se dará num cenário de conflitos". Diz ele: "Se a sociedade é desigual, se os poderes não são os mesmos, distribuídos igualmente, nós teremos uma série de questões a serem enfrentadas".

Então, eu acho que a luta pelo reconhecimento está presente entre os rappers e, nesse ponto concordo com a Maria Olympia, que a psicanálise de São Paulo, do Brasil, tem que olhar mais para o social, é um desafio para nós. E eu acho que é preciso articular o nosso conhecimento com o que esses filósofos estão falando. E também com o que tem sido dito pelos novos filósofos do cotidiano, da periferia: aqueles jovenzinhos que se identificam com o rap e os próprios rappers pelos quais eu ando apaixonada, dada a capacidade de síntese e de elaboração que eles têm desse nosso mundo de hoje. É uma loucura! Assim, numa frase eles sintetizam o pensamento de séculos de história. Daí a adesão muito grande dos jovens. Negro Drama é um texto imenso, letra de uma música dos Racionais mc's, que exige o reconhecimento do negro em nossa sociedade, e que os jovens sabem de cor! Então, eu acho que a gente tem que olhar um pouco mais para isso também, não é? Para o que está acontecendo na escola pública brasileira. Não é possível um país como o nosso ter uma escola tão desastrosa e tão distante dos jovens da periferia. O que a gente pode contribuir? E o que o psicanalista pode contribuir para a área de educação e para pensar as questões da cultura desse país? Para mim, a psicanálise é essa escuta atenta não só de sua própria subjetividade, que é necessária, mas daqueles que nos rodeiam, não apenas os pacientes. Então para mim é essencial pensar a subjetividade no mundo. É para esse lado que eu acho que a psicanálise tem que se voltar, pelo menos do meu ponto de vista. É o estar no mundo, e como nós, psicanalistas, podemos pensar isso. Acho que o encontro com o Axel Honneth tem sido importante porque eu sempre fui atrás desse conflito, entendeu? Experimentei os conflitos em minha família, onde havia pessoas de direita e de esquerda em plena década de sessenta. E depois na Universidade, no final dos anos 1970.

Todas essas leituras e formações às quais tive acesso foram importantes para minha formação. Gosto da ideia de poder sintetizar o que eu aprendi fora daqui com a formação obtida na Sociedade. Infelizmente, não tenho podido frequentar muito a Sociedade, uma vez que me encontro bastante absorvida, não apenas com a universidade, com a Faculdade de Educação da usp, onde trabalho como docente e pesquisadora, mas por essas leituras e pesquisa de campo com adolescentes da periferia.

De outro lado, trago comigo a análise que fiz com o Fábio Hermann, a quem sou muito grata, as supervisões de dois anos com Isaías Melsohn, e depois, com Márcio Giovanetti. A todos eles eu sou muito grata mesmo. E aos grupos que fazíamos com os nossos colegas, podendo discutir os casos, articular o que pensávamos com a sensibilidade clínica. Eu vinha com uma formação mais teórica, e meus colegas com um tempo já acumulado de formação clínica. Então eu acho que a gente se enriquecia muito.

Tudo isso carrego comigo, tanto em meu trabalho clínico com adolescentes, como em meu trabalho em escola pública, depois numa ong e agora, uma novidade para nossa equipe, entraremos em contato com uma escola modelo, a Escola de Aplicação da usp. Nela pretendemos dar continuidade às oficinas com os adolescentes, envolvendo identidade, música e letramento. O trabalho pressupõe também participação dos professores, no sentido de que eles possam desenvolver um olhar atento para o aluno, sobretudo o adolescente, em sala de aula. Então eu acompanhei bem o debate interno, pessoal e político ao mesmo tempo.

E de outro lado, o meu encontro com a psicanálise, que durante a faculdade me aprofundei pouco. Não é que eu rejeitei, eu fui mais para o lado da psicologia social etc...dela me aproximei quando inicio o mestrado e me aprofundo no doutorado fazendo um diálogo com o que eu pensava do ponto de vista social, cujo conhecimento, ao mesmo tempo, me transformou. Acho muito interessante a ideia do Fábio Herrmann, da Psicanálise Extensa. Encontrei também um acolhimento para minhas preocupações por parte do Laplanche, numa época em que aqui se via com muito preconceito o diálogo da psicanálise com a cultura, como se fosse uma psicanálise menor. Então eu levei como tema a questão das tendências narcísicas no mundo moderno, como uma questão a partir da qual seria possível pensar os rumos da cultura contemporânea. Ele me ajudou muito a articular os estudos da psicanálise com a história do meu país. De como seria importante partir de minha hipótese sustentada em meu doutorado de que estávamos diante do aprofundamento das tendências narcísicas de constituição da subjetividade, mas fundamentá-la por meio de um estudo mais aprofundado sobre a história do Brasil. Foi uma conversa boa que tivemos nesse sentido.

Berta Hoffmann Azevedo: Achei interessante que para responder a essa primeira pergunta, que solicitava que falássemos como aprendemos psicanálise partindo da nossa própria trajetória, tanto a Maria Olympia como a Mônica foram respondendo com lembranças muito anteriores a uma formação oficial, formal. Quando pensei em uma resposta, também me vi resgatando um percurso anterior à entrada no instituto. Esse movimento nos leva a pensar que nossa formação enquanto psicanalistas não é inaugurada quando escolhemos um instituto de formação, e que tem algo de nossa motivação e desejo que é singular e para serem desenvolvidos precisam encontrar um espaço que reconheça esse desejo. O interessante na formulação da pergunta é que não é "quem nos ensina psicanálise", que colocaria o peso em quem nos transmite, e sim "com quem aprendemos (ou apreendemos) psicanálise". A forma como foi formulada, já de partida implica o sujeito nisso. Implica, então, a Maria Olympia contando a história dela, a Mônica a dela e certamente o Rogério vai falar da dele. É difícil situarmos as influências que nos marcaram e quando nossa formação é iniciada. Quando comecei a pensar, lembrei que quando entrei para a Faculdade de Psicologia, eu já estava, em realidade, em busca da psicanálise. Eu já tinha contato com muitos psicanalistas e já tinha experiência como paciente. Rapidamente ao entrar para Faculdade de Psicologia reconheci nas disciplinas de psicanálise aquilo que me fazia sentido. A partir de então, vivi, junto com meus colegas mais próximos, uma experiência que deixou uma marca de valor muito significativo em mim. Paralelamente à Faculdade de Psicologia, desde o segundo ou terceiro semestre, fazíamos grupos de estudos de psicanálise em diferentes instituições e em consultórios de psicanalistas. O contato com posições e escutas de pessoas de instituições, muito diversas umas das outras, deixou mais forte a convicção de que teria que construir posições próprias e me comprometer com o percurso escolhido. Também tínhamos um grupo de monitores das disciplinas de psicanálise, que era tão produtivo que participava na escrita de livros e organização de simpósios. Quer dizer, já íamos nos movimentando sem esperar que uma instituição nos dissesse exatamente o caminho. Isso tudo em Porto Alegre, que é um lugar que tem diferentes instituições de psicanálise, com tensões entre elas. Portanto circular, para mim, era uma coisa muito preciosa, era a possibilidade de manter algum tipo de liberdade de pensamento. E quando eu cheguei a São Paulo, queria preservar isso, essa possibilidade de circular, conhecer as instituições, escolher. Então fui fazer curso no Sedes, mestrado na puc e, além do consultório, atendi durante alguns anos no hc, trabalhando com pacientes diagnosticados com crises pseudoepilépticas. Eram pacientes que vinham da neurologia para ser atendidos por um grupo da divisão de Psicologia. Essa experiência virou tema do meu mestrado, depois transformado em livro. A clínica tem coisas fantásticas, uma das que me encantam é que ela nos desacomoda, nos defronta com o inacabado sempre e nos faz movimentar, buscando espaços para pensar os impasses clínicos, o que me fez escolher entrar para o Instituto. Assim como para a Mônica, a universidade sempre esteve presente na minha trajetória. Há alguns anos sou professora das disciplinas de psicanálise da faculdade de Psicologia da São Marcos e acredito vivamente na importância da psicanálise na universidade. Apesar disso, senti necessidade de participar de um lugar, como a Sociedade, em que há troca clínica e espaço para discussões de psicanálise, diferentes daquelas possíveis na universidade.

A segunda pergunta proposta pelo Jornal diz respeito à estrutura do currículo de formação e, quanto a isso, tivemos uma importante conquista há alguns anos: um currículo menos padronizado, com o máximo de seminários eletivos e a abertura para a organização de grupos pré-formados, conduzidos por um analista da escolha dos membros filiados. Essa maior liberdade de que os seminários cursados tenham a ver com o desejo do membro filiado tem muito valor enquanto formação, justamente faz com que seja preciso o comprometimento com o caminho que se está fazendo e com o que se está escolhendo. Não é justamente essa uma das grandes descobertas que fazemos em uma análise, a de que fazer um caminho que leve em conta o desejo tem custos e consequências? Esse é um elemento que levo muito a sério na vida e na formação analítica: pensar formas de preservar a manifestação do desejo. A nossa instituição tem algumas coisas muito interessantes nesse sentido, como essa maneira de formar os seminários, por exemplo, mas também tem algumas coisas ainda muito burocráticas que vão na direção oposta e que, me parece, valem a pena ao menos serem pensadas. Se tratamos de desejo, o espaço para a diferença me parece fundamental, de maneira que as padronizações são complicadas. Essa questão colocada pelo Jornal sobre como pensar uma formação que de fato favoreça o analista em sua interminável construção é algo complexo, que merece ser tema de discussões profundas. Para finalizar, entendo que o fundamental da formação de um analista se dá no divã, seja como paciente, ou conduzindo a análise de seus pacientes. É o fundamental, mas não o bastante: o analista fechado num consultório corre o risco de se esgotar em si, ele precisa ser enriquecido pelas experiências que tem fora. É preciso ter troca com os colegas, viver, estudar, ir ao cinema, ver uma exposição de arte...coisas que vão enriquecendo a formação, e que não estão ligadas a uma instituição.

Rogério Coelho de Souza: Pois então, quando convidam quatro pessoas para falar, três são mulheres e um é homem, é natural que por cavalheirismo o homem vá ficando por último! Eu estava esperando mesmo. Fico encantado com a ideia de nós conversarmos, das pessoas contarem o que pensam e acabarem contando um pouco da trajetória que fizeram, que estão fazendo agora. Digo isso pegando um gancho dos comentários que vocês fizeram, a respeito de coisas que eu já fiz, inclusive aqui na própria Sociedade, como foi o caso do projeto "Articulação", que nem era uma proposta minha, era da Cecília Orsini. Ela me convidou e eu topei fazer, tentar fazer. Depois continuei na gestão da Magda Khouri.

Mônica: Como é que era essa proposta?

Rogério Coelho de Souza: A proposta era uma coisa bastante ousada, porque pretendia juntar pessoas em torno de um tema, pessoas que tivessem uma afinidade, que fosse simultaneamente do campo da psicanálise e de alguma outra área de conhecimento. Como se fosse uma interface. Então, nós fizemos isso algumas vezes, juntando gente que tinha envolvimento com literatura e psicanálise, música e psicanálise, e assim por diante. Tentamos fazer isso algumas vezes. Foi bacana juntar as pessoas em torno dos temas, mas o mais especial, eu acho, pelo menos para mim, foi ter a possibilidade de se criar entre colegas, que nem sempre se conheciam mais proximamente, uma experiência de intimidade. Acho que foi uma oportunidade bem interessante. Até uma das experiências se desdobrou, tentou se desdobrar, na continuidade de um grupo que passasse a estudar o tema original do encontro. Para mim a parte mais rica dessa experiência não foi tanto o aspecto teórico ou intelectual, que obviamente me agradava, mas foi mais o aspecto humano da intimidade e da construção de confiança entre as pessoas para podermos ter intimidade. Do meu ponto de vista - para não ser repetitivo em relação às coisas que já foram ditas, com as quais eu concordo literalmente - eu destacaria a respeito da psicanálise e do que me é importante para poder ser psicanalista, enfim, para minha compreensão da psicanálise, exatamente isso: poder ter uma experiência onde haja confiança o suficiente para um tipo muito particular de intimidade, onde a questão do ser humano possa acontecer, claro que dentro de certa especificidade própria à psicanálise. Isso não precisa ser necessariamente entre duas pessoas apenas, pode acontecer entre mais pessoas, pode até ser socialmente em grupos maiores, nas experiências sociais. Nesse sentido, também no meu percurso pessoal, poderia contar alguma coisa sobre isso. Mas eu estava pensando que as perguntas feitas pelo Jornal se misturam. E por isso gostei muito quando a Maria Olympia estava contando da origem da família, porque comigo não foi diferente. Acho que comecei a aprender psicanálise evidentemente com meu pai e minha mãe. Por exemplo, numa experiência que fazíamos em casa, por iniciativa dos meus pais. Lembro-me, quando comecei a participar de modo mais consciente, de ter uns dez, onze anos, e após o jantar, ao invés de sempre vermos televisão, nos juntávamos (meus pais, meu irmão e eu) na sala, e, como meu pai nos incentivava a ler, conversávamos sobre o que tínhamos lido de Shakespeare, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa e outros mais. Pelo que me lembre, meus primeiros professores de psicanálise foram esses, os autores da literatura. Era muito interessante, eu aprendi muito. Eu não sabia, mas já estava aprendendo psicanálise com essa experiência familiar, que era uma experiência de conhecimento mesmo, de conhecimento humano, porque literatura é uma fonte, não exclusiva, claro, mas uma fonte importante de conhecimento sobre o ser humano. Era uma experiência curiosa, respeitosa e afetiva. Minha história pessoal é longa, mas simplificando foi por meio da medicina que vim a ser psicanalista. Durante a época da faculdade, já para o final dela, foi que eu resolvi me envolver com a psiquiatria, já com um pouco de ligação com a psicanálise. Quase fui obstetra, só não fui por conta de uma enfermeira para com quem sou muito grato, pois, ao me contar que eu "irradiava" o parto (eu ficava falando alto como se fosse um locutor de rádio narrando futebol), me ajudou a perceber que colaborar para fazer o parto me deixava ansioso. Duas coisas foram muito importantes para mim, no que diz respeito a meu envolvimento com a psicanálise. Uma foi minha mulher, que obviamente tem importância até hoje, mas foi ela que me apresentou a psicanálise, no seu sentido mais formal. E isso aconteceu por meio de alguém que a Maria Olympia certamente vai se lembrar, que foi a Amina Maggi, uma pessoa muito importante para mim. Eu estava no quarto ou quinto ano da faculdade e passei a fazer um grupo de estudo de psicanálise com ela. Isso porque minha mulher já fazia parte desse grupo de estudo, uma vez que era aluna dela na USP. Isso me ajudou a me encantar muito com a psicanálise e começar a me envolver. E a outra coisa, a segunda experiência muito importante foi com a Comunidade Terapêutica Enfance. Não fui obstetra para ajudar crianças a nascer, mas me tornei psicanalista para fazer outro tipo de parto, se vocês me permitem a metáfora. A Comunidade Enfance teve muito a ver com essa minha trajetória. Não vou falar disso, porque a minha história é muito longa, tem muita gente. A Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo é bastante preenchida por pessoas que passaram por lá.

Maria Olympia França: O Michael4 por exemplo.

Rogério Coelho de Souza: É verdade. Muitas pessoas. Acho que deve ter aqui, na Sociedade, umas trinta pessoas mais ou menos. O Michael, por exemplo, que a Maria Olympia lembrou, formava uma dupla especial com o Di Loreto, lá na Comunidade Terapêutica Enfance, e depois já mais velho veio para o Instituto aqui da Sociedade.

Maria Olympia França: Então, está aí uma experiência mais democrática da Instituição. Conseguimos que o Michael fosse aceito vencendo uma resistência quanto a candidatos com mais de 60 anos. A contribuição dele, pelo seu entusiasmo e experiência de vida, foi muito grande apesar de ter morrido no terceiro ano.

Rogério Coelho de Souza: Michael foi um dos fundadores da Enfance, junto com o Di Loreto e outros mais. Então, ter trabalhado lá foi uma experiência muito importante, que nós na época chamávamos de "psiquiatria social". Uma das boas lembranças que eu tenho na vida. Com isso vou me aproximando um pouco do que a Mônica falou. Foi em 1980 ou 1981. Acho que em 1980, na praça central de Diadema, na época que Diadema era um lugar distante...Antes da abertura política. Havia um trabalho, do qual cheguei a participar, em que se reuniam os engraxates da praça central. Tínhamos um grupo operativo com eles. Então, era muito interessante, uma experiência de vida fantástica! A comunidade tinha essa característica, de ter uma atividade muito forte do ponto de vista social e político também. Era uma postura política bastante importante. Quase todos daquela época estavam ou vieram a se encaminhar para a psicanálise. E isso evidentemente ajudou muito a reforçar meu interesse pela psicanálise. Claro que teve minha análise pessoal, essas coisas mais próprias de se tornar psicanalista. Eu curiosamente não imaginava vir a fazer parte da Sociedade. Não era uma coisa que tinha em mente naquela época. Não tinha como plano de vida profissional. Mas eu fiz minha primeira análise com a Myrna Favilli, daqui da Sociedade, durante alguns anos. Entendo que isso foi determinante para mim. Quando fui para o Instituto Sedes Sapientiae tive minha primeira experiência mais organizada com a psicanálise, porque lá havia, e penso que ainda há, uma formação bastante séria. Depois, quando saí de lá e de um hospital da Prefeitura de São Paulo em que trabalhava na época, fiquei concentrado apenas no consultório. Trabalhei muito com criança em atendimento psicanalítico. Foi uma vantagem, no caso, ser homem e trabalhar com criança. Meu consultório era bem ocupado de crianças e isso é relativamente raro, ter um analista, homem, de crianças. Para mim foi muito bom, aprendi muito com meus pequenos pacientes, o que me ajudou a, inclusive, educar meus filhos, até porque o consultório me dava possibilidade econômica de sustentar a família, pagar a escola dos filhos etc.

Eunice: Os filhos ensinavam também...

Rogério Coelho de Souza: Exatamente! Isso é uma coisa curiosa. Fui ficando mais velho e fui percebendo que à medida que meus filhos foram crescendo, meus pacientes foram crescendo também...Atendi crianças, depois adolescentes e hoje mais adultos. Eu já nem atendo mais crianças. Curiosamente agora eu começo a atender pessoas de mais idade. Tem sido um aprendizado. Então...Tentando responder ao Jornal, claro que eu aprendi muito psicanálise com os meus analistas nas minhas análises pessoais, obviamente com os supervisores, com um número muito grande de pessoas, com os colegas também é bom que se diga, mas certamente eu aprendi muito com os pacientes. Os pacientes são encantadores, e têm uma paciência enorme com a gente. Eles suportam os nossos erros, e isto é maravilhoso porque nos dá a possibilidade de aprender com os erros. E tenho essa trajetória curiosa de que os pacientes foram ficando mais velhos com o tempo. A experiência de ter atendido alguém quando criança e voltar atender essa mesma pessoa já adulta, é algo que eu também já vivi algumas vezes. Descobrir que agora é outra pessoa e o paciente descobrir que eu também sou outra pessoa é algo muito interessante! Mas atualmente eu tenho atendido algumas pessoas de mais idade, mais velhas do que eu. Tenho três pacientes, digamos, mais avançados na idade: uma de 72, outra de 75 e um de 82. Uma delas já tinha feito análise antes, mas os outros dois nunca tinham feito análise na vida, é a primeira análise. Sinto-me extremamente honrado dessas pessoas me procurarem como analista. Claro que todos têm os seus sofrimentos, inerentes ao fato de serem seres vivos, mas trata-se de experiência muito significativa. Quanto à segunda pergunta do Jornal, eu também fiquei intrigado em relação às mudanças, não é? Tive muitas mudanças. Eu não saberia localizar uma. Houve, naturalmente, a vinda aqui para a Sociedade de Psicanálise. Envolvi-me com a filosofia também. Fiz vestibular, entrei na Filosofia da USP e consegui ir até o final do curso, sou graduado em Filosofia. A Filosofia foi outra coisa importante na minha vida, uma mudança certamente. Acredito que estava relacionado, ou pelo menos houve certa coincidência, com a minha vinda para a Sociedade. Eu estava em análise com o Orestes Forlenza. Minha análise com ele durou, acho, treze anos, sei lá quantos anos, um monte de anos, nem lembro mais. Ele teve muita paciência comigo. Certamente aprendi muito com ele, além de que gostava muito de fazer análise com ele, por isso perdurou todos aqueles anos. No final, nós interrompemos. Eu já estava aqui na Sociedade, valeu como análise didática, aquela coisa toda da formação psicanalítica. Aí a Sociedade foi uma descoberta, porque a Sociedade é muito diversificada nesse sentido. No começo eu também achei a Sociedade meio dispersa, porque o "Sedes" que era bem menor tinha uma cara de escola; já aqui era bem diferente. Mas depois de certo tempo eu entrei no clima, como se diz. Eu acho muito importante, acho muito rica, a diversidade da sbpsp. Como eu estou há muito tempo no Instituto peguei várias mudanças. Eu sou da época anterior aos seminários eletivos. Já se podia escolher os coordenadores, e tal...Mas não tinha ainda os seminários eletivos, nem a formação continuada. Quando passou a acontecer fez todo sentido para mim fazer a formação continuada. De certo modo é algo que se faz até morrer porque isso é necessário na vida do analista, algo que se deve fazer mesmo, independente de se transitar para membro associado, efetivo. Aqui na Sociedade recebi o convite para participar da Diretoria de Cultura. Uma experiência bem valiosa. Mais recentemente, fui para a Revista Brasileira de Psicanálise, que tem sido uma experiência muito, muito boa. Tem sido uma fonte muito boa de aprendizado. Enfim, aprendi com essas pessoas, todas essas pessoas. Mas, ao mesmo tempo, continuo aprendendo com aqueles grandes autores da literatura, da época da minha puberdade, aos quais muitos outros se somaram, inclusive os da filosofia e da psicanálise. Grandes autores que vieram da experiência com minha família, vamos dizer assim.

Eunice: Então, depois dessa apresentação de cada um, eu fiquei pensando numa extensão da questão: "o que mudou em relação à formação do analista?". Eu estava pensando em relação à clínica. Por exemplo, quando o Rogério falou que ele atende essas pessoas de 73, 82 anos, eu me lembrei que Freud, contraindicava psicanálise para mulheres acima de 40 anos. A Daniele Quinodoz, a Miriam Altman, nossa colega aqui, também apresentaram trabalhos sobre a questão da análise com pessoas na terceira idade. Então, essa questão da clínica da terceira idade, eu acho que é algo novo. Outro aspecto que também vinha pensando, é a clínica com adolescentes. Porque acho que tem sido um desafio muito grande isso que a Mônica traz em relação aos adolescentes. O que é essa cultura? Porque, para nós trabalharmos com adolescentes, vamos ter que olhar para esse mundo que está numa tremenda modificação. Então assim, eu queria também aproveitar para conversar sobre isso: a mudança que aconteceu na clínica, a mudança que aconteceu na nossa Sociedade, quer dizer, com a questão dos grupos eletivos, e uma coisa que eu acho que teve a influência da Maria Olympia, foi trazer os grupos de estudo para dentro da Sociedade, criando essa diversidade de grupos hoje na Sociedade.

Maria Olympia França: Sim, isso eu propus enquanto diretora científica. Percebi que institucionalizar os grupos de estudos, ou segmentos científicos como nomeei primeiramente, seria uma alternativa para acolher a diversidade de interesses de conhecimentos, sem fragmentar o todo básico do ensino e do grupo psicanalítico.

Eunice: Exatamente! Então é para falar dessa experiência. E a questão que a Berta falou de circular. Eu acho que os novos membros filiados vêm já com essa ideia de circular pelas diversas escolas, pelos vários modelos institucionais, quer dizer, algo que é muito diferente daquele modelo autoral que você vai seguir Freud, Bion, Melanie Klein. Então, acho que tem havido uma mudança grande assim, nessa formação. Eu queria ouvir vocês, porque eu acho que vocês também têm sido os agentes dessa mudança.

Monica Amaral: Tem uma coisa que eu aprendi teoricamente e depois na clínica. Eu acho que nesse sentido Laplanche me ajudou muito, no sentido de aprender com ele, como dialogar, por exemplo, Freud com Freud. Confrontar Freud que tem uma abordagem mais "biologizante", com Freud com uma abordagem voltada para a alteridade. Enfim, os vários ângulos possíveis dos quais podíamos ver Freud e a partir daí se criar os modelos enfim, diálogos com outras correntes. E por outro lado, eu cheguei até a comentar com a Eunice, que fiquei abismada com a capacidade que Laplanche tinha com os seus quase 70 e poucos anos de idade. Quando estive em um Congresso, em Nice, lá estava ele, com cerca de trezentos analistas ou mais, dialogando com as diversas tendências e conversando a partir do que ele pensava de Freud, ponderando sobre cada uma das possibilidades de leitura de determinados temas, problemas e etc. O contato com as ideias de Freud e com a releitura de Laplanche foi uma âncora para minha formação. Uma coisa é você passear por diversos caminhos, outra coisa é você se aprofundar no "pai de todos", o próprio Freud. De outro lado, eu acho que o fato de eu ter percebido em Laplanche uma determinada linha teórica e clínica; ninguém aqui conhece a clínica do Laplanche, pois além de estudar a epistemologia freudiana, ele tinha uma capacidade de pensar a clínica muito interessante, o que me ajudou a me abrir para outros pensadores atuais da psicanálise. Como aqui no Brasil, quando conheci a Teoria dos Campos de Fábio Herrmann e a psicanálise de Isaías em suas aproximações entre a Fenomenologia e a psicanálise; a questão dos estados-limite dos adolescentes que me aproximou de André Green e Jeammet. Também conheci Jacques André que propõe uma leitura crítica do próprio Laplanche e Freud. Esses autores me fizeram ver as inúmeras possibilidades de leitura de um mesmo fenômeno. Considero que tudo isso me traz alguma liberdade para poder enfrentar a clínica contemporânea...Às vezes nem é tão difícil a clínica do adolescente, mas a dos pais. Se com a criança a gente não pode atender sem levar em consideração os pais, com o adolescente não deixa de acontecer algo nessa linha, mas é preciso analisar o ambiente mais amplo para além da família, se está oferecendo ou não, sustentação ao adolescente.

Maria Olympia França: Vocês me perguntaram sobre as mudanças ocorridas nesta Sociedade. Sim, foram muitas. Algumas positivas, outras prejudiciais para a Sociedade. Cabe a nós ir avaliando os lados positivos e negativos dessas mudanças. Eu citei há pouco que somos uma instituição mais democrática atualmente quanto a distribuição de poder, mas no entanto me parece ser uma "democracia seca" ou coisa assim. Embora um tanto paradoxal, se por um lado a Instituição tornou-se menos endogâmica e mais democrática interna e externamente, por outro, arrisco dizer que individualmente tornamo-nos mais egoístas, seja com nossos próprios colegas seja em face da responsabilidade social de transmitirmos e utilizarmos nosso Saber em bem do coletivo. Olhando para vinte ou trinta anos atrás, o grupo societário era mais amigo, amigo com letra grande, pois as críticas eram mais abertas e construtivamente apontadas. Por outro lado, as famílias transferenciais eram bastante acentuadas em decorrência de um menor número de didatas, o que tornava o grupo mais endogâmico e menos democrático. A abertura para as Sociedades congêneres deixava muito a desejar.

Rogério Coelho de Souza: Era um grupo menor também, não é?

Maria Olympia França: Sim, era um grupo menor, mas refiro-me a preocupações sociais daquele tempo, como a existência de bolsas de estudo. Luiz Vizzoni, colega que dá o nome à nossa Associação dos Membros Filiados, fazia sua formação com bolsa de estudo. Alguns analistas significativos para a Sociedade também fizeram suas análises com bolsas de estudo, fatos estes que indicam que os analistas dessa época eram mais imbuídos do amor à transmissão da psicanálise e ao mérito de seus analisandos. Certamente a finalidade da clínica não era a de ganhar dinheiro, aliás o que em si não acho um mérito. Virgínia, Lygia, Philips, Darcy e tantos outros, cobravam o que se podia pagar, mas não eram bobos. Selecionavam os seus clientes quanto aos seus desejos, capacidade e disposição para análise, enfim valorizavam seus trabalhos. Nessa época pacientes não lhe faltavam e sabiam cobrar também daqueles que podiam pagar.

Berta Hoffmann Azevedo: Fiquei pensando na "democracia seca" mencionada pela Maria Olympia, pela importância do tema. Passado esse momento recente de votações e confrontações de propostas, entendo que se apresenta um desafio.

Maria Olympia França: Vocês estão se referindo às assembleias?

Berta Hoffmann Azevedo: Isso, em assembleias! Essas decisões relativas a currículo, análise didática e supervisão que foram votadas. Se, por um lado a votação faz parte da democracia, ela sozinha é pobre. Entendo que o nosso desafio hoje talvez seja aproveitar esse momento em que as coisas não estão direcionadas para votação e, portanto, as pessoas não estão tão sensíveis e ameaçadas pelas ideias contrárias, para conseguir de fato se escutar e considerar as diferentes posições. Essa época das votações provocou reações muito intensas, o que de certa forma é natural, e despertou uma talvez especial incapacidade das pessoas se escutarem, já que envolviam temáticas muito delicadas, que tinham efeitos práticos diretos na formação dentro do Instituto e na atuação dos analistas. Então, naquela época não foi possível um verdadeiro debate de ideias. Agora estamos em outro momento e me parece fundamental numa instituição mantermos a possibilidade de discutir, de colocar temáticas em questão e se manter pensando, promovendo um ambiente em que a diferença possa existir e ser aproveitada. Frequentemente se vê que, diante do diferente, surgem duas possibilidades: ou o diferente é excluído e calado, ou sua diferença em si é que é eliminada, tornando tudo o mesmo. O desafio é, então, suportar o outro em sua diferença e criar espaços de debate, tanto no nível da Sociedade como também no da Associação dos Membros Filiados, para que não fique essa "Democracia Seca".

Maria Olympia França: Estou inteiramente de acordo com você. Há 30 ou 35 anos poucos mandavam, Virgínia dirigiu muito nossos rumos. Ela, Lygia, Isaías, Ferrão5 estavam sempre discutindo, mas me parece que conseguiam chegar a um consenso. Agora, o importante era que havia a participação interessada de todos. Não podemos esquecer que nessa época eram no máximo uns 40 ou 50 membros. Tem mesmo que haver um rearranjo, como dizia o Rogério, se temos agora o número perto de 900 entre membros e filiados. Quando falei em democracia seca como você citou, referi-me à pequena participação dos membros da instituição, sejam eles da categoria que forem. Concordo com a Berta, que um dos pontos fracos de nossa chamada democracia é o pouco aprofundamento e interesse de seus membros por nossas necessidades ou pelo menos estar a par do que esta acontecendo. Com essa mentalidade não há assembleia ou votação que seja representativa de nossas escolhas, a não ser aquela egoísta e individualista "deixa como está, para ver como é que fica". Ainda não chegamos ao limite, mas devemos brecar nosso individualismo tão generalizado universalmente, assim como a ambição pelo poder apenas como tal, sem levar em conta a competência, a responsabilidade, a solidariedade...

Rogério Coelho de Souza: Mas sempre houve resistência. Acho que você é uma das pessoas representativas da resistência frente a essa posição mais egoísta. Você sempre foi muito resistente a isso. A lembrança da Eunice sobre a questão de trazer os grupos de estudo é um exemplo disso. Você estava contando da questão do desmembramento da Diretoria de Cultura, da questão sobre a revisão do currículo da formação. Isso tudo faz parte de uma força de resistência, eu acho, que ainda existe. Você que conhece a história melhor, Maria Olympia, pode me dizer, mas acho que uma coisa que torna mais difícil hoje, que é um desafio para todos nós hoje em dia, é o número de pessoas. Porque a conversa, como a Berta estava falando, que é uma coisa importante -e a experiência do projeto "Articulação" me deu um tanto essa chance de conversar com várias pessoas da Sociedade - torna-se mais complicada de acontecer quando se tem um número muito grande de pessoas. Você acaba não tendo oportunidade de conhecer todo mundo.

Eunice: Poucas pessoas participam efetivamente. Acabam formando-se pequenos núcleos.

Maria Olympia França: E depois sempre vêm as reclamações...

Rogério Coelho de Souza: Temos esse desafio, não é mesmo? Acho isso significativo. Talvez nós, os membros filiados, tenhamos um papel importante nisso, de servir como resistência aos encastelamentos. Tanto que hoje em dia é menor o encastelamento teórico se compararmos com o passado. Mas já houve encastelamento teórico. Hoje em dia, quanto mais autores nós estudamos, mais gostamos do Freud. Penso ser uma experiência de todos, mas já houve época, e eu vi um pouco disso, em que se chegava a afirmar que não era importante estudar outros autores, inclusive o próprio Freud, fora aquele que estava sendo proposto. Eu não tenho escutado mais isso. Estudávamos, sei lá, por exemplo Melanie Klein, Bion, ou qualquer outro autor e se ouvia: "Ah! Para que Freud? Para que Lacan? Para que Laplanche? Para quê?" Isso já existiu.

Maria Olympia França: De fato diminuiu bastante com o alerta dado nas reuniões do grupo de coordenadores.

Rogério Coelho de Souza: É. Não me parece que exista isso mais, que ocorra assim mais...Pelo menos não é o dominante. Até onde eu entendo há um movimento grande na própria formação, no próprio instituto, pelo fortalecimento do estudo de Freud. Sem demérito algum para Melanie Klein, Bion, Winnicott ou qualquer outro grande autor. Pelo contrário, quanto mais se sabe Freud, melhor se entende Bion, melhor se conhece Melanie Klein e assim por diante...

Maria Olympia França: A Berta lembrou de algo muito importante. Há anos, além da Comissão de Ensino os coordenadores também se preocupavam mais com o ensino em nosso Instituto. O atual currículo de Freud foi fruto dessa preocupação, tendo sido elaborado por um grupo de coordenadores, após quase dois anos de estudo conjunto. Por outro lado, a contribuição científica dos membros para nossa Formação teve um grande incremento com a formação dos Grupos de Estudo. A introdução dos Congressos Internos foi rica pela participação de todos os membros e filiados, mas eles geralmente estão voltados para um tema especifico, já determinado de cima para baixo. O bom será que tenhamos uma cultura institucional que estimule a responsabilidade coletiva, tanto a acadêmica como a de convivência criativa. Vocês me perguntaram também sobre a mudança dos critérios de passagem a didata. A aprovação ou não do proponente era feita pela votação de todos os membros. O critério foi modificado para evitar panelas. Mas panela por panela, acho mais rico a maneira anterior, ainda que seja pelo fato da participação responsável de todos os membros, mantendo-os mais a par do que acontece por aqui.

Bom, mas voltando para as inovações ou não da Sociedade, tivemos as mais diversas experiências resolvidas, apesar de tudo, democraticamente. Exemplo disto foi a compra desta atual sede. Alguns grupos se mantiveram na retranca quanto às mudanças. Mudar de Higienópolis? Não levavam em conta que nosso espaço físico estava por demais pequeno, e em decorrência disso, as salas de aula aconteciam nos consultórios individuais e as atividades para grupos sociais que temos agora seriam impossíveis de acontecer.

Não haveria espaço para biblioteca bem organizada, para nosso acervo, para um bom funcionamento de secretaria etc. como temos no momento. Por outro lado, confesso que às vezes me vem à cabeça: temos um alto patrimônio financeiro, por que não vender esta sede que deve valer muitíssimo? Poderíamos transformar esse dinheiro em pesquisa ou bolsas de estudos para candidatos com muito potencial de desenvolvimento analítico mas sem condições financeiras de assumir as despesas da formação, que não são nada pequenas. Poderíamos comprar uma casa grande, simples, mas aconchegante. Sei que esta ideia é bastante extremada, mas serve para provocar a questão relativa a estarmos mais atentos aos nossos critérios de seleção, isto é, quanto à qualidade da seleção dos candidatos a formação. Temos que tentar abrir espaço para que colegas, com grande potencial para serem analistas, não sejam excluídos pelo fator econômico. Sei que muitos didatas têm essa intenção ao propor honorários bem menores do que cobram de clientes não profissionais, como ocorria nos primeiros tempos de nossa Sociedade. Como disse antes, o critério de seleção era feito pela qualidade de personalidade dos pretendentes. Entendo que isto é a verdadeira cultura de uma Sociedade democrática, em sua preocupação de facilitar uma gama mais ampla de participação social. Entendo ainda que uma sociedade de psicanálise não pode alienar-se dos ocorridos de nossa época, sejam estes financeiros, culturais ou mesmo políticos não partidários. O custo da formação como um todo é bastante alto, sobretudo para os mais jovens. Como para toda instituição, é necessário o patrimônio de pessoas com maior experiência, mas há também a necessidade de possibilitar a formação dos mais jovens. Mas quantos poderão arcar com nossos custos? Protelar a vinda de filhos, de moradia, para dar conta do gasto? Ou chegar aos 40 anos dizendo: pai, paga para mim? Está aí um ponto para o qual poderíamos formar um grupo de reflexão, auxiliando a diretoria.

Monica Amaral: Até para poder trabalhar também junto à comunidade, entendeu? Quer dizer, se você pagar menos por sua formação, com qualidade, você também pode, tanto atender o setor público, quanto privado. Num preço X ou Y. E você democratiza mais.

Rogério Coelho de Souza: Houve uma mudança também nesse sentido devido, em grande parte, a uma pressão que veio de fora para dentro da Sociedade. Também por certa revisão ocorrida de dentro para fora ao longo dos anos, pelo menos ao longo dos últimos vinte anos. Em vários assuntos, por exemplo, o número de sessões em que se atende um paciente hoje em dia. Penso ser raro, os colegas terem pacientes, todos eles, atendidos quatro vezes por semana.

Maria Olympia França: É, hoje em dia não é fácil ter-se uma clínica com paciente apenas de 3, 4 ou 5 vezes por semana.

Rogério Coelho de Souza: Houve uma mudança nesse sentido, independentemente de podermos discutir as implicações que isso causa. Evidentemente é muito melhor atender um paciente muitas vezes na semana, o trabalho num certo sentido fica mais - entre aspas - facilitado. Você trabalha em condições melhores. Óbvio, não é isso o que se discute. Mas penso ter havido uma pressão sobre a Sociedade, uma pressão da sociedade no sentido amplo da palavra, sobre a Sociedade de Psicanálise, pela importância que a Sociedade de Psicanálise sempre teve. Digo isso porque vim de outra formação anterior que tinha como "alterego" a Sociedade de Psicanálise. Na época se dizia: "Ah, a Sociedade é elitista". Esse tipo de coisa. Acho que a Sociedade teve que fazer essa revisão e muita coisa foi revista para melhor. Por exemplo, essa questão que a Maria Olympia colocou, que acho extraordinária de se pensar. A possibilidade de repensar a questão da formação, a questão financeira, a questão econômica. Também sobre outros aspectos tem havido esforço por transformações, embora sempre se enfrente muitas resistências. Uma coisa me parece muito importante, e quero agora fazer um elogio ao Jornal de Psicanálise. Creio que o Jornal tem um papel enquanto publicação, enquanto referência escrita, um papel importante na sbpsp. É certo que temos outras publicações, revistas, mas acho que o Jornal tem uma importância grande. O Jornal tem uma história muito interessante, enfim, tem um papel histórico na Sociedade, um papel muito forte até hoje.

Eunice: Em que sentido?

Rogério Coelho de Souza: Nesse em que estamos conversando: de abertura, de contato com o que está fora da instituição, de reflexão, de formação.

Não é à toa que vocês estão convocando, propondo, hoje, esse debate. É um papel muito forte esse que o Jornal tem. Tenho certeza que vocês enfrentam resistência de várias fontes, ao longo do tempo, nesta gestão e nas outras anteriores também, mas isso é sinal de vida, é sinal da importância do Jornal. Eu já fui mais pessimista. Hoje em dia estou mais otimista em relação ao futuro de nossa instituição. Posso estar enganado, sei que continuamos a ter um desafio pela frente. Para mim, um dos grandes desafios é como poder manter alguma unidade dentro da nossa diversidade, levando-se em conta o número de pessoas que compõe a Sociedade. Conheço as pessoas, mas não sei o nome de todas. Eu já as vi, sei quem são, quer dizer, sei quem são até certo ponto, mas vejo a necessidade de fomentar essa possibilidade de troca, de saber o que o outro pensa. Infelizmente nem sempre durante a formação isso é possível. Porque você entra numa turma, num ano, e vai mais ou menos fazendo o que a turma está fazendo. Só vai ter mais chance com o tempo, é inevitável. Penso que esse é o maior desafio. Uma coisa que me deixou contente, nem sei se é novidade, imagino que não seja, mas para mim foi novidade, muito bacana, foi saber que membros efetivos estão podendo se candidatar para darem supervisão e coordenar seminários clínicos. Pelo menos na parte de formação de analista de criança, não sei se de adulto também...

Maria Olympia França: Talvez isso tenha sido estabelecido pelo fato de termos poucos supervisores para análise de crianças.

Rogério Coelho de Souza: Bem...Talvez mesmo no dia em que já houver analistas didatas suficientes isso possa continuar a acontecer.

Maria Olympia França: já que estamos conversando sobre "com quem e como se aprende psicanálise" quero oferecer minha experiência sobre a questão da análise daqueles que querem ser analistas. Há pessoas que chamam de conservadora esta opinião, mas eu a vejo como lucidez adquirida pela experiência vivida. Para nós, analistas, é fato sabido que para trabalharmos com respeito, competência e satisfação, temos que estar muito preparados psiquicamente para tal confronto. Salvo talvez para raríssimas exceções, não vejo como conseguir a profundidade analítica necessária sem a frequência de no mínimo três encontros semanais para esse processo. Para a maioria de nós, a frequência de quatro encontros nos dará maior possibilidade de conhecermos e aprendermos como se realiza o processo analítico e de desenvolvimento mental. Com estas ponderações, considero responsabilidade de um instituto de Formação esclarecer seus futuros pares e não abrir mão de seus conhecimentos a respeito. Deveríamos ceder junto às nossas concepções, pelo fator econômico envolvido? Por que não arranjos intermediários, como a responsabilidade assumida pelos didatas com o Instituto, de cada um deles ter no mínimo um candidato com o preço que lhe for possível pagar? Somos tantos...O mesmo pode se dar com as supervisões. Não podemos mais correr o risco de que nossa formação só possa ser desejada por pessoas de alto padrão econômico, eliminando com isso pessoas muito dotadas. Seria cômica, se não fosse triste, esta situação.

Jornal: Consideramos o debate como o espaço privilegiado do Jornal, que é essa troca entre colegas. Além do fato de tudo isso ser publicado: a história da Sociedade está no Jornal. Então percebemos uma coisa, que ser psicanalista é uma coisa apaixonante. E todo mundo se dedica. E aí entra aquela terceira questão que enviamos a vocês, que é ponderarmos sobre a frase de Guntrip: "os bons terapeutas vêm ao mundo sem formação, e fazem dela o melhor uso possível"?

Maria Olympia França: O tema proposto por vocês é muito interessante e valioso por ser pouco ventilado entre nós. Pelo adiantado da hora, irei apenas pontuar algo que é bastante debatido em algumas sociedades como, por exemplo, na Inglaterra. Psicanálise pode ser aprendida ou é uma questão de dom? Dom esse que pode ser tanto cultivado como abafado pelo ambiente. E o que está incluído nesse dom? Nunca se saberá ao certo, mas penso que é, sobretudo, o grau de sensibilidade afetiva dirigido tanto para o respeito por si mesmo como para o valor que se dá à alteridade. Junto a isso, seus valores decorrentes: fundamentalmente a solidariedade, o conhecimento da dor psíquica, assim como a capacidade de suspensão de julgamento valorativo em face do sofrimento alheio. Penso também que um "mínimo" desse dom será necessário para que haja sentido em nosso trabalho, trazendo-nos satisfação em nossa tarefa.

Jornal: Gostaríamos de agradecer a vocês por este Debate.

 

 

1 Estiveram presentes no Debate pelo Jornal de Psicanálise: Eunice Nishikawa, Abigail Betbedé, Alexandre Socha, Beatriz H. P. Stucchi, Miriam Altman, Raquel Elisabeth Pires.
2 Na experiência de cada um houve mudança significativa no processo de tornar-se psicanalista? Percebemos uma evidente mudança do ambiente institucional na nossa sociedade. Hoje convivemos com uma grande diversidade de grupos de estudos, seminários eletivos, eventos etc. Como pensar a questão aprender-ensinar diante dessa maior complexidade e da relação dispersão vs concentração?
3 Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
4 Michael Svartzschild
5 Virgínia Leone Bicudo, Lygia Alcântara do Amaral, Isaias Melsohn, Laertes Moura Ferrão.