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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.46 no.84 São Paulo jun. 2013

 

ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS FILIADOS

 

Para que AMF?

 

What for AMF?

 

¿Para qué AMF?

 

 

Berta Azevedo Hoffmann; Cynthia Peiter; Tiago da Silva Porto; Ana Maria Vieira Rosenzvaig; Alexandre Socha

Grupo de representantes da Associação de Membros Filiados (AMF) ao Instituto Durval Marcondes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (sbpsp), formado para a escrita do presente artigo. A AMF aproveita para agradecer o espaço criado dentro do Jornal de Psicanálise para publicação de suas reflexões referentes à formação

 

 


RESUMO

O presente artigo discute a função e pertinência das associações de analistas em formação dentro das instituições psicanalíticas, partindo da experiência vivida pelos autores. Traz reflexões sobre especificidades da formação analítica: paradoxos que apontam para o valor das experiências e processos individuais, singulares, e a constante necessidade de convivência grupal, fenômeno que se repete historicamente acompanhando todo o movimento psicanalítico. Enfatiza, por fim, a função de terceiridade que tais associações podem adquirir frente ao pacto narcísico estabelecido entre membro filiado e instituição.

Palavras-chave: formação psicanalítica, instituição, contrato narcísico, identidade do psicanalista


ABSTRACT

Based on the authors' experience, this article discusses the role and relevance of candidates associations in psychoanalytic institutions. The specificities of psychoanalytic training are discussed, bringing up paradoxal aspects: on the one hand, the value of individual experiences and processes, on the other hand, the constant need for belonging to a group - a phenomenon historically repeated and observed in the history of psychoanalysis. The article emphasizes that such associations may hold an important function of thirdness, as they bring new dimensions to the narcissistic contract established between candidates and their institutions.

Keywords: psychoanalytic training, psychoanalytic institution, narcissistic contract, psychoanalytic identity


RESUMEN

En este artículo se analiza el papel y la importancia de las asociaciones de analistas en formación dentro de las instituciones psicoanalíticas, a partir de la experiencia personal de los autores. Trae reflexiones sobre las especificidades de la formación analítica: paradojas que apuntan hacia el valor de las experiencias y procesos individuales, singulares, y la necesidad constante de una convivencia grupal; fenómeno que se repite históricamente a través de todo el movimiento psicoanalítico. Destaca, finalmente, la función de terceridad que tales asociaciones pueden cumplir frente al contrato narcisista establecido entre los miembros en formación y sus respectivas instituciones.

Palabras clave: formación psicoanalítica, institución, contrato narcisista, identidad del psicoanalista


 

 

Ao assumirmos uma nova gestão da Associação dos Membros Filiados (AMF), uma série de questões emergiram dos primeiros encontros da atual diretoria; questões essas que em vez de nos demandarem uma resposta imediata e precipitada, abriram-nos um campo para discussões e novas inquietações. A atual diretoria é formada por um grupo heterogêneo, com pessoas em diferentes momentos de suas formações e diferentes particIPAções na vida institucional. Há tanto membros das gestões anteriores quanto pessoas que nunca haviam tido contato com a Associação até o momento ou muito interesse por suas atividades.

Foi no contexto desse encontro e no clima de uma "aproximação ao novo" propiciada pelo início desta gestão que, em meio às nossas discussões, surgiu a pergunta: "Afinal, para que a AMF?" Qual a finalidade de uma associação de analistas dentro de uma associação maior? Quais seriam seus propósitos hoje? Qual o lugar que ocupa, tanto em relação ao Instituto da SBPSP quanto na formação de cada membro filiado?

De imediato pensamos ser incontornável, ao abordarmos esse tema, recorrer à história e ao percurso da AMF desde sua fundação até os dias de hoje. O que mobilizou os analistas de então a criarem esse espaço? A que demandas respondia? Essas questões continuam presentes, ou vivemos um momento diverso?

O que manteve a Associação ativa nos seus quase 45 anos? Perguntamo-nos por fim que legado é esse que agora recebemos? Para que AMF?

A história da Associação como tema mobilizou a atual diretoria, assumindo como uma de nossas propostas, o olhar crítico para nosso passado como uma condição para pensarmos o presente e vislumbrarmos um futuro. O recorrer à história poderia ainda ser visto como busca de um amparo para enfrentar os desafios atuais. Com o intuito de problematizar e trazer mais subsídios para tais reflexões, foi promovido pela AMF um encontro com os membros filiados de SP, para o qual convidamos Mario Lúcio Alves Baptista (presidente desta Associação em 1978 e 1979) para compartilhar conosco suas impressões sobre a formação e as condições enfrentadas nos anos iniciais, bem como refletir sobre as semelhanças e diferenças com o momento atual vivido pela AMF. Neste encontro Mario Lúcio nos sugeriu que as conquistas de espaço se dão sempre com dois passos para frente e um para trás. Lembrar disso pode tornar menos difícil vivenciar esses momentos de passo para trás, próprios das inserções institucionais.

Saber da história também nos faz cônscios de que o que se apresenta hoje como realidade institucional nem sempre esteve dessa mesma forma: é resultado de esforços, jogos de forças e tensões, além do desejo e da aposta dos que se envolveram. A AMF certamente não é mais o que foi, carrega as marcas das pessoas que por ela passaram e lhe deram vida. Da necessidade inicial do resgate da nossa memória surge o presente artigo, ocupando um espaço de reflexão, que esperamos dar prosseguimento ao longo de nossa gestão.

Mas por que "resgate"? A história da AMF estaria, por acaso, perdida, inacessível? Para a surpresa do grupo novo que acabava de assumir a AMF, o desejo de recontar essa história não havia sido de modo algum exclusividade da gestão atual. Em nossas pesquisas sobre o tema acabamos encontrando um esforço semelhante em muitas gestões anteriores: jornadas, artigos, entrevistas e outras produções foram realizadas, revelando, em sua maior parte, pesquisas de uma qualidade excepcional. Deparamo-nos com outro fenômeno, do qual até então não nos havíamos dado conta, o da necessidade que periodicamente se coloca à AMF de recontar a sua própria história.

Como poderíamos nos aproximar de uma possível compreensão desse fato? Seria meramente um problema de acesso às pesquisas já realizadas? Seria justificar sua existência simplesmente a partir de uma tradição? Um descaso ou desinteresse dos membros mais jovens pelo que já foi produzido, fazendo com que cada nova gestão tenha que recontar a mesma história já contada antes? Tratar-se-ia de uma amnésia crônica, ou o próprio recontar cumpriria alguma outra função? Essas foram algumas das questões surgidas e que nos motivaram à reflexão sobre o tema.

 

A AMF como terceiro

O período da formação psicanalítica em nossos Institutos é, sem dúvida, intenso pelo que mobiliza em cada analista que se proponha a percorrê-lo. Em sua maioria, trata-se de pessoas já estabelecidas profissionalmente, que trazem consigo formações e atividades desenvolvidas tanto em psicanálise quanto em outras áreas. No entanto, vêm aos Institutos em busca de algo que lhes falta. É a partir desse reconhecimento que se lançam numa jornada por vezes tão difícil quanto apaixonante. Geralmente, quando se busca uma instituição formadora, há uma expectativa de que as vivências junto a ela possam favorecer o caminho na construção singular daquele analista. Comumente, há transferências com grupos ou analistas da instituição que entendemos poder oferecer modelos identificatórios nessa construção. Há, portanto, naquele que escolhe um instituto de formação, não apenas o reconhecimento de uma falta, como um desejo de que algo possa ser encontrado nesse caminho. Ao entrar no instituto, cada um de nós se depara com a pluralidade de pensamentos e ideias que habitam a instituição. Deparamo-nos também com uma nova condição, que se refere ao lugar que ocupamos na instituição, o de membros filiados, de aprendizes.

Mas, e o que acontece com todo o percurso traçado anteriormente? E o saber acumulado até o ingresso no instituto? De um modo geral (e dito implícita ou explicitamente nos seminários, encontros científicos e conversas de café), a condição de membro filiado por vezes se assemelha institucionalmente a "uma folha em branco", na qual as primeiras linhas serão escritas apenas a partir de então. Podemos pensar que opera nesse caso, entre o membro filiado e o instituto, aquilo que Rene Kaës denomina como contrato narcísico. Minerbo e Buschinelli (2000), apoiando-se em Kaës (1991) e Aulagnier (1976), afirmam que o início da formação psicanalítica se dá mediante um pacto narcísico entre candidato e instituição, que está na origem de sua demanda: "Nós temos o que você deseja e lhe falta. Podemos lhe oferecer filiação, amor e proteção, desde que você abandone suas antigas referências e se torne fiel às novas" (p. 205).

Sintonizados com o pensamento de Minerbo e Buschinelli, acreditamos que abrir mão das referências que o marcaram até então implica um empobrecimento do candidato.

Nesta situação, o candidato poderia ficar em uma condição psíquica de desamparo, que o impediria de manter, junto à instituição, a crítica necessária para uma apropriação enriquecida do que a instituição pode transmitir.

Freud (1921/1975a) em Psicologia das massas e Análise do eu aponta a identificação como sendo o que mantém juntos os membros de uma instituição e a própria instituição em si, reconhecendo também que há perdas e ganhos para o sujeito em tal processo. A passagem da pluralidade para a unidade de conjunto repousa na identificação de cada membro com o líder e, em seguida, dos membros entre si. Se apostarmos que Freud tem algo a nos ensinar ainda sobre a inserção do homem no grupo, precisamos considerar que, por mais que estejamos privilegiando o perigo das perdas implicadas, elas só ocorrem por que há algo recebido em troca, algo caro ao sujeito, que mantém o pacto como uma tensão sempre presente. É preciso ressaltar que a tentação por manter um pacto narcísico não repousa unilateralmente. Se apontamos para a instituição que convoca à idealização e cobra certa fidelidade infantilizadora, fica claro também que a instituição oferece em troca, além da formação, um sobrenome, um suporte identificatório narcísico e uma ilusão de segurança, que resultam tentadores. A filiação, e portanto a idealização da instituição na qual se pede para ser formado, estão sempre em jogo.

A formação analítica tem em si uma particularidade única em sua transmissão. A apreensão do significado da psicanálise só se realiza quando o sujeito tiver a experiência do objeto que deseja apreender, isto é, quando ele se torna um elo na cadeia de transmissão, quando ele se torna sujeito de transferência. Submetidos a esta transferência institucional, analistas em formação também são, portanto, candidatos a processos regressivos, manipulações de aspectos frágeis, idealizações paralisantes, seduções e toda uma gama de movimentos que são inerentes ao processo. É inevitável o paradoxo, uma posição de tenso exercício de permanência entre a filiação geradora de uma promessa de pertinência somada a de um "ser" analista e a construção autônoma de uma singularidade desprendida dos significantes ideais que a constituíram.

Segundo Minerbo e Buschinelli (2000), ao ser aceito para formação o candidato recebe "um adiantamento em moeda narcísica" (p. 207), já que foi escolhido entre tantos. Isso por si só já não é pouca coisa, no sentido de amarrar aquele que entra na proposta de formação a se oferecer sem reservas para um encontro de completude. As autoras apontam a fidelidade excessiva à instituição como problema comum na formação analítica, uma vez que sua característica de mãe narcísica pode se tornar difícil de ser metabolizada.

Sabemos que o que pode salvar alguém de um aprisionamento estático ao pacto narcísico é a terceiridade, um elemento que desloca o eixo da questão, abrindo uma terceira via, apontando para a incompletude do arranjo que se apresenta e abrindo a possibilidade da criação de um desejo próprio. Entendemos que essa poderia ser uma das funções importantes da Associação, um terceiro elemento entre candidato e instituição, na medida em que se constitui como espaço de reflexão, oferecendo ainda ao membro filiado um envolvimento com as questões institucionais de âmbito não apenas local, como também internacional. Desta maneira, a AMF por sua própria forma de funcionar, opera como resistência à tentação de manter-se mergulhado num pacto narcísico que cobra caro demais pela ilusão de completude.

Nesta mesma linha de reflexão, Bilenky (2005) em seu texto Formação ou Formatação que reflete sobre as características da formação na SBPSP defende a ideia que, na busca e construção de seu caminho como psicanalista, é importante que se perceba a existência de uma dependência recíproca entre o "candidato" e a instituição. Isso possibilita que o candidato se coloque na posição de alguém que tem contribuições a dar, retirando-o de um lugar paralisante, de mero receptáculo do saber dos outros. Neste sentido, Bilenky afirma que particIPAr na Associação seria também uma forma de apropriar-se do próprio percurso dentro da formação.

Trabalhar na instituição como forma de crescimento pessoal estaria em oposição a um uso perverso do trabalho do candidato como mão-de-obra a serviço de interesses alheios a seu desenvolvimento. (Bilenky, 2005, p. 256)

Pensamos que a AMF, ao se oferecer como um outro, um terceiro possível na relação de tensão entre o membro filiado e sua instituição formadora, inscreve-se nessa relação como interlocutor irredutível, ponto de apoio para entendimento do jogo transferencial com a instituição, propiciando ao membro filiado uma particIPAção singular dentro da coletividade, permitindo a este se dar uma forma única, diferente de se formatar a um pensamento de massa.

 

O "eterno retorno" como sintoma (da formação ou do ser analista?)

O lugar da AMF junto a seus membros e perante a Sociedade é variável e incerto. Funções antes necessárias podem deixar de ser, espaços de interlocução aparentemente consolidados podem não mais existir, e a função de cada gestão talvez seja a de se inventar, construir algo em permanente vir a ser que responda ao momento atual. Neste sentido, o eterno retorno do recontar sua história talvez aponte para a busca incessante de inscrever algo, de buscar um lugar, de recriá-lo.

Na esteira desse debate chegamos a um lugar igualmente difícil de definir que é o do membro filiado, nomeação essa fruto de um trabalho da AMF, que considerava então o termo "candidato" inadequado. Tal discussão de nomenclatura poderia ser banal se não fôssemos psicanalistas e não soubéssemos o peso das palavras e das nomeações. Se não somos mais "candidatos" em São Paulo, tendo já nominalmente estabelecido um lugar de certa filiação, somos ainda candidatos no âmbito nacional e internacional, por nossas filiações junto à ABC, ocal e ipso1.

No I Encontro Brasileiro dos Candidatos, organizado pela ABC e realizado recentemente no Rio de Janeiro, esta discussão ganhou corpo, com a expressão do incômodo de muitos. Frente à questão "somos candidatos a quê?", alguns colegas posicionaram-se dizendo acreditarem não se tratar de sermos propriamente candidatos a analistas, mas sim candidatos a membros da IPA. Embora pertinente, a colocação é controversa, visto que historicamente a nomeação "candidato" é tributária de uma época em que a IPA era única detentora da função de formar analistas. Não ser da IPA era, portanto, não ser analista. Outros tempos, sem dúvida, uma vez que hoje vemos formações consistentes se desenvolverem fora de seus muros.

Subjacente à problemática da nomenclatura está a própria natureza instável da condição de analista em formação. Quando nos perguntamos sobre os espaços da AMF junto ao Instituto e à Sociedade como um todo, o que está, a rigor, em discussão é o lugar do membro filiado perante essas instâncias. Esse é um lugar tênue entre o dentro e o fora, um arranjo sutil em que o que se coloca na clínica nos exige estarmos inteiros em uma posição de analista. Se por um lado somos membros filiados/candidatos perante as instituições, por outro lado não é possível acompanhar um paciente em análise sem que ali haja um analista. Ou ainda, jogando com os termos, a cada sessão nos candidatamos, tanto quanto o analista mais experiente, a sermos analistas daquele único paciente, naquele instante, na busca por facilitarmos momentos analíticos.

A posição mesma de analista não é estável. Uma das profissões impossíveis, já dizia Freud (1930). Eizirick (2012), ex-presidente da IPA, afirma também essa inconstância dizendo que "talvez seja ainda mais difícil manter-se analista do que formar-se analista" (p. 6). Sim, certamente a formação, do ponto de vista formal, com início, meio e fim, é mais simples que a conquista diária de uma posição analítica junto a cada paciente. Sob esta ótica, mesmo a expressão "manter-se analista" não se mostra muito adequada, se pensarmos a manutenção apontando para a continuidade de um ideal já conquistado, pois é próprio da condição de analista estar sempre em formação. Por certo existem analistas com mais "horas de voo", aqueles que estão em formação há mais tempo. Mesmo nesses casos, o lugar de analista daquele paciente no divã não está garantido, e precisa ter suas condições criadas a cada sessão. Se quisermos acolher a ideia de manutenção precisamos, então, tomá-la como um movimento constante, como um gasto de energia para se manter no caminho de algo.

 

O público e o privado na formação

É possível pensar a formação de um analista apenas em um âmbito privado? Certamente não seria possível pensar em um analista construído a sós, sem a presença de outros fundamentais que o afetem e o constituam.

A construção de um analista pressupõe elementos importantes operando internamente no contato com a clínica, e em sua análise pessoal e supervisão. O tradicional tripé que compõe a formação analítica contempla a análise pessoal e a supervisão, como também "instrução teórica mediante conferências" (Freud, 1926/1975b, p. 213), ou seja, os seminários. Esses estudos, realizados em um grupo, introduzem uma dimensão pública à formação.

Se tomarmos como eixo privado da formação as relações estabelecidas "a dois" - análise pessoal e supervisão, cujo produto deixa marcas fundamentais que sedimentam um desejo analítico - poderíamos dizer que parte fundamental da formação se dá no eixo privado. Mas será isso o suficiente?

Acreditamos que há algo que escapa à privacidade e que destacamos como muito importante para que um analista se autorize como tal. Não se trata da instituição como detentora do poder de nomeação, mas da existência de outros, na presença dos quais possamos nos construir. Quando entramos em uma instituição, além dos analistas na condição de transmissores da Psicanálise, alguns com os quais temos uma transferência estabelecida, também encontramos aqueles em uma condição de semelhante, fundamentais para nossa formação: os pares. Esses colegas não apenas nos oferecem trocas enriquecedoras, mas são aqueles que, ao se colocarem como nós, fazem a função de testemunhas, testemunhas de um analista, testemunhas de nosso percurso, de nossas descobertas, de nosso exercício diário da função analítica junto a nossos pacientes. Não parece ser à toa que as instituições de formação costumam estabelecer como ritos de passagem atividades públicas: apresentações de trabalhos, discussões clínicas, mesas redondas etc.

Entendemos que a AMF é, neste mesmo sentido, um espaço privilegiado para o exercício de tal faceta pública formadora. Em nossa experiência junto à Associação, temos tido oportunidades de troca com pares que nos enriquecem muito afetiva e intelectualmente. No grupo estamos todos em formação, e debatemos horizontalmente vicissitudes ligadas à nossa condição. Somos atravessados por transferências diversas. Cada um de nós tem, no âmbito privado, suas singulares articulações, entre as transferências estabelecidas na análise, em supervisão e com os diferentes coordenadores de seminários experimentados.

No entanto, a AMF é o espaço político em que os assuntos podem também ser considerados fora do divã e ter tramitação institucional promovendo mudanças. Sem uma instância que nos representasse, os analistas em formação seriam (e já foram) uma soma de pessoas dispersas, cujas inquietações seriam tomadas uma a uma pelo Instituto, sem a força e a organização de um grupo. Mais do que isso, ter uma reivindicação acolhida demandaria a iniciativa de se expor pessoalmente junto à instituição maior.

Além disso, a particIPAção efetiva junto à AMF nos aproxima dos demais institutos no Brasil e no mundo. Esse contato com o diferente, com o estrangeiro, aponta para as diferentes possibilidades de pensamento, possibilita que o familiar possa ser relativizado, tornando-o não absoluto e único. Ao introduzir os membros filiados na relação com as demais associações do Brasil e do mundo, a AMF-sp favorece o reconhecimento de outros discursos possíveis, funciona como afirmação de que há outras formas de pensar a formação, a relação entre os membros e a própria Psicanálise. Isso favorece a relativização de posições absolutas e o reconhecimento das diferenças.

Referindo-se à ABC, o então presidente Eduardo Mendez, propõe reflexões próximas das nossas inquietações:

Uns mais fora, uns mais dentro da instituição encontram-se os Candidatos. Numa posição difícil, mas interessante... qual a importância das críticas e dos questionamentos de quem chega de fora, sem comprometimento maior com ela e observa o seu funcionamento? ... Como se unir, como sofrer vicissitudes, mudanças, transformações e se envolver sem perder a capacidade de estar de fora, de uma certa distância, mergulhar e sair? Como unir um grupo heterogêneo de candidatos, uns iniciando, uns há dez anos em formação? Uns querendo muito ser, fazer parte, uns querendo mais o título, uns sentindo-se mais analistas do que Candidatos, uns analisando-se ideológica e apaixonadamente, outros cumprindo o tempo de sua "Análise Didática"... (Mendez, 2008, p. 18)

Mendez enfatiza o lugar de estrangeiro que o membro filiado pode ter em relação à Sociedade a qual pertence. Essa pespectiva aponta para o valor de estar na posição do "de fora", com o efeito subversivo que este olhar pode ter. Neste sentido, podemos pensar também que a AMF se oferece como lugar institucionalizado de abertura para o aproveitamento deste olhar estrangeiro de cada membro filiado, ao se organizar e favorecer discussões e debates que nos preparam para introduzir algo de novo.

Encerramos nossa reflexão identificando o quanto a execução deste artigo funcionou como exemplo do potencial criativo que a AMF pode possibilitar. O compromisso de pensar sobre as questões implicadas na existência da Associação, concretizado pelo exercício coletivo da escrita desse artigo, nos propiciou um ritmo de aproximação e afastamento crítico sobre a sua própria função (da AMF) e nossa vinculação junto a ela. Escrever exigiu a suspensão do fazer em favor da reflexão, para, então, colocar no papel. Nesse caso, trabalhar como um grupo, exercitando a faceta pública formadora, nos permitiu vivenciar trocas, coexistência de diferentes pontos de vista e o reconhecimento mútuo. Assim, a própria realização deste artigo como representantes da Associação foi para nós uma experiência e exercício no espaço dessa terceiridade que a AMF oferece, e que tanto valorizamos nesse trabalho.

Naturalmente, o uso que cada membro filiado poderá fazer da Associação é particular. Outros lugares de igual relevância poderão ser encontrados durante o percurso da formação e cumprir função semelhante à descrita. No entanto, por sua proximidade institucional e tradição, acreditamos que a AMF ainda hoje funciona como espaço privilegiado para o uso de todos os membros filiados que dela dispõe.

 

Referências

Aulagnier, P. (1976). A violência da interpretação. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Bilenky, M. (2005). Formação ou formatação. Jornal de Psicanálise, 38(69),251-258.         [ Links ]

Eizirick, C. L. (2012). O analista em construção. Febrapsi Notícias, 46,4-6.         [ Links ]

Freud, S. (1975a). Psicología de las masas y análisis del yo. (24v., vol. 18).Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1921)        [ Links ]

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Freud, S. (1975c). El malestar en la cultura. Buenos Aires: Amorrortu. 24v. V. 21. (Trabalho original publicado em 1930 [1929]         [ Links ]).

Kaës, R. (1991). Realidade psíquica e sofrimento nas instituições. In A instituição e as instituições: estudos psicanalíticos. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Mendez, E. (2008). A Associação Brasileira de Candidatos completa 15 anos... E, afinal, para que serve a ABC? In Construções - Associação Brasileira de Candidatos, 1,15-22.         [ Links ]

Minerbo, M. & Buschinelli, C. (2000). Seminários-ombudsman: um "terceiro" entre candidato e instituição. Jornal de Psicanálise, 33(60-61),197-215.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 17/5/2013
Aceito em: 21/5/2013

 

 

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1 ABC: Associação Brasileira de Candidatos; ocal: Organización de Candidatos de América Latina; ipso: International Psychoanalytical Studies Organization