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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.46 no.84 São Paulo jun. 2013

 

SESSÃO DE CINEMA

 

7º Festival Psicanalítico de Cinema Europeu epff7

 

 

Andrea Sabbadini

 

 

 

Segredos

Londres, 31 de Outubro - 3 de Novembro 2013

Nos últimos anos tornou-se uma ocorrência frequente de estudiosos de cinema, cineastas e psicanalistas cooperarem no sentido de uma compreensão mais profunda de muitos aspectos normais e anormais da subjetividade, da identidade sexual, papéis sociais e relações interpessoais, para um enriquecimento de ambas as disciplinas. Publicações especializadas, sites dedicados, a inclusão de ensaios de cinema nas principais revistas psicanalíticas, bem como eventos profissionais em que os psicanalistas debatem a sua abordagem do cinema com os cineastas e discutem seus filmes com os analistas, atestam a importância de tais intercâmbios de interfertilização. Além disso, o programa da maioria das conferências psicanalíticas regularmente inclui a exibição de filmes seguidos de painéis com analistas e cineastas.

É neste contexto que em 1999 Donald Campbell me convidou para organizar um festival de cinema psicanalítico, em nome da Sociedade Britânica de Psicanálise, da qual ele era Presidente. Eu já havia executado para a nossa Sociedade um programa em andamento de exibição de filmes e debates sobre uma variedade de tópicos relevantes para a psicanálise; um festival parecia um desafio muito mais exigente, mas também uma oportunidade tentadora para criar um fórum para um diálogo construtivo entre a psicanálise e o cinema, em vez de uma mera aplicação do primeiro para o segundo.

Com a colaboração de um pequeno comitê em Londres, de uma equipe de consultores (analistas de diferentes países europeus que sabíamos que tinham um interesse especial em cinema) e com o apoio da coordenadora de eventos de nossa Sociedade, Ann Glynn, o I Festival Psicanalítico de Cinema Europeu (epff) sob a presidência honorária de Bernardo Bertolucci iniciou-se em primeiro de novembro de 2001, no prestigioso bafta no Centro de Londres. Desde então, o epff (que tem a duração de três dias, a partir da noite de quinta-feira até a hora do almoço no domingo) ocorre a cada dois anos, no primeiro final de semana de novembro. Após as primeiras edições, sem um tema central, o programa do epff se focalizou, com festivais sobre a Perda (2005), sobre a Criança (2007), sobre o Cinema do Leste Europeu (2009), sobre a Migração (2011) e para essa próxima edição, sobre Segredos.

O epff consiste na exibição de filmes contemporâneos europeus (principalmente longa metragens, mas também documentários e curtas), seguidos por painéis de psicanalistas, cineastas e estudiosos de cinema em conversa com um público misto, internacional e, geralmente, na ordem de 300 pessoas. Por razões práticas, todas as atividades são em inglês, fato que infelizmente limita a contribuição para os participantes não familiarizados com esse idioma. O programa é ainda enriquecido por palestras, workshops e painéis sobre temas específicos. Os eventos sociais incluem recepções no Royal College of Medicine, visitas guiadas ao Museu Freud e uma festa no sábado à noite (por exemplo, em um barco ao longo do Tâmisa, no aquário de Londres, ou em várias embaixadas europeias). Nosso procedimento para a seleção dos filmes no programa é o seguinte: uma vez decidido o tema principal do festival, comunicamos os nossos consultores europeus. O objetivo é receber dvds de um ou dois filmes recentes e relevantes de sua região, que estejam de acordo com os critérios, não ultrapassar 120 minutos, ter legendas em inglês e ter um diretor (ou produtor, escritor ou ator principal) dispostos a participar do painel de discussão.

Os membros do nosso comitê em Londres assistem todas as inscrições submetidas e, depois de longas discussões, os filmes escolhidos são incluídos no programa final e nossa decisão é comunicada aos consultores europeus.

Ao procurar um tema para o próximo epff7, o comitê concluiu que "segredos" seria particularmente adequado. Segredos constituem a espinha dorsal para as tramas de filmes pertencentes a vários gêneros diferentes: desde comédias ("Eu não sabia que eu tinha um irmão gêmeo milionário") a dramas familiares, suspenses, espionagens e intrigas políticas. Segredos podem ser descobertos, mantidos, dados ou vendidos. Enquanto segredos compartilhados podem unir relações, quando quebrados podem destruí-las. Sua função nas interações humanas - sejam íntimas, sociais, profissionais ou políticas - é de suma importância, e não é, portanto, surpreendente que narrativas de todos os tipos, inclusive as cinematográficas, devam refletir tal centralidade. Além disso, a revelação dos segredos mais íntimos de nossos analisandos, e no respeito da confidencialidade por parte dos analistas, são componentes essenciais do nosso trabalho, muito do qual está centrado em torno do reconhecimento do papel dos segredos que o nosso inconsciente tenta manter afastado do resto de nós mesmos (por meio do mecanismo de repressão) - e de outros. Mas, como Freud notou em relação à Dora, muitas vezes falha em fazê-lo.

Quando me dispus à tarefa de trazer à luz o que os seres humanos mantêm escondido dentro de si, não pelo poder irresistível da hipnose, mas observando o que diziam e mostravam, pensei que a tarefa fosse bem mais difícil do que realmente é. Aquele que tem olhos para ver e ouvidos para ouvir pode convencer-se de que nenhum mortal pode guardar um segredo. Se os seus lábios forem silenciosos, ele falará com as pontas dos dedos; a traição emana dele por todos os poros. E, assim, a tarefa de tornar conscientes os recessos mais ocultos da mente é aquela que é bem possível de se realizar. (Freud, 1905/2006)

O sucesso do epff desde a sua primeira edição em 2001, fez com que uma série de eventos similares inspirados por ele fossem criados em diversos países. Apoiamos esse desenvolvimento, o que acreditamos ser do melhor interesse tanto do cinema quanto da psicanálise. Na verdade, tornou-se uma característica do epff que em seu último dia, antes da reunião plenária final, os organizadores de eventos psicanalíticos estrangeiros sobre cinema sejam convidados a fazer uma apresentação sobre seus projetos, com a finalidade de nos informar sobre eles. No passado ouvimos falar sobre o Magyar Pszichoanalitikus Filmkonferenci em Pécs (Hungria) e do Encontro Internacional de Cinema e Psicanálise em Sozopol (Bulgária), enquanto este ano pedimos ao nosso colega Christel Airas para falar sobre o projeto finlandês "Elokuva ja Psyyke" (Filme e Psique). Tal como no passado, os diretores da maioria dos filmes no programa de novembro deste ano - uma série bem equilibrada de longas, documentários e "curtas" de vários países europeus diferentes - responderam com entusiasmo ao nosso convite para participar do epff7 e compartilhar seus pontos de vista em conversas com proeminentes psicanalistas e estudiosos de cinema, bem como com o público. Esperamos que o epff7 seja mais uma oportunidade para um encontro estimulante e divertido para aqueles, que como nós, apreciam psicanálise e cinema.

 

Referência

Freud, S. (2006). Fragmentod da análise de um caso de histeria. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (Vol. 7, pp. 15-116). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1905[1901])

 

 

Recebido em: 18/6/2013
Aceito em: 30/6/2013

 

 

Tradução de Paulo H. Takaki
Andrea Sabbadini. 38 Berkeley Road, London N8 8RU. a.sabbadini@googlemail.com