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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.46 no.85 São Paulo jun. 2013

 

MANIFESTAÇÕES

 

Lacan na IPA, a modo de apresentação

 

Lacan in the IPA, an introduction

 

Lacan en IPA, a modo de presentación

 

 

Carlos Barredo

Membro titular com função didática da apdeba. Ex-presidente da apdeba (2006-2010). Ex-coordenador científico da fepal (2010-2012). Representante da América Latina da IPA

 

 


RESUMO

Este trabalho relata o esforço realizado por alguns analistas de diversas Sociedades componentes da IPA por dar conta da influência que teve e ainda tem na sua formação e prática clínica o ensinamento de Jacques Lacan. Comenta as consequências observadas nas instituições em cujo âmbito essas formações e práticas têm lugar ao favorecer um processo de apropiação singular desse complexo ensinamento por parte dos implicados. Descreve o histórico das jornadas realizadas desde 2007 até a atualidade em Buenos Aires, Córdoba, Montevidéu e Porto Alegre. São Paulo sediará essa Jornada em 2014 e Madri será sua anfitriã em 2015. O pluralismo e a abertura das instituições da nossa região, para os quais esse movimento tem contribuído, são mencionados como o terreno que propiciou seu desenvolvimento, e deixa o horizonte aberto para os possíveis futuros imagináveis.

Palavras-chave: Lacan, instituições, tempo, standards, ensino


ABSTRACT

This paper describes the effort achieved by some analysts, members of diverse IPA's Societies, on dealing with the influence that Jacques Lacan had and still has on their formation and clinical practice. He talks about the consequences observed on those institutions in which setting that kind of formations and practices take place, allowing a singular appropriate process of that complex teaching by the people involved. It also describes a previous history of symposiums that have been taking place since 2007 in several cities such as Buenos Aires, Córdoba, Montevideo and Porto Alegre. This year São Paulo will host the event and Madrid will do the same in 2015. The pluralism and the opening of our regional institutions, to which this movement had contributed, are mentioned as the ground that made way for its development, leaving an open horizon to imaginable futures.

Keywords: Lacan, institutions, time, standards, teaching


RESUMEN

El trabajo comenta el esfuerzo de algunos analistas, de varias Sociedades componentes de IPA, por dar cuenta de la influencia que ha tenido y tiene en su formación y práctica actual, la enseñanza de Jacques Lacan. También de las consecuencias sobre las instituciones en cuyo marco, esas formaciones y prácticas, se llevan adelante, permitiendo un proceso de apropiación singular de esa enseñanza compleja por parte de los implicados. Describe un historial de jornadas realizadas desde 2007 hasta la actualidad en: Buenos Aires, Córdoba, Montevideo y Porto Alegre. En 2014 tendrá lugar en San Pablo y para 2015 está en marcha la organización de un encuentro similar en Madrid. El pluralismo y la apertura de las instituciones de nuestra región, a los cuales este movimiento ha contribuido, son mencionados como el terreno en el cual este desarrollo se ha hecho posible, con un horizonte abierto a todos los futuros que sepamos inventarle.

Palabras clave: Lacan, instituciones, tiempo, standards, enseñanza


 

 

Escrever sobre "Lacan na IPA" neste momento, há pouco mais de dois anos depois daquilo que se iniciou como um entusiasmo de várias pessoas1, tem algumas vantagens: mantendo certa distância das dúvidas e inquietações do início, é possível refletir sobre esse trajeto realizado e dialogar com o que foi produzido por outros tripulantes do navio, na tentativa de encontrar, ajustar, decidir os rumos a percorrer.

A primeira tarefa foi cunhar o sintagma que nos dá o nome: "Lacan na IPA". Foi um achado. Como geralmente acontece nestas ocasiões, não percebemos num primeiro momento quantas vertentes abrangia; só aos poucos nos foram desveladas, até deixar claro que ele mesmo é que tinha nos encontrado.

Gostaríamos de descrever o fato do qual partimos: desde a segunda metade do século passado, numerosos analistas têm-se formado em diversas sociedades componentes da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), e continuam fazendo-o, tendo como referência central a obra de Jacques Lacan, apesar da exclusão que sofrera, durante anos, sua obra e seu ensino.

Surgiu, então, quase como o desenvolvimento de uma consequência implícita no sintagma, o subtítulo que, simultaneamente, o completava: "tempos, formas, razões de um retorno".

Além disso, escolhemos, expressamente, não traduzir a sigla que o sintagma encerra. Acreditamos que a leitura e pronúncia espanhola dessa sigla tinha adquirido, para todos nós, um valor significante, alusivo, que excedia à explicitação de seu significado.

As razões mencionadas remetem à "razão desde Freud", título alternativo a: "A instância da letra no inconsciente".

É este inconsciente freudiano que se revelará "estruturado como uma linguagem", depois de uma operação de leitura proclamada como lema de uma época: o retorno a Freud.

Sabemos que nos retornos freudianos o que retorna é o que nunca se foi, nunca deixou de estar, ainda que fosse percebido como estranho, incompreensível, alheio.

Porém, a obra de Lacan, como qualquer obra, não é o produto concebido sem impurezas no seio de uma mente virginal.

Surgiu no contexto da sua época, sustentou-se em inúmeras referências discursivas, forjou-se no calor de múltiplos debates com interlocutores provenientes de uma grande diversidade de disciplinas, com as quais manteve um intercâmbio só comparável ao que sustentou Freud em seu tempo.

Esta obra viu a luz, ganhou impulso e se desdobrou durante mais de duas décadas nas instituições da IPA, no âmbito dos debates que estas tornavam possível e em um diálogo de intercâmbio e contraposição com os distintos enfoques teóricos que ali estavam em vigência.

Inclusive, após o conflito que resultou em seu afastamento, Lacan nunca deixou de insistir que seu ensino, seu discurso, estava direcionado aos psicanalistas, onde quer que estivessem. Falava-lhes "à la cantonade", ou "a bom entendedor", como dizia.

Enquanto apoiamos os efeitos desse discurso, somos "Lacan na IPA", acolhemos suas sequências, seus retornos.

Como analistas, não deveria nos surpreender que perceber os retornos, reconhecê-los, contribuir para elaborá-los é a nossa tarefa cotidiana.

Esses retornos, que nos marcam com um traço em que nos reconhecemos como lacanianos, são geralmente alvo de críticas, que apontam que isso nos reduziria à submissão a um referente único.

As concepções teóricas dos analistas se constroem em um percurso de múltiplas leituras, enraizado sempre em tradições culturais variadas.

O esforço de apropriação, de dar forma própria a essas leituras, suportando as tensões da diversidade de maneira criativa, traz como resultado um produto sempre singular que, no melhor dos casos, se cristaliza em um estilo pessoal de exercer nossa práxis.

São os fracassos, os tropeços no percurso, ou a preguiça de encarar suas dificuldades, o que resulta em um repetir insosso, monótono, de fórmulas insistentes, que transluzem a renúncia a "pensar por si mesmo para aderir à multidão e seus consensos", tal como nos prevenia em seu momento a sabedoria de Marcelo Viñar.

Dessa maneira, dois comentários podem ser introduzidos em relação àquelas imputações de submissão ou adesão submissa e acrítica a um "pensamento único".

Comentários que, apesar da sua obviedade, frequentemente são considerados óbvios.

Em primeiro lugar: a adesão sem esforço de integração crítica não é por certo patrimônio exclusivo de nenhuma das linhas teóricas da psicanálise atual, e a preguiça, ou o "pior dos confortos", como se tem costumado a chamar a comodidade intelectual, é às vezes mais notória naqueles que, em nome de certo ecletismo, querem fazer passar uma superposição de ideias alheias, como amplitude de alvos.

Em segundo lugar: visualizar os analistas lacanianos como um bloco unificado, sem considerar as múltiplas e às vezes discrepantes leituras da obra de Lacan que hoje matizam a literatura psicanalítica, é cair em um simplismo equivalente ao de criticar a "IPA" como se esta fosse expressão de um pensamento único sem dissensos nem contradições.

Aqueles que, através de "Lacan na IPA", procuram gerar um âmbito que permita alojar e ampliar as consequências do ensino de Lacan em nossas instituições, podem dar conta de um itinerário formativo que, felizmente talvez, não tenha gozado de reconhecimentos institucionalizados, mas que tenha crescido com o trabalho da ruptura de consensos.

Esse itinerário transitou e se desenvolveu em diferentes contextos: nas instituições nas quais nos formamos, em um debate enriquecedor com distintas linhas teóricas; em intercâmbios com analistas lacanianos de diversas correntes e instituições; em resumo: em múltiplos espaços de ensino e transmissão.

Vistos em uma perspectiva atual, penso que esses contextos são dificilmente dissociáveis das instituições de nossa região: América Latina.

Se alguma vantagem existiu por estarmos distantes dos locais da Europa onde aconteceram as divergências antes relatadas e as que depois se sucederam no campo lacaniano e das pessoas que estiveram diretamente envolvidas, essa vantagem tem consistido em poder ter acesso a leituras diversas, de modo a poder forjar e seguir critérios próprios, menos pressionados por "leituras oficiais" que tendem a forçar consensos.

Tem sido um mérito das instituições em que nos formamos o fato de poderem acolher todas essas diferenças e os debates a que demos impulso.

Talvez seja oportuno refletir, como propôs Daniel Rodríguez em uma de nossas jornadas, sobre os efeitos que possa ocasionar nosso pertencimento à IPA na maneira de tornar próprio o ensino de Lacan. Nesse sentido, deveríamos considerar a advertência de Mariano Horenstein com respeito a não produzir um Lacan vulgarizado, sem poder de questionamento sobre os standards, mantendo-os como um terreno impermeável à crítica.

À tarefa de separar a especificidade da psicanálise de qualquer procedimento técnico fixado de maneira protocolar, teremos que acrescentar nosso questionamento quanto a ceder aos comodismos que a época parece demandar.

Os argumentos que pretendiam definir a especificidade de uma prática como psicanalítica tomando como ponto de partida a frequência de sessões semanais (3, 4, 5 ou simplesmente "alta", segundo o contexto de origem), alimentaram durante anos os debates acerca dos standards: modelo de condições formativas para os analistas, estipulado na Alemanha em 1920 e adotado depois com variantes pelas distintas sociedades componentes da IPA que foram surgindo desde então.

Debate que foi se transformando de uma tentativa de fixar pautas para que, em um contexto e época determinados, os analistas recebessem uma formação de acordo com a prática que deveriam desenvolver, a uma espécie de critério normativo, universal e excludente sobre as condições em que uma análise podia transcorrer.

Este critério se generalizou sem que fossem trabalhadas articulações explícitas e minuciosas entre os mencionados standards e os fundamentos da psicanálise, ou seja, os elementos conceituais que podem estipular a especificidade de uma práxis como psicanalítica, com certa independência das condições formais em que acontece seu exercício.

Em Buenos Aires, o início da prática da psicanálise ocorreu em um contexto econômico que determinou a classificação dos analistas como profissionais liberais no âmbito da prática privada, com condições de demanda assistencial e formativa que tornaram possível manter uma prática de acordo com os standards mencionados.

Desta maneira, viu-se favorecida a permanência desses critérios como um argumento de autoridade, acatado em geral de forma acrítica.

O contexto é outro há décadas. Tem variado a relação de oferta e demanda no plano assistencial e a posição dos analistas no meio social e torna-se muito difícil indicar, já não mais impor, as condições de frequência de sessões aconselhadas pelos standards como as mais adequadas para criar um dispositivo que permita levar adiante uma análise.

A situação atual é a de um imaginário social que "indica", como critério quase restritivo, que as análises devem acontecer com uma sessão semanal. É necessário um trabalho intenso e nem sempre exitoso para alterar essa condição e conseguir um dispositivo de maior frequência, que permita analisar em condições diferentes das deste standard socialmente imposto.

Questionar estas imposições, tanto históricas como atuais, combatendo indolências, conivências e comodidades na maneira de exercer nossa práxis, é o que nos permitirá construir, em cada caso, um dispositivo que permita fazer psicanálise.

Outra vertente da administração do tempo é relativa à duração das sessões. A alternativa apresentada é: deve consistir em um lapso fixo e combinado de antemão, que deve ser respeitado como tal ou, pelo contrário, o término de cada sessão deve ser decidido pelo analista, mediante um ato que, ao cortar uma sequência associativa, outorga retroativamente sentido ao discurso apresentado e impulsiona uma conclusão no analisando. Aqui, se acertado, o ato do analista adquire valor de interpretação.

A complexa situação que desembocou na exclusão de Lacan do seio da IPA teve como um de seus argumentos centrais a maneira com que ele utilizava o tempo na duração das sessões. O que se apresentou como sessões com tempo escandido, ou depois, sessões breves.

Esta peculiaridade de sua práxis, sobre a qual, é preciso lembrar, Lacan decidiu não ceder, permitia-lhe ter em análise didática uma grande quantidade de analisandos, o que constituía a pedra do escândalo para muitos dos colegas de sua época que participaram dessa crise institucional e de seu desenlace.

Desde então, a complexa e consistente articulação que, no ensino de Lacan, fundamenta a utilização do tempo como um fator inerente a uma práxis discursiva como a da psicanálise, rara vez é objeto de debate, no sentido de questionamentos articulados e consistentes que sacudam ou façam vacilar, ao menos, a trama argumentativa em que se sustenta.

Uma crítica de índole moral para o que se visualiza como abusivo, desonesto, arbitrário ou despótico por parte dos analistas que dispõem do tempo como um recurso para estabelecer o sentido do acontecido nas sessões vai acompanhada, desde outro vértice de opinião, por certo fascínio com a forma mesma do procedimento. Fascínio que se traduz às vezes em uma curiosidade, de matizes algo infantis, sobre os detalhes do acionar do analista visualizado como uma "nova técnica" que, insisto, enquanto se apresenta como desvinculada das razões que a fundamentam, adquire caracteres mágicos.

Retomar, no âmbito que nos compete, a riqueza deste debate sobre o uso do tempo, renovando seu frescor, tratando de não cair em simplificações, valorizando a profunda reflexão que encerra sobre a natureza mesma de nossa práxis, pode ser uma via fecunda para que cada analista encontre uma forma de apropriação das razões em jogo, que resulte num estilo singular de exercer a psicanálise. Alheio, claro está, a qualquer ideia de aplicação técnica de um procedimento regrado.

Acredito que essa tarefa de aprofundar o debate, assumindo e integrando as consequências sobre nossa prática, é um caminho necessário e seguramente proveitoso, que nós, que fazemos parte de "Lacan na IPA", estamos dispostos a percorrer.

O anátema que caracterizou a obra de Lacan depois de sua exclusão, unido às dificuldades que apresenta e o esforço que demanda sua leitura, tem como resultado que muitos colegas permaneceram afastados dessa fonte.

Este fato assinala outro caminho.

O panorama atual de intercâmbio teórico da psicanálise com múltiplas disciplinas, em especial com autores que provêm da tradição cultural de língua francesa e cuja referência principal, para desenvolvimentos e discussões relativas à psicanálise, é a obra de Lacan, produz como resultado que muitas das noções que esta obra formula e abrange a partir da experiência psicanalítica chegam aos colegas antes mencionados como provenientes de outras áreas de conhecimento: filosofia, crítica literária, política, história da arte etc.

Assim, em autores como Deleuze, Foucault, Derrida e outros mais recentes como Agamben, Didi-Huberman, ou Grüner e Scavino entre nós, encontram noções nas quais reconhecem certo "ar familiar", mas custa-lhes integrá-las à sua prática. Ao ignorar sua origem, percebem-nas como estrangeiras.

Lembrar essa origem na experiência analítica, tal como Lacan a formulou lendo Freud, tem de ser nosso compromisso.

Para levar adiante essas tarefas, o dispositivo de oficinas de discussão horizontal entre pares, que evita exposições que produzem passividade e favorece a participação, tem-se demonstrado eficaz e convocador.

"Lacan na IPA" permanece aberta a todos os futuros que tenhamos a capacidade de inventar, é nosso compromisso e responsabilidade fazer com que siga o seu caminho.

 

 

Recebido em: 3/12/2013
Aceito em: 10/12/2013

 

 

Carlos Barredo Armenia 2448, PB "A" (1425) C.A.B.A. Argentina. Tel: 54 11 4833-5084, calibar1@hotmail.com
Tradução de Susana Zipman - CLL Revisão técnica de Abigail Betbedé e Suzana Kiefer Kruchin
1 Realizamos neste período três jornadas de trabalho em Buenos Aires, duas em Córdoba e uma em Montevidéu