SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46 número85Reflexión sobre el vacío durante el tratamiento psicoanalítico: del horror al vacío al vacío creador de metáforasExperiencia en grupo: apuntes sobre el estilo de Bion, la transmisión y el método de la lectura índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.46 no.85 São Paulo jun. 2013

 

PSICANÁLISES POSSÍVEIS

 

Mitologias: perspectivas clínicas dos movimentos de integração e desintegração1

 

Mythologies: clinical perspectives of integration and disintegration movements

 

Mitologías: perspectivas clínicas de los movimientos de integración y desintegración

 

 

Rubens M. Volich

Psicanalista. Doutor pela Universidade de Paris VII - Denis Diderot. Professor do curso de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae. Autor de Psicossomática: de Hipócrates à Psicanálise (São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000); Hipocondria: impasses da alma, desafios do corpo (São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002); Segredos de mulher: diálogos entre um ginecologista e um psicanalista (em coautoria com Alexandre Faisal) (São Paulo: Atheneu, 2010); coorganizador e autor dos livros da série Psicossoma (São Paulo: Casa do Psicólogo)

 

 


RESUMO

Inerentes à vida, em todas as espécies, as dinâmicas de integração e desintegração assumem no humano formas inesperadas e surpreendentes. Desde os primeiros momentos da concepção, na vida intrauterina, durante todo o desenvolvimento e até a morte, essas dinâmicas forjam a existência de cada um, marcando o corpo e a subjetividade. Vivemos e nos desenvolvemos em meio a tais dinâmicas. Em nós convivem e interagem, permanentemente, processos de organização, que promovem a vida, e de desorganização, que tendem a conduzir à morte. Na multiplicação celular e na apoptose, na diferenciação das funções corporais e nos processos neoplásicos de indiferenciação, na complexificação do aparelho em funções psíquicas e na pulverização e dissolução do pensamento e do desejo, entre muitas outras. Dessa perspectiva, sugerida por Freud, na segunda forma de sua teoria das pulsões ("a nossa mitologia", segundo ele), vislumbramos as experiências de prazer e de sofrimento, as manifestações sintomáticas orgânicas, psíquicas, motoras e, mesmo, sociais, no âmbito coletivo. A clínica oferece não apenas um lugar privilegiado para a observação dos processos de integração e desintegração, mas também um recurso relacional para lidar e transformar muitos dos efeitos de suas manifestações. Também ali, no par terapêutico ou na solidão dos momentos de relação impossível, vida e morte manifestam-se por meio de diferentes matizes transferenciais e contratransferenciais, que buscaremos reconhecer e compreender neste trabalho.

Palavras-chave: psicossomática psicanalítica, perspectiva evolucionista, trauma, desorganização progressiva, depressão essencial


ABSTRACT

the integration and disintegration dynamics are inherent to all forms of life. In the human being, they assume unexpected and surprising manifestations. From the first moments of conception, during the intrauterine life, throughout the development and even in the death process, these dynamics fake the existence of each one, shaping the body and the subjectivity. We live and we develop throughout those dynamics, in which interact in a permanent way organization processes, promoting life, and disorganization ones, which lead to death, for example in cell proliferation and apoptosis, in neoplastic processes of indifference, in the complexity of the psychic functions and the dissolution of thought and desire, among many others. From this perspective - suggested by Freud in his second theory of drives ("our mythology", as he said), we glimpse the experiences of pleasure and pain, the physical, psychological, motor and even social symptomatic manifestations. The clinic offers us not only a privileged place for the observation of integration and disintegration processes, but also a relational tool to handle and transform many of the effects of those manifestations. Between the therapeutic pair or in the loneliness moments of impossible relationship, life and death manifest themselves through different shades of transference and counter transfers, which we'll seek to recognize and understand in this work.

Keywords: psychoanalytical psychosomatic, evolutionary perspective, trauma, progressive disorganization, essential depression


RESUMEN

En todas las especies, las dinámicas de la integración y la desintegración son inherentes a la vida. En el ser humano, pueden asumir formas inesperadas y sorprendentes. Desde los primeros momentos de la concepción, durante la vida intrauterina, a través del desarrollo e incluso hasta la muerte, estas dinámicas forjan la existencia de cada uno, marcando el cuerpo y la subjetividad. Vivimos y nos desarrollamos en medio a esas dinámicas. En nosotros, conviven et inter ajen (interactúan) de forma permanente, los procesos de organización, que promueven la vida, y los de desorganización, que tienden a provocar la muerte: en la proliferación celular y en la apoptosis, en la diferenciación de las funciones corporales y en los procesos neoplásicos de des diferenciación, en la complejidad de las funciones psíquicas, y en la dispersión y disolución del pensamiento y del deseo, entre muchos otros. Desde esta perspectiva, propuesta por Freud, en su segunda teoría de las pulsiones ("nuestra mitología", dice él), vislumbramos las experiencias de placer y de dolor, las manifestaciones sintomáticas físicas, psicológicas, motoras e incluso sociales. La clínica nos ofrece no sólo un sitio privilegiado para la observación de los procesos de integración y desintegración, sino también un recurso para manejar esas relaciones y transformar muchos de los efectos de sus manifestaciones. También allí, en la pareja terapéutica o en los momentos de soledad de una relación imposible, la vida y la muerte se manifiestan a través de diferentes modulaciones de la transferencia y de la contra transferencia, que trataremos de reconocer y comprender en este trabajo.

Palabras clave: psicosomática psicoanalítica, perspectiva evolucionista, trauma, desorganización progresiva, depresión esencial


 

 

Se Freud buscou na arqueologia a inspiração para representar suas concepções do sonho e do aparelho psíquico, foi na mitologia que ele encontrou imagens para personificar algumas das mais profundas paixões humanas. Édipo, Narciso, Prometeu, Gradiva, Eros, Tânatos celebrizaram e deram forma a alguns dos principais conceitos da psicanálise, revelando ao mesmo tempo a força organizadora e transcendente do mito. Ao se dedicar à compreensão e ao tratamento dos fenômenos anímicos, às manifestações do inconsciente, da sexualidade e do desejo, ao entrar em contato com os aspectos mais profundos do amor e da violência, Freud construiu suas hipóteses, suas teorias, seus conceitos terminando por encontrar na teoria pulsional os elementos míticos que lhe permitiram organizar o entendimento e a escuta dos aspectos mais irracionais e essenciais do humano.

Em 1933, ele afirma com ênfase: "a teoria das pulsões é, por assim dizer, nossa mitologia. As pulsões são entidades míticas, magníficas em sua imprecisão. Em nosso trabalho, não podemos desprezá-las, nem por um só momento, de vez que nunca estamos seguros de as estarmos vendo claramente" (Freud, 1933/1980n, p. 98).

Como Zeus, Apolo, Perseu, Afrodite, como as Ninfas e os Titãs convidados a organizar o Universo dos antigos gregos, as pulsões são assim convocadas por Freud para tentar esclarecer os enigmas revelados pela psicanálise, como a natureza do inconsciente e das representações, as dinâmicas psíquicas, a origem do recalcamento, e, muito particularmente, o grande enigma que o assombrava, desde seus primeiros trabalhos sobre a histeria: o do "misterioso" salto do psíquico para o somático, o elo perdido entre essas duas dimensões da experiência humana.

Em 1915, entre a hesitação e o alívio, ele enuncia sua famosa definição:

Se agora nos dedicarmos a considerar a vida mental de um ponto de vista biológico, uma "pulsão" nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo. (Freud, 1915/1980h, p. 127)

Desde o início de "Os instintos e suas vicissitudes", é clara a intenção de Freud de erigir, cartesianamente, a pulsão como o "conceito básico, claro e bem definido" da ciência psicanalítica. A partir desse pilar, ele desenvolve toda sua metapsicologia, que, como sabemos, provocou a reformulação de grande parte dos conceitos que definira até então: uma teoria específica sobre o recalcamento, um artigo sobre o inconsciente, uma nova perspectiva para a teoria dos sonhos (metapsicológica, claro...), uma ampliação da psicopatologia psicanalítica através do estudo sobre o luto e a melancolia, bem como uma leitura, também metapsicológica, das neuroses de transferência, entre muitos outros.

Foi também a mitologia pulsional que permitiu a Freud retomar o espinhoso problema das indicações para a técnica psicanalítica, sempre preconizada por ele como adequada para o tratamento das psiconeuroses e impossível de ser utilizada no tratamento das neuroses atuais, por estas não apresentarem derivados psíquicos a serem elaborados pela associação livre, mas, predominantemente, descargas somáticas de excitação desvinculadas de lembranças, de fantasias e de sonhos (Freud, 1894/1980a). Com o respaldo da teoria pulsional, Freud se permitiu aproximar-se das manifestações das neuroses traumáticas, da destrutividade, das reações terapêuticas negativas, da compulsão à repetição, dos enigmas do masoquismo e mesmo dos sonhos traumáticos que, em princípio, pareciam contradizer um outro mito originário da psicanálise, de que os sonhos, como os deuses do Olimpo travestidos em humanos para levar a cabo seus desígnios, seriam, eles também, realizações disfarçadas de desejos inconscientes (Freud, 1919/1980i, 1920/1980j, 1924/1980l).

Por esse caminho também evoluiu a própria mitologia pulsional. Das entranhas das primeiras pulsões de autoconservação e sexuais emergiram as segundas entidades pulsionais, personificando as forças de Vida e de Morte. Em 1920, em "Além do princípio do prazer", ao tentar articular hipóteses sobre essas forças que colocavam em evidência muitos dos paradoxos encontrados pela psicanálise, Freud, que dedicara sua vida ao estudo das funções mais abstratas do psiquismo, foi imperativamente convocado ao encontro do mais primitivo e desorganizado da natureza humana e de todos os seres vivos.

Nesse contexto, ele se viu subitamente confrontado a algumas de suas primeiras experiências e hipóteses como neurologista, a seu flerte com a biologia e também a alguns de seus antigos fantasmas, mestres e ídolos, como Brucke, Breuer, Darwin e John Jackson, que, de forma explícita ou insinuada, se revelam ao longo do artigo. Freud (1920/1908j, 1923/1980k) constrói, assim, sua teoria sobre a nova dualidade pulsional, descrevendo o embate entre as forças de Eros que tendem ao progresso, à organização e à manutenção de unidades cada vez maiores do ser vivo, e Tânatos, pulsão conservadora, destrutiva e desorganizadora, que promove a redução das tensões, o desligamento dos investimentos e tende a reconduzir o ser vivo ao estado inorgânico. A combinação entre ambas, em diferentes proporções, seria, segundo ele, inerente a toda forma de vida. A intricação pulsional, em particular, constituiria a principal dinâmica do desenvolvimento humano e, especialmente, do aparelho psíquico.

Para sustentar essa nova construção, em "Além do princípio de prazer", ele evoca um grande número de exemplos da biologia, da evolução e desenvolvimento dos seres vivos, pluri e unicelulares, peixes nos momentos de migração e desova, exemplos da embriologia, da fisiologia, da anatomia cerebral e do sistema nervoso2. Três anos depois, Freud (1923) situa "O ego e o id" como um desenvolvimento das ideias antes expostas, porém pautado pela clínica e sem novos empréstimos à biologia, o que o "recentraria", segundo ele, na perspectiva da psicanálise. É dessa perspectiva que ele consagra o modelo das duas classes de pulsões.

Ao longo de toda sua demonstração, Freud apresenta com grande riqueza de exemplos e detalhes os efeitos organizadores e desorganizadores das pulsões de Vida e de Morte, os processos de diferenciação e hierarquização de diferentes seres e espécies, de integração e desintegração promovidos pela dualidade pulsional, revelando claramente nessas concepções a forte influência da teoria da evolução de Charles Darwin3, mas também das ideias de John H. Jackson sobre o funcionamento hierárquico do sistema nervoso4.

Apesar do vigor e da elegância de seus argumentos, em diversas passagens de "Além do princípio do prazer", Freud se mostra ambivalente com relação a suas hipóteses. Quase que se desculpando, ele afirma:

deve-se deixar completamente claro que a incerteza de nossa especulação foi muito aumentada pela necessidade de pedir empréstimos à ciência da biologia. A biologia é, verdadeiramente, uma terra de possibilidades ilimitadas. Podemos esperar que ela nos forneça as informações mais surpreendentes, e não podemos imaginar que respostas nos dará, dentro de poucas dezenas de anos, às questões que lhe formulamos. Poderão ser de um tipo que ponha por terra toda a nossa estrutura artificial de hipóteses. Se assim for, poder-se-á perguntar por que nos embrenhamos numa linha de pensamento como a presente e, em particular, por que decidi torná-la pública. Bem, não posso negar que algumas das analogias, correlações e vinculações que ela contém pareceram-me merecer consideração. (Freud, 1920/1980j, p. 81)

Assim, a despeito de ter demonstrado a intimidade e a continuidade entre as formas e funções mais primitivas da vida e aquelas mais evoluídas e organizadas, mesmo depois de "Além do princípio de prazer", o olhar de Freud continuou a privilegiar, em suas obras, os níveis e processos mais evoluídos da mente humana, as representações pulsionais, a segunda tópica do aparelho psíquico e a segunda teoria da angústia, a negação, o fetichismo, as questões da técnica psicanalítica, da cultura ("Mal-estar na civilização" e "Moisés e o monoteísmo"), interessando-se bem menos pelas manifestações das dinâmicas mais primitivas, entre as quais as da destrutividade e das pulsões de morte5.

Mesmo após ter dotado a psicanálise de um aparelho conceitual poderoso, capaz de ampliar a teoria e a clínica psicanalíticas para a compreensão das dimensões mais desorganizadas, primitivas e originárias do humano, Freud não se mostrou suficientemente interessado em voltar mais atentamente seu olhar para as forças que, impelidas por Tânatos, se dirigem para as profundezas tenebrosas do reino de Hades, o mundo dos mortos, do invisível e do inominável6.

Por muitos anos assombrado pelo temor de sua própria morte7, Freud talvez tenha encontrado em sua mitologia pessoal um limite para sua curiosidade e sua capacidade de observação.

 

Um olhar para o primitivo

Em 1952, Pierre Marty publica seu célebre artigo "As dificuldades narcísicas do observador diante do problema psicossomático". Nele, destaca três fatores que se constituem como verdadeiras resistências narcísicas ao contato, à compreensão e à clínica dos fenômenos ditos "psicossomáticos": "1. A importância fundamental da função visual do que acreditamos ser a abordagem da realidade; 2. A crença exclusiva em um objeto espacialmente definido; 3. As dificuldades associadas à ideia da fragmentação do corpo e à possibilidade de desaparecimento de sua imagem" (Marty, 1952, p. 345). Esses três obstáculos se manifestam de forma significativa especialmente no contato com os pacientes que apresentam manifestações primitivas de funcionamento, uma vez que, segundo Marty: "1. A psicossomática trata de funções invisíveis, não esquematizáveis; 2. Ela não possui um objeto espacialmente definido; 3. Ela amplia a noção de regressão partindo das funções mentais até a doença somática, isto é, passando pela afetação do corpo até o seu desaparecimento" (Marty, 1952, p. 345).

Essas dificuldades se manifestam na atitude, no vocabulário, na capacidade de observação, de elaboração teórica e na clínica, médica, psicanalítica ou de qualquer outra abordagem terapêutica. Ao revelá-las, Marty explicitava uma das principais fontes de mal-estar e de impasses encontrados no contato com pacientes que apresentam funcionamentos marcados por dinâmicas mais primitivas, aquém da linguagem e da representação. Ele desvendava também um dos principais motivos para a até então preconizada impossibilidade da utilização da técnica psicanalítica clássica com as neuroses atuais e traumáticas e, em certa medida, também narcísicas. Ele indicava ainda, de forma tímida nesse artigo inicial, mas cada vez mais explícita nos que se seguiram, a necessidade de mudanças significativas no enquadre e nas formas de intervenção do analista/psicoterapeuta para, antes de mais nada, organizar e estruturar, com esses pacientes, uma economia pulsional desestruturada e errática, inacessível ao trabalho representativo da associação livre. Ele enveredava, então, pelas sendas já há muitos anos sugeridas por S. Ferenczi, que defendera a necessidade de modificações da técnica psicanalítica para tornar possível o trabalho com os efeitos desorganizadores do traumatismo, do infantil mais primitivo e, também, das doenças orgânicas (Ferenczi, 1926/1991a, 1928/1991b).

Marty e seus colegas, Michel de M'Uzan, Michel Fain, entre outros, pioneiros da psicossomática psicanalítica francesa, compreenderam o alcance da teoria pulsional freudiana para viabilizar a compreensão e o trabalho terapêutico com os pacientes com funcionamentos mais desorganizados, com manifestações próximas àquelas encontradas nas neuroses atuais, como os que foram inicialmente descritos através dos conceitos de pensamento operatório e depressão essencial.

O pensamento operatório se caracteriza pelo pouco contato da pessoa com seus desejos, pela ausência quase absoluta de sonhos, de sintomas e mecanismos neuróticos, de lapsos, de devaneios, ou de atividade criativa, pela utilização empobrecida da linguagem, com uma aderência e adaptação extremas ao fatual e à realidade material. Essas manifestações são fruto do empobrecimento da capacidade de simbolização das demandas pulsionais e da elaboração dessas demandas por meio da fantasia. As relações pessoais são caracterizadas pela indiferenciação, por um rebaixamento dos investimentos objetais, inclusive na transferência terapêutica. No lugar de manifestações psíquicas ou emocionais, aparecem expressões corporais, mímicas faciais, manifestações sensomotoras e dores físicas (Marty & M'Uzan, 1963).

Por sua vez, a depressão essencial se revelava como uma depressão sem objeto, constituindo "a própria essência da depressão", marcada principalmente por um rebaixamento do tônus libidinal e por um desamparo profundo, desconhecido do próprio sujeito. Diferentemente da depressão neurótica ou do luto, ela não denota nenhum trabalho de elaboração. A pessoa não apresenta nenhuma queixa, quanto muito uma profunda fadiga e a perda de interesse por tudo que a rodeia (Marty, 1968, p. 595).

Ao descrever esses dois conceitos originais da psicossomática psicanalítica, Marty apontava para alguns elementos fundamentais, verdadeiras chaves para compreender a natureza primitiva de tais manifestações.

O pensamento operatório estabelece seu contato com o inconsciente a um nível de pouca elaboração, como aquém das primeiras elaborações integradoras da vida pulsional. ... parece desconsiderar ou levar a um curto-circuito toda a atividade fantasmática elaborativa, para articular-se com as formas iniciais de pulsões, as quais podem retornar inesperadamente ou dar lugar a somatizações ou ainda se manter sob aparências rudimentares numa predominância da tensão atividade passividade tão comum aos pacientes psicossomáticos. (Marty & M'Uzan, 1963, p. 345, grifos meus)

Por sua vez, a depressão essencial é caracterizada pelo:

apagamento, em toda a escala, da dinâmica mental, de funções capitais. ... a identificação, a introjeção, a projeção, o deslocamento, a condensação, as associações de ideias e, mais além, o apagamento comprovado das vidas oníricas e fantasmáticas. ... [ela se apresenta] como um desaparecimento da libido, tanto narcísica quanto objetal, e isso sem outra compensação econômica, a não ser a fragmentação funcional. (Marty, 1968, p. 596, grifos meus)

Mais adiante, Marty concluía:

Creio que estes dois termos: desaparecimento da libido, de um lado, e a fragmentação funcional, de outro, constituem a própria definição do instinto de morte, sobre o qual nós chegamos. ... a depressão essencial constitui, assim, uma das manifestações clínicas principais da precedência do instinto de morte. (Marty, 1968, p. 596)

Com tais pacientes, encontramo-nos, assim, em um obscuro território, caótico, desorganizado, aquém da função integradora das representações, aquém do narcisismo e mesmo do autoerotismo, aquém da angústia e, inclusive, aquém da pulsão. No limite da vida.

Por meio das manifestações do pensamento operatório e da depressão essencial, Marty embarcava na mitologia freudiana, porém, dispondo-se a também olhar para outra direção. Se Freud mostrou-se constrangido ao considerar as evidências biológicas mais primitivas para ilustrar e representar as relações entre as pulsões de Vida e de Morte, Marty mergulhou na biologia para tentar descrever e tratar os movimentos de organização e de desorganização da economia psicossomática.

 

Instinto, organizações e desorganizações

Em 1976, Marty publica Os movimentos individuais de vida e de morte. Estudo de economia psicossomática. Ele o inaugura com uma discussão sobre a noção de função, lembrando que a biologia estuda a escala progressiva das organizações que estruturam o modo de vida dos organismos vivos. Para destacar a natureza desse movimento, Marty opta deliberadamente por descrevê-lo a partir de uma perspectiva mais ampla do que a das pulsões, desde o nível dos próprios Instintos, de Vida e de Morte, marcando a continuidade do desenvolvimento do ser vivo desde suas manifestações mais primárias.

Nessa "perspectiva evolucionista", ele lembra que a evolução das espécies e dos indivíduos é marcada por tendências de integração e de desintegração, pela busca do desenvolvimento de funções cada vez mais complexas e diferenciadas, muitas vezes acompanhadas por movimentos que comprometem e provocam a perda de sua complexidade e diferenciação (Marty, 1980). Ao longo da evolução, os seres vivos mais complexos e mais tardios apresentam características que, ao mesmo tempo, se constituem como repetições e desenvolvimentos de atributos dos seres mais simples e primitivos. No desenvolvimento humano, em particular, cada indivíduo se origina dos elementos mais essenciais, como a reprodução e a divisão celulares, constituindo estruturas e funções progressivamente mais organizadas, como os tecidos, os órgãos, o feto como um todo até alcançar níveis evolutivos e organizações cada vez mais complexos. Depois do nascimento, passando a depender da relação com o meio e com outros humanos, o processo de organização, diferenciação e hierarquização continua, com o desenvolvimento da organização sensomotora, dos afetos, das funções representativas, acompanhados pela aquisição da linguagem, pela diferenciação das relações de objeto, das instâncias e dinâmicas psíquicas. Como sabemos, principalmente na infância, é a função de gerência materna que propicia e em grande parte determina o alcance possível desse desenvolvimento e sua consistência (Marty, 1990/1994; Volich, 2000/2010).

O desenvolvimento humano é, portanto, marcado por tendências à formação de estruturas, dinâmicas e funções das mais simples para as mais complexas, das menos organizadas para as mais organizadas, da anarquia para a hierarquização. Solicitada por estímulos internos e externos, a economia psicossomática tenta manter o equilíbrio por meio de seus recursos mais organizados, de natureza mental, quando presentes (Marty, 1976, p. 116). As vias orgânicas, motoras e de pensamento representam nessa ordem uma hierarquia progressiva de recursos que podem ser utilizados com tal finalidade. Porém, quando da ausência ou insuficiência de recursos mais organizados, para lidar com a intensidade dos estímulos a que está submetida, a economia psicossomática pode reagir de forma anacrônica, primitiva, menos elaborada do que seria ou já foi capaz, desencadeando movimentos no sentido contraevolutivo, provocando descargas motoras e de comportamento e, no polo extremo, desorganizações somáticas. O adoecimento, orgânico ou psíquico, assim como as descargas comportamentais são alguns dos recursos para a regulação do equilíbrio psicossomático, e de suas relações com o meio e com os outros humanos.

P. Marty (1976; 1980) aponta que as dinâmicas evolutivas e contraevolutivas do desenvolvimento são determinadas pelas interações entre os Instintos de Vida e de Morte, que participam de todos os estágios do desenvolvimento humano, desde as experiências intrauterinas e da infância à velhice, passando pela adolescência e pela fase adulta. Essas relações são marcadas tanto por fatores regulares do desenvolvimento (anatômicos, fisiológicos, funcionais) como irregulares e imprevistos como os traumatismos e condições "reanimantes".

No início da vida e nos primeiros tempos do desenvolvimento, em geral prevalecem as forças organizadoras dos Instintos de Vida. Nesse período, o Instinto de Morte geralmente provoca desorganizações passageiras, interrompidas pelo poder reorganizador dos Instintos de Vida. Os embates entre essas forças forjam um sistema de defesa individual e idiossincrático constituído pelas fixações funcionais e pelas dinâmicas de regressão.

Na sequência do desenvolvimento, infantil, adolescente, adulto, podem se manifestar, cada vez mais, os aspectos mais desorganizadores e destrutivos dos Instintos de Morte8. A intensidade e a extensão dessas manifestações dependerá da consistência dos recursos da economia psicossomática, constituídos pelas interações entre os dois grupos de Instintos, pelas primeiras marcas da hereditariedade, pelas fixações orgânicas da primeira infância, prosseguindo pelos sistemas sensomotores e comportamentais de fixações e de regressões, de funções e conteúdos mentais, representativos e afetivos.

A cada momento do desenvolvimento, e em cada um desses níveis, os Instintos de Vida buscarão mobilizar os melhores recursos para se contrapor a eventuais forças desorganizadoras mobilizadas pelos Instintos de Morte.

Ampliando as concepções freudianas sobre a neurose traumática (Freud, 1919/1980i), Marty afirma que a perturbação da economia psicossomática é provocada pelos traumatismos, que se caracterizam

pelo impacto afetivo sobre um indivíduo de uma situação mais ou menos prolongada ou de um acontecimento exterior que contraria seja a organização na ponta evolutiva (durante o período de crescimento), seja a organização mais evoluída no momento do traumatismo. A falência de uma dessas organizações equivale a sua desorganização. Nesse momento, os Instintos de Vida cedem seu lugar aos Instintos de Morte por um tempo mais ou menos prolongado. (Marty, 1976, pp. 101-102)

Segundo Marty, a noção de traumatismo é inseparável da noção de organização funcional e da noção de conflito. O traumatismo é um fenômeno de natureza afetiva que atinge, em primeiro lugar, a organização psicossomática em seus estágios mais avançados, podendo retrocessivamente provocar perturbações nos níveis anteriores de organização, originando a desorganização progressiva.

Em um primeiro momento, os traumatismos desorganizam os sistemas funcionais que mantinham o equilíbrio de um certo estágio evolutivo, desafiando os Instintos de Vida que, abalados, podem ser sobrepujados pelos Instintos de Morte. Nessas condições, as desorganizações psicossomáticas se orientam no sentido contraevolutivo e se manifestam pelo desaparecimento das hierarquias e associações funcionais, pela perda da complexidade de funcionamentos, que, muitas vezes, cedem seu lugar à confusão, à anarquia e ao apagamento do tônus vital e afetivo. A depressão essencial é um dos principais indicadores desse movimento.

Nos adultos, a desorganização progressiva geralmente começa com uma fase de depressão essencial, o que aponta para a ausência do tônus dos Instintos de Vida, seguida de uma desorganização do aparelho mental, testemunhado pelo pensamento operatório. O movimento continua com a desorganização dos sistemas de caráter e de comportamento revelando a redução ou perda de expressões instintivas correspondentes: é a vida operatória. Finalmente ocorrem as desorganizações somáticas cada vez mais arcaicas no plano evolutivo, e mais fundamentais no plano vital. O processo pode, então, prosseguir até a destruição dos equilíbrios biológicos primários da vida individual. É então terminado o tempo do ser lançado no espaço. (Marty, 1976, p. 133)

Os sistemas fixação-regressão se apresentam como anteparos contra o movimento desestruturante das desorganizações progressivas. Ao convocar pelo movimento contraevolutivo organizações funcionais de momentos anteriores do desenvolvimento, as regressões se constituem, em um primeiro momento, como uma barreira contra a desorganização progressiva, buscando interrompê-la. As regressões se organizam em torno de organizações que foram anteriormente objeto de fixações (Marty, 1976).

Ao se opor ao movimento desorganizador, as regressões, sejam elas de natureza psíquica ou somática, revelam serem animadas pela capacidade reorganizadora dos Instintos de Vida. Assim, é importante reconhecer o valor positivo das regressões que se constituem, ao mesmo tempo, como dinâmicas reorganizadoras.

Talvez, essas colocações possam parecer surpreendentes para nossas formas corriqueiras de pensamento. Estamos acostumados a atribuir um valor negativo às regressões, como se elas fossem exclusivamente marcadas pela perda funcional e pelo retrocesso a estados e tempos anteriores do desenvolvimento. Para compreender melhor o caráter positivo e reorganizador nela implicados, podemos compará-la aos processos do luto, no qual a vivência da perda (de uma pessoa, de uma relação amorosa, de um trabalho) provoca um retraimento narcísico necessário à reorganização libidinal do sujeito. É natural e compreensível que em função de uma perda a pessoa entristeça, perca o interesse pelo mundo e pelas pessoas a sua volta, volte-se para si mesmo com vistas a reorganizar seus investimentos objetais, internos e externos, para poder voltar a investir e se interessar pelo mundo exterior. O trabalho de luto é uma das situações paradigmáticas nas quais podemos reconhecer o valor reorganizador dos processos regressivos.

Esse mesmo exemplo pode também ajudar-nos a compreender as consequências do fracasso das funções reorganizadoras da regressão e do luto. Da mesma forma que a impossibilidade de realizar o trabalho do luto pode dar lugar ao luto patológico e à melancolia, a incapacidade das regressões em reorganizar a economia psicossomática do sujeito dá livre curso às desorganizações progressivas, promovidas pelos Instintos de Morte que determinam o movimento no sentido contraevolutivo sem serem interrompidas, até o surgimento das desorganizações somáticas.

 

Outras mitologias

As teorias de Marty e dos autores do Instituto de Psicossomática de Paris, como Michel Fain, Michel de M'Uzan, Léon Kreisler, a nova geração de Claude Smadja, Marilia Aisenstein, Gérard Sczwec e vários outros, se situam em uma grande linhagem psicanalítica representada, desde Ferenczi, por Melanie Klein, René Spitz, Donald Winnicott, André Green, Pierre Fédida, Otto Kerneberg, entre muitos que, ampliando a compreensão da metapsicologia psicanalítica, desenvolveram uma vertente teórico-clínica que oferece possibilidades de tratamento não apenas para pacientes que apresentam uma sintomatologia orgânica, mas também psicóticos, borderlines, adictos e com transtornos de caráter, ou seja, pessoas que vivem os efeitos da precariedade de suas vivências infantis e de seu desenvolvimento, do esgarçamento de seu tecido psíquico e de suas fragilidades narcísicas, da pobreza de seu mundo objetal e de representações.

Dessa perspectiva, esses autores evidenciam, de diferentes maneiras, a existência de hierarquias funcionais e modos de organização de complexidade variada, implicando expressões mentais, somáticas e comportamentais em cada pessoa. Se, desde Freud, a técnica psicanalítica desenvolveu recursos importantes para lidar com as manifestações mentais dessa complexidade, suas expressões somáticas e comportamentais sempre desafiaram e ainda desafiam a clínica e os enquadres clássicos da psicanálise e da psicoterapia por meio de expressões transferenciais e contratransferenciais primitivas e desorganizadas. Essas expressões também se constituem frequentemente como dificuldades para os processos terapêuticos médicos e institucionais.

Com esse mesmo olhar, alguns autores, mais próximos, também buscam articular hipóteses e referências clínicas para lidar com os funcionamentos mais primitivos e desorganizados da economia psicossomática. Wagner Ranña, por exemplo, propõe a leitura transferencial a partir de três eixos, pulsional, simbólico e intersubjetivo, para que seja possível o contato, a escuta e o manejo de tais funcionamentos. Segundo ele:

Se o eixo pulsional está na passagem do somático para o psíquico e o simbólico está no intrapsíquico, o intersubjetivo está na borda que dá para fora, para o mal denominado ambiente. Para o humano o ambiente é o que vem do outro. O instinto responde a uma imago, um estímulo, a sua resposta é sempre a mesma. Já o humano responde a um apelo e deseja o que o outro deseje nele. Assim o sujeito fica tensionado pela falta, efeito da marca libidinal que o encontro com o outro lhe causa. A intersubjetividade vai dar conta do fato de que um sujeito exerce uma força constitutiva sobre o outro e todos os elementos do encontro são modificados. (Ranña, 2003, p. 52)

Maria Helena Fernandes identifica essa clínica, em que prevalecem manifestações primitivas, como a clínica do transbordamento, sugerindo o paradigma da hipocondria "capaz de transitar entre a neurose e a psicose, entre o normal e o patológico, entre a psique e o soma, entre a conversão e a somatização", como uma importante referência para pensar e lidar com tais manifestações, marcadas pela emergência do corpo na clínica contemporânea (Fernandes, 2003, p. 110). Ela evidencia ainda a função atual dos transtornos alimentares, sustentando que

a preocupação com a alimentação tem se convertido no fetiche privilegiado do controle do corpo na modernidade. É o corpo fetichizado que parece servir de estandarte ao projeto higienizador e totalitário de controle da existência humana pós-moderna. (Fernandes, 2006, p. 279)

Enquanto isso, Decio Gurfinkel destaca duas outras dimensões da clínica dos estados mais primitivos sugerindo a consideração de uma fenomenologia do dormir, que permite observar a continuidade entre o adormecer, o dormir, o sonhar e o despertar como diferentes modos de acesso à experiência da psicossomatologia da vida cotidiana (Gurfinkel, 2003). Ele propõe ainda a referência ao que denomina a clínica do agir, para iluminar a compreensão da série de formações sintomáticas que, partindo do sonho e indo até a somatização, atravessa o sonho traumático, a angústia, as formações de caráter, a compulsão à repetição, o acting out, a ação pura e a somatização (Gurfinkel, 2001; 2008).

Por sua vez, Flávio C. Ferraz contribui à abordagem clínica do primitivo revelando a existência, entre psicose e perversão, de uma hierarquia funcional e genética de defesas entre a recusa e a rejeição, em que o estado psicótico seria ontogeneticamente mais regredido do que o estado perverso, tanto no plano do estabelecimento da objetalidade como da objetividade (Ferraz, 2011). Anteriormente, ele já havia destacado a importância ética e clínica de delinear a especificidade da clínica da normopatia, manifestação cada vez mais frequente em nossos tempos, em que o desconhecimento e a alienação do sujeito de si mesmo, mascarados pela aparente normalidade, adaptação e adequação desafetada à realidade, diferem claramente da alienação neurótica, marcada pelo recalcamento (Ferraz, 2002).

Por fim, como descrevi em trabalhos anteriores, é grande o interesse de considerar, na clínica, as manifestações de diferentes hierarquias funcionais, dinâmicas e transferenciais da angústia que se constituem como uma verdadeira semiologia da economia psicossomática (Volich, 2003a), e também os efeitos nefastos e destrutivos dos ideais primitivos que contribuem à desorganização psicossomática (Volich, 2008). Esses processos permitem identificar os movimentos de integração e desintegração da economia psicossomática para modular o trabalho transferencial e o manejo do enquadre no processo terapêutico.

Todos esses autores, e muitos que o limite de espaço deste trabalho me impede de mencionar, ajudam-nos a lidar com a complexidade dessa clínica, que denomino clínica das desorganizações (Volich, 2000/2010). Uma clínica que revela a continuidade funcional e hierárquica entre os modos de organização mais primitivos do funcionamento psicossomático e as manifestações neuróticas, tanto do ponto de vista do desenvolvimento humano como do da manifestação patológica, apesar das diferenças de suas formas de expressão. Dessa perspectiva, compreendemos que as manifestações ou as queixas centradas no corpo e as descargas pelos comportamentos são apenas algumas das modalidades possíveis de expressão do sofrimento humano. Por sua vez, apesar da predominância da expressão psíquica, os sintomas e quadros psicopatológicos constituem uma outra vertente para a manifestação desse sofrimento.

Mesmo considerando os mecanismos fisiológicos, psiconeuroimunológicos e mesmo hereditários eventualmente implicados nesses processos, é fundamental compreender a perspectiva intersubjetiva e histórica segundo a qual desenvolvem-se e organizam-se essas dinâmicas em suas relações com as funções psíquicas e com a regulação do funcionamento vital. A preponderância de uma ou outra dessas formas de expressão é fruto da história de cada um, da organização de sua subjetividade no contexto de uma interação permanente entre fatores constitucionais, condições do ambiente e suas experiências de vida, modeladas pelo tecido relacional estabelecido, desde o nascimento, com as demais pessoas de seu convívio.

Diante de toda essa complexidade, ao final desse percurso, cabe explicitar nossa gratidão aos colegas, a nossos mestres e psicanalistas que compartilharam conosco suas cosmogonias e mitologias, nas quais nos inserimos. São a essas mitologias coletivas, heranças de nossas próprias histórias e transferências, que recorremos para ordenar o caos de nosso Universo e daqueles de quem tentamos cuidar, nem sempre com sucesso, infelizmente.

Porém, cabe também lembrar a importância, para cada analista, para cada clínico, para cada terapeuta, da construção de sua própria mitologia. Para poder aproximar-se ainda mais de suas próprias dores e daquelas de seu semelhante. Para acercar-se do temível, do irrepresentável, do invisível Hades, que, todos nós, de uma forma ou de outra, em algum momento, seremos convidados a visitar...

 

Referências

Ferenczi, S. (1991a). As neuroses de órgão e seu tratamento. In S. Ferenczi, Psicanálise 3: Obras Completas (vol. 3, pp. 377-382). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1926)         [ Links ]

Ferenczi, S. (1991b). A elasticidade da técnica psicanalítica. In S. Ferenczi, Psicanálise 4: Obras Completas (vol. 4, pp. 25-36). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1928)         [ Links ]

Fernandes, M. H. (2003). As formas corporais do sofrimento: a imagem da hipocondria na clínica psicanalítica contemporânea. In R. M. Volich, F. C. Ferraz, & W. Ranña (Orgs.), Psicossoma III: interfaces da psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Fernandes, M. H. (2006). Transtornos alimentares. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Ferraz, F. C. (2002). Normopatia. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Ferraz, F. C. (2011). As montagens perversas como defesa contra a psicose. In F. C. Ferraz, Ensaios Psicanalíticos. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Freud, S. (1979). A interpretação das afasias. Lisboa: Edições 70. (Trabalho original publicado em 1891)         [ Links ]

Freud, S. (1980a). Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome intitulada "neurose de angústia". In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 3). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1894)         [ Links ]

Freud, S. (1980b). Projeto de uma psicologia científica. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 1). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1895)         [ Links ]

Freud, S. (1980c). Estudos sobre a histeria. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 2). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1895).         [ Links ]

Freud, S. (1980d). A interpretação dos sonhos. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vols. 4 e 5). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1900)         [ Links ]

Freud, S. (1980e). Totem e tabu. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 13). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1910)         [ Links ]

Freud, S. (1980f). Recordar, repetir, elaborar. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 12). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914)         [ Links ]

Freud, S. (1980g). Narcisismo: uma introdução. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 14). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914)         [ Links ]

Freud, S. (1980h). Instintos e suas vicissitudes. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 14). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1915)         [ Links ]

Freud, S. (1980i). Introdução ao estudo das neuroses de guerra. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 17). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1919)         [ Links ]

Freud, S. (1980j). Além do princípio do prazer. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 18). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1920)         [ Links ]

Freud, S. (1980k). Um estudo autobiográfico. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 20). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1923)         [ Links ]

Freud, S. (1980l). O problema econômico do masoquismo. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 19). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1924)         [ Links ]

Freud, S. (1980m). Mal-estar na civilização. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 21). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1930)         [ Links ]

Freud, S. (1980n). Novas conferências Introdutórias sobre Psicanálise. xxxii: ansiedade e vida pulsional. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 22). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1933)         [ Links ]

Freud, S. (1980o). Moisés e o monoteísmo. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 23). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1939)         [ Links ]

Gay, P. (1991). Freud, uma vida para nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Gurfinkel, D. (2001). Psicanálise, regressão e psicossomática: nas bordas do sonhar. In D. Gurfinkel, Do sonho ao trauma: psicossoma e adicções. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Gurfinkel, D. (2003). Psicanálise, regressão e psicossomática: nas bordas do sonhar. In R. M. Volich, F. C. Ferraz & W. Ranña (Orgs.), Psicossoma III: interfaces da psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Gurfinkel, D. (2008). A clínica do agir. In R. M. Volich, F. C. Ferraz & W. Ranña (Orgs.), Psicossoma IV: Corpo, história, pensamento. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Marty, P. (1952). Les difficultés narcissiques de l'observateur devant le problème psychosomatique. Revue Française Psychanalyse, 16(3),345-357.         [ Links ]

Marty, P. (1968). La dépression essentielle. Revue Française Psychanalyse, 32(3),595-598.         [ Links ]

Marty, P. (1976). Les mouvements individuels de vie et de mort. Essai d'économie psychosomatique. Paris: Payot.         [ Links ]

Marty, P. (1980). L'ordre psychosomatique. Les mouvements individuels de vie et de mort 2. Désorganisations e régressions. Paris: Payot.         [ Links ]

Marty, P. (1994). A psicossomática do adulto. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1990)         [ Links ]

Marty, P. & de M'Uzan, M. (1963). La pensée opératoire. Revue Française de Psychanalyse,27,345-356.         [ Links ]

Ranña, W. (2003). A criança e o adolescente: seu corpo, sua história e os eixos da constituição subjetiva. In R. M. Volich, F. C. Ferraz & W. Ranña (Orgs.), Psicossoma III: interfaces da psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Volich, R. M. (2003a). O eu e o outro: Esboço de uma semiologia psicossomática da angústia. In R. M. Volich, F. C. Ferraz & W. Ranña (Orgs.), Psicossoma III: interfaces da psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Volich, R. M. (2003b). Figuras da hipocondria: do paradoxo à revelação. In R. M. Volich, F. C. Ferraz & W. Ranña (Orgs.), Psicossoma III: interfaces da psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Volich, R. M. (2008). Morrer de amor. Os ideais e as desorganizações psicossomáticas. In R. M. Volich, F. C. Ferraz & W. Ranña (Orgs.), Psicossoma IV: Corpo, história, pensamento. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Volich, R. M. (2010). Psicossomática, De Hipócrates à psicanálise (7ª ed., rev. e amp.). São Paulo: Casa do Psicólogo. (Trabalho original publicado em 2000)         [ Links ]

 

 

Recebido em: 11/10/2013
Aceito em: 15/10/2013

 

 

Rubens M. Volich. Rua Ilhéus, 135 | Perdizes, 01251-030. São Paulo, SP. Tel: 11 3862-7743, volichrm@dialdata.com.br
1 Uma versão condensada deste trabalho foi apresentada no "V Simpósio de Psicossomática Psicanalítica - Integração, desintegração, e limites", ocorrido em 7 e 8 de junho de 2013 em São Paulo.
2 "Com base em considerações teóricas, apoiadas pela biologia, apresentamos a hipótese de uma pulsão de morte, cuja tarefa é conduzir a vida orgânica de volta ao estado inanimado; por outro lado, imaginamos que Eros, por ocasionar uma combinação de consequências cada vez mais amplas das partículas em que a substância viva se acha dispersa, visa a complicar a vida e, ao mesmo tempo, naturalmente, a preservá-la. [...] O surgimento da vida seria, então, a causa da continuação da vida e também, ao mesmo tempo, do esforço no sentido da morte. E a própria vida seria um conflito e uma conciliação entre essas duas tendências. O problema da origem da vida permaneceria cosmológico, e o problema do objetivo e propósito da vida seria respondido dualisticamente. Segundo este ponto de vista, um processo fisiológico especial (de anabolismo ou catabolismo) estaria associado a cada uma das duas classes de pulsões; ambos os tipos de pulsão estariam ativos em toda partícula de substância viva, ainda que em proporções desiguais, de maneira que determinada substância poderia ser o principal representante de Eros" (Freud, 1923/1980k, pp. 53-54).
3 Com sua obra A origem das espécies, Charles Darwin (1809-1882) revolucionou a biologia, ao formular a hipótese de que todos os seres vivos evoluíram a partir de um tronco comum, diferenciando-se e sobrevivendo graças ao processo da seleção natural. Apesar de todas as resistências que tais teorias provocavam no século xix, Freud sempre foi bastante explícito quanto a sua admiração por Darwin: "as teorias de Darwin, que eram então de interesse atual, atraíram-me fortemente, pois ofereciam esperanças de extraordinário progresso em nossa compreensão do mundo" (Freud, 1923/1980k, p. 19). Em muitas de suas outras obras, Freud dá mostras dessa admiração, tendo, por exemplo, se inspirado nas concepções desse autor para formular suas próprias hipóteses sobre o papel das emoções nos "Estudos sobre a histeria" (1895/1980c), bem como a teoria da horda primitiva em "Totem e tabu" (1910/1980e).
4 De sua formação como neurologista, Freud guardou uma forte influência de John Hughlings Jackson (1835-1911), explicitada no artigo sobre a "Afasia" (1891/1979) e também no "Projeto de uma psicologia científica" (1895/1980b). Mesmo após seu afastamento da neurologia, o princípio de diferenciação funcional progressiva de instâncias, dinâmicas e funções permaneceu onipresente na teoria freudiana.
5 Uma exceção nessa série é o artigo "O problema econômico do masoquismo" (1924/1980l), no qual a segunda teoria das pulsões e a função particularmente desorganizadora da pulsão de morte voltam a se revelar com toda sua força, revelando novos desdobramentos sobre a questão dos destinos da destrutividade.
6 Hades, rei dos mortos, terceiro filho de Cronos e Rea, era considerado um deus implacável e incansável, pois não permitia aos mortos deixar o inferno. Ninguém podia escapar a seu reino, uma vez ali tendo adentrado. Era esse o destino inexorável de todos os homens: retornar para o reino de Hades. Hades simplesmente reclamava de volta aquilo que dera. Segundo algumas leituras, o nome de Hades significa "o invisível".
7 O medo de morrer precocemente acompanhou Freud durante a maior parte de sua vida, tendo determinado muitas de suas atitudes perante seus discípulos, como Jung e Ferenczi, suas preocupações com os destinos de suas ideias e do movimento psicanalítico. Como lembra P. Gay, "certos números despertavam-lhe certa ansiedade. Ele abrigou durante anos a crença obcecante de que estava destinado a morrer aos 51 anos, e depois aos 61 ou 62; sentia-se perseguido por essas proféticas cifras, lembretes de sua mortalidade" (Gay, 1991, p. 69; cf. também pp. 219, 342 e 386).
8 Em "Um olhar para o envelhecer", efetuei uma descrição mais detalhada da desvitalização, da diminuição dos Instintos de Vida e dos efeitos desorganizadores dos Instintos de Morte na fase adulta e, particularmente, no envelhecer (Volich, 2000/2010, pp. 224 e seguintes).