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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.46 no.85 São Paulo jun. 2013

 

PSICANÁLISES POSSÍVEIS

 

Experiência em grupo: notas sobre o estilo de Bion, transmissão e método de leitura

 

Experience in group: notes on Bion's style, transmission of psychoanalysis and reading method

 

Experiencia en grupo: apuntes sobre el estilo de Bion, la transmisión y el método de la lectura

 

 

Adriana Salvitti

Pós-doutoranda no Instituto de Psicologia da USP; membro filiado do Instituto de Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP. Apoio FAPESP

 

 


RESUMO

A autora apresenta algumas características do estilo de Bion, articulando a sua estratégia retórica à transmissão da psicanálise. Utiliza o livro Experiências com grupos (1961/1975) para expor como a narrativa das suas observações clínicas também pretende ser um modo de reproduzir uma atmosfera emocional. Através de uma linguagem performativa, Bion envolve o leitor na criação de um grupo ampliado, e assim encontra uma forma de comunicar e de disseminar as suas ideias, estimulando um pensamento clínico. Esse livro também é utilizado pela autora para delinear um método de leitura e de interpretação de textos.

Palavras-chave: estilo, transmissão, linguagem performativa, grupo


ABSTRACT

The author presents some characteristics of Bion's style, articulating his rhetorical strategy with the transmission of psychoanalysis. The book Experiences in Groups (Bion, 1961/2004) is used to show how the narrative of Bion's clinical observations is also intended as a way of reproducing an emotional atmosphere. Through a performative language, Bion involves the reader in the creation of an enlarged group, and so finds a way to communicate and to disseminate his ideas promoting a clinical thinking. This book is also used by the author to outline a method of reading and interpreting texts.

Keywords: style, transmission of psychoanalysis, performative language, group


RESUMEN

La autora presenta algunas características del estilo de Bion, articulando su estrategia retórica a la transmisión del psicoanálisis. Utiliza el libro Experiencias con grupos (1961/1975) para exponer cómo la narrativa de las observaciones clínicas de Bion también intenta ser una manera de reproducir una atmósfera emocional. A través de un lenguaje performativo, Bion involucra al lector en la creación de un grupo ampliado, y así encuentra una manera de comunicar y difundir sus ideas, estimulando el pensamiento clínico. Este libro también es utilizado por la autora para delinear un método de lectura e interpretación de textos.

Palabras clave: estilo, transmisión, lenguaje performativo, grupo


 

 

Na década de 1940, Bion explorou de modo bastante original as tensões emocionais presentes em grupos terapêuticos. As suas descobertas foram publicadas naquele período e, posteriormente, reunidas no livro Experiências com grupos (1961/1975). No prefácio à edição brasileira do livro, essas experiências e as suas elaborações teóricas, tomadas no conjunto da obra de Bion, são identificadas como "o ponto de partida de uma fonte de conhecimentos que forneceu ao Autor vários elementos para o exercício de uma atividade criadora, que o situa como o psicanalista mais discutido da atualidade" (Bion, 1961/1975). Ainda segundo o editor seria possível encontrar, "em estado nascente, conceitos que hoje já nos são familiares" (Bion, 1961/1975).

Tomando a obra de Bion em um sentido diacrônico, são frequentes os comentadores deste autor que consideram haver muito mais continuidade entre os trabalhos de Bion com grupos e com seus pacientes individuais do que poderia fazer crer uma visão purista dos mesmos. Um trabalho parece ter contribuído para o outro, e o próprio livro de Bion sobre grupos representa uma tentativa de o autor estabelecer aproximações teóricas entre essas descobertas e a psicanálise individual.

A abordagem de Bion aos grupos foi marcada pelo início de sua formação como psicanalista, especialmente com o atendimento de pacientes psicóticos, mesmo que os achados de cada uma dessas áreas requeressem um desenvolvimento conceitual próprio. Os fenômenos não são rigorosamente os mesmos; porém, há um interesse comum e recorrente na obra do autor pelas dimensões mais arcaicas da experiência humana no contato com o outro. A esse interesse comum se soma a necessidade de Bion discutir o método envolvido na observação dessas dimensões, estabelecer as condições de possibilidade da observação e seus entraves. Essa discussão ganhou uma grande complexidade em sua obra, principalmente por ser apresentada de modo entrelaçado à temática da transmissão da psicanálise em trabalhos científicos. Essa última temática está referida à transmissão daquilo que se observou das experiências, à forma de transmiti-las dentro e fora da sessão, bem como à transmissão do método de observação. Bion encontrará diferentes maneiras de problematizar e de lidar com essas questões em sua obra. Por ora, cabe dizer que no momento inaugural do pensamento do autor com grupos, havia uma expectativa de que o seu procedimento inovador fosse explicitado.

Provocado pela crença presente em seus grupos terapêuticos e entre os seus pares de que ele tinha uma técnica própria, passível de ser objetificada, aplicada e reproduzida, Bion responde a isso tentando aproximar o leitor de uma experiência. Dá notícias da atmosfera emocional presente nos grupos, e das imagens, analogias e lembranças que lhe ocorriam ao observar certos fenômenos. No diálogo com o leitor, Bion utiliza um estilo retórico semelhante ao usado por Freud em alguns trabalhos. Escreve tendo em mente alguém crítico e desconfiado de sua conduta, de suas descobertas e colocações, tal qual reagiam os membros de seus grupos.

Mais do que tentar convencer o leitor de suas posições ou eliminar desconfianças, a estratégia de Bion parece ser a de promover um debate balizado por referências teóricas diversas (como Freud e Aristóteles), combinadas ao material das sessões. A ideia é que a partir dessa discussão o leitor poderia "chegar às suas próprias conclusões" (Bion, 1961/2004, p. 40). Essa estratégia não significa que Bion escreve o livro como uma resposta direta às expectativas e desconfianças do leitor, mas certamente pretende incitar a participação ativa do mesmo, tanto intelectual quanto emocional. Bion diz: "pode ser útil se eu tentar oferecer ao leitor alguma explicação de comportamento que pode, a essa altura, intrigá-lo tanto quanto intriga o grupo" (Bion, 1961/2004, p. 31). E ainda: "Muitas questões devem ter ocorrido ao leitor. Ele deve pensar que a minha atitude em relação ao grupo é artificialmente ingênua, e certamente egoísta" (Bion, 1961/2004, p. 31). E, com seu tom caracteristicamente irônico, deduz: "Se minha descrição do que é estar em um grupo do qual sou membro for de todo adequada, o leitor terá experimentado alguma apreensão, acolhido algumas objeções e reservado muitas questões para discussão futura" (Bion, 1961/2004, p. 39).

Como sugere o título, Experiências com grupos tem a experiência como mote e a ela é conferida uma grande amplitude de significado. Trata-se da experiência vivida nos grupos por seus membros, incluindo Bion, e da experiência emocional provocada no leitor, seja pelo desassossego com a narrativa, seja pelas evocações acerca do que significa estar em grupo. Assim, o comportamento a ser explicado por intrigar tanto o leitor quanto o grupo não é somente o do analista. É também o comportamento do grupo e do próprio leitor. Diferentemente da tradução para o português, onde se lê: "pode ser útil tentar oferecer ao leitor alguma explicação de meu comportamento" (Bion, 1961/1975, p. 23, grifo meu), no trecho original, em inglês, não há indicação do pronome possessivo: "it may be useful if I try to offer the reader some explanation of behaviour which may, by this time, puzzle him as much as it does the group" (Bion, 1961/2004, p. 31).

Esse caráter vago e escorregadio a respeito do sujeito do discurso pode ser notado em diferentes trabalhos e constitui uma das marcas de seu estilo. Uma hora Bion pode estar fazendo menção ao paciente e, no mesmo momento, parecer que a referência é sobre o analista ou sobre o próprio leitor. Isso gera certo atordoamento, mas também faz ver que Bion está tentando comunicar algo que é comum a todos eles (ou a todos nós), seja em sua teoria sobre grupos ou, mais tarde, em sua teoria do pensar. Assim, o que está em pauta nem sempre é o paciente e sua psicopatologia, mas a descrição de estados emocionais e de fenômenos bastante primitivos, relacionados ao florescimento e à deterioração da mente. A limitação do homem para usar a sua capacidade de pensar levará Bion a estabelecer um intrigante paralelismo entre o cientista e o psicótico: ambos lidam de modo eficiente com o inanimado e carecem de um aparato para pensar a vida. Daí o contínuo compromisso de Bion em discutir e promover o método psicanalítico, e em explicitar o processo de pensar as experiências emocionais1.

O título em inglês de seu livro sobre grupos é Experiences in Groups (em grupos) e não with groups (com grupos). Isso indica um posicionamento que ocorre desde dentro de uma experiência, em que se descobre e se aprende a partir dela, tal como revela o título de outro livro seu, Learning from Experience (Bion, 1962/1991). Este último também foi erroneamente traduzido por O aprender com a experiência (Bion, 1962/1966), pois seria mais correto dizer Aprendendo da experiência, ou a partir da experiência. Desse modo seria contemplada uma participação que ocorre desde dentro, e que está em processo (indicada pelo uso do gerúndio). Ademais, o verbo learn não quer dizer apenas aprender, mas também descobrir. Esse significado retira a conotação pedagógica que ele acaba tendo em português.

A temática da experiência será articulada a um estilo característico de Bion, em que o objetivo não é só explicar os seus conceitos e usar a linguagem como representação de ideias. O objetivo é utilizar o seu potencial performativo a fim de implicar o leitor e mostrar o que Bion quer comunicar, fazendo o significado acontecer no processo de leitura. Esse estilo ganha contornos cada vez mais pronunciados nos textos em que há um interesse do autor em especificar a natureza do objeto de investigação psicanalítico, e sua possibilidade de transmissão.

Convocar a participação do leitor e implicá-lo de modo ativo na leitura por meio da narrativa de suas experiências acaba se tornando uma estratégia de transmissão. Bion cria com o leitor um grupo ampliado, no qual intenciona comunicar as suas ideias e disseminar um pensamento clínico. A narrativa de experiências não visa a ser uma prova das descobertas de Bion, nem mesmo uma demonstração, pois, a rigor, ele reconhece a impossibilidade de fazer o leitor ver o que ele viu. A maneira que Bion encontra para transmitir a pertinência de suas observações é trazendo o leitor para dentro de uma experiência.

Em seu livro sobre grupos, ao apontar a maneira como os membros cooperam anonimamente entre si para satisfazer a necessidade de obter segurança, proteção e de se reproduzir, Bion diz:

Não multiplicarei exemplos de trabalho em equipe como característica da mentalidade grupal, principalmente porque não posso, no momento, encontrar nenhum método de descrevê-la. Deverei me apoiar em exemplos fortuitos, à medida que eles ocorrerem ... a fim de dar ao leitor uma ideia melhor do que quero dizer; porém, suspeito de que nenhuma ideia real pode ser obtida fora de um grupo ele mesmo. (Bion, 1961/2004, p. 52, grifo meu)

Considerando o interesse de Bion pela transmissão da psicanálise em suas diferentes vertentes, combinado ao uso de uma estratégia retórica que procura envolver o leitor, retomamos de outra perspectiva a citação do editor brasileiro de Experiências com grupos apresentada no começo. Se a obra de Bion pode ser vista em um sentido diacrônico, sendo o seu trabalho inicial fonte de concepções futuras, como diz o editor, pensamos os textos de Bion também no sentido sincrônico. O próprio texto, seja ele de que período for, pode ser origem de irradiação para outros textos, sejam eles posteriores ou mesmo anteriores. Um texto se torna, ainda, fonte disparadora de associações entre diferentes sujeitos do discurso, tal como ocorre quando Bion se utiliza de ambiguidades e imprecisões, provocando uma polifonia intencional. Trata-se de uma perspectiva intertextual de leitura e interpretação, em que um texto gera remissões a outros, num movimento ampliado de ligação e de trânsito entre ideias. Não se trata de estabelecer ligações aleatórias, nem de opor a essa leitura uma compreensão cronológica. Trata-se de dar ouvidos e, no limite, conferir pensabilidade às ressonâncias e evocações estimuladas e esperadas por Bion de seu leitor.

Assim, é possível tirar proveito das características do estilo de Bion e compreender desde dentro de uma experiência as suas concepções sobre o método e as suas teorias de observação. Isso ocorre pois o seu objetivo não é apenas esclarecer ideias e explicar conceitos, mas é também estabelecer ambiguidades, provocar remissões, despertar experiências e gerar significados.

 

Referências

Bion, W. R. (1966). Os elementos da psicanálise: inclui O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1962)         [ Links ]

Bion, W. R. (1975). Experiências com grupos. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1961)         [ Links ]

Bion, W. R. (1991). Learning from Experience. Londres: Karnac. (Trabalho original publicado em 1962)         [ Links ]

Bion, W. R. (2004). Experiences in Groups and Other Papers. Nova York: Routledge. (Trabalho original publicado em 1961)         [ Links ]

 

 

Recebido em: 3/11/2013
Aceito em: 19/11/2013

 

 

Adriana Salvitti. Rua Professor Pedro da Cunha, 65, 05010-020. São Paulo, SP. Tel: 11 99874-2898, adrianasalvitti@gmail.com
1 Em Aprendendo da experiência, Bion diz: "Confrontado com as complexidades da mente humana o analista deve ser prudente em seguir até mesmo um método científico aceito; a debilidade deste último pode estar mais próxima à debilidade do pensar psicótico do que um exame superficial chegaria a admitir" (Bion, 1962/1991, p. 14).