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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.47 no.86 São Paulo jun. 2014

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Um editorial curto para um número extenso. O importante a ser dito é que o trabalho editorial tem sido intenso, envolvendo a participação de várias pessoas, e esperamos que o resultado seja visível e apreciado pelos nossos colegas e leitores.

O Jornal de Psicanálise dá continuidade, após o I Encontro do Instituto e Jornal de Psicanálise,1 à proposta de realização de uma trilogia sobre transmissão da psicanálise: Transmissão da psicanálise e a prática analítica atual (N. 85), agora, o segundo número, sobre a Transmissão da psicanálise e regulamentação (n. 86), e, o último número, Transmissão da psicanálise e análise das instituições (n. 87), ainda para o ano de 2014.

Como já dissemos na carta-convite, "o Jornal de Psicanálise tem como vocação histórica funcionar como uma caixa de ressonância dos importantes momentos institucionais. Foi e ainda se presta a ser palco de reflexões e discussões, bem como berço para o surgimento e circulação de novas ideias".2 Este número 86 traz o registro de um breve e frutífero momento de distensão na atual polarização institucional na SBPSP, sobre o modo de transmissão da psicanálise em nosso Instituto e nos institutos da IPA. O que acontece entre nós quando é aberto um espaço para uma reflexão compartilhada?

O termo transmissão, utilizado nos títulos desta trilogia, foi generosamente discutido no debate do I Encontro do Instituto e do Jornal, o que nos fez abraçar a ideia de documentá-lo neste número, devido às qualidades valorizadas pela equipe editorial desta publicação: o clima de abertura e respeito às diferentes posições sobre o tema com que transcorreu o debate, as importantes questões, indagações e reflexões que surgiram nas intervenções dos colegas 3 e o reconhecimento que ainda há muito a conversar, trocar, refletir e discutir sobre o assunto.

Com o intuito de agregar novos pontos à reflexão sobre esse tema, gostaria de citar dois trechos interessantes: o primeiro encontra-se nas considerações iniciais do livro Bion em nove lições: lendo transformações:

O que é ou o que pode se ensinar no que concerne à chamada "transmissão" da psicanálise? Ensinar diz o termo latino in-signare. O étimo "in" tem duas possibilidades de compreensão e uso. A primeira possibilidade é a de negação, como em in-significante, e a segunda é de "dentro de", "em" ou "para dentro", como em in-signe, in-trodução ou encenação, com o "in" transformado em "en", como no nosso en-sinar. Para entendermos o ensino da psicanálise por Bion, é importante recuperar o sentido etimológico do in-signare: levar para dentro do signo. Mas, de outro lado, isso nos exige também a prática do pensamento negativo, segundo o qual in-signare deve ser lido como destituição do signo, de-significar. ... Pensar ocorre na ausência do objeto. O pensamento nasce da impossibilidade de contato com o objeto na sua plena presença: quem não tolera a ausência do objeto, não pensa e não desenvolve o aparelho para pensar.

Ensinar, no sentido de introduzir ao signo e, também, destituir os significados, resume esse ensinamento de Bion e justifica a sua estranha retórica. (Luis Claudio Figueredo et al, 2011, pp. 12-13)

O segundo trecho é do colega Bernardo Tanis, já citado no artigo de Flávio Ferraz, neste número do Jornal, na nota de rodapé da página 87:

Transmissão nos remete a um processo que se dá nas sociedades tradicionais, associando-se, num registro vertical, às ideias de autoridade e valor; tem, portanto, um vértice religioso que promove uma ilusão de segurança ontológica a quem adere ao modelo, podendo inibir, assim, a ousadia e a criatividade. Já o termo formação privilegia o "aspecto processual do vir a ser analista", com todos os conflitos, as dificuldades e a necessidade de transformações que isso comporta. (Tanis, 2005, pp. 31-32)

Podemos notar que os termos transmissão, ensino e formação estão sendo usados com diferentes significados e conotações, assim o sentido desta trilogia é o de ampliar o tema trazendo os multissignificados e conotações que circulam no campo psicanalítico.

O leitor pode acompanhar a discussão sobre transmissão ao longo da seção temática, passando por artigos de colegas da sbpsp e dois artigos de autores de outras instituições: Flávio Carvalho Ferraz, do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, que nos apresenta a experiência de transmissão da psicanálise e formação psicanalítica nessa Instituição, e discute a partir dela os fundamentos teóricos do tripé analítico; e Alicia Leisse de Lustgarten, psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Caracas (Venezuela), que nos relata sua experiência no ILAP e introduz questões da transmissão da psicanálise sob o vértice da formação a distância, a utilização de novas tecnologias, por exemplo, o Skype. Como se pode notar, convidamos dois autores, extramuros da Sociedade, com experiências diversas para ampliar o campo de reflexão. Outra seção que aborda a questão da formação psicanalítica é a da Associação dos Membros Filiados (AMF), que traz as dificuldades e especificidades da formação do membro filiado que precisa viajar para realizar sua formação.

O projeto editorial do Jornal contempla várias seções, mas neste número a seção "Tradução comentada" merece um destaque especial por brindar o leitor com a tradução realizada pela corajosa colega, a psicanalista Rejane Cutrim, com revisão técnica, introdução e comentários de Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho, do posfácio "Bion, epistemólogo", de Pierre-Henri Castel, da coletânea "A prova e outros textos".

Pierre-Henri Castel realiza uma leitura rigorosa da obra de W. R. Bion, usando recursos da tradição filosófica e psicanalítica francesa, faz um diálogo entre as psicanálises e suas possíveis leituras. A ideia da tradução foi da Eunice Nishikawa, Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho trabalhou arduamente para a sua concretização e a convite da equipe editorial, passa a participar do conselho editorial do Jornal de Psicanálise. Para nós a tradução do posfácio vem de encontro com o objetivo editorial de ampliar o espaço de reflexão e interlocução entre as diferentes psicanálises.

Uma das preocupações editoriais que ainda permanece não atendida de modo satisfatório, mas que esperamos dar andamento em breve, é a ligação mais orgânica do Jornal com os colegas do interior. Esse objetivo está alinhadao com a necessidade de expandir, com qualidade, o trabalho desenvolvido nesta publicação.

Entre os acontecimentos positivos que o Jornal tem vivido, resta uma ponta de tristeza pela saída da colega Dora Tognolli, uma presença especial (Besetzung: ocupação, catexia ou investimento), marcada pela vivacidade, desenvoltura psicanalítica e compromisso com a liberdade de pensamento.

Acreditamos que os acontecimentos positivos e preocupantes relatados acima são resultado do intenso envolvimento com o trabalho editorial em si, para que o Jornal possa fazer jus à sua história de manter um pensamento livre e crítico sobre transmissão, formação e prática analítica, face às condições desafiantes da contemporaneidade.

Boa leitura a todos!

 

Referências

Tanis, B. (2005). Considerações sobre a formação psicanalítica: desafios atuais. Percurso, XVIII,(35),29-36.         [ Links ]

Figueredo, L. C.; Tamburrino, G. & Ribeiro, M. (2011). Bion em nove lições: lendo Transformações. São Paulo: Escuta.         [ Links ]

 

Marina Massi
editora

jornaldepsicanalise@sbpsp.org.br

 

 

1 Agradecemos à Leda Herrmann, diretora do Instituto, o convite e a oportunidade desta parceria, que resultou no produtivo I Encontro do Instituto e Jornal de Psicanálise.
2 Carta-convite, Jornal de Psicanálise 47 (86), 15-17, 2014.
3 Agradecemos aos colegas a pronta resposta ao pedido de autorização do Jornal para a publicação de suas intervenções no debate.

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