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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.47 no.87 São Paulo dic. 2014

 

TEMA: TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE E A ANÁLISE DA INSTITUIÇÃO

 

Contatos pós-analíticos nos institutos e seus limites1

 

Boundaries and postanalytic contacts in institutes

 

Contactos post-analíticos en los institutos y sus límites

 

 

Howard B. LevineI; Judith A. YanofII

IBrookline, MA, USA. hblevine@aol.com
IIWest Newton, MA, USA. jyanof@erols.com

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta o trabalho realizado pelo Comitê de Educação Psicanalítica - COPE, trazendo foco específico nos contatos pós-analíticos entre pacientes e analistas após o término da análise didática. Através de exemplos clínicos evocativos e ilustrativos da complexidade presente nas relações e encontros pós-analíticos, são identificados alguns dilemas vivenciados entre ex-analistas e ex-analisandos quando se encontram como colegas depois da finalização da análise didática. Esses dilemas, como é argumentado, trazem implicações para a condução e a efetividade da análise didática, assim como no desenvolvimento das culturas institucionais e as relações de poder internas dos institutos.

Palavras-chave: limites, contatos pós-analíticos, instituição psicanalítica, análise didática, representação do analista


ABSTRACT

The work of a COPE study group on boundaries is presented, with particular focus on post-termination contact after the training analysis. Through the use of clinical examples evocative and illustrative of the complexity of postanalytic contacts and relationships in the training analysis situation, a number of dilemmas are identified that former analysts and patients face when they meet as colleagues after the training analysis is over. These dilemmas, it is argued, have implications for the conduct and effectiveness of the training analysis and for the institutional cultures and power relations that evolve within institutes.

Keywords: boundaries, postanalytic contacts, psychoanalytical institution, training analysis, representation of the analyst


RESUMEN

Este artículo presenta el trabajo desarrollado por el Comité de Educación Psicoanalítica - COPE, con foco en los contactos post-analíticos entre pacientes y analistas una vez terminado el análisis de formación. A través de ejemplos clínicos evocativos e ilustrativos de la complejidad presente en las relaciones y encuentros post-analíticos, se identifican algunos dilemas vivenciados por los ex analistas y ex analizandos al encontrarse como colegas después de terminado el análisis didáctico. Se argumenta que estos dilemas tienen implicaciones en la conducción y efectividad del análisis didáctico, así como en el desarrollo de las culturas institucionales y las relaciones de poder dentro de los institutos.

Palabras clave: límites, encuentros post-analíticos, institución psicoanalítica, análisis didáctico, representación del analista


 

 

Em 1996, o Comitê de Educação Psicanalítica (COPE), pertencente à Associação Americana de Psicanálise, convocou um grupo de analistas experientes para estudar a questão dos limites e suas violações na psicanálise. Este artigo é a segunda publicação que emerge desses grupos de discussão. O primeiro deles, "Falando sobre o não dito: reações institucionais a violações de limites por analistas didatas"2 (Gabbard et al., 2001), abordava o impacto entre institutos e sociedades ligado a condutas sexuais impróprias da parte de analistas didatas. O presente artigo foca uma problemática mais sutil, porém igualmente complexa e relevante: os contatos pós-analíticos e seus limites nos institutos de formação.

Nossa metodologia consistiu em estudos de caso e discussões em profundidade sobre experiências clínicas na perspectiva tanto dos analistas quanto dos analisandos. Os dados foram coletados primariamente a partir das experiências pessoais dos 16 membros do nosso grupo. Também consultamos um pequeno número de colegas que não faziam parte do grupo. Obviamente, essa não foi uma amostra abrangente nem aleatória. Entretanto, pelo fato de nossos membros representarem diferentes institutos de psicanálise, abarcamos uma ampla gama de conhecimentos sobre práticas em diferentes partes do país. O grupo se engajou em discussões de final aberto sobre a natureza dos contatos pós-analíticos, usando o nosso material clínico disponível. Embora tivéssemos iniciado sem um plano preestabelecido, foram surgindo ideias que consideramos valer a pena compartilhar.

A intenção deste artigo é conscientizar o leitor sobre a complexidade dos contatos e relacionamentos pós-analíticos na situação de formação. Embora esperemos que esse assunto seja de interesse para todos os analistas, as questões apresentadas serão de maior relevância para analistas envolvidos com a formação, especialmente os atuais e futuros analistas didatas. Começamos delineando alguns dos dilemas que os ex-analistas e pacientes enfrentam quando se encontram com colegas após o término da análise didática. Acreditamos que as ações de quem era o analista podem ter um impacto poderoso no processo de integração em andamento do analisando e no desenvolvimento de suas atitudes e valores analíticos. Os contatos e relações pós-analíticas, prospectivos e atuais, podem ter importantes consequências para a condução e efetividade da análise didática e para a constituição das culturas institucionais e relações de poder que se desenrolam no interior das instituições. Esperamos demonstrar que é uma tarefa do ex-analista sustentar alguma preocupação em relação à análise do paciente para além do período formal da análise e ir equilibrando essa preocupação com a necessidade de, com tato, ir negociando a transição para as relações sociais e/ou profissionais. Embora não estejamos propondo um modelo ou uma diretriz sobre como negociar essa transição, listamos ao final alguns princípios que os analistas podem considerar ao enfrentarem os dilemas da fase pós-término da análise.

Rangell (1966) cunhou o termo fase pós-analítica (postanalytic phase) para designar o período seguinte ao final de uma análise, na qual poderíamos esperar uma continuada resolução das transferências do paciente e a dissolução da situação analítica. Ele propôs que essa fase fosse considerada parte do tratamento psicanalítico, proposta com a qual nós concordamos e que tem sido amplamente aceita. As dificuldades para estudar essa fase são evidentes. Fica pouco claro sua duração ou como seus limites podem ser determinados (Borenstein e Fintzy 1980-1981). Pelo fato de o paciente não estar mais em análise, o analista não está a par da sua experiência nessa fase, exceto talvez no caso do paciente retornar à análise, quando isto pode ser revisto retrospectivamente.

Muito do conhecimento sobre a fase pós-analítica e sobre os contatos pós-analíticos tem sido especulativo, anedótico e sujeito às limitações dos relatos pessoais, provavelmente demasiado influenciados pela experiência pós-analítica individual e singular de cada analista. Talvez seja por essas razões que, apesar da inevitabilidade do contato pós-analítico entre analistas e analisandos nos institutos, pouco é explicitamente conhecido ou publicado sobre o tema. Os limites e diretrizes que governam esse tipo de contato se mantêm relativamente pouco formulados e ambíguos. As exceções a essa assertiva são claras quanto a proibições relativas a contatos sexuais e transações financeiras entre analistas e seus ex-pacientes (cf. Dewald e Clark, 2001).

Após o término, um percentual significativo de pacientes, fossem candidatos ou não, buscam seus ex-analistas para tratamentos posteriores. Em um estudo conduzido por Hartlaub, Martin e Rhine (1986), por exemplo, dois terços dos analisandos que concluíram análises bem-sucedidas buscaram contatos posteriores com seus analistas nos subsequentes três anos após a finalização da análise. Assim, o saber convencional em relação a contatos pós-analíticos indica que os analistas deveriam portar-se de modo a deixar em aberto a possibilidade para que seus pacientes possam retornar ao tratamento caso surja a necessidade (Firestein, 1969). Essa recomendação, entretanto, parece mais apropriada para as análises não didáticas, nas quais o término da análise usualmente significa a interrupção dos contatos do par analítico.

Em contraste, a situação didática oferece um espaço natural em que se podem examinar os contatos pós-analíticos e os problemas de limites a eles relacionados. A estrutura profissional dos institutos de formação tornam estes contatos frequentes e inevitáveis. Analistas e seus ex-analisandos participam juntos e por muitos anos da vida organizacional do mesmo instituto de psicanálise. Eles frequentemente se encontram em situações nas quais novos papéis e novas formas de relacionamentos devem desenvolver-se entre eles. Quanto menor o instituto, maior a possibilidade disto ocorrer. Análises didáticas são geralmente conduzidas assumindo tacitamente que algum tipo de relação institucional - inclusive profissional ou social - possa eventualmente se desenvolver. Em contraste, em análises convencionais, não didáticas, o término da análise mais frequentemente significa o fim de contatos adicionais, a menos que o tratamento seja retomado. Uma questão importante e ainda não estudada seria determinar em que medida essa diferença da experiência pós-analítica, ou sua antecipação, poderia alterar o curso da análise didática e/ou sua finalização.

A maior parte dos institutos não apresenta estruturas explícitas que possam definir parâmetros sobre esses contatos pós-analíticos. Em nossas discussões, temos descoberto que as relações pós-analíticas dentro do setting institucional são conduzidas em modos altamente idiossincráticos, que variam de um instituto para outro, de um analista para outro e de uma díade analítica para outra. Na ausência de dados científicos, os institutos adotam - com frequência inconscientemente - seus próprios costumes implícitos e "ritos de passagem" para definir a transição para a fase pós-analítica. Vamos tratar não somente como as relações pós-analíticas podem influenciar um determinado par analista-analisando, mas também como podem influenciar e/ou refletir na atmosfera dos institutos nas quais essas relações ocorrem. Por influenciar a atmosfera dos institutos, as relações pós-analíticas trazem implicações para a formação, para a cultura de um determinado instituto e para a prática da psicanálise em geral.

 

Transferência e contratransferência: seu destino pós-analítico

Nos primórdios da psicanálise, os conceitos centrais de transferência e contratransferência ainda precisavam ser formulados e refinados. A natureza e extensão de sua complexidade não tinham sido suficientemente contempladas (Falzeder, 1997). Freud, por exemplo, supôs que através do uso do conhecimento e determinação conscientes a "relação analítica" (i.e., a transferência) poderia ser sustentada separadamente dos relacionamentos sociais "reais" (i.e., a realidade "objetiva") que poderiam existir entre analista e paciente (Dupont, 1994; Hoffer, 1991; Lipton, 1977).

Nosso pensamento atual sobre estes conceitos se beneficia da percepção tardia e de muitos anos de experiência analítica coletiva. Temos um entendimento mais complexo sobre a transferência, apreciamos as nuances relativas à natureza da autoridade nas relações entre paciente/analista e temos maior respeito pelas limitações do insight, assim como da percepção consciente alcançável tanto pelo paciente quanto pelo analista. Agora reconhecemos que as relações extra-analíticas entre analista e analisando - antes, durante e após a análise - inevitavelmente provaram-se mais complexas do que se pensava outrora.

Muitas evidências sugerem que as transferências e contratransferências não estão totalmente resolvidas quando a análise se conclui e que elas têm o potencial para serem reativadas indefinidamente (Pfeffer, 1963; McLaughlin, 1981; Oremland, Blacker e Norman, 1975; Gabbard e Lester 1995). A persistência e/ou reativação da transferência é um fenômeno comum, e não é, como se pensava antigamente, o resultado de uma análise malsucedida ou incompleta. Assim, devemos esperar que os desejos do paciente dirigidos ao analista permaneçam vivos depois do término da análise e continuem a instigar sua contraparte no analista também.

É de particular relevância em que extensão qualquer relação analítica pode complicar-se devido ao investimento do paciente no analista pela transferência que envolve autoridade ou onisciência. Estes investimentos criam diferenças de poder significativas na relação analítica. Os esforços do analista, via interpretação ou outros meios de minimizar essas diferenças de poder durante a análise, podem persistir no período pós-analítico, ao lado da potencial vulnerabilidade do ex-paciente à exploração pelo analista.

Camadas de complexidade adicionais podem surgir por parte do inconsciente do analista e da natureza singular de sua participação no processo analítico (Levine, 1994). Durante a análise, os analistas têm a difícil tarefa de comprometer-se afetivamente com seus pacientes enquanto, simultaneamente, ou ao menos periodicamente, afastar-se para observar o processo analítico e monitorar a natureza e a qualidade de sua própria experiência. Uma ligação afetiva autêntica inevitavelmente significa que os conflitos inconscientes do analista - transferência em relação ao paciente e contratransferência à transferência do paciente - serão despertados (Levine, 1994; Money-Kyrle, 1956; Racker, 1968). Na melhor das hipóteses esse despertar ocorrerá em sua forma atenuada e estará disponível ao analista como uma fonte de informação adicional sobre o paciente e sobre o processo analítico. Enquanto nós esperamos que os analistas subordinem seus desejos e necessidades aos de seus pacientes, sabemos que essa expectativa representa, na prática, um ideal inatingível, que os analistas podem somente esforçar-se em alcançar. Analistas não podem estar conscientes de tudo o que sentem nem mesmo podem estar cônscios das implicações de tudo o que fazem. Na fase pós-analítica, igualmente, há uma possibilidade, sempre presente, de que possamos atuar desde transferências e contratransferências residuais ou reativadas relativas aos ex-analisandos.

Quando o tratamento analítico está em andamento, há um enquadre dentro do qual se pode cumprir o mútuo acordo explicito de explorar e analisar, ao invés de atuar, os sentimentos gerados pela díade. Esse enquadre é apoiado por diversos fatores que ajudam o analista a manter sua postura analítica. Esses fatores incluem a análise pessoal do analista e sua formação; participação em supervisões, grupos de estudos ou consultas; a identificação do analista e seu ego ideal como analista, assim como outras representações internalizadas da comunidade analítica. Em boas condições, qualquer um desses fatores pode funcionar como um ponto de referência na mente do analista, ajudando-o a manter o setting analítico.

Uma vez que o tratamento tenha terminado, entretanto, esse enquadre externo não estará mais presente, e os limites pós-analíticos e princípios que dão suporte ao enquadre estão menos claramente delineados. Por exemplo, não fica claro se seria apropriado ou não, ou em quais circunstâncias, aplicar o usual limite analítico a uma relação pós-analítica. Para ambos, analista e analisando, os papéis mudam e o contato pós-analítico pode seguir por muitos anos, frequentemente por mais tempo que a própria análise. Se analista e analisando continuam a analisar pensamentos e sentimentos que surgem no contato pós-analítico, o enquadre deve ser substituído por uma estrutura autoanalítica interna. A experiência, entretanto, nos ensina que esse nem sempre é o caso.

Na ausência do enquadre analítico e de diretrizes específicas com relação a esses contatos pós-término de análise e sujeito à pressão de reviver sentimentos transferenciais e contratransferenciais, a representação de self como analista do antigo analista pode ficar confusa ou debilitada em relação a um determinado ex-analisando. Em tais circunstâncias, os analistas podem consciente ou inconscientemente voltar-se à estrutura social de seu instituto em busca de orientação. Podem apoiar-se em identificações com seu próprio analista ou em ritos de passagem desenvolvidos em sua comunidade analítica para mediar e administrar as tensões despertadas. Em nossas discussões, ficamos impactados sobre o modo como os institutos com frequência desenvolvem tradições que, inadvertidamente e de forma impensada, vêm definir e regular os limites do contato pós-analítico entre analistas didatas e candidatos. Estes são transmitidos de analista para candidato, de uma geração para outra.

Exemplo I

O candidato p pertencia a um instituto no qual se observava uma estrita separação entre os analistas e seus candidatos durante a análise didática. Assim, os candidatos não podiam assistir às aulas ministradas por seus analistas e eram desencorajados de participar de qualquer evento institucional no qual seu analista apresentasse trabalhos. Dezoito meses após o término de sua análise e de se haver graduado em seu instituto, ele foi convidado por sua ex-analista para uma festa em sua casa. Vários outros membros do instituto estavam presentes nesse evento, principalmente jovens já formados. p lembra ter notado que sua analista não havia convidado todos seus ex-analisandos-candidatos para o evento social. Ele considerou seu convite como um "rito de passagem", que lhe apontava que ele "deveria agora estar pronto para uma mudança" e desempenhar um papel mais adulto e acadêmico junto a sua ex-analista. Estava ciente de que outros analistas didatas de seu instituto realizavam eventos similares envolvendo seus ex-analisandos.

Com um olhar mais atento para essa vinheta, podemos observar elementos da transferência residual de p - seja latente, não metabolizada por completo ou revivida pelo convite. Por exemplo, p sentiu que o convite refletia um selo de aprovação de sua analista e significava que ele "deveria agora estar pronto para uma mudança". "Deveria" é uma palavra diretiva, superegoica, que implica o desejo e julgamento de uma autoridade externa. p também contrastava sua presença na festa com a ausência de certos "irmãos analíticos", reflexivamente calculando o grau em que o convite significava que ele fora favorecido sobre os outros, como sendo ele mais especial para sua analista.

Em um ritual desse tipo, está implícita a suposição de que depois de um tempo razoável, nesse caso um ano e meio, candidato e analista teriam processado suficientemente suas transferências e contratransferências de modo a tornar possível um relacionamento social relativamente descomplicado e descontaminado. De fato, não há estudos para indicar se seria ou não o caso (para uma discussão sobre a indeterminação da extensão da fase pós-analítica, ver Borenstein e Fintzy, 1980-1981). O timing desse processo de integração pós-analítico será altamente específico de cada analisando individualmente e de cada díade. No caso de P, não sabemos se esse contato pós-analítico foi útil, nocivo ou nenhum deles. Também não sabemos se tal contato seria útil em determinadas circunstâncias e não em outras.

 

Contatos pós-analíticos

Os exemplos a seguir ilustrarão a complexidade das forças da transferência e contratransferência que podem ser mobilizadas até mesmo no mais breve e singelo contato após o término da análise.

Exemplo 2

O analista a encontrou inesperadamente uma antiga paciente, C, no aeroporto. Ela veio até ele para cumprimentá-lo e o abraçou um pouco mais demorada e fortemente do que ele teria esperado. Isso deixou a desconfortável. C convidou-o para bater um papo e tomar um café e a aceitou. Nesse encontro, C o pôs a par de sua vida, contou-lhe sobre seu filho e começou a fazer-lhe perguntas pessoais, como quantos filhos ele tinha. a tentou responder simplesmente e sem maiores elaborações e conduziu o tema da conversa de volta a C e sua vida atual. Enquanto conversavam, a perguntava-se: "Em que nível deverei compartilhar informações sobre mim mesmo com essa mulher?". Ele pensou que essa reserva seria tecnicamente justificável para preservar o espaço para a possibilidade de que C pudesse desejar retomar a análise com ele em outro momento.

O desconforto de a refletia sua impressão de que C estava comunicando seu desejo de desenvolver uma relação pós-analítica fundamentalmente diferente após o término da análise, que, do ponto de vista de a, teria tonalidades sexuais e o fez sentir-se como em um "encontro". a sentiu que se respondesse muito afetuosamente ao convite de C, ela poderia entender sua resposta como sedutora, superestimulante e enganosa, em última instância, desapontadora. Ainda se a não oferecesse alguma resposta à abordagem de C que fosse além de sua antiga reserva analítica, poderia sentir-se humilhada e rejeitada. Dado o fato de que a relação analítica havia terminado, não haveria um modo de pensarem juntos sobre essa interação mais tarde, para poderem processar e desintoxicar qualquer mal entendido que pudesse surgir do encontro pós-analítico.

O dilema de A sobre como responder a C também recapitulava um aspecto da transferência e contratransferência. a sentiu o convite de C como um desejo transferencial de seduzi-lo para provar sua capacidade de ser desejável e ao mesmo tempo testar sua capacidade de manter os limites apropriados em que outros limites importantes haviam falhado. A contratransferência de a tornou difícil a ele desapontá-la. Ele não quis estimular a transferência erótica residual, o que teria sido visto por ela como um triunfo e uma traição, e tampouco queria ser visto como frio e reservado, uma acusação que poderia tornar-se plausível se recusasse o convite. a resolveu a situação com uma formação de compromisso. Respondeu ao convite de C para o café, mas, ao mesmo tempo, reinstalou parcialmente a reserva da relação analítica. Ele manteve a conversa centrada em C, mais que nele mesmo. Como seu ex-analista, e à medida que podia estar ciente de seus motivos, a procurou agir de acordo com o que lhe pareceu ser mais importante para C.

Durante esse encontro, a ideia de que C poderia buscá-lo para uma futura análise foi um construto intelectual que o ajudou a sustentar-se em sua identificação com seu papel de analista de C, mesmo nesse setting pós-analítico. É concebível que, mesmo que a retomada da análise não fosse uma possibilidade, a pudesse ter se comportado da mesma forma. Ele manteve a imagem de si mesmo como o analista de C para conservar e ter em mente os interesses dela. Se a tivesse olhado para ele como um colega, um amigo ou uma "antiga paixão" (ou potencialmente uma nova), ele poderia ter se sentido mais livre para pôr seus interesses em primeiro plano. Ou seja, a poderia ter respondido ao flerte de C ou poderia ter evitado o encontro e recusado seu convite.

Exemplo 3

Durante seu período de férias na praia, o analista B estava examinando seu trabalho com uma ex-paciente, a senhora R, para uma possível inclusão em um artigo que estava escrevendo. B sentiu que havia sido uma análise bastante interessante e bem-sucedida. Apesar de sua limitação inicial, R provou ter uma vida imaginativa muito viva. B sentia-se feliz e particularmente grato por tê-la tido como paciente. Enquanto caminhava para almoçar com a família e amigos, lhes falou sobre o artigo que pensava escrever. Exatamente nesse momento de entusiasmo, B dobrou a esquina e inesperadamente ficou face a face com r e sua família. Os dois não haviam tido mais contato desde o término da análise, anos antes. Entusiasmado por essa excitação, B saudou R calorosamente apertando sua mão e beijando-a no rosto. É claro, essa foi uma demonstração de afeto e sentimentos muito mais visível do que ele já teria demonstrado durante os quatro anos e meio de análise. B sentiu R um tanto tensa e percebeu que ela ficou surpresa com o beijo. Não se falou sobre isso e eles conversaram breve e agradavelmente por alguns minutos sobre a vida recente de R. Seguiram adiante cada um no seu caminho.

Esse exemplo ilustra que o ex-analista pode ser o disparador do contato ou aquele que demonstre mais os sentimentos. É possível que o entusiasmo de B tenha antecipado e excedido a intensidade do que teria sido a resposta dela caso houvesse sido ela a iniciar a saudação. Em retrospecto, B sentiu que havia aspectos da transferência erótica dirigida a ele que se mantiveram temidos ou calados, mesmo no final de uma bem-sucedida análise. Portanto teria sido característico dela minimizar ou repudiar seus sentimentos eróticos caso eles houvessem sido suscitados no encontro. Igualmente, a excitação e entusiasmo de B ao encontrá-la provavelmente refletiram resíduos da ligação erótica inconsciente a sua ex-paciente, intensificado pela coincidência de que ele estava mesmo pensando nela há pouco. Ao longo dos anos que seguiram a esse contato pós-analítico, R jamais contatou B para algum outro tratamento. Estaria isso indicando que esse encontro teria sido muito estimulante para R ou que resultou ser muito intrusivo? Ou simplesmente significaria que ela não teria mesmo tido necessidade de uma reanálise ou, talvez, que se mudou para outro lugar?

Exemplo 4

W, uma analista graduada, estava sentada em sua escrivaninha certa tarde em um intervalo entre pacientes. Havia terminado sua análise alguns anos antes, sentia-se bem e não havia tido contatos com seu analista didata. Seu telefone tocou e, de repente, do nada, ela ouviu a voz de seu analista do outro lado da linha. Ela ficou surpresa em receber a ligação. Era sabido publicamente que ele havia tido uma doença séria um ano antes. Ele estava telefonando para perguntar-lhe como estavam ela e sua família. A conversa foi breve e, ao despedir-se, ela reassegurou-se de que haviam tido uma troca "legal" e de que ela se sentia bem. Ao desligar o telefone, ela atipicamente derrubou um prato de sopa, cobrindo a mesa e a si mesma da sopa quente. Ela obviamente tinha sentimentos mais complicados sobre o telefonema do que tinha percebido de início.

Refletindo sobre o ocorrido, W imaginou que seu analista didata estava solitário por sua recente doença, uma doença que o manteve isolado dos colegas e dos eventos do instituto. Ela sentiu que ele lhe deu o telefonema por causa dessa solidão e seu desejo de saber o que se passava no instituto, a "família" que eles tinham em comum. Ela sentiu-se gratificada por ter sido escolhida para esse contato, mas percebeu que o contato não tinha a ver com ela nem com alguma necessidade sua. O que o teria mobilizado para procurá-la, ao invés de ser ao contrário? E se algo, de algum modo, fosse responsabilidade sua? Ela ficou bastante surpresa sobre o modo como o breve telefonema fora desconcertante, tanto no momento como logo depois.

Exemplo 5

Depois que S terminou sua análise, encontrou seu analista ocasionalmente em atividades do instituto. Nesses momentos seu analista nunca fez contato visual, nunca se aproximou dele para perguntar-lhe como ele estava, mantendo um limite austero e formal entre ambos. Sempre que S se aproximou dele para perguntar-lhe como estava, o analista respondeu de forma polida, mas monossilábica, o que deixou S ferido e bravo. Sentia que seu ex-analista o tratava como se ainda estivesse em análise e parecia não ter se dado conta de que S já havia se graduado no instituto e já não era mais seu paciente.

Algum tempo depois, quando S foi eleito para um cargo no instituto, recebeu uma mensagem de seu antigo analista. Ao invés de conter cumprimentos a carta fazia referência ao material que vinha à tona na análise de s. Embora provavelmente bem intencionada, o efeito da mensagem foi fazer com que S sentisse, mais uma vez, que ele era ainda considerado seu paciente e que essa independência não poderia ser adquirida. S cogitou se seus sentimentos seriam expressão, em parte, de uma continuada transferência negativa dirigida a seu analista, ou, talvez, um desejo subliminar ou mascarado de estar de volta à análise. Não obstante, o que S sentiu mais sutilmente foi que se tratava de um enactment em que seu analista estava encenando a reativação de sua contratransferência, mantendo uma postura analítica e de reserva para muito além do final da análise.

Exemplo 6

Após o término de sua análise, o analista de N a apoiou muito em sua carreira analítica, frequentemente enviando-lhe mensagens parabenizando-a por suas conquistas profissionais. Isso era bastante importante para N e parecia ser uma expressão do interesse e investimento contínuos do analista nela como pessoa. Embora ela não fosse mais sua paciente, tratava-se da continuação de um sentimento positivo que ela havia experimentado na análise. N não sentia que os contatos pós-analíticos interferissem em seu processo de desidealização do analista ou em seu movimento de sentir-se separada, autônoma e diferente dele, embora sua comunicação intermitente lhe redespertasse pensamentos sobre ele.

Esses exemplos sugerem que um importante determinante para a capacidade de relacionamentos pós-analíticos da dupla é o grau em que a transferência e contratransferência geradas na análise serão resolvidas, atenuadas ou reativadas no período pós-analítico. Claramente, estas diferentes díades chegaram a seus encontros pós-analíticos com diferentes questões estimuladas entre elas e, por conseguinte, com diferentes questões para serem negociadas. Em todas essas situações, foram mobilizados mais sentimentos do que se poderia prever. Embora em cada situação somente uma das partes relate o encontro, acreditamos que sentimentos tenham sido despertados em ambos os lados da díade.

 

A análise didática

A literatura psicanalítica continua debatendo sobre em que medida a análise didática difere, no escopo terapêutico e na efetividade, de uma análise pessoal (Bernfeld, 1952; Fenichel, 1980; Freud, 1950; Kairys, 1964; Nacht, 1954; Wallerstein, 1986). No centro desses debates encontra-se o duplo papel do analista didata, como analista e educador. Enquanto a análise didática é imposta pelo instituto como um requisito que o candidato tem que cumprir para tornar-se analista, a análise didática terá um verdadeiro poder e influencia na vida profissional dos candidatos. Isso é verdadeiro mesmo nos institutos onde se praticam análises de tipo non-reporting. Além disso, à medida que os analistas didatas são os mestres do ofício analítico, eles se oferecem a seus analisandos como modelos e objetos de identificação no que tange a técnica e atitude analíticas. A questão que permanece é em que grau essa expectativa de identificação interferirá no processo de elaboração do luto da fase terminal e assim, limitar a eficácia terapêutica da análise didática.

Não é incomum ouvir analistas descreverem terem tido "uma primeira análise" para o instituto e uma segunda, após sua graduação, para "si mesmos" (Kernberg, 1986, p. 802). Está implícito nessa assertiva que a preocupação com as necessidades educacionais do instituto ou as ambições profissionais do candidato, inevitavelmente interferem e prevalecem sobre considerações terapêuticas pessoais na análise didática. Em contraste, os analistas asseveram que a análise didática deve ser mais minuciosa que uma análise pessoal, porque o candidato analisando deve ser suficientemente analisado para poder tratar outros pacientes. De fato, nos faltam dados com os quais determinar se, ou em que medida, as analises didáticas estão necessariamente comprometidas com as demandas da formação ou pela suposta falta de um "término real". Tampouco temos dados para sugerir que as análises didáticas sejam mais longas, mais minuciosas ou de alguma forma melhores que as análises pessoais.

Essas generalizações niveladoras encobrem um vasto espectro de análises individuais e seus resultados. Mas ainda assim, os problemas levantados merecem consideração. O quanto e de que modo o papel do analista didata dentro do instituto como "responsável pela tradição analítica" (Cooper, 1986, p. 4) sutil e inconscientemente afeta seu papel como analista? Em que medida essa função interfere ou entra em conflito com o papel clínico do analista, que deve favorecer a análise, luto e renúncia da introjeção e identificação? O quanto sua necessidade de sucesso profissional interfere sutil e inconscientemente no papel do analisando como paciente?

Pelo fato de que a análise didática é conduzida no setting de um instituto de psicanálise, analistas didatas e candidatos compartilham uma "família analítica", conhecem as mesmas pessoas e frequentemente têm objetivos e ambições em comum. Durante a formação, os candidatos se tornam irmãos psicanalíticos e colegas de classe, amigos e competidores, e abertamente trocam histórias sobre suas experiências analíticas. Isso pode dar margem à chamada "atmosfera de aquário dos institutos psicanalíticos" (Wallerstein, 1986, p. 38). Nesse tipo de atmosfera pode ser difícil para os analistas didatas ouvirem sobre membros de sua "família" a partir do divã sem fazer juízos de valor sobre o material. Os analistas didatas têm perspectivas a partir de sua experiência pessoal dos pontos fortes e fragilidades do elenco de personagens do instituto. Consequentemente, pode ser difícil para eles tratarem dessas informações psicanaliticamente, perguntando a si mesmos do mesmo modo como fariam com qualquer outro paciente: "por que esse paciente está me trazendo essa história nesse momento particular?".

Exemplo 7

Durante a formação, H trocou informações com colegas sobre suas experiências com seus analistas didatas. Uma colega lhe contou que estava em uma terrível luta com seu analista didata, B, e que queria deixá-lo. O analista teria lhe dito que tal troca não era possível. Ela acreditava que mudar de analista significaria desistir da análise didática. H supôs que a versão de sua amiga era correta e estava surpreso de que ninguém de sua turma questionasse o comportamento de B. H estava surpreso também de que o analista pudesse exercer tamanho poder sobre seu analisando. Incomodado, H levantou o assunto em sua própria análise. Antes mesmo que o assunto pudesse ser suficientemente explorado, seu analista deu-lhe o seguinte conselho: "você deveria manter-se fora disso". E isso encerrou maiores discussões para H.

Mais tarde, na sua análise, H queixou-se sobre o trabalho de outro candidato, J, que estava atendendo a esposa de um dos pacientes de H. O analista de H novamente tratou de sua queixa como um problema da realidade, dizendo: "não fale sobre J, pois eu o supervisiono". Nessa ocasião H mostrou sua raiva em relação ao analista por interferir em suas associações "livres", e, mesmo assim, esse incidente teve um efeito perturbador na análise de qualquer modo.

H teve uma análise anterior em outra cidade e fora do setting institucional. Em contraste a sua experiência prévia, H estava ciente de que suas preocupações sobre o poder do analista didata em sua vida real sutilmente mudou a forma como ele apresentava certas informações na análise. Por exemplo, era cauteloso sobre o que falar sobre analistas didatas que ele sabia serem amigos de seu analista. H estava perturbado pela influência potencial e real do analista didata. Ele notou que houve momentos em que sua liberdade de associar ficou inibida por seu medo de pôr a si mesmo ou a outros em risco profissional.

Esse medo foi exacerbado porque o analista frequentemente respondia a questões político-institucionais e sobre os membros do corpo societário como se fossem realidades e não associações livres trazidas para a sessão para análise e futura compreensão. Mesmo quando analistas didatas são cuidadosos na escuta dos candidatos no modo analítico, pode ser difícil para os candidatos acreditar que a "realidade" do que dizem não terá consequências reais.

Em toda a análise, é claro, existem certas "realidades" que são difíceis pa- ra o paciente dividir com seu analista. Não se precisa de uma relação dual para que esse tipo de situação ocorra. Todos os pacientes relutam, às vezes, para tra- zer pensamentos ou observações que sentem que possam ser inaceitáveis ou prejudiciais para o analista. Pacientes que não são candidatos podem sentir-se inibidos em sua liberdade para associar, não porque o analista possa ajudá-los ou prejudicá-los profissionalmente, mas porque o analista tornou-se uma pessoa importante cujo amor e aceitação eles acreditam precisar. Quando o analista está ciente daquilo que o paciente está relutante para trazer à tona, ele pode trabalhar no sentido de ajudar o paciente a encontrar segurança para compartilhar esses pensamentos no setting analítico. Analistas didatas podem atenuar as complicações de uma relação dual se estiverem cientes das forças potenciais que trabalham contra essa abertura.

Apesar dos efeitos positivos do non-reporting, a dualidade irredutível na situação de análise didática é algo com que ambos, analista e analisando, precisarão lidar, mesmo que seja em um nível sutil e evasivo. Em nosso ponto de vista, o grau em que a relação dual afetará uma análise didática é um assunto altamente individual, mas que deve sempre ser considerado.

 

Término

Em todo tratamento analítico bem-sucedido, os pacientes lutam com as limitações da realidade. Durante a fase terminal, esse processo se foca em torno da inevitabilidade da separação, renúncia e perda - passadas, presentes e futuras. O engajamento profundo do analisando com as questões do término e sua exploração tende a evocar respostas análogas e recíprocas no analista. Quando o tratamento aproxima-se do fim, ambos os participantes devem reavaliar, retrabalhar e - na medida do possível - abandonar seus desejos de perfeição, onipotência, gratificações proibidas, união interminável e outros. Será esse engajamento emocional profundo de ambos os membros da díade analítica, com a inevitável necessidade humana de enfrentar e aceitar a separação, perda e limites da realidade que darão à fase terminal uma tonalidade de luto.

Durante o término, o medo de separar-se do analista e a relutância em aceitar sua inevitabilidade frequentemente ocupam um lugar central na mente do paciente e podem encontrar sua contraparte no analista, contratransferencialmente. A relutância do paciente em se separar frequentemente toma a forma de fantasias conscientes ou inconscientes de uma relação pós-analítica com seu analista. Sabemos pela experiência que conflitos e desejos infantis são frequentemente disfarçados nessas fantasias. Se elas passaram sem serem reconhecidas durante a análise, podem ser vistas retrospectivamente como tendo efeitos limitadores no comportamento e liberdade de associação do paciente. Será então necessário estar alerta para a oportunidade de analisar fantasias de contatos pós-analíticos quando elas surgem no curso da análise.

Enquanto isso pode ser verdadeiro para toda análise, é particularmente verdadeiro para a análise didática, que é conduzida dentro de um contexto de expectativas de contatos pós-analíticos e relacionamentos entre analista e analisando que não será uma exceção, mas, sim, a regra. A expectativa de uma relação pós-analítica real ofereceria um refúgio natural em que desejos transferenciais inconscientes poderiam facilmente iludir ambos, paciente e analista? Caso afirmativo, será que esses desejos transferenciais continuariam a pressionar um enactment pós-analítico? Muitos autores, levando isso em consideração, têm destacado questões sobre as dificuldades especiais da análise didática. Por exemplo, Wallerstein (1986) e Anna Freud (1950), como citada por Wallerstein (1986), deram voz a preocupações de se a realidade institucional de contatos pós-analíticos e as complexidades levantadas pelo objetivo educacional de nutrir identificações do candidato com seu analista didata poderiam afetar negativamente os resultados terapêuticos da análise didática.

A fase de término representa uma derradeira oportunidade para paciente e analista trabalharem juntos na análise e na redução dos resquícios da transferência em pós da autonomia do paciente. Como a dependência em relação ao analista diminui as identificações, por obrigação podem ser descartadas ou melhor moduladas conforme se tornam seletivamente mais sintônicas, alinhadas com o idioma pessoal do paciente (Bollas, 1992). Otimamente, ao final da análise, o paciente está a caminho de tronar-se mais próximo de seu próprio self e desenvolver um estilo analítico autônomo como analista formado, emancipado de seu analista didata, mais do que adotar um estilo imitativo desse último (Orgel, 2000). Estaria essa parte final e difícil do processo de término afetada, ou talvez até minada, pela expectativa de uma continuidade identificatória profissional e de um contato social pós-término com o analista no ambiente social do instituto? Como ainda não podemos responder essas questões, acreditamos que vale pena levantá-las. Deveria ser dada maior atenção nas análises didáticas à exploração e análise da inevitabilidade e expectativa de contatos pós-analíticos.

 

A representação do analista após o término da análise

A literatura psicanalítica (para uma revisão, ver Tessman, 2003) é ambígua sobre o que está sendo elaborado no luto e o que é retido na mente do paciente no curso de um término de análise bem-sucedido. Craige (2001), por exemplo, estudou as análises de formação utilizando-se de depoimentos pessoais e uma entrevista semiestruturada. Ela concluiu que a maioria dos analisandos entrevistados experimentou um sentimento de perda da "relação analítica especial" após o fim de suas análises, apesar do fato de que a grande maioria (97%) antecipava futuros contatos profissionais com seus analistas. Mas como deveria essa "relação analítica especial" ser compreendida? Em que consistiria? Como é estar distribuído entre componentes regressivos e progressivos e entre a transferência e um relacionamento real? Não sabemos o destino das representações internas do analista após o término da análise, como se transformam ao longo do tempo ou quantas diferentes trajetórias podem tomar essas formas de representação mental do analista.

Em nossas discussões, achamos conceitualmente útil pensar sobre diferentes conjuntos de representações do analista na mente do paciente: o analista como objeto de transferência, o analista como representante do funcionamento e da atitude analítica (Schaefer, 1986) e o analista como objeto real.

Historicamente, os analistas acreditaram que em uma situação ideal seria o analista como objeto transferencial regressivo o objeto do luto a ser abandonado como parte do trabalho do término e das fases pós-terminais da análise. Esse processo inclui a elaboração e redução das esperanças, anseios e desejos infantis do passado e sua substituição por formações de compromisso mais adaptativas. Simultaneamente, a função e atitude analíticas do analista são internalizadas e fazem parte do desenvolvimento da capacidade autoanalítica do analisando. Assim, o saber analítico predominante é de que quanto mais o paciente puder identificar-se com os aspectos atitudinais do analista em vez de com suas idiossincrasias ou características reais, como ser o modo de vestir-se, modo de falar ou pontos de vista políticos, maior a tendência de que o paciente possa tornar-se o guardião de sua autonomia e bem estar através do exercício de uma função autoanalítica. Essas expectativas aplicam-se a todas as análises, não somente às didáticas.

A evidência que sustenta essas crenças e expectativas, entretanto, é anedótica e confusa. Kantrowitz, Katz e Paolitto (1990) reportaram que o desenvolvimento da função autoanalítica não está necessariamente correlacionada a resultados analíticos bem-sucedidos. Descreveram alguns analisandos que encontram benefício emocional em apoiar-se em uma representação pós-analítica do analista como um outro disponível, empático e compreensivo que estaria continuamente presente, em fantasia. Outros analisandos obtiveram conforto na internalização de um sistema de crenças menos personalizadas o que os ajudou a dar sentido a sua mente e seus conteúdos. Isto é, eles internalizaram uma atitude analítica. Schlessinger e Robbins (1974) descreveram um grupo (talvez intermediário) que, depois da análise, utilizou representações mentais internas duradouras de seus analistas para dar seguimento a seus próprios trabalhos analíticos.

O destino do analista como objeto real é um dos assuntos que suscita maior perplexidade e questões potencialmente controversas sobre as relações pós-analíticas. Com exceção da situação da análise de formação, o contato pós-analítico é pouco frequente, a menos que o paciente decida retomar a análise para mais tratamento. Os pacientes não candidatos devem assim lutar com a inevitável realização de que as relações com seus analistas como objeto real devem ser abandonadas e elaborar esse luto. Na situação de formação, entretanto, o analista usualmente continua a existir como objeto real no mundo externo profissional e às vezes pessoal do analisando. Isso significaria que importantes aspectos da relação com o analista "real" não poderiam ser elaborados? Caso afirmativo, em que medida isso afetaria a experiência analítica e sua consolidação no período pós-analítico? Os trabalhos de Kantrowitz, Katz e Paolitto (1990) e de Tessman (2003) parecem indicar que os analisandos se beneficiam da análise de modos diferentes e, assim, usam as representações internas pós-analíticas do analista também de formas diferentes.

O modo como o analista vem a ser representado na mente do paciente, em última instância, pode ser uma importante função da fase pós-analítica. A literatura psicanalítica contém argumentos contraditórios de que os contatos pós-analíticos possam ajudar (Buxman, 1950; Reich, 1950) ou interferir (Firestein, 1969) na resolução das transferências residuais do paciente. Suponhamos, por exemplo, que paciente e analista venham a ter uma relação pós-analítica que seja muito diferente daquela que o paciente experimentou no curso do tratamento. O que ocorre quando o paciente tem que confrontar aspectos da pessoa real do analista que diferem marcadamente da representação interna do analista? Como e em que extensão essa dissonância afeta a análise já completada ou a integração dos valores analíticos do candidato? Faz diferença se tal confrontação ocorreu cedo ou tarde na fase pós-analítica? Essas questões requerem e merecem estudos adicionais.

 

Institutos de formação psicanalítica

Os analistas didatas não são investidos de autoridade simplesmente porque, como todos os analistas e terapeutas tem o poder de curar e ajudar e, via transferência, representam a autoridade parental. Eles são investidos também, pela posição social e papel institucional que ocupam: são os membros mais poderosos da instituição psicanalítica. Frequentemente carregam grande prestígio e são considerados, apropriadamente ou não, como os melhores e os mais brilhantes. A visão do candidato sobre o analista didata não pode deixar de ser afetada por esses fatores.

Se os efeitos dessa hierarquia profissional existem durante a análise didática, quais são suas implicações para a fase pós-terminal? Certamente os analistas didatas podem potencialmente permanecer como figuras poderosas na vida profissional de seus candidatos analisandos após a análise ter terminado. Analistas sênior podem ter muito a oferecer aos jovens analistas em termos reais: indicações, posições de poder no instituto local, apresentações em nível nacional ou internacional. Contrariamente, os candidatos que se formam e se tornam proeminentes por seu próprio mérito podem ter benefícios profissionais reais a oferecer a seus ex-analistas. O modo como essas transações transpiram na fase pós-analítica, em que transferências inconscientes e contratransferências são facilmente revividas, pode ser um tema complicado.

Exemplo 8

Logo depois da graduação de d, um analista sênior a convidou para participar de um comitê do qual seu ex-analista participava. Ela estava ávida por participar das atividades do instituto e aceitou o convite sem pensar muito. Tinha afeto por seu analista didata e sentiu que vê-lo naquele comitê seria agradável, e não desconfortável. Logo depois de sua indicação, entretanto, um colega lhe fez um comentário que mostrava que D tinha sido convidada por causa do prestígio e influência de seu ex-analista. Embora o comentário tenha sido feito na brincadeira, o colega sugeriu que o ex-analista havia "feito um favor a ela". Esse pensamento já havia ocorrido a d, mas ela o tinha descartado naquele momento.

Racionalmente, D supôs que o fato de o ex-analista estar no comitê era uma simples coincidência. Outra pessoa a convidara para participar, presumivelmente por seus próprios méritos. Entretanto, o comentário do colega reativou uma fantasia transferencial erótica da qual ela agora conscientemente desfrutava. Pensar que seu ex-analista quis tê-la no comitê de modo que pudessem estar juntos era uma ideia atraente para ela, mas ter pessoas questionando sua habilidade para estar lá por mérito próprio a perturbava. Isso a deixou desconfortável, como se ela e seu analista estivessem fazendo algo ilícito.

D se perguntava o quanto dessa culpa seria parte de uma transferência re- vivida. Sua participação no comitê seria um enactment de sua transferência erótica? Deveria deixar o comitê? Seu ex-analista claramente pensava que ela estaria apta a manejar essa situação. Haveria algo errado com ela ou não resolvido na sua análise que a levava a ter esses sentimentos "loucos"? Deveria voltar e conversar com seu analista?

Essa vinheta levanta vários problemas. D tinha sido capaz de manter seus sentimentos eróticos residuais a uma distância confortável até que os comentários de seu colega fizeram reviver a transferência. Isso ocorreu, em parte, porque seu analista estava investido com uma transferência de autoridade, e ela o via como um "responsável pela tradição analítica" que, por conseguinte, "sabia" que tipo de contato pós-analítico estaria "ok". Mesmo que tenha sido sua a decisão de participar do comitê, D acreditava que seu analista teria dado seu selo de aprovação a sua decisão. Finalmente, quando seus próprios sentimentos ficaram bastante acirrados, ela continuou a idealizar seu analista didata. Sentiu que ela era "a louca" e que necessitava melhorar no manejo de seus sentimentos pós-analíticos.

Em alguns institutos é bem sabido quem se analisou com quem e, às vezes, esse problema de linhagem analítica se torna uma preocupação. Poderosos analistas sênior têm sido conhecidos por recrutar seus ex-analisandos para ajudá-los a defender determinadas posições políticas ou políticas educacionais, explorando assim lealdades e/ou transferências inconscientes (Kirsner, 2000). Esse recrutamento pode ser iniciado pelo ex-analista didata via incremento do contato social com o ex-analisando ou por conferi-lhe certos favores profissionais, tais como indicações de pacientes ou convites para apresentações. As motivações por detrás de tal tipo de comportamento respondem a um variado leque de possibilidades: desejo de ver o ex-analisando bem-sucedido, enactment de transferências parentais residuais, identificação indireta com o analisando, a busca por objetivos narcisistas ou ambições políticas pelo ex-analista didata, entre outras. No extremo, esse comportamento pode resultar em um fenômeno chamado "comboio" (Kirsner, 2000), com todos os seus deletérios efeitos colaterais no funcionamento do instituto.

Os "favores" em questão podem não ser registrados ou reconhecidos como favores pelo analista didata em questão. Em vez disso, ele pode simplesmente achar que está "selecionando a pessoa certa para o trabalho", algo que ocorreria independentemente de ser seu ex-paciente. Temos observado com frequência que analistas tem um jeito de compartimentalizar os relacionamentos com seus pacientes, durante e depois da análise, sem perceber que o estão fazendo. Ainda em outros momentos, o alinhamento político de ex-pacientes e analistas acontece sem a iniciativa do analista, simplesmente por causa de lealdades não examinadas ou transferências residuais da parte do ex-analisando.

No nível do instituto, a percepção do "comboio" pode impedir alguns membros de falar sobre psicanálise e política mais abertamente desde si mesmos. Se um ponto de vista é relacionado à sustentação de uma aliança com um ex-analista, outros podem não avaliá-lo como uma ideia com valor próprio. Tais ideias são então facilmente descartadas ou aceitas simplesmente porque são vistas como produto de determinadas facções, mais do que tendo seu valor intrínseco. Vale a pena lembrar a complexidade do processo pelo qual passamos a sustentar ideias ou opiniões psicanalíticas particulares.

Exemplo 9

G, um analista já formado, contatou seu antigo analista didata, T, e pediu-lhe para "interceder" por ele com F, um amigo e colega de T, com quem G estava pleiteando um emprego.

T teve sentimentos contraditórios sobre a solicitação. Se F perguntasse "Como você conheceu G e seu trabalho?" T teria que revelar que G tinha sido seu paciente. Isso soaria como uma brecha na confidencialidade com relação a G. Também sentira que tal resposta, não importa quais as circunstâncias, comprometeria sua imagem frente F, seu colega. Isso deixou T desconfortável.

G, em primeiro lugar, tinha renunciado a seu direito de confidencialidade nesse assunto quando fez a solicitação. É claro, G havia feito isso sem saber que T revelaria. Para T, isso era sinal de que velhas transferências podiam estar sendo revividas. Ter uma figura parental que apoiasse, ao invés de anular, seus sonhos e ambições foi uma força motivadora para G durante a análise, e T levantou a hipótese de que esse desejo transferencial estivesse em parte subjacente à solicitação de G. Ao buscar o trabalho, G estava também se aproximando da área de interesse profissional de T. T presumiu que transferências e contratransferências competitivas estavam também sendo despertadas. Pelo fato da análise haver terminado, T sentiu que não havia como analisar o significado daquela solicitação, a qual T sentiu que era mais complicada do que poderia parecer na superfície.

Enquanto T conhecia G e muitos aspectos de sua vida interior, ele estava incerto se poderia fazer um julgamento "objetivo" sobre as capacidades e adequação de seu ex-paciente para aquele trabalho em particular. Às vezes T tinha um pressentimento visceral de que conhecia seus pacientes como ninguém mais. Contudo, com o passar dos anos como analista, percebeu que havia situações nas quais idealizava e superestimava as habilidades de seus pacientes e outras em que via as capacidades dos pacientes mais debilitadas do que a comunidade as via. Conforme T pensou sobre isso, percebeu que o analista observa seu paciente através de uma lente formada pela transferência e contratransferência únicas evocadas na análise, e que isso se reativava pós-analiticamente. T concluiu que ele deveria se recusar a avaliar seu ex-paciente, embora lhe preocupasse que G pudesse entender isso como uma rejeição.

Exemplo 10

J, um analista didata, tinha muitas indicações para fazer por conta de sua nova posição profissional. Queria encaminhar um paciente a um ex-analisando, k, agora um analista formado. J tinha uma ótima impressão sobre k, assim como outros da comunidade tinham dele. Entretanto, J também sabia que para além de querer colocar o paciente em boas mãos, ele tinha suas razões para querer reconectar com K. Estaria entrando novamente na vida de K de uma maneira especial, em um papel de ajuda, uma ideia que lhe era muito agradável. Contudo, J estava preocupado em também estar se interpondo no tratamento entre K e seu novo paciente e, talvez, reativando as antigas transferências de K. K poderia experimentar fazer análise com seu novo paciente como se estivesse fazendo análise com seu antigo analista ou, ainda pior, com seu antigo analista olhando por sobre seu ombro. J não tinha certeza de que essas atitudes pudessem ser reativadas ou que poderia vir a ocorrer um resultado negativo para K ou para o paciente encaminhado, mas J decidiu que seria simplesmente menos complicado indicar outra pessoa.

 

Discussão

As vinhetas que temos apresentado e estudado tendem a enfatizar as armadilhas e problemas dos contatos e relações pós-analíticas. Enquanto supomos que contatos mais positivos ocorrem, achamos significativo que foram relatados contatos problemáticos em resposta a nossa proposta aberta de coleta de dados. Presumimos que esse fenômeno de amostragem reflete o grau considerável de ambiguidade e desconforto que pode girar em torno dos contatos pós-analíticos, porque as transferências e contratransferências tendem a persistir ou podem ser revividas muito além do fim da análise. Para o paciente, isso significa que o potencial de vulnerabilidade e exploração graças à diferença de poder na transferência pode permanecer ativo na fase pós-termino. Para o analista o problema é como estabelecer um equilíbrio entre manter suficiente respeito pelas transferências residuais, enquanto simultaneamente responder de modo a reconhecer a mudança nos papéis sociais e refletir o fato de que a fase ativa da análise já está encerrada.

Dada a ambiguidade das "regras do contrato" dos contatos pós-analíticos e a ausência de uma situação analítica na qual conjuntamente examinar as interações que possam ocorrer, ambas as partes devem confiar muito em sua capacidade autoanalítica para processar e resolver qualquer transferência e contratransferência residual ou renovada que possa emergir.

As relações pós-analíticas nos apresentam o anverso de uma situação na qual uma relação social ou profissional preexistente contraindica - ou ao menos cria um complicado fardo - o empreendimento de uma análise. Em nosso caso, a preexistência de uma relação analítica pode provar ser um impedimento para o desenvolvimento de uma relação pós-analítica social ou profissional (não terapêutica). As relações pós-analíticas podem variar de profissionais ou conexões institucionais a ocasionais contatos sociais e amizades mais duradouras.

Até mesmo Schachter (2002), que tem sido otimista sobre o valor de transformar uma relação pós-analítica em uma amizade, fala muito cautelosamente sobre essa possibilidade: o risco para o ex-paciente é que a amizade possa afundar e deixar o ex-paciente sem amigo ou analista e com sentimentos negativos não analisados. O paciente deve abandonar o confortável investimento no analista como figura de autoridade e onisciência benigna, e o analista deve abandonar a gratificação desse investimento e revelar-se muito mais. Essas mudanças são de tamanha magnitude que, mesmo se o tabu sobre desenvolver tal tipo de amizade diminuísse ou desaparecesse, temos a impressão de que o desenvolvimento de tal amizade, mesmo assim, seria um evento relativamente raro. (pp. 218-219)

Ao negociar a mudança de uma relação analítica para uma pós-analítica, o ex-paciente precisará adaptar-se a uma importante e raramente discutida mudança. Durante a análise, o analista terá subordinado seu comportamento e respostas aos melhores interesses do paciente. A grande determinação com a qual o analista prioriza as necessidades do paciente e da análise cria o que pode ser chamado uma assimetria de preocupação. Para evitar dificuldades desnecessárias nas relações pós-analíticas, uma reorientação das necessidades no sentido de uma maior simetria deveria ocorrer. Como essa mudança será negociada pode ser decisivo para o resultado.

Levando em conta a continuidade da responsabilidade profissional, ética e terapêutica do analista em relação aos seus antigos pacientes, é de particular incumbência do analista ser sensível e reflexivo em relação aos sentimentos e necessidades dos pacientes em todo contato pós-analítico. Os analistas devem manter-se cônscios de que pode ser muito difícil para o ex-paciente recusar contatos ou solicitações do antigo analista. Em nossas discussões temos percebido que pacientes podem experimentar profunda gratificação em ser procurados por seus ex-analistas, mesmo quando o analista estiver usando o paciente para satisfazer suas próprias necessidades ou a solicitação deixa o analisando desconfortável. Então ex-analistas deveriam pesar cuidadosamente qualquer transação que possa ser construída como exploratória com um ex-paciente. Uma solicitação por contato ou favor com iniciativa por parte do analista pode adquirir significados muito mais diferentes que uma solicitação similar realizada pelo paciente.

Quando velhas transferências são reativadas, ex-pacientes podem abandonar sua autonomia e julgamento em avaliar tais assuntos e, ao invés disso, confiar na autoridade de seus analistas para determinar o que seria correto. No extremo, pacientes tornaram-se cuidadores de seus analistas quando mais velhos e doentes. A questão ativa na mente do analista deve ser: em que medida qualquer situação dada provém de um senso de obrigação que pertence a uma transferência reativada em detrimento de refletir uma escolha livre da parte do antigo paciente?

Suspeitamos que na prática atual as amizades entre o par analítico são mais a exceção do que a regra. Mais frequentemente teremos os casos de encontro pós-analítico social ou profissional. Em consideração a esses últimos casos, Rangel (1966) sugeriu que o analista possa errar por aferrar-se a uma reserva analítica ou uma postura interpretativa em hora e lugar nos quais isso não seria mais apropriado. Alternativamente, o analista pode demonstrar o que pode ser experimentado pelo paciente como uma prematura ou excessiva expressão de intimidade. Em uma subsequente publicação, Rangel (1980-1981) ofereceu o seguinte conselho: "de fato o que está sendo demandado não é qualquer 'atitude' ensaiada nem uma cuidadosa dose de conversa seja em intensidade ou forma, senão uma naturalidade na troca ditada pela ocasião" (p. 167). Observações similares têm sido recentemente confirmadas e elaboradas por Tessman (2003) em um estudo sobre como analistas se lembram de seus próprios analistas. Ela notou que "reações a contatos pós-analíticos jamais pareceram apenas neutras" e que os benefícios da análise poderiam aprofundar-se com contatos pós-analíticos positivos. Dois tipos de contato, entretanto, pareceram problemáticos. Um deles envolvendo uma inapropriada continuação da postura analítica ou extrema reserva social da parte do analista, a qual deixou o ex-paciente sentindo-se rejeitado ou diminuído. O outro ocorreu quando o ex-analista expressou necessidades pessoais ou solicitou demonstrações de amor e lealdade. Por causa disso, os analistas deveriam estar cientes de que podem existir poderosas forças em seu psiquismo que permanecem ligadas aos ex-pacientes, incluindo transferências parentais e identificações indiretas.

 

Conclusões

Existe uma vasta variação nas necessidades psicológicas e desejos que concernem os contatos pós-analíticos entre ex-pacientes e analistas; uma única medida não atende a todos (Tessman, 2003). É, portanto, difícil propor diretrizes específicas para nortear a conduta nos contatos e relações pós-analíticas. Cada situação deve ser observada e avaliada em suas características próprias. Entretanto, deve-se ter em mente as seguintes considerações:

1. Os sentimentos e as necessidades do ex-paciente devem manter-se soberanas na mente do analista. Essa atitude respeita o poder da transferência residual ou revivida e ajuda a manter aberta a possibilidade de retomar a análise caso o paciente assim o deseje.

2. Toda inclinação da parte do analista para tomar iniciativa em um contato ou relacionamento com um ex-paciente, seja acadêmico ou social, deverá ser cuidadosamente considerada. Dada a qualidade duradoura da transferência e contratransferência, tais inclinações deveriam ser um sinal para uma autorreflexão. Isso não quer dizer que todos esses desejos sejam inapropriados ou transgressivos, mas somente que eles precisam ser pensados com um apropriado índice de suspeita. Quando o analista dá início a um contato, ele é geralmente derivado de uma necessidade do analista e provavelmente será experimentado como tal pelo ex-analisando.

3. Quando um analista encontra um ex-paciente, uma regra de outro seria considerar se há algo na interação que possa ser entendido como uma exploração. Obviamente, alguns contatos são apropriados, construtivos e colaborativos, mas mesmo estes terão vias inconscientes de transferências e contratransferências não resolvidas ou revividas. Para o analista, é importante responder de um modo socialmente apropriado, embora mesmo assim esteja alerta de sua própria transferência, contratransferência e desejos de gratificação. À medida que estas são reativadas e reconhecidas, a abstinência frente a seus impulsos deveria prevalecer.

A ausência do setting analítico no período pós-analítico significa que o enquadre e espaço dentro do qual considerar significados e motivações de contatos e relações pós-analíticos devem ser substituídos por algo interno. Isso pode ser até mais importante para o analista que para o ex-paciente, já que o paciente pode ainda estar imerso em uma longa fase pós-término de intensa digestão e elaboração dos ganhos da análise e resolvendo a transferência despertada. Para o analista, a ambiguidade do papel pós-analítico e a ausência do enquadre analítico como horários de encontros regulares e o uso do divã podem ser um desafio. A conscientização de que a fase pós-analítica é parte intrínseca da análise do analisando pode ajudar o ex-analista nessa consideração.

Atitudes institucionais, sua estrutura e ritos de passagem terão um efeito potencialmente significativo em como os contatos pós-analíticos são conduzidos e mediados. Achamos que esses são bastante variáveis e surgem na maioria dos settings sem pensar muito em sua função e existência. Seria útil e de grande interesse para os institutos examinar seus diferenciais culturais e estruturas em consideração aos contatos e relacionamentos pós-analíticos, buscando compreender seu funcionamento e se seus rituais institucionais são adequados.

Quando a análise didática termina e quando os analistas não têm mais o enquadre para se apoiar, fica fácil relaxar a atitude de escrutínio sobre sentimentos e impulsos que emergem no curso do trabalho. Ao final da análise a tentação de ir ao encontro das próprias necessidades diante das pessoas de quem se sentem proximamente conectados e com quem se preocupam - seus pacientes, pode ser até maior. Essa é uma preocupação particular quando o analista se encontra vulnerável a algum problema pessoal, como ter a idade ou doença e durante períodos de perda ou ferimentos narcísicos. O desafio para o ex-analista será como negociar o equilíbrio entre manter uma preocupação com as experiências internas do ex-analisando tanto como paciente de análise - incluindo a possibilidade de que ele possa um dia escolher retomar a análise - e como colega. Reconhecer esse último papel requererá uma maior simetria de preocupação e potencialmente uma maior satisfação mutua de necessidades e desejos comensuráveis com as relações sociais e profissionais não clínicas.

Em conclusão, desejamos lembrar o leitor que nosso objetivo primeiro ao escrever este artigo tem sido promover a conscientização sobre as relações e contatos pós-analíticos. Para esse fim, apresentamos numerosos exemplos que esperamos que possam ter sido evocativos e ilustrativos das complexidades envolvidas. Há muito o que aprender sobre esse tema. Como já mencionamos, nossa intenção não foi a de oferecer um conjunto de diretrizes específicas, mas, sim, enquadrar uma série de dilemas para serem apresentados ao leitor junto a um modo de pensar sobre os problemas envolvidos. Esperamos termos tido sucesso a esse respeito.

 

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Recebido em: 7/10/2014
Aceito em: 7/10/2014

 

 

Tradução: Cynthia Peiter. Revisão técnica: Abigail Betbedé
1 Levine, L. B., Yanof, J. A. (2004). Boundaries and Postanalytic Contacts in Institutes, Vol. 52 (3), pp. 873-901. Copyright© (2004) por American Psychoanalytic Association. Reimpresso com a permissão de sage Publications, Inc.
2 N. T.: Título original em inglês: "Speaking the Unspeakable: Institutional Reactions to Boundary Violations by Training Analysts".

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