SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.47 número87Uma carta, uma históriaO labirinto do Fauno índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.47 no.87 São Paulo dic. 2014

 

TRADUÇÃO

 

"Apesar do meu ego." A resolução de problemas e o inconsciente1

 

 

Stephano Bolognini

Analista didata da Sociedade Psicanalítica Italiana, SPI, foi diretor cientifico nacional e cofundador do comitê Patologias Graves da dessa mesma instituição (1992), ex-presidente do Centro Analítico de Bolonha. Na IPA, foi representante do Board pela Europa 2003-2007, Cochair no CAPSA Commitee pela Europa e Chair do IPA 100 Anniversary Commitee. Bolonha 40122 Itália. fef8279@iperbole.bologna.it

 

 

Those men are few who, because of the fortunate endowment of intuition, are allowed to do something less than a minute analysis of concepts. To them belongs authority, but they cannot be, nor must they be, imitated.2
Friedrich Julius Stahl

Introdução a Die Philosophie des Rechts nach geschichtlicher Ansicht (1830-1837)

Como acontece com frequência, esse tema mobilizou em mim uma série de reflexões de diversos tipos - reflexões que vão além do campo especificamente teórico e clínico da psicanálise.

Enquanto devaneava com minhas associações, influências e memórias, eu me surpreendi com a percepção interna de um forte sentimento de inveja ao me lembrar de alguns personagens que fazem parte da minha experiência pessoal, pessoas que se caracterizam de alguma forma por uma atitude surpreendentemente intuitiva e por uma capacidade também intuitiva de enfrentar e resolver problemas de vários tipos.

Certamente uma inveja bem justificada, acredito - uma inveja fisiológica e "secreta" da qual não me envergonho e pela qual não me sinto culpado, e que, no fim, até me leva a sentir uma certa solidariedade comigo mesmo. Como não sentir inveja, na verdade, de pessoas que parecem contempladas com o dom de não ter de buscar soluções para certos problemas, pessoas a quem, ao contrário, as soluções parecem procurar... e encontrar?!

Vou tentar explicar.

Algumas pessoas se distinguem como "dotadas de um senso prático", em um sentido amplo e não necessariamente em referência a habilidades concretas ou manuais. Outras são sumariamente descritas como "intuitivas"; outras, ainda, como capazes de controlar a si mesmas instintivamente em situações mais complexas, dando-nos a impressão não de estarem lutando para resolver as questões de forma racional, obsessiva, mas de inventarem soluções úteis com uma certa criatividade ágil e fluida.

Se em muitos casos é possível observar nessas pessoas um ego central consciente e em bom funcionamento - capaz de efetivamente manter o foco no problema, de não se perder ou ficar muito mobilizado por uma forma contraproducente de enfrentar a tarefa que se apresenta -, em outros casos pode-se observar algo mais surpreendente e menos compreensível. Isto é, certas pessoas realmente parecem passar por cima dos processos normais para se situar em relação a um problema, analisá-lo e entender suas implicações: em vez disso, aterrissam suave e diretamente na solução, sabe-se lá como.

Podemos dar como certo que, nessa minha descrição, há alguma ênfase idealizadora motivada pelo propósito de destacar esse tipo de impressão e fenômeno. E podemos também concordar que talvez eu exagere um pouco ao estabelecer uma categoria separada para esse tipo de funcionamento mental na esfera da solução de problemas.

Entretanto, parece haver aqui alguma verdade, pois há um reconhecimento bastante difundido a respeito da fenomenologia que descrevi, apesar de ela ser certamente bastante rara. Além disso, foi exatamente o sentimento de inveja ao qual me referi que me permitiu refletir sobre esse tema com maior curiosidade e maior motivação, em busca do "segredo" dessas habilidades surpreendentes - a ponto de, para todos os efeitos, poder vê-los com força propulsora dessas considerações.

No capítulo vi de "O inconsciente" (1974/1915), intitulado "Comunicação entre os dois sistemas", Freud faz um comentário muito importante sobre o trabalho psíquico desempenhado pelo inconsciente:

Seria não obstante errôneo imaginar que o Ics. permanece em repouso enquanto todo o trabalho da mente é realizado pelo Pcs. - que o Ics. é algo liquidado, um órgão vestigial, um resíduo do processo de desenvolvimento. Também é errôneo supor que a comunicação entre os dois sistemas se acha confinada ao ato de repressão, com o Pcs. lançando tudo que lhe parece perturbador no abismo do Ics. Pelo contrário, o Ics. permanece vivo e capaz de desenvolvimento, mantendo grande número de outras relações com o Pcs., entre as quais a da cooperação. Em suma, deve-se dizer que o Ics. continua naquilo que conhecemos como derivados, que é acessível às impressões da vida, que influencia constantemente o Pcs., e que, por sua vez, está inclusive sujeito à influência do Pcs. (p. 218)

E mais adiante:

Constitui fato marcante que o Ics. de um ser humano possa reagir ao de outro, sem passar através do Cs. Isso merece uma investigação mais detida, principalmente com o fim de descobrir se podemos excluir a atividade pré-consciente do desempenho de um papel nesse caso; descritivamente falando, porém, o fato é incontestável. (p. 222)

Dessas duas passagens de Freud, destacaria, então, dois conceitos fundamentais:

1. O inconsciente, também, "trabalha" (e, como Freud diz, às vezes colabora);

2. O inconsciente pode ser ativado; por exemplo, ele pode se combinar com o inconsciente de outra pessoa, "iludindo" a mente consciente.

Muitos autores exploraram o trabalho do inconsciente, focando em particular no trabalho do sonho, entendido de forma diferente do clássico "trabalho onírico", que é de maneira geral destinado a mascarar o conteúdo latente. Quase todos os autores que vou citar ficaram fascinados, de fato, pela variabilidade da combinação de processos primários e processos secundários que às vezes parecem ser criados no sonho, produzidos em uma espécie de joint ventu re entre o inconsciente e o pré-consciente, na ausência do ego consciente. Seria então apropriado diferenciar essas duas atividades do inconsciente, designando essa atividade como "trabalho conjunto de elaboração onírica".

Veremos ainda como esse trabalho do inconsciente em colaboração com o pré-consciente pode ser mais facilmente observado quando há um certo arranjo psíquico interno, que geralmente inclui o ego consciente do sujeito sendo "colocado em modo stand-by" ou o ego tendo uma presença muito discreta, periférica e não invasiva.

Esse será o tema da segunda parte do meu texto. Na primeira, vou tentar descrever alguns processos que, penso, são fundamentais para uma compreensão pelo menos parcial da criatividade do inconsciente e suas capacidades para solucionar problemas.

 

O inconsciente como área de transformação ativa

Em Secret Passages: The Theory and Technique of Interpsychic Relations (2011),3 resumi algumas contribuições inspiradoras desse período que são muito diferentes entre elas, apesar de todas estarem orientadas para a perspectiva de um inconsciente "sensível", que trabalha e é potencialmente transformador.

Adler (1911) falou sobre a função de premeditação do sonho; Maeder (1912) falou sobre uma fonction ludique [função lúdica] do sonho, como exercício preparatório para subsequentes operações da realidade externa; Grinberg (1967), ao descrever sonhos "elaboradores" das fases de integração, destacou a crescente capacidade de reparação do paciente à medida que começa a saber como tomar conta de si; Garma (1966) esboçou uma forma "ampla" de pensar durante os sonhos - um tipo de pensamento arcaico, intensamente visual, mas no qual julgamentos, reflexões, críticas e outros processos mentais existem e pertencem ao mesmo tipo daqueles da vigília; a linha teórica que se inicia com Winnicott e vai até Bollas valorizou a dimensão experiencial do sonho; De Moncheaux (1978) lançou a hipótese de uma função reintegradora do sonho em relação ao trauma; e Matte Blanco (1981) reexaminou um possível aspecto do deslocamento nos sonhos, como uma abertura - às vezes criativa - para novos lugares, tempos e representações possíveis; e pensou a condensação como uma tentativa de integração de diferentes categorias espaço-temporais.

Há ainda outros autores: Kramer (1993) estava interessado nos efeitos da atividade do tipo onírica para a função estabilizadora do humor, e Greenberg e Perlman (1993), com o aumento do sono rem em situações de aprendizado complexo. Fosshage (1997) trouxe à tona a função geralmente sintética do processo primário que enfatiza, por imagens sensórias e visuais altamente intensas, o colorido afetivo da experiência (p. 140).

Menciono essa revisão de colaboradores - que não são certamente homogêneos entre si, e apenas parcialmente relevantes para o tópico que examinamos - porque os considero unidos, de qualquer forma, por seu interesse em um componente misterioso da elaboração existente em um nível onírico profundo: algo desconhecido para o ego trabalha, combina, se agrupa, imagina, cria, transforma.

Além disso, a história da filosofia e a história da ciência são ricas em exemplos famosos de sonhos que abriram caminho para uma solução de problemas extremamente difíceis do sonhador (podemos pensar no sonho de Bohr sobre a composição do átomo). Até mesmo a literatura antiga e a mitologia se referem frequentemente a uma intensa atividade inconsciente como a portadora de soluções inesperadas que podem surpreender o ego central do sujeito. É especialmente nos sonhos que os deuses aparecem para os mortais e os orientam sobre o que fazer em momentos cruciais de sua experiência: soluções aparentemente mágicas surgindo de fontes profundas em vez de partirem do raciocínio consciente do ego do sujeito.

Sustento, em um plano menos abstrato, que o famoso conto de fadas "O gato de botas" pode representar metaforicamente com competência o que estamos considerando aqui.

A história, de origem popular, foi narrada em diferentes épocas por Giovanni Francesco Straparola (no século XV), e então por Giambattista Basile e Charles Perrault (século XVIii), por Ludwig Tieck, em 1797, e, finalmente, pelos irmãos Grimm no século XIX. A história nos conta sobre o mais novo de três filhos de um moleiro. Com a morte do pai, esse jovem rapaz herda apenas um gato como herança, enquanto seus outros irmãos recebem benefícios bem mais substanciais.

Deixado sozinho com o gato, o rapaz fica ansioso porque não sabe como se virar em situações desafortunadas e aparentemente impossíveis; sua mente está bloqueada pelo desespero, e ele não vê saída. Então é o gato (animal subestimado mas extremamente inteligente a quem o pai tinha em alta estima) que começa a inventar as soluções apropriadas!

Depois de maquinar habilmente um excelente contato com o rei em nome de seu amo, fazendo-o acreditar que o rapaz estava a serviço de um nobre cavalheiro, o gato aplica seu tour de force induzindo um malvado ogro a se transformar em rato e, então, eliminá-lo. Dessa forma, o rapaz vai obter a propriedade do castelo do ogro e, com ela, o correspondente alto status social.

O que é o gato? É uma parte instintiva do menino dotada de um inesperado talento na área de solução de problemas e que surpreende a todos.

O menino (por sua vez uma metáfora para o ego central consciente) estava muito coagido e sobrecarregado por suas dificuldades e, talvez, também por um sentimento básico de inadequação para ser capaz de pensar ou agir acertadamente. O gato, em contraste, intuitivo e com sua mente aberta, ultrapassa qualquer ansiedade motivada por insegurança com uma dose saudável de onipotência (afinal, ele está usando as "botas de sete léguas") e inverte a situação, transformando o invencível ogro em um indefeso rato e, com isso, concedendo poderes ao rapaz (o castelo do ogro), que assim poderá se casar com a princesa.

Mas esperem um momento: os louros vão para o extraordinário gato, sim, mas temos que tirar nosso chapéu para o menino também - o menino, que não se opôs a esses desenvolvimentos, que não se sentiu diminuído pelos papéis estranhos desempenhados pelos dois e que tolerou sua própria passividade em relação à iniciativa do gato; ele não ficou cego pela inveja da inteligência do gato.

O ego central consciente (o menino) sabia reconhecer e respeitar a criatividade superior ocasional do todo do inconsciente/pré-consciente (o gato) diante dessas dificuldades, dando-lhe espaço sem se opor narcisicamente e sem deixar seus desejos de controle prevalecerem sobre o que acontecia naquela conjuntura.

Tudo isso era imprevisto. Nós nos vemos observando não uma unidade, talentosa e capaz, mas uma dupla que colabora bem, graças ao fato de um deles "deixar o outro trabalhar" em áreas em que o outro faz melhor.

Talvez algo desse tipo - aqui representado no nível dos objetos internos e partes do self - já havia acontecido muito tempo atrás entre a criança (então fazendo o papel do gato) e uma figura que foi crucial para sua experiência de vida. Teria alguém permitido à criança fazer explorações e desenvolver áreas de competência? Alguém já teria realmente entendido o talento natural, existencial, que ela possuía?

Como devem ter notado, estou descrevendo uma situação favorável na relação interna entre o ego de um indivíduo e seu self e estou aludindo aos es tilos parentais interpsíquicos e a eventos originários formativos que, uma vez introjetados, podem também produzir exatamente uma situação positiva assim mais tarde na vida do indivíduo. O que pode verdadeiramente constituir uma "herança" muito preciosa.

Voltaremos a esse ponto mais tarde, já que, por enquanto, gostaria de me limitar a lançar hipóteses e descrever uma área onírica potencial e ocasionalmente criativa, que tem por base a possibilidade de representação, de decomposição e de recombinação dos elementos em jogo no mundo interno do sujeito, graças ao efeito confiável e de religação do processo primário e à reorganização possibilitada pelo processo secundário, que se alternam em diferentes graus. O trabalho do inconsciente se processa dessa forma. O ego pode concordar com ele ou se opor.

 

As pequenas bonecas guatemaltecas

Existe um costume adorável na América Central a esse respeito que me parece fornecer uma representação ilustrativa, metafórica, do que acabo de apresentar em termos metapsicológicos, descrito para mim, muitos anos atrás, por uma paciente de análise que tinha acabado de voltar de uma viagem da Guatemala.

Para contextualizar melhor essa metáfora, mencionarei antes um pouco de informação clínica que não é incidental. A verdade é que é muito consistente com o fato de a paciente ter trazido para sua sessão precisamente esse material associativo e ter se envolvido em um pequeno caso de atuação: ela me deu um presente (concreto).

A paciente estava em análise havia quatro meses e passava por uma benfazeja, clara e benigna regressão do tipo "lua de mel" analítica. Acredito que ela estivesse reproduzindo uma experiência primária positiva de fusão e nutrição (seus problemas traumáticos tinham ocorrido subsequentemente a essa fase).

Muito significativamente, a paciente me deu um pequeno tesouro: um amuleto guatemalteco que consistia em uma pequena caixa com seis bonecas, uma diferente da outra. O costume popular, ela me explicou, era o de colocar as seis bonequinhas na cabeceira da cama. A pessoa então relatava um problema diferente para cada boneca, apagava a luz e dormia.

Durante a noite, as seis bonequinhas falariam umas com as outras, e, pela manhã, a pessoa teria uma visão diferente para seus problemas!

Esse costume me fascinou e - além de considerar o significado que a história tinha para a paciente - comecei a refletir sobre as vantagens que podia oferecer para seus praticantes.

Por exemplo, ele permite que quem tiver as bonequinhas durma mais profundamente porque seus problemas foram "confiados" a "outra pessoa".

Além disso, fica estabelecido que não se pode lidar com mais do que um certo número de problemas (nesse caso, seis) ao mesmo tempo, estipulando-se assim um limite padrão para um possível fluxo de ansiedades e perturbações, estabelecendo-se um continente.

Mas, acima de tudo, fica estabelecida uma confiança básica na existência de um processo inconsciente e capaz de gerar transformação, que se dá na ausência do ego central consciente (enquanto o sujeito dorme) e pode produzir mudanças substanciais na visão que se tenha das coisas.

Rebaixada a vigilância defensiva do ego, a contenção de ansiedades - representada pela história e confiada a outro "alguém/algo" (as bonecas) - e a recombinação criativa dos conteúdos (uma "solução" no sentido duplo etimológico de "liberação" e "resolução") do processo primário parecem estar condensadas de forma feliz nesse pequeno ritual secreto. O trabalho vai se dar no sonhador com desconhecimento parcial do ego consciente mas com sua con cordância, dada a aceitação do ritual.

A atmosfera geral desse desenrolar de eventos é de qualquer modo confortável, íntima e em escala humana. Aqui o trabalho é confiado ao inconsciente, que é implicitamente entendido como um recurso natural do qual se pode lançar mão sem medo.

 

Intuição

Vamos voltar um passo atrás, por um instante, e rever o aspecto fenomenológico do processo que estamos explorando.

O conceito de "intuição" (do verbo latino in tueor: "um olhar para dentro") designa aquele tipo de conhecimento aparentemente imediato que não passa pelo raciocínio cognitivo ou um processo sensato, e que parece, em vez disso, jorrar miraculosamente de algum lugar das profundezas.

A intuição teve um longo desenvolvimento e um curso muito tumultuado na filosofia, iniciado com a era dos grandes pensadores da Grécia Antiga, que a ela atribuíram múltiplas leituras e definições. Ao considerar a intuição, eles às vezes focavam no funcionamento sensorial ou, com mais frequência, no do intelecto, com forte tendência à descrição de experiências transcendentes e à ideia de percepção imediata dos "primeiros princípios" (como em Platão e Aristóteles).

Minha impressão pessoal, ao me debruçar novamente sobre essas viagens à Antiguidade por meio dos textos filosóficos, é a de que, em geral, os filósofos decididamente pretenderam valorizar a intuição atribuindo-lhe características e funções especiais (geralmente em contraste com uma insistência na mera percepção sensorial). Contudo não se pode extrair muita informação interessante sobre a natureza dos processos psíquicos a partir do estudo desses filósofos.

Bem mais estimulante para o estudo desses fenômenos, acredito, apesar de não tão úteis para a compreensão dos processos subjacentes, são as contribuições da psicologia cognitiva. Em 1926, Graham Wallas, que havia estudado procedimentos para a solução criativa de problemas, descreveu quatro estágios típicos nesse processo: preparação da tarefa, estágio no qual uma pessoa tenta descrever e entender o problema em seus vários aspectos; incubação, um tipo de período de decantação em que o sujeito não pensa sobre o problema e, em vez disso, se dedica a outras coisas; iluminação (ou insight), quando a solução para o problema é subitamente revelada de uma forma inesperada (algo análogo ao "Aha! Erlebnis" dos fenomenologistas); e, finalmente, avaliação, quando o ego cognitivo é colocado no caminho de passagem para as partes intuitivas, provendo uma explanação integradora do que foi adquirido.

Um exemplo desse processo pode ser obtido com o testemunho do matemático francês Poincaré, que geralmente dedicava algumas semanas para a fase de "preparação da tarefa" e, depois, a evitava, dedicando-se a outros objetivos. Então, em algum momento, teria uma "explosão de iluminação", de forma inesperada, enquanto estava ocupado com excursões geológicas ou o que fosse.

Esse padrão me traz à mente uma capacidade análoga de suspensão dos analistas, que gosto de definir como se estivessem "alegremente resignados" - a partir de certo ponto de seu desenvolvimento profissional - a se deixarem surpreender pelo surgimento espontâneo e não planejado de soluções interpretativas e intuições empáticas (Bolognini, 2003). Isso pode ocorrer ao analista depois de ele ter deixado todos os atos intencionais de investigação e, contrariamente, se entregar à atenção equiflutuante.

Janet Metcalfe & David Wiebe (1987) demonstraram que problemas que demandam uma solução criativa podem ser efetivamente resolvidos de maneira bastante súbita. Em seu interessante estudo, pesquisadores sujeitos a uma situação problemática eram perguntados, a cada quatro minutos, sobre o quanto sentiam que estavam avançando na direção de uma solução para sua tarefa. Os resultados mostraram que uma consciência sobre os progressos esteve bastante presente em processos que envolviam estratégias voltadas para reproduzir situações verificáveis experimentalmente, o que não ocorreu em processos caracterizados por "saltos" intuitivos.

Além disso, já em 1959, de um ponto de vista da Gestalt, Max Wertheimer lançara a hipótese de que a intuição criativa pode surgir quando a pessoa perce be novas relações entre os elementos de um problema. Edward De Bono (1970) atribuiu a causa disto à "capacidade de pensamento lateral", uma mobilidade especial do centro de gravidade da observação baseada na crença em uma potencial multiplicidade de pontos de vista ao se considerar um problema.

Em contraste, entre os obstáculos para a operação desses processos intuitivos estaria o complexo fenômeno descrito em psicologia como "formulação subjetiva" ("impostazione soggettiva", Rumiati, 2006), ligada a padrões de solução de problemas que são tão repetitivos e habituais que impedem uma pessoa de considerar caminhos alternativos. Esse conceito traz à mente a ideia de "fixação funcional" (Duncker, 1945), mais relacionada, no entanto, à consideração repetitiva de características dos objetos.

Ainda partindo do campo de pesquisa psicológica, gostaria de finalmente mencionar o notável conceito que possui aplicações extremamente produtivas em diferentes esferas: o conceito de brainstorming (Osborn, 1962), especialmente interessante quando ligado a uma situação de grupo. Se uma parte do trabalho mental de coparticipantes indubitavelmente assume a forma de uma simples expansão da capacidade operativa dos vários "egos trabalhando" no grupo, de várias formas e em outros níveis, é inegável que o brainstorming produz algo mais do que a simples soma das partes dos recursos cognitivos.

Talvez o fenômeno de brainstorming encontre ressonância com o comentário de Freud citado anteriormente: "Constitui fato marcante que o Ics. de um ser humano possa reagir ao de outro, sem passar através do Cs" (1974/1915, p. 194).

Aqui acredito que estamos na esfera do trabalho desempenhado pelas seis bonequinhas no ritual guatemalteco. Só que, no brainstorming, as pessoas estão acordadas e são reais. Mas há algo semelhante aqui, algo que depende de um rebaixamento compartilhado de defesas do ego? O interpsíquico é um fator?

 

Conexões entre teorias cognitivas e a visão psicanalítica da intuição

Como psicanalista, sou levado a revisitar essas contribuições estimulantes das teorias cognitivas, as quais em um certo sentido preveem e descrevem a produção de efeitos exclusivísticos relacionados ao ponto de vista usual do sujeito, e gostaria de integrar essas teorias a certos conceitos psicanalíticos que parecem bastante úteis para esclarecer alguns aspectos da intuição.

Eu me refiro, por exemplo, a derivativos funcionais dos processos de identificação parcial (Grinberg & Grinberg, 1976), que podem ser produzidos de modo fisiológico no mundo interno, caso tenha havido introjeções múltiplas e adequadas de objetos úteis e positivos e de suas funções. Esses objetos internos são os equivalentes, se quiserem, intrapsíquicos - estáveis e estruturados - das seis bonecas guatemaltecas.

Dito de outra forma, é mais fácil para o sujeito ser capaz de assumir pontos de vista múltiplos e diferentes - os quais são, apesar disto, coordenados entre si, com uma síntese adequada - se ele tiver experimentado, ao ponto de haver solidamente introjetado, uma maneira similar de ser em algumas das figuras que foram significativas para ele, agora presentes e acessíveis em seu mundo interno.

Para que esse processo aconteça, contudo, é preciso que identificações tão intensas não sejam totais e não substituam o self do indivíduo. É preciso que haja uma estrutura e um modo costumeiro de funcionamento no qual exista um certo grau de separação interna. Isto é, o sujeito deve ser capaz de consultar seus objetos, colocando-se parcial e temporariamente em seu lugar, mas com "passagem de ida e volta", por assim dizer - identificando-se com os objetos e seus pontos de vista, mas também conseguindo recuperar seu centro de gravidade próprio e organizador. Dessa forma, ele recobra tanto um senso de self quanto uma mobilidade interna em relação aos outros objetos, sem se "fixar" em uma identificação com nenhum deles.

Essa mobilidade interna, não consciente e não intencional, que se desdobra de forma natural e sincrética e em um período de tempo muito curto talvez pudesse ser "desvelada" nas seguintes perguntas feitas a si mesmo: "Como eles veriam essas coisas... meu pai?... minha mãe?... meu professor?... meu amigo?..." e assim por diante.

E a pluralidade dos objetos "consultados" poderia ser conectada à integração e coabitação de ainda outras figuras familiares, que enriquecem a realidade da criança. Usando minhas palavras (Bolognini, 2008), considero esses processos como a capacidade do ego central de consultar objetos internos; dessa forma, o ego central pode se valer da criatividade e riqueza dessas fontes internas e de suas diferentes perspectivas.

Uma análise ainda mais detalhada dos níveis de interiorização (um termo geral com o qual se juntam todos os processos através dos quais um objeto é trazido de fora para dentro) exige esclarecimento em relação a algumas questões básicas:

1. "Dentro" do quê? Do ego ou do self do indivíduo?

2. O que está "dentro"? E como isso acaba ficando lá?

Seguindo o critério de um certo equivalente funcional entre processos corporais e mentais, podemos descrever os vários graus e tipos de interiorização da seguinte forma: o objeto é levado à boca, saboreado, controlado (não é engolido e não é cuspido, até que o sujeito decide consumar uma dessas duas ações que o levaria a não mais ter controle sobre o objeto), e dessa forma se pode saber algumas de suas características tais como forma, consistência, sabor etc.

Esse nível ("incorporação") está em jogo na imitação: o sujeito pode experimentar algumas características do objeto e mentalmente reproduzir alguns de seus aspectos de modo consciente - destacando-se dele, contudo, sem dificuldade e sem modificações duradouras no seu próprio mundo interno.

Atores profissionais - particularmente comediantes, especialistas em caricaturas - desenvolvem certo grau de técnica e maestria psicológica para deliberadamente colocar em ação essas operações quando imitam outra pessoa.

O objeto é engolido, mas não digerido. Dessa forma o objeto é "levado para dentro", ocupa um espaço interno (concretamente no estômago) e não pode mais ser voluntariamente controlado, exceto no caso do vômito intencional da anorexia; mas permanece dentro como um objeto interno e não se torna par- te do self do indivíduo (literalmente, das células do organismo). É algo diferente do self, apesar de "dentro".

O objeto é "internalizado". Processos de identificação projetiva com o objeto internalizado são possíveis (o sujeito, identificando-se com ele, "se torna" o objeto), mas ao preço de certa substituição do self por aquele objeto.

Em geral, essa situação é patológica. Identificações introjetivas parciais não são alcançadas com funções individuais. Nesses casos, a pessoa não consegue consultar tanto seus objetos internos porque, ficando em estado de identificação projetiva com um deles, vê o mundo e tende a funcionar apenas de acordo com a perspectiva do objeto com o qual está identificada, da mesma forma como, na ausência de qualquer separação interna, não pode dialogar com nenhum objeto internalizado. "O objeto é digerido e passa a ser parte do self corporal. O equivalente psíquico aqui é a aquisição de funções parciais características do objeto, que começam a se tornar autenticamente parte do self e do ego do sujeito através da introjeção do self nuclear" (Wisdom, 1967).

Estamos na área das identificações projetivas parciais.

Mas uma parte desse quadro também é a relação interna com objetos totais (por exemplo, o pai, a mãe ou um professor), que estão bem preservados, como uma memória, uma representação, um afeto, com o qual se relaciona sem que substituam o ego do sujeito com identificações efetivas. Abrigados no self, distintos do ego central do sujeito, o que é preservado pode vir a ser o objeto de consulta.

Afirmo que, com base nisso (partindo substancialmente da teoria das relações de objeto), os obstáculos específicos para consultas a objetos internos podem ser responsáveis pelo fenômeno da "formulação subjetiva", descrito por Rumiati (2006) e que se refere aos padrões repetitivos de resolução de problemas que interferem na consideração de caminhos alternativos. O conceito de "fixação funcional", de Duncker (1945), já citado anteriormente, pode ser uma outra consequência desses obstáculos à consulta a objetos internos.

Esses conceitos psicológicos efetivamente descrevem o resultado disfuncional de arranjos psíquicos que impedem a intuição criativa e a "pescaria" por soluções a partir da área inconsciente/pré-consciente. A teoria psicanalítica das relações de objeto nos permite desenhar o cenário interno que faz com que as consultas em profundidade sejam possíveis ou impossíveis, assim como a alternância de diferentes pontos de vista e também uma certa parte do trabalho do inconsciente.

A título de resumo, lanço a hipótese de que, em sua rigidez, a "formulação subjetiva" e a "fixação funcional" implicitamente revelam um vínculo claro e extremo de identificação que tomou o lugar do ego central (que, em geral, seria mais amplo, se saudável), ao ponto de colonizá-lo. Esse objeto é, não raro, uma figura parental "ocupante" com a qual o ego do sujeito está identificado projetivamente - completamente e em detrimento de sua própria autenticidade, espontaneidade e curiosidade.

Aliás, esse é precisamente o problema do analista que permaneceu intensa e exclusivamente identificado com seus próprios analistas ou - o que é ainda mais frequente - com seus supervisores: esses analistas ou supervisores se "tornaram" seus objetos e substituíram seu self, impedindo-o de lhes consultar.

 

Desidealizando a intuição

Os parágrafos anteriores foram dedicados ao estudo da "formulação subjetiva" e da "fixação funcional" do ponto de vista psicanalítico. Agora gostaria de abordar outro aspecto particular da intuição, no que se refere não tanto ao problema da variedade de pontos de vista mas à rapidez ou não do processo.

Devemos a Heinz Kohut (2009/1971) alguns comentários interessantes - desencantados e em nada idealizadores - sobre o fenômeno da intuição, comentários que podem ampliar nossos progressos a esse respeito. De acordo com Kohut, o processo mental que parece ser intuitivo - e que tipicamente impressiona o observador ao ponto de fazê-lo acreditar que está diante de poderes muito especiais, fora do comum - na verdade difere apenas na velocidade com a qual a operação mental é efetuada - isto é, a operação que nos impressionou ao ponto de imaginarmos estar diante de formas de funcionamento extraordinárias.

Além disso Kohut observa:

Talento, treinamento e experiência, se combinam às vezes para produzir resultados, em uma variedade de áreas, que nos parecem intuitivos; assim podemos perceber a intuição em ação não apenas na observação empática do campo de complexos estados psicológicos (tal como empregada pelos psicanalistas) mas também... em diagnósticos médicos, nas decisões estratégicas de um campeão de xadrez, ou no planejamento de experimentos de um físico. (p. 303)

Esse comentário sobre a velocidade do processo - entre outras coisas bastante tangenciais, uma vez que Kohut o menciona quase incidentalmente em um capítulo dedicado à empatia - pareceu-me de início um pouco redutivo, mas, com o passar do tempo, eu o reavaliei (provavelmente também porque implicitamente limitou a capacidade de provocar inveja dos recursos mágicos demonstrados pelos sujeitos intuitivos...).

Acredito que Kohut pudesse estar vendo a situação corretamente aqui, e que pode valer a pena explorar o problema de outro ponto de vista. Por exemplo, se essa hipótese for bem fundada, o que poderia causar uma perda daquela velocidade de funcionamento mental? Dito em outros termos, o que pode obstruir, oprimir ou emperrar os processos de pensamento?

E, para continuar nossa exploração, que aquisições úteis podem vir em nosso auxílio, nesse sentido, partindo do estudo comparativo das patologias neurótica e psicótica?

 

A perda de energia e o funcionamento do ego

O estudo das neuroses de um ponto de vista econômico revelou que há uma perda de energia característica do recalcamento, isto é, contra-ataques necessários para manter conteúdos geradores de conflito recalcados envolvem um elevado custo econômico, do qual fadiga generalizada, tendência a complicações e retardamento funcional do pensamento podem por vezes acompanhar os sintomas mais específicos da neurose.

No meu modo de falar, o neurótico "viaja com sua carga total de bagagem (sintomática, onírica, econômica) como bagagem de mão" em um sistema de repressão sempre precário e custoso para o inconsciente dinâmico, e os ativos do self não são destacados e projetados para longe.

Ainda em um plano metafórico, os neuróticos não perdem seus ativos (o legado do self é reprimido, mas não cindido); eles precisam, contudo, dar conta de suportar gastos muito altos para continuar reprimindo e manter dentro da caveau do inconsciente os elementos conflitivos que contrariariam o arranjo da claridade do self. Exaustos pela demanda de energia, eles têm olheiras profundas e extremo cansaço - sintomas neuróticos, de fato.

As complicações, os emaranhados, a inibição proveniente de qualquer retardamento do pensamento podem resultar da contínua e contraproducente interferência da parte de conflitos internos que prevalecem sobre o ego, limitando sua capacidade normal de trabalho, e também resultar do gasto de energia que subtrai a força do ego. O ritmo mais lento dos processos mentais faz com que sejam muito raros os momentos intuitivos rápidos, de acordo com a observação de Kohut.

Minha hipótese adicional é a de que, em muitos casos, a capacidade do ego de dar espaço para as contribuições criativas do pré-consciente e do inconsciente também pode ser danificada. Em estado de alarme interno e consequente aumento do controle do ego e contratura funcional, o sujeito não se permite fazer uso das enriquecedoras consultas intrapsíquicas a objetos internos, e não entra em contato com seus pontos de vista ou suas formas de ser, virtualmente ficando preso na "formulação subjetiva" descrita por Rumiati e na "fixação funcional" de Duncker.

Em termos de metáforas equivalentes, o neurótico, então, se regularia intrapsiquicamente à maneira daquelas pessoas que, de seu modo defensivo, "não mais escutam ninguém" externamente e evitam qualquer troca interpsíquica. Alternativamente, poderíamos descrever essa dinâmica imaginando que o filho mais novo do moleiro não tivesse valorizado a ajuda do gato de botas ou que o sujeito das bonecas guatemaltecas não quisesse saber daquelas que trabalharam para ele durante a noite, mas aqui já estaríamos nos distanciando do aspecto econômico da perda de energia necessária para reprimir a criatividade da área do inconsciente/pré-consciente, um gasto que se origina do conflito.

Em contraste, pacientes que são capazes de fazer claras cisões e projeções de partes internas do self terminam simplificados, por assim dizer - empobre cidos, tanto em conteúdo como na articulação do self, e são consequentemente mais "leves" (eu diria que "viajam sem bagagem de mão"). Eles são relativamente assintomáticos e, aliás, são basicamente inclinados para uma tendência maníaca. Economicamente falando, perdem uma "parte de seus ativos" ("ativos" como o legado do mundo interno, como o dom natural básico do self e como abundância da presença de objetos internos e de suas conexões com eles) -, desconectando-se e, de um certo modo, renunciando a eles, dado que dessa forma evitam conflito.

Em linguagem comum, essas são as pessoas que, por exemplo, "não se preocupam", que "vão direto ao que interessa", e que - como Alexandre, o Grande, diante do nó Górdio - não perdem tempo tentando desfazer o nó, mas, em vez disso, simplesmente o cortam com um só golpe de espada.

De maneira específica, quando cisões importantes do tipo vertical en tram em cena (até o ponto da dissociação entendida no sentido analítico e não fenomenologicamente psiquiátrico), que têm o efeito de "compartimentar a experiência" (Gabbard, 1994), os conteúdos e as funções mentais tendem a se organizar de acordo com um arranjo simplificado de estrutura da personalidade. Nesses estados cindidos, o sujeito "viaja sem bagagem de mão", tendo renunciado ao "peso" de uma parte do self - mais ou menos como um lagarto faz quando exposto ao perigo, se separando do final de seu rabo deixando-o para o agressor, e correr mais rapidamente.

Nessa condição compartimentada, com o self simplificado e empobrecido, o sujeito é, contudo, basicamente assintomático e experimenta menos estresse e preocupação precisamente porque evita, pelo menos em parte, o dispêndio econômico envolvido no conflito, e muito frequentemente elege alguém para representar e experimentar projetivamente as partes internas do self.

A situação que descrevi em relação ao uso do splitting pode cair em franca patologia ou, alternativamente - quando limitada em termos quantitativos e confinada a simples tendência -, pode, ao contrário, caracterizar um certo tipo de personalidade limitada mas decidida (e não devemos esquecer que na etimologia de "decidir" está o verbo latino de-caedere, "cortar fora").

Por outro lado, em um caso bem compatível com a boa saúde - da espe cialização funcional do "self profissional" -, o fato de que uma pessoa se organiza em seu trabalho de forma relativamente cindida pode até ser necessário e útil. Se todos os cirurgiões se identificassem com as pessoas que operam, por exemplo, não conseguiriam desempenhar seu trabalho; e se todos os advogados não advogassem para seus clientes mas, em vez disso, mantivessem um senso de humanidade totalmente integrado minuto a minuto, perderiam muitas batalhas legais e assim por diante.

Os sujeitos se especializam, com cisões temporárias funcionais voltadas para desempenhar uma tarefa e, frequentemente, um jaleco branco, uma veste preta ou um macacão usados no trabalho são o correlato de um sistema interno adequadamente cindido, aprendido e, então, consolidado com total consenso da sociedade.

A vantagem econômica dessa simplificação interna, com a qual a pessoa é funcionalmente transformada em um personagem altamente especializado e se concentra no investimento intenso em determinadas funções, pode produzir uma fluidez associativa e uma velocidade para atravessar passagens mentais compatíveis com a rapidez funcional de alguém do tipo intuitivo.

Se essa redução ótima do gasto de energia é, então, combinada com uma possibilidade "sem conflito" de contato e de consultas internas a objetos significativos; ela gera, por sua vez, uma grande riqueza na mobilidade e na variedade de pontos de vista, com um verdadeiro "efeito caleidoscópio" e tempo funcional acelerado.

 

Conclusões

Tentei indicar com uma rápida tomada cinematográfica entre fisiologia e patologia alguns processos psíquicos que demonstram a participação de níveis inconscientes e pré-conscientes no trabalho de resolução de problemas. Também explorei sucintamente a área da intuição, propondo algumas conexões hipotéticas entre sua observação fenomenológica e alguns aspectos sobre seu entendimento psicanalítico.

Gostaria de fazer algumas reflexões finais e amplas sobre as diferentes perspectivas com as quais a contribuição do inconsciente na solução de problemas tem sido mais ou menos explicitamente considerada em esferas culturais diversas e encerrar com a formulação abreviada de uma possível visão psicanalítica desse assunto.

Sendo bastante sucinto, poder-se-ia dizer que: muitas culturas de origem oriental parecem convergir em considerar o ego do sujeito um obstáculo à livre expansão do conhecimento potencial interno. Às vezes recomendam modalidades extremamente refinadas de desativação gradual e suspensão funcional do ego central, por meio de práticas meditativas, rituais técnicos, exercícios de abstinência, controle do pensamento, fusionalidade difusa com o meio ambiente, ou "pilotavam" regressão a condições funcionais de pré-separação. Nessas culturas, o ego central não é fundamentalmente suprimido, mas fica parcialmente marginalizado e colocado em posição de stand-by, comprometendo a iniciativa do sujeito.

Culturas do tipo psicodélicas ocidentais tendem a desvalorizar abertamente a função do ego central e a "forçar" a suspensão do ego por meio de sua supressão funcional, com base na ingestão de substâncias. Na prática, aqui o ego é intencionalmente atordoado via farmacologia. Essas pessoas enfatizam uma característica supostamente produtora de sabedoria dessa experiência desreguladora, por si só, com aspectos de uma demanda (investida narcisicamente) pelo direito de regredir onipotentemente a um estado psíquico intrauterino - em verdade, um estado "oceânico" de pré-separação.

Culturas de artesãos e artistas tradicionalmente designam um status mais digno para a ação que para o pensamento. No artesanato, a competência na realização manual da tarefa é especialmente valorizada; na arte, a obra de arte em si é o mais altamente valorizada, sendo fortemente investida com libido narcísica. O ego central, contudo, é o conselheiro do projeto e assistente do artesão, cujas partes mais investidas são em geral as mãos; o inconsciente do arte- são engajado no trabalho é especialmente o inconsciente processual, a morada de talentos e habilidades que se tornaram automáticas. No campo artístico, busca-se idealmente um nível de "maestria" que libera o ego central de funções de controle. Por exemplo, o grande violonista estabelece uma ponte direta entre "coração" e "mãos", uma vez que sua técnica já não é mais um problema a ser regulado e monitorado pela vigilância do ego central.

A psicanálise nunca pretende eliminar, desativar, intoxicar ou atordoar farmacologicamente esse ego. Desde seu surgimento, renunciou à manipulação do estado de atenção e controle do pensamento obtidos sob a forma de hipnose, a qual Freud abandonou logo de início. A psicanálise não está interessada em paralisar o carcereiro (o ego defensivo, quando ele assim o é), mas em transformá-lo em sua relação com as outras partes do self.

Um dos objetivos da psicanálise contemporânea é permitir uma harmonização cooperativa entre as várias partes do self, consertando e restaurando as sinergias internas funcionais que estão faltando na psicopatologia. Tais sinergias, em contraste, são estabelecidas naturalmente durante o desenvolvimento, quando a criança e seus objetos relacionais têm uma maneira de experimentar formas de cooperação (no sugar, no aprender, no intercâmbio interpsíquico) que são, então, introjetadas e gradualmente estruturadas em uma forma de funcionamento que também se torna intrapsíquica.

Quando o processo de desenvolvimento e formador acontece harmoniosamente, as demandas internas do sujeito cooperam com igual participação em situações de sofrimento ou conflito, mantendo um sentido interno de coesão e reduzindo as cisões a um mínimo.

Um ego central benevolente - confiante, capaz e tolerante, herdeiro dos objetos primários que formaram suas capacidades e articulações funcionais - sabe como intervir quando é útil e como se recolher quando outras partes do self demonstram criatividade e competência superiores para a tarefa. O ego é, então, convocado novamente, ao final do processo, a fim de fornecer uma contribuição central e integradora para o que foi produzido a partir das contribuições das partes internas.

A coesão, a atmosfera, o estilo e a fluidez dessas relações internas nos permitem perceber a maior ou menor harmonia que caracteriza as várias figuras que coabitam com o self e com os outros. Creio que precisamente a percepção dessa complexidade interna pode ter levado o poeta e filósofo Fernando Pessoa (1888-1935) a escrever: "Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tange e range, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia" (1982).

 

Referências

Bolognini, S. (2003). Psychoanalytic Empathy. (M. Garfield, trad.). Londres: Free Association Books.         [ Links ]

Bolognini, S. (2008). Secret Passages: The Theory and Technique of Interpsychic Relations (G. Atkinson, trad.). Londres/Nova York: Routledge.         [ Links ]

De Bono, E. (1970). Lateral Thinking: Creativity Step by Step. Nova York: Harper.         [ Links ]

Duncker, K. (1945). On Problem Solving. Psychological Monographs, 58(5), Whole n. 270.         [ Links ]

Freud, S. (1974). O inconsciente. In S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1915)        [ Links ]

Grinberg, L. & Grinberg, R. (1976). Identidad y cambio. Barcelona, Espanha: Paidós Iberica.         [ Links ]

Kohut, H. (2009). The Analysis of the Self: A Systematic Approach to the Psychoanalytic Treatment of Narcissistic Personality Disorders. Chicago: University of Chicago Press. (Trabalho original publicado em 1971)        [ Links ]

Metcalfe, J. & Wiebe, D. (1987). Intuition in Insight and Noninsight Problem Solving. Memory & Cognition, 15,238-246.         [ Links ]

Osborn, A. F. (1962). Developments in Creative Education. In S. J. Parnes & H. F. Harding (Eds.), A Source Book for Creative Thinking (pp. 19-29). Nova York: Scribners.         [ Links ]

Pessoa, F. (1982). The Book of Disquiet. (R. Zenith, trad.). Londres: Penguin Classics.         [ Links ]

Rumiati, R. (2006). Creatività. In R. Rumiati, Psiche. Dizionario di psicologia, psichiatria, psicoanalisi, neuroscienze. Turim: Giulio Einaudi Editore.         [ Links ]

Wallas, G. (1926). The Art of Thought. Londres: Watts.         [ Links ]

Wertheimer, M. (1959). Productive Thinking. Nova York: Harper & Row.         [ Links ]

Wisdom, J. O. (1967). Testing an Interpretation Within a Session. International Journal of Psychoanalysis, 48,44-52.         [ Links ]

 

 

Tradução do italiano para o inglês: Gina Atkinson, M. A.
Tradução do inglês para o português: Márcia Zuzarte
1 In spite of my Ego. Problem Solving and the Unconscious. In On Freud's "The Unconscious", Mary Kay O'Neill e Salman Akhtar (Eds.). Contemporary Freud series. Londres: Karnac, 2013.
2 "São poucos os homens aos quais, graças ao auspicioso dom da intuição, é permitido fazer algo menos que uma minuciosa análise de conceitos. A eles pertence a autoridade, mas eles não podem ser, nem devem ser, imitados." [N. da T.]
3 Passagens secretas: a teoria e a técnica das relações interpsíquicas. [N. da T.]

Creative Commons License