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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.48 no.88 São Paulo dic. 2015

 

ENTREVISTA

 

Entrevista1 com Virginia Ungar2

 

 

Jornal - É um prazer entrevistá-la. Para iniciar, gostaríamos de conhecer um pouco de sua formação e percurso na psicanálise.

Virginia - Bem, também quero lhes agradecer por esta entrevista, pois me dá a oportunidade de conversar com vocês, e estou muito contente por estar aqui na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Como sempre, uma entrevista, uma série de perguntas, faz com que pensemos sobre questões que, às vezes, ficam um pouco de lado no dia a dia do trabalho.

Não sei por onde começar, pois para ir à pré-história da formação, teria de dizer que comecei a análise aos 18 anos, algo que não era tão comum naquela época, apesar de ser a época do auge da psicanálise na Argentina, entre os anos 1950 e 1960. Estava em plena adolescência e vivi uma situação muito frequente nesse período. Tive um namorado, aos 18 anos nossa relação acabou, e comecei a ficar triste. Meu pai, que era médico radiologista, apesar de não ter nenhuma experiência psicanalítica, sugeriu que eu fosse ver um psicanalista. Como ele conhecia José Bleger, teve a brilhante ideia de pedir-lhe que me entrevistasse. Então meu primeiro contato com a psicanálise, de forma pessoal, foi a entrevista psicanalítica que tive com José Bleger. O que foi uma experiência que acredito que deixou sua marca. Daí comecei uma análise, por sete anos, com uma analista que ele indicou.

Depois do ensino médio, estudei antropologia, que eu gostava muito, por dois anos, o que me trouxe um conhecimento excelente e que até hoje muito me interessa. Eu até queria fazer medicina, mas achava que seria uma tarefa muito difícil. Ainda assim eu continuava interessada na psicanálise. Naquela época, como só se poderia fazer formação sendo médica, ingressei em medicina. Quando terminei, já estava casada e com um filho de 6 meses. Depois comecei a formação em psicanálise. Posso lhes dizer que, na verdade, esta foi iniciada de forma informal quando era estudante de medicina, pois eu tinha um grupo de amigos com os quais eu estudava a obra de Freud, com Elizabeth Tabak de Bianchedi. Estudava medicina e, uma vez por semana, me encontrava com esse grupo. Foi essa a experiência que confirmou meu campo de interesse. Tenho que dizer que estudar medicina foi uma coisa muito importante para mim, pois fui muito feliz nessa época. Nem imaginava que iria gostar tanto! Porém, fui percebendo que, por mais que eu gostasse e fosse uma boa aluna de medicina, a parte de que mais gostava era quando podia falar com meus pacientes em vez de tocá-los ou ver como estava funcionando seu fígado...

Então terminei a faculdade e fiz estágios em hospitais por pouco tempo. Logo, aos 28 anos, iniciei a formação analítica em minha sociedade, a Associação Psicanalítica de Buenos Aires, apdeba. Sou da primeira turma, do primeiro grupo de analistas formados nessa sociedade, que tinha acabado de começar. Vivi uma época maravilhosa, de uma sociedade em seu início, com mestres como Horácio Etchegoyen, Joel Zac, David Liberman. Dario Sor foi meu primeiro supervisor. Foram quatro anos nos quais também voltei a ser muito feliz. Uma época tumultuada, porque exigiu muito de mim, pois já tinha dois filhos pequenos. Eu não trabalhava tanto quanto agora, trabalhava apenas metade do dia, ficava com meus filhos e sempre estava estudando para seminários. Foi uma época muito intensa.

Jornal - Foi uma época de imersão total na psicanálise.

Virginia - É uma época que não dá para você valorizar enquanto está vivendo, da mesma forma que a história não pode ser escrita enquanto está acontecendo. Eu só a revalorizei tempos depois, justamente por ser aquele um tempo de imersão total, em que você está em uma análise intensiva, supervisões intensivas, com seminários, totalmente imerso na psicanálise. São quatro anos únicos, apesar das dificuldades concretas em cada uma das áreas do tripé, a análise pessoal didática, a supervisão e os seminários. Mas não existe vida sem problemas, as ansiedades precisam ser elaboradas, e nada melhor que fazer isso em grupo, trabalhando intensamente.

Essa foi a minha formação. Na verdade ela nunca terminou, pois ela nunca termina. A formação regular, digamos, a formação "oficial", esta, sim, termina.

Jornal - Também não se sabe exatamente quando ela se inicia.

Virginia - Não. Quando vocês me perguntaram quando começou a minha formação, contei daquela entrevista com Bleger, eu era uma adolescente! Mas eu nunca vou me esquecer daquela entrevista. Foi só uma entrevista em que ele me avaliou para decidir a quem iria me encaminhar, explicou o que era uma análise e contou como seria a experiência. Embora eu, claro, só pudesse entender isso quando tivesse a experiência, ele me ajudou muitíssimo e é um modelo para mim. Disse que seria um caminho com diversos momentos, alguns deles muito difíceis, outros em que poderiam surgir fantasias ou desejos de deixar a análise, mas que isso tudo é parte de um processo que leva um tempo, que não se pode prever. Acho que eu mesma continuo explicando dessa forma, identificada com ele, talvez por ter tido o privilégio de ser entrevistada por uma pessoa com uma mente brilhante, mas que lamentavelmente terminou sua vida muito jovem, falecendo aos 48, 49 anos... Hoje tenho o prazer de poder trocar ideias com seus filhos. Leopoldo Bleger mora em Paris, e nós nos escrevemos assiduamente. Recentemente nos encontramos no último congresso da Federação Europeia, da qual ele é o vice-presidente. Esse vínculo persistiu. Mas, se vocês me perguntarem a origem de minha formação, tenho que dizer que começou aí, e não nos seminários. Ela não começou nem terminou com os seminários.

Eu sempre tentei fazer supervisões com os analistas que visitavam Buenos Aires, fiz viagens a Londres...

Também tive contato próximo com Meltzer, fiz parte de seu comitê por quatro vezes quando ele esteve na apdeba, onde o conheci. Depois fui a Londres, a Oxford, várias vezes para fazer supervisão. Tive a sorte de poder compartilhar com ele seminários do Grupo Psicanalítico de Barcelona em Oxford durante um fim de semana. Ele teve uma forte influência sobre mim, na minha forma de pensar psicanálise e também na minha forma de ver a vida.

Jornal - Você falou em diversidade, encontros com pessoas diferentes, em locais diferentes. Sua formação também é múltipla; primeiro antropologia, depois a medicina e a psicanálise. Como você acha que isso a ajudou?

Virginia - Voltemos, então, à diversidade. Estudar medicina ajudou em algo que é fundamental. Entendo que não é necessário ser médico para ser psicanalista, pode ser alguém vindo de outras áreas, certamente das ciências que se relacionam com as humanidades. Entendo perfeitamente isso e acho bom, mas naquela época não existia outra maneira e fiz medicina. Também fiz uma imersão na medicina, e aí me esqueci de que queria ser psicanalista. Pensei que queria ser investigadora, nefrologista, mas depois me dei conta de que queria mesmo ser psicanalista.

Jornal - Investigadora... da mente.

Virginia - Da mente, exato. Isso me ajudou muito porque, da forma como o curso está organizado na Argentina, os três últimos anos acontecem no hospital. Entrei em contato com os doentes, com as famílias dos doentes, vi como se nasce, como se morre, como se adoece, como se reage a todas essas situações tão centrais para a vida de uma pessoa. Dessa forma, é natural para mim lidar com pacientes. Mesmo assim, para mim foi ótimo, ganhei muito.

Esse trabalho no hospital também proporcionou contato com extratos de população diferentes dos que chegam aos nossos consultórios. Este ainda é um interesse meu, poder levar o pensamento analítico a lugares onde há pessoas mais jovens, em vez de sempre esperar que venham a nossas sociedades. Acho que os psicanalistas têm que ir ao "campo de batalha". A psicanálise tem muito a dizer e muito para escutar também.

Jornal - Você toca um ponto importante, de pensar a psicanálise em outros lugares, onde não imaginaríamos que estivesse.

Usando a fala de Freud citando Goethe, "O que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu" (Freud, 1913), como ela pode ser pensada no sentido da transmissão da psicanálise?

Virginia - Sim, compreendo e acho a pergunta muito pertinente, porque está presente em todas as partes do mundo. Penso que se deve diferenciar a maneira que uma pessoa trabalha durante a etapa de formação e a forma que ela trabalhará depois da formação. Não tenho dúvidas de que para a formação analítica, cujo objetivo é internalizar o método analítico como parte da identidade profissional, é necessário fazer uma análise pessoal de alta frequência. Eu me expresso assim, pois as diferentes Sociedades não apresentam standards idênticos. Atualmente, existem três modelos de formação na Associação Psicanalítica Internacional, com regras diferentes para relatórios, número de sessões semanais, seminários. Isso é a etapa de formação. Não digo isso porque é o que está escrito nos códigos de procedimento da Associação Internacional, digo acompanhando a ideia de Bion de que só se pode aprender passando por uma experiência pessoal. Somente assim é possível internalizar o modelo com o qual se vai trabalhar. Na verdade, não é um modelo, é a maneira com que a pessoa vai trabalhar. Depois, se o método analítico estiver internalizado, a pessoa tentará fazer tanta psicanálise quanto possível. Essa é a minha forma de pensar. Sem sombra de dúvida, uma análise se desenvolve melhor com três ou quatro sessões por semana. Isso está claro para mim e para o paciente. Estou convencida. Se você tiver essa convicção profunda poderá se movimentar com liberdade. É importante essa convicção, e nada vai me convencer mais do que minha própria experiência.

Depois, acho que cada analista vai ter que encontrar a sua forma de trabalhar e terá que tentar fazer o máximo de psicanálise possível. Isso é muito válido para ver como se pode trabalhar, pensando psicanaliticamente, em outros âmbitos que não sejam os de um consultório privado. É importante que tenhamos liberdade para trabalhar fora dos consultórios. No Hospital das Crianças, na cidade de Buenos Aires, onde vou dar aulas e supervisões, não há possibilidade de haver sessões três ou quatro vezes por semana. Mas, se o método está internalizado, pode-se fazer o máximo de psicanálise possível.

Jornal - Então haveria um período em que o psicanalista em formação precisaria trabalhar atendendo um paciente quatro vezes por semana para depois desse período poder estabelecer sua maneira pessoal de trabalho?

Virginia - As quatro sessões semanais são necessárias não só porque está escrito em um regulamento, mas, sem isso, como você teria a experiência de saber como é uma análise de quatro sessões semanais?

Depois... aquilo que foi herdado deve ser apropriado, como disseram Goethe e Freud.

Jornal - A ênfase é na intensidade do processo...

Virginia - Por isso eu falei da imersão, é um período de imersão em que se está internalizando, introjetando e também projetando. Se alguém conhecer ou encontrar outra forma de ter essa experiência, eu estou aberta a propostas, mas não acredito que exista algum outro jeito melhor que esse.

Quero esclarecer que quatro vezes não é a regra em todas as Sociedades, há o modelo francês, e o modelo uruguaio, que tem três sessões. É o que cada instituto estabelecer como regulamentação para a formação.

Isso é a regulamentação, certo? Eu, como analista, trabalho melhor para cada dia a mais que eu atenda por semana; trabalho mais confortável, e, assim, uma análise pode se desenvolver melhor. Tem pacientes que não podem, às vezes, tolerar a alta frequência, enquanto outros parecem que precisam de mais, às vezes cinco ou seis. A questão não é o número de sessões, isso depende do contexto. São Paulo, Buenos Aires, Praga, Índia, Japão, China, são todos diferentes, porque a psicanálise também tem seu contexto. Na China, estão fazendo análises de quatro sessões nos hospitais. Ou seja, se nós não considerarmos o contexto, a situação, o local, as condições, a situação socioeconômica, acredito que perde-se a singularidade. Acredito e volto a lhes dizer que a formação analítica tem que ter uma intensidade tal que chegue a comover algo da nossa pessoa, do nosso ser mais íntimo. E que se possa fazer próprio aquilo que foi herdado.

E depois, já então com muita experiência, a pessoa pode retomar, por exemplo, as consultas terapêuticas que fazia Winnicott. Mas esse era Winnicott... Não penso que sou parecida com Winnicott, mas agora me atrevo a fazer algo assim quando me trazem, por exemplo, um menino do interior. Posso tentar um período curto, ouso tentar outros enquadres. Mas estou convicta de que para que se possa internalizar o método analítico a pessoa deva passar pessoalmente por essa experiência.

Jornal - O enquadre é interno...

Virginia - Sim, o enquadre é interno, e aí eu penso como Meltzer, no sentido de que o enquadre tem a ver com o estado mental do analista muito mais que com o número de sessões, uso do divã, honorários, horários. Para mim está claro que o mais importante é a noção de enquadre interno, que está ligada à possibilidade do analista de sustentar a atitude analítica. Junto a uma colega, em um trabalho, propomos que o enquadre interno está constituído pela dupla atenção flutuante - associação livre. Um exemplo, se deixo um paciente ir embora cinco minutos antes do término da sessão sem perceber. Eu quebrei o enquadre. Mas além de quebrar o enquadre eu tenho que tentar pensar, quando estiver sozinha, "o que aconteceu com o vínculo analítico que fez com que terminasse a sessão?". Fiz o que se chama um enactment? Não é suficiente dar um nome, sempre temos que tentar pensar sobre o que aconteceu.

Quero retomar sua pergunta da formação clássica e da diversidade. No momento em que iniciei a Sociedade, minha formação foi clássica, fundamentalmente orientada à obra de Freud. Meu primeiro ano foi exclusivamente relacionado à obra de Freud, e o segundo foi uma continuação de Freud, mas também tínhamos uma forte marca kleiniana e pós-kleiniana. Mas leio trabalhos de outros autores e tento estabelecer um diálogo dentro de mim. Sendo analista de crianças, claro que estudei Winnicott, Piera Aulagnier, Manonni e outros autores contemporâneos, Antonino Ferro. Isso é, tento ler tudo o que posso. Tem também Abraham, Ferenczi. Não quero fazer uma lista, mas para mim é fundamental Klein.

Jornal - Quer dizer, os primeiros analistas...

Virginia - Isso, os primeiros analistas. E autores, no caso do meu país, argentinos, não é mesmo? Bleger, Liberman, Ecthegoyen, outros autores relacionados a certos contextos... E depois também autores contemporâneos. Ler literatura, ler filosofia... Ver o diálogo tão rico que se estabelece entre a filosofia e a psicanálise, tão comum entre filósofos contemporâneos que se relacionam com a psicanálise, Foucault, Deleuze, Derrida. Mas não há tempo para tudo, escolhemos o que mais gostamos. O núcleo clássico também inclui Lacan. A questão com Lacan é que não se pode estudar só um pouco, é necessário um tempo mais longo. Porém, alguns seminários mais curtos, ou algumas ideias que despertem o interesse para que depois continuem sendo estudadas, também são bons. Eu já tentei estudar Lacan, criei grupos de estudo e tudo, mas percebi que precisaria estudá-lo mais profundamente para poder atravessar um pouco mais as ideias desse autor.

Voltando à diversidade, diversidade e pluralismo, o que não é ecletismo, porque pluralismo e diversidade significam poder principalmente interessar-se e escutar ideias. Fechar-se naquilo que seriam as escolas, as paróquias psicanalíticas, empobrece. Acho que, se alguém estuda mais uma linha de pensamento, tudo bem, é necessário aprofundá-la. Por exemplo, eu continuo ensinando Melanie Klein, porque para mim é uma experiência muito rica reler os artigos, lidos já inúmeras vezes, e descobrir a cada vez algo interessante.

Jornal - Pensando na importância de não se ficar fechado nas paróquias, seria uma boa experiência o supervisor acompanhar um caso em que a sua teoria seja diferente da do analista?

Virginia - Você diz algo muito interessante, porque a minha experiência de ter feito supervisão com analistas de distintas orientações foi muito enriquecedora. Provavelmente, um analista lacaniano não me procure para fazer supervisão, imagino. Penso que as contribuições que a psicanálise recebeu das raízes kleiniana e pós-kleiniana são muito importantes para a análise de crianças pequenas.

Provavelmente eu possa aprender também com alguém que não tenha a mesma formação, a mesma raiz, as mesmas teorias implícitas. Acho que essa pessoa pode me escutar, e eu também conseguiria escutá-la e aprender. Por isso digo que é um espaço de transmissão, eu não estou ensinando nada. Se for alguém que tenha acabado de começar e não faça a menor ideia de como se trabalha, o que não acontece normalmente, aí, sim, farei um papel mais parecido ao de ensinar. Seria alguém que está passando de uma clínica psicoterapêutica à análise, não tinha nem divã no consultório, isso pode acontecer. Depois de um tempo arruma um divã... temos que ajudar nessa transição, nessa situação particular.

Jornal - Como você marcaria essa diferença entre a prática psicoterapêutica e a da psicanálise?

Virginia - Falei do divã, mas essa não é a parte mais importante. Sendo analista de crianças, posso fazer psicanálise com um paciente no divã, sentado no chão, acompanhado de um cachorro. Recebi uma vez um paciente com um coelho. Agora com o celular, o paciente pode colocar uma música que lhe pareceu interessante... Para mim a questão está ligada às noções mais fundamentais da psicanálise, que ocorre na relação transferência-contratransferência, o lugar da interpretação psicanalítica. Esse é o eixo. Na América Latina não é tão necessário fazer essa distinção. Há países nos quais existe uma forte demarcação referente à psicoterapia e à psicanálise. Como para Freud uma das psicoterapias era a própria psicanálise, pessoalmente não acho tão importante diferenciá-las. E não se diferenciam pelas questões formais. É melhor que a psicanálise ocorra em um divã, se o paciente aceitar, se estiver em condições, porque, se estiver em surto psicótico, vai ser difícil ele aceitar ficar deitado no divã sem poder olhar para o seu rosto. Ou uma criança, um adolescente. Mas tenho pacientes que pedem o divã. Tenho experiência com adolescentes que já não gostam mais da sala lúdica, de brinquedos, e usam o divã de várias formas diferentes. Eles deitam, sentam, levantam... uma paciente se senta como se estivesse tomando um banho de sol, outro se deita e pede para eu ficar de frente com ele... O que define essa experiência como um processo, uma situação analítica, são as coordenadas do enquadre, claro, suportado pelo analista, que garante que a transferência, a contratransferência e o lugar da interpretação sejam preservados.

Jornal - Você aponta que na América Latina esta distinção entre psicoterapia e psicanálise não é tão importante. Como vê os diferentes contextos da psicanálise aqui na América Latina, no Brasil, na Argentina, em outros locais?

Virginia - Primeiramente, digo que quanto mais viajo mais percebo como a psicanálise latino-americana é boa. Não que as demais tenham um nível baixo, mas temos que saber que nosso nível é alto. Tanto teórico como clínico, técnico. Nosso nível é muito alto. Mas temos que tentar conseguir estabelecer um diálogo para fora. Na IPA estamos com movimentos que visam fazer com que nossos trabalhos sejam mais conhecidos, publicados, traduzidos e que haja um verdadeiro intercâmbio, tanto na IPA como na IPSO.

Por exemplo, ano passado estive em um encontro da ipso em San Diego, onde havia grupos de vários lugares, da América Latina, da Europa, dos Estados Unidos. Isso mostra que existem várias formas de promover esse diálogo. Na Argentina, o psicólogo ou médico já pode trabalhar perante a Lei, com ou sem a formação, sabem? Pode trabalhar com psicoterapia, psicanálise... E as pessoas dizem "vou ao analista"! Em outros lugares, para ser analista, você tem que ter passado por uma formação psicanalítica. Não sei como é por aqui. Há lugares no mundo no qual você não pode se autodenominar analista sem uma formação psicanalítica.

Jornal - E o que você pensa sobre isso?

Virginia - Não sei. Eu sou muito pouco apegada à etiqueta, aos títulos. Para tornar-se analista há um trajeto muito longo que é difícil, oneroso, exigente em diversos aspectos. Mas não há outro jeito, esse caminho é uma construção permanente. A pessoa se torna analista. É um longo processo que usa a história e a pré-história de cada um, e para mim é melhor que seja desenvolvido em grupo dentro de uma instituição psicanalítica. Por enquanto, ficar "imerso" ainda é a melhor maneira. Depois, como você vai se denominar, já é outra questão, difícil, é uma construção subjetiva...

O importante é saber que esse é um processo permanente, que está em construção e desconstrução constantes. É o mesmo ao ler Melanie Klein: a forma como eu via seu trabalho era diferente de como ela o mostrava, ela começa mostrando a posição depressiva, depois passa para a posição esquizoparanoide e em seguida apresenta a teoria das posições (que é uma das questões mais importantes de seu arcabouço teórico). Mas não é tão simples: não se começa em uma posição esquizoparanoide, vai para a posição depressiva e daí a pessoa já está sã, pronta para retornar à sua vida feliz. Não! Melanie Klein também não disse isso, a ideia das posições é justamente de posições, não implica uma situação de fases. Depois veio Bion, que acrescenta o conceito de uma contínua oscilação entre os estados. Durante a vida sempre estamos em oscilação, vamos encontrando lutos, movimentos, transições... Isso tudo faz tremer nossa estrutura interna, então, quanto mais a pessoa conhecer a si mesma, quanto maior for sua identidade, em termos kleinianos, quanto mais firmes forem suas ligações com seus "objetos internos", melhor a pessoa passará por essas experiências. Então não é como um trem que chega na estação e pronto.

Jornal - Você falava das diferenças entre Europa, Brasil, Argentina, América Latina e a visão que tem sobre nós. Como está a psicanálise nesses locais? Como imagina, na IPA, a difusão da psicanálise - na China ou em outros lugares - com o uso da mídia do Skype...

Virginia - Tenho um olhar otimista, o que não quer dizer que esteja negando a realidade. Sou otimista, podemos ter situações de debate, de escuta, de conhecer os problemas. Tem uma questão que parece ser uma "escolha" que devemos fazer, nos expandirmos ou nos fortalecermos por dentro... Entendem? Às vezes parece que é assim. Não vejo isso como uma escolha necessária, acho que devemos fazer os dois ao mesmo tempo. Expandir não quer dizer invadir, quer dizer escutar os pedidos de diversos lugares no mundo. Existem pedidos de lugares que querem ajuda da IPA onde não há muitos analistas capacitados para formar. Historicamente, foram criados grupos para suprir essa demanda, como o Instituto Europeu (que, aliás, teve um auge enorme depois da queda do muro). Os institutos da Europa do Leste têm crescido muito. Na América Latina, foi criado o ILAP, que vocês conhecem e devem saber que tem uma função parecida. Agora estão cogitando a criação de uma quarta região na Ásia. Quer dizer, não vamos colonizar, não vamos apenas levar a "voz da verdade", nós temos que escutar a demanda. Para iniciar uma análise, temos que enxergar no paciente alguma demanda, e para mim esse mesmo modelo se aplica aos institutos, se há um pedido, então por que não o acolhemos? Temos que ir.

Jornal - O ILAP propõe uma coisa interessante, mas não com essa inten sidade, imersão, que você falava. Ele tem encontros mais esporádicos, muitos encontros são via Skype...

Virginia - É uma realidade. Tenho colaborado com o ILAP, quando me pedem e posso, eu faço. No ILAP, fazem o que podem, de tal forma que os seminários não são semanais, não é possível reunir analistas que estejam em condições de ir até lá para acompanhar a formação. E, até que isso possa ser possível, não é fácil. Isso já aconteceu no Panamá, que agora é um Grupo de Estudos. No início fui ao Panamá. Enfim, essa é uma história especial. No Leste Europeu foi assim, até aparecerem membros diretos para coordenar seminários.

Outro tema que trouxeram, a análise (ou a supervisão) a distância, algo que continua em debate e que precisa ter seu espaço. Posso falar da experiência de ter feito supervisão para o ILAP, já fiz e ainda faço. Eles pedem 30% de experiência presencial, então é preciso chegar a acordos em relação aos encontros. Mas, de forma geral, achei a experiência satisfatória. Com certa quantidade de encontros presenciais e algumas conferências por Skype, dá para trabalhar muito bem. Não tenho experiência com análise a distância, mas acho que devemos considerá-la. A IPA, principalmente, tem que chegar a uma conclusão, porque é um assunto importante demais para ficar tanto tempo em discussão. Esse tema estava em debate durante a presidência de Claudio Eizerik, e a discussão ainda continua.

Então há grupos de pessoas que estão trabalhando dessa maneira, trabalhos que são apresentados sobre experiências em supervisão de análise, por telefone, por Skype. A análise condensada é a fórmula que eles utilizam. E eu acho que tudo isso precisa de um lugar.

Jornal - Tudo isso entra na questão da expansão da psicanálise também como uma posição ética, a visão que se tem sobre essa expansão, que nos induz a pensar se a psicanálise está implicada com a cultura ou se ela já está pronta e sai para civilizar... levar a palavra...

Virginia - ... de Deus! Isso que foi dito é muito importante, não é como se fossemos levar a palavra de Deus, ou evangelizar. Não!

Vamos escutar os pedidos, vamos ajudar da forma que dê para ajudar. Claro, o Skype, por exemplo, é uma ferramenta para se usar em lugares onde não há psicanalistas e onde as pessoas não têm os recursos necessários para viajar todo o tempo. Esses são os requisitos para que esse tipo de acordo funcione. Lugares isolados... Mas não é só isso. O Brasil, por exemplo, que é um país tão grande, também tem lugares onde essas ferramentas poderiam ajudar a ter supervisões. Cabe também neste momento falar de situações em que a pessoa que está fazendo análise vai viajar, tendo que fazer uma interrupção por um período longo.

Voltando à questão que achei muito boa (até mesmo pela forma como foi feita), se temos a visão de que a psicanálise vai nos ajudar a conquistar terras, a chegar em lugares que não são civilizados, ou se ela vai conseguir implicar-se e levar sua palavra e sua experiência. Uma posição ética de alguém que olha se propondo a ser tocado pela cultura, ter uma raiz firme e, ao mesmo tempo, estar aberto para escutar.

Jornal - Interessante a ideia de expansão e ao mesmo tempo um movimento de consolidação, este mais íntimo, a ser construído no intenso trabalho em seminário, supervisão, análise.

Virginia - Certo. Isso se refere a uma questão muito central neste momento, nem que seja pela questão cultural. Vou falar sobre isso hoje à tarde na conferência. O tema da noção de intimidade. A noção da intimidade é um tema básico para um psicanalista e para qualquer pessoa: o espaço íntimo é o espaço para a criatividade. Em uma época como a nossa a intimidade acaba vulnerável. Tem uma antropóloga e socióloga argentina, que mora aqui no Rio de Janeiro, chamada Paula Sibilia (recomendo), que escreveu um livro chamado A intimidade como espetáculo, em que ela comenta a situação em que a intimidade vira espetáculo.

É incrível! Dando como um exemplo banal o reality show, qual é o interesse que surge ao assistir a um grupo de pessoas vivendo na mesma casa durante 24 horas? Então, digo isso de uma forma grosseira, a intimidade vira espetáculo, pois parece que para que alguém possa ser alguém tem que aparecer em alguma mídia. Não vou contra isso, na verdade, penso sobre o que a psicanálise tem para fazer e dizer de uma maneira construtiva. Vemos isso em nosso trabalho todos os dias. Há pessoas para as quais as sessões são o único verdadeiro momento de intimidade. Pessoas que vivem permanentemente conectadas. Permanentemente em exposição, ou em exibicionismo-voyeurismo... Enfim, em exibição ou olhando. E, então, mesmo no espaço da sala de análise, que por suas próprias características impede que soe o telefone, às vezes precisamos pedir ao paciente que desligue o telefone. E às vezes não conseguem. Há pacientes com os quais nós trabalhamos psicanaliticamente para construir um espaço de intimidade que ainda não está construído. Eu disse algo que pode parecer muito simples, mas tem uma densidade e profundidade muito fortes.

Jornal - Você entende isso como um fenômeno contemporâneo? A análise precisando constituir esse espaço para a intimidade?

Virginia - Acho que é um fenômeno dos últimos anos, das últimas décadas, e pode ser visto em crianças e adultos. Um paciente após anos de análise consegue recuperar contato com seu mundo interno, criar esse espaço voltando a produzir sonhos, e o aspecto criativo começa a aparecer. E leva um tempo para que isso aconteça. Penso que todos nós, seres humanos, nascemos com uma enorme capacidade de observação, que vamos perdendo. Por isso sou defensora e propagandista do método de observação dos bebês, para recuperar a capacidade de observação e recuperar muito do que perdemos.

A intimidade por si só parece uma questão simples, mas é difícil.

Jornal - Como acontece o desenvolvimento da intimidade via Skype?

Virginia - Como entra a questão da intimidade em uma análise por Skype, isso eu já não sei. Simplesmente não tenho uma resposta. Os que estudam esse problema, por favor, que nos aproximem algumas hipóteses provisórias.

Minha experiência de supervisão por Skype, devo dizer, é excelente. O espaço de intimidade necessário para a supervisão consegue ser construído. Tenho bastante experiência nisso e só não consegui escrever a respeito porque não encontrei tempo. Mas tem analistas por todo o mundo, acho, ou pelo menos em alguns lugares, que estão trabalhando com essa questão... Na IPA tem um grupo de pessoas que se dedicam ao que se chama análise a distância, ou remota.

Jornal - Pensando na questão da expansão da psicanálise fora dos institutos de formação, você acha produtiva a inserção da psicanálise nas universidades?

Virginia - A meu ver isso parece altamente produtivo. O fundamental é estabelecer diálogos, em vez de esperar que venham até nós. É importante sair. Minha experiência pessoal, na Argentina, é que a psicanálise teve uma presença muito grande no começo. Lá, Bleger dava aulas na Faculdade de Psicologia, Pichón ensinava psiquiatria, Liberman ensinava também... E depois houve uma retirada. Agora há um grande investimento lacaniano na universidade, e são lugares que vão sendo ocupados. Seria importante termos esse mesmo espírito e também tentar ir. Há quatro anos faço parte de um curso de pós-graduação na Universidade de Buenos Aires. Lá não é como nos seminários do Instituto onde somos poucos, dez pessoas, lá são por volta de 45 pessoas. Acho interessante trabalhar com alunos que não vinham aos nossos institutos, que trabalhavam em zonas muito carentes, principalmente os jovens graduados. São psicólogos. Também vêm de distintos lugares da América Latina, e foi uma experiência impressionante. Eles estão muito interessados em nos escutar.

Jornal - Falávamos também sobre a psicanálise no resto do mundo... Você diria que há uma crise na psicanálise?

Virginia - Não digo que não haja uma crise da psicanálise. A psicanálise está sendo atacada por interesses que escapam à nossa possibilidade de conhecimento. Há uma oferta muito grande quanto ao alívio rápido do sofrimento, terapias breves, medicações, de uma maneira que chega a ser selvagem, até mesmo na infância! Não sou contra a medicação. Sou médica e além disso sei que há alguns pacientes com os quais não se pode trabalhar a não ser que se use algum medicamento que crie condições de atendimento. Não estou dizendo que sou contra. Estou dizendo que não é possível que um menino seja diagnosticado com "TDAH" e seja só medicado. E é notável, pois é possível fazer uma análise com essa criança, há trabalho a fazer. Eu não gosto muito da expressão de "crise da psicanálise". Acho que pode, sim, ocorrer uma "crise dos psicanalistas", pode ocorrer uma "crise nas instituições", mas... Houve uma época, principalmente na América Latina, que nós, latino-americanos, temos que saber que foi uma época de ouro da psicanálise. Principalmente na Argentina, no início, quando chegaram os pioneiros da Europa, Garma, Pichon Riviére, Marie Langer, Racker, e a outra geração, como Bleger, Liberman, em que eu, para conseguir uma hora de análise didática, tive que ligar para oito pessoas. O primeiro que consultei foi Horácio Etchegoyen, que disse "com todo o prazer eu veria você, te atenderia, mas você teria de me ligar daqui a três anos e meio"... Era assim e tive que começar com quem pôde me atender antes, já que por sorte não entrei na análise só por requisito institucional, mas também porque estava passando por uma situação na qual eu estava ciente de que precisaria da análise. Tive grande sorte porque meu analista didata foi Fernando Guiard, que já faleceu faz bastante tempo... Enfim, o que estou tentando dizer é que pode haver uma crise, mas não seria uma "crise da psicanálise", digo, pode ser de uma pessoa, um psicanalista, vários psicanalistas, uma instituição... E, se isso for posto em questão, será bom, pois vamos poder discutir e debater.

Creio que são tempos difíceis, que há outras ofertas e opções. Estou convencida de que para haver uma mudança profunda na personalidade a melhor terapia ainda é a psicanálise. Também temos que aceitar que nem todos estão dispostos a embarcar nessa aventura, e é preciso respeitar outras escolhas, entender os pais de crianças e adolescentes que chegam muito angustiados. Creio que na sociedade capitalista se instalou uma sorte de ideal moderno de progresso, em que se cumpre com um caminho preestabelecido que é: basta chegar ao êxito! O caminho estabelecido é ter uma boa escola onde as crianças ingressem cada vez mais novas. Porém, a palavra "carreira" diz tudo: a criança tem que ingressar em uma excelente escola primária, depois escola secundária e mais tarde uma ótima universidade e, se tiver um bom nível econômico, irá a Harvard. Mas não estou convencida que isso seria o êxito de uma pessoa. Estão todos no mesmo barco. Costuma-se rapidamente estigmatizar e culpar os pais, mas pais e escolas respondem à pressão da sociedade. Se não for bem, a criança cai do sistema, fica excluída. E nós, psicanalistas, trabalhamos com a singularidade, nunca com quantidades homogêneas. A psicanálise ocorre em um espaço íntimo entre duas pessoas, não são casos clínicos, são pessoas, e isso não podemos resolver sozinhos. A psicanálise precisa ter mais diálogo com a psiquiatria, com a universidade, com a educação. Penso que o caminho está por aí, não creio que possamos, isoladamente, fazer algo contra isso, contra esse ideal da sociedade contemporânea. Depois recebemos os que estiveram em Harvard, com um breakdown, aos 40, 45 anos em um quadro de adição. Creio que temos que trabalhar melhor, termos uma boa formação, uma atitude profissional ética.

Jornal - Tentando articular isso tudo que estávamos falando, dessa dificuldade de intimidade, crise, voltando para o início da nossa conversa, quando falávamos da análise de alta frequência, percebo que falamos da análise e do analista, mas não falamos da análise das pessoas que não são psicanalistas. Vemos que raramente alguém que não esteja em formação psicanalítica procura uma análise quatro ou três vezes por semana. Essa parece ser uma demanda de quem é do mundo "psi". O que pensa sobre isso?

Virginia - Claro, existe um momento em sua evolução profissional no qual são as pessoas mais próximas da análise que te procuram. Mas continuo recebendo pacientes de muitos lugares, e o que acho interessante para as análises que não são de formação é sempre propor a análise em condições ideais, ou melhor, nas condições em que melhor se trabalha. Na Argentina, três vezes por semana. Enfim, propõe-se isso. E, se o paciente tiver um sofrimento enorme, se for uma criança muito perturbada, eles vêm três, quatro vezes. E os pais até deixariam a criança lá com você, não é que eles não vão aceitar essa frequência. Às vezes pensam que a análise de três vezes é para quando o paciente está muito maluco. Acho que há vezes em que é preciso dar um tempo para que se construa um enquadre. As minhas melhores experiências acontecem quando começo com duas sessões, às vezes só com uma, e o próprio processo vai fazendo com que surja a demanda para mais uma sessão. Acontece comigo, mas não sei se é porque eu estou tão convicta disso que chego a transmitir minha convicção de que se trabalha melhor com uma frequência alta. Até aí, não há dúvidas. Às vezes não é possível, ou porque a pessoa não está disponível, ou porque a pessoa não tem condição financeira, ou vive em um local muito distante etc. Mas acho que se tivermos convicção e soubermos aguardar, as coisas acontecem. Mas não porque sejam impostas. Entendo o que dizem, a imagem popular é, digamos, sessão uma vez por semana. Mas começamos como podemos. Principalmente com adolescentes, isso é fundamental.

Jornal - Você atende crianças e também famílias?

Virginia - Não, não tenho formação em análise de família. Mas, como analista de crianças, às vezes, quando faço um diagnóstico ou uma avaliação de uma criança e penso que precisaria ver a família, peço que todos venham para fazer horas de jogo familiar. Porém, se for necessária a terapia familiar, ainda mais em Buenos Aires, onde temos vários analistas de família muito qualificados, não tenho razões para fazer algo em que não estou formada. Às vezes trabalho com o casal de pais. Por alguma razão, sou indicada por colegas que atendem crianças que me encaminham os pais.

Jornal - Em um seminário, você comentou que fica cada vez mais cuidadosa para indicar análise para uma criança. Como é essa ideia?

Virginia - Sim, é verdade. Eu tomo meu tempo. Preciso do meu tempo, do meu espaço, de uma certa... não certeza, porque isso ninguém pode me dar, mas uma certa confiança de que esses pais vão sustentar a análise. Porque corremos o risco de expor a criança a uma frustração. Às vezes indico a análise, mas espero que sejam criadas as condições adequadas antes de começar.

Começo às vezes com os pais e outras vezes, se os sintomas não forem muito mortificantes para a criança, não houver uma urgência, faço um acompanhamento, peço que retornem em dois meses, faço outras horas de jogo, vou fazendo um trabalho aos poucos. Não estou tentando convencer os pais, mas estou tentando criar um enquadre para que eles tenham, pelo menos, a esperança de que vão poder sustentar a análise. A criança e o adolescente, lamentavelmente, não podem decidir sozinhos. Trabalho com os pais até que se crie algo que pareça com um vínculo de confiança. Então, em relação à análise de crianças, antes eu dizia: "análise!". E às vezes, com poucos meses, isso era interrompido. Tenho que criar um espaço sabendo que vão haver ambivalências, algumas transferências cruzadas, sabendo que vamos despertar algumas resistências. Creio que temos que dedicar bastante tempo para verificar que possibilidades tem essa família para uma psicanálise.

Jornal - Você também disse que para ser psicanalista é importante ter essa vocação...

Virginia - Assim como a intimidade, essa história da vocação é um tema que mereceria uma manhã inteira para ser discutido. Escrevi um artigo que vai sair na próxima edição da revista Calibán que se chama "Quem pode ser psicanalista". Esse é um tema bastante trabalhado por mim: a atitude, a disponibilidade. Não estou falando em um sentido religioso, porque a religião sempre põe à prova o ser humano. Mas há algo nesse modelo que me parece bom, o consolidar e fortalecer primeiro uma análise pessoal, a análise de formação, que chamamos de análise didática. Essa é uma análise como outra qualquer, tem-se que esquecer que é um requisito... é algo que ainda temos de discutir muito entre nós. Primeiro a análise e depois também ter a possibilidade de uma reanálise. Sei que em outras épocas, a época da chamada análise clássica, a reanálise não era bem-vista. Todavia acredito que se deva pedir ajuda quando é necessário. Nossa tarefa é sempre muito solitária, somos duas pessoas fechadas em uma sala. Se trabalharmos mal, provavelmente perdemos as pessoas. Se vamos bem, ninguém virá fazer uma reportagem nem publicar uma nota no jornal. E como se nutre nosso narcisismo? Temos que estar acostumados a ter supervisões sempre, supervisão de pares em alguns momentos - peço supervisões, eventualmente, a alguns de meus mestres, tenho a sorte de alguns deles ainda estarem vivos, como o dr. Etchegoyen. A supervisão parece necessária durante toda a vida.

Jornal - Você faz pensar que a questão da reanálise é uma grande mudança até na visão da própria psicanálise, porque antes havia um tom de atestado de insanidade, quer dizer, se está com problemas, tem que se analisar. Não é interpretar como se a análise anterior tivesse fracassado e a nova procura, se pelo divã, seria por não se ter alcançado "a cura".

Virginia - A análise com outro analista é um trabalho diferente. Já participei de discussões que colocam a reanálise como algo já instituído, mas sempre com um olhar crítico. Às vezes há pessoas que podem não precisar, a vida tem muitas surpresas, como todos sabemos. Ou pode ser que haja alguma mudança importante na vida de alguém que a leve a querer revisar coisas que antes não foram possíveis, pois dirigia toda sua libido, sua energia, para criar seus filhos, por exemplo. Não digo que se tenha que utilizar a análise como uma muleta, porque isso não é análise. Esse foi um ensinamento que recebi de Benito Lopez, uma pessoa muito importante para mim. Quando alguém dizia, em supervisão: "Essa pessoa é uma adicta à análise". Ele respondia: uma análise não pode nunca gerar adição, em psicanálise não se gera adição. Pode-se dizer que se estabeleça adição a um psicanalista, que não se dê conta que está estimulando uma dependência infinita desse paciente em relação a si. Tomando o modelo de Bion, o que tem que se pôr em marcha é a capacidade simbólica e a função alfa dessa pessoa - a autoanálise. A psicanálise estimula uma autonomia baseada em uma dependência introjetiva como os objetos internos analíticos. Mas nunca vai estimular uma dependência real e concreta em relação a um psicanalista. Não se pode confundir o psicanalista com o método da psicanálise.

Jornal - Agora, pensando a formação, há um Comitê de Formação Integrada que sugere aos institutos que integrem a formação psicanalítica de crianças e adolescentes à formação de adultos. Como se chegou a essa aspiração, quais seriam as conquistas e como alcançaram o novo modelo?

Virginia - Esse Comitê de Formação Integrada é um Comitê da ipa, com início há cinco anos, porém, teve antecedentes. Quando eu era Coordenadora da COCAP e simultaneamente membro do Board da ipa, chegou um pedido do Anna Freud Center, de Londres, destinado somente à análise de crianças. Isso implicava aceitar a formação dos analistas formados por esse programa e, consequentemente, a serem aceitos como membros da ipa. Vocês sabem que essa é uma história muito antiga, vem desde os anos 1920, 1930 e tantos. E eu, como chefe da COCAP, ao receber o pedido, levei a informação ao Board, que não o aceitou. Uma única pessoa se manifestou favoravelmente. E, neste momento, constituiu-se um grupo de trabalho, o Board Working Group, para estudar a situação. Era composto por Peter Blos Jr., Madeleine Bachner e por mim, a chair da COCAP. Realizamos um estudo bastante importante, consultando os 24 membros da COCAP, muitas sociedades e também nos dirigimos aos institutos. Fizemos uma espécie de questionário, cujas respostas não foram a favor de que houvesse uma formação apenas em análise de crianças, com o reconhecimento automático desses analistas como membros da ipa. Um dos motivos alegados era que o analista de crianças também deveria trabalhar com adultos, pois os pais da criança atendida são adultos. Outra questão que se colocava é que para isso deveria existir uma categoria especial, pois como poderia chegar a didata um analista que só houvesse analisado crianças? Estou lhes dizendo apenas algumas das razões. Finalmente, desse Working Group surgiu uma recomendação para que se formasse um comitê que se encarregasse desse tema, sugeriram que eu fosse a coordenadora, e o Board aceitou. A primeira coisa que esse comitê, que está há mais de cinco anos trabalhando, realizou foi perguntar aos institutos, às organizações regionais e, a partir daí, constatar que havia uma alta porcentagem de opiniões a favor de que se criasse um treino integrado, uma formação simultânea em análise de crianças, adolescentes e adultos. Por outro lado, na apsa, que é a Sociedade Americana de Psicanálise, já existe um programa chamado Child Only, que primeiro trabalhou de forma experimental e foi mais tarde aprovado. Mas o que daí resultou é que das pessoas que faziam essa formação algumas iam desertando, a minoria, e outras tantas, a maioria, pediam para serem admitidas no programa de formação de adultos.

Então chegamos ao momento atual, em que há um comitê integrado por representantes de cada um dos três modelos de formação da ipa, Silvia Flechner, do modelo uruguaio, Florence Guignard, chair anterior da COCAP - pelo modelo francês, e Shmuel Erlich, que foi o chair anterior de educação por dez anos - como representante do modelo Eitingon. Além desses, estão - não quero me esquecer de ninguém - Madeleine Bachner, que permaneceu pela Europa, um membro de Nova York, Phillys Beren, pelas sociedades independentes, Bolognini, o chair do Comitê de Formación Integrada da apsa, Allan Sugarman, também Kerry Kelly como chair de COCAP e Fernando Weissmann como chair de educação. Então fizemos um trabalho bastante profundo, com apenas uma reunião ao vivo e as outras on-line. Produzimos para o Board um documento que chegou a todas as sociedades.

Bem, essa é a história. A ideia é que os institutos vão ter a liberdade de escolher oferecer ou não esse programa, não será obrigatório. Esse será um programa opcional. Assim como a Sociedade e o Instituto não têm obrigação de oferecê-lo, nenhuma pessoa terá a obrigação de realizá-lo.

Em minha própria experiência, as coisas funcionam melhor quando começam assim - também em nossa experiência como psicanalistas a análise funciona melhor quando há algo da ordem do desejo de se analisar por parte do paciente, por mais enfermo que este esteja.

Jornal - Quais são os modelos e as vantagens desse programa?

Virginia - Creio que as vantagens são muitas, e vejo poucas desvantagens. A vantagem é que poderiam seguir esse programa as pessoas que estivessem interessadas em fazer análise de crianças, assim como outras que não pretendem ser analistas de crianças, mas que querem se aproximar da análise de crianças. Dessa maneira, muito mais psicanalistas, em formação ou não, vão estar expostos ao que é a psicanálise de crianças. Mas seria magnífico que todos pudessem analisar uma criança uma vez na vida.

Na maioria dos institutos, em que a formação é primeiro de adultos e depois a formação de crianças e adolescentes, esse processo demora muitos anos, de tal maneira que, quando a terminam, os analistas já mais "crescidos" não podem mais se sentar para brincar com a criança. Não sei se as vantagens são muito visíveis na América Latina, mas há muitos países em que psicoterapeutas de crianças que já fizeram uma formação anterior em psicoterapia depois teriam que fazer outra formação, de adultos, e, em seguida, outra formação em psicanálise de crianças. Creio que isso abriria possibilidades para atrair mais candidatos, mais pessoas que se interessassem pela formação psicanalítica. Risco não se viu nenhum. A única coisa que algumas pessoas questionaram é se isso não resultaria em uma "diluição" da análise de crianças em uma espécie de "questão mais geral". Mas eu não penso assim. De imediato, o único problema que vejo que possa surgir ao se oferecer esse programa seria o que fazer com as outras formações existentes de crianças e adolescentes. Isso vamos ter que resolver.

Jornal - Em seu trabalho em homenagem a Meltzer sobre o modelo estético da mente e suas consequências para a teoria da técnica, você colocou a psicanálise como ciência e arte. Nesse sentido, é impossível conceber qualquer "investigação positivista" que pretenda uma generalização da nosografia, demonstração estatística de resultados etc., porque atentam contra a essência epistemológica da psicanálise em sua singularidade. Então como encarar a pesquisa que visa "avaliar" resultados, em uma vertente positivista dentro da IPA ? Como divulgar, difundir nossa ciência em sua especificidade neste século? E como evitar as concessões sem cair em uma rigidez defensiva, que desfigura a essência do método?

Virginia - Bom, vamos por partes. Eu não tenho um interesse particular na investigação com orientação positivista ou generalização da nosografia, demonstração estatística de resultados. Porém, com os anos, tomei consciência de que há lugares no mundo em que é muito necessário que exista um tipo de investigação que demonstre a eficácia da psicanálise. É importante por razões políticas e econômicas que têm a ver com o contexto. Por exemplo, na Alemanha, o Estado paga por uma psicanálise de quatro sessões por semana e não paga outras coisas. E lhes digo isso para que levemos em conta que existem necessidades diferentes em cada lugar do mundo. A mim, parece que esses analistas se veem com a necessidade de mostrar resultados, mesmo que não estejam de acordo com o que alguém entende por resultado. Por isso precisam fazer investigação. O mesmo se passa com as nosografias. A que utilizamos, de acordo com o DSM, deriva da psiquiatria.

Meltzer havia proposto como tarefa para os psicanalistas do futuro que fizessem uma nosografia psicanalítica, mas não chegamos a isso.

Porém, temos que lidar com a nosografia. Às vezes, quando falamos em congressos com colegas que são psiquiatras, ou na Argentina, para que se reintegrem os custos do tratamento, é preciso fazer diagnósticos do DSM-IV. É preciso ajudar o paciente para que seja reembolsado, em parte, dos honorários pagos. No entanto não podemos vender psicanálise, não podemos fazer marketing. Divulgar, difundir e convidar, podemos. Defendemos a psicanálise mostrando como trabalhamos, e, ao trabalharmos bem, creio que estaremos mostrando que ela é a melhor das psicoterapias.

Não precisamos convencer ninguém. Ninguém pode ser convencido porque, se tomarmos as ideias de Bion, saberemos que é necessário atravessar a experiência, aprender através da experiência, e não há maneira diferente. Temos que sair do nosso consultório, de nossas Sociedades. Como sempre digo, temos que convidar os jovens que estão nos "campos de batalha" da saúde pública para que venham nos procurar. Porque os que estão no campo da saúde mental, em condições bastante deficientes, são os jovens residentes, os que trabalham nos bolsões de pobreza. Em meu país, na minha cidade, são os que trabalham em condições bastante pobres, o que também acontece em outros lugares do mundo. Não é o mesmo o que acontece em São Paulo, em uma cidade pequena do interior do Brasil, em Buenos Aires, uma província no norte da Argentina, não é o mesmo em Honduras, em Montevidéu ou China, nem Paris, ou Japão, ou Índia. Quero dizer que é importante levarmos em conta o contexto, sempre fazendo o máximo possível. Parece-me que nas organizações, como no Instituto Europeu de Psicanálise, está se falando, neste momento na ipa, da criação de uma quarta região, que tenha a ver com a Ásia. Essas são iniciativas que precisam ser apoiadas e defendidas. Creio que a melhor maneira de defender e divulgar a psicanálise é o intercâmbio interdisciplinar, ter uma voz, mostrar como trabalhamos e nos aproximarmos dos mais jovens, que estão trabalhando em situações difíceis, oferecer-lhes toda a ajuda possível. Em minha opinião não há outra maneira.

Jornal - Talvez seja o sentido das instituições psicanalíticas propiciar uma formação permanentemente criativa, ética e científica.

Virginia - Creio que isso é algo que podemos fazer, conversar. Conversar entre colegas, ou, quando seja algo que necessite do conhecimento de outras ciências, chamar profissionais para conversarem conosco, porém, não apenas para sermos "abertos", mas para aprender, aprender a escutar e cuidar para que sejamos escutados. A psicanálise tem muito para dizer, muito para ajudar, na educação, na medicina e até na arquitetura, pois o local em que vive uma pessoa diz muito sobre sua personalidade. Como é uma criança, os novos modelos de criança... Há tantos temas interessantes! Creio que temos de abrir o diálogo e não esperar que venham até nós. Isso é o que penso.

Jornal - Nossos agradecimentos a Virginia Ungar, pela sua grande disponibilidade em dividir conosco alguns de seus pensamentos.

 

 

1 Esta entrevista foi organizada pela Associação dos Membros Filiados e pelo gep Campinas. Participaram, pela amf, Ana Maria Roseisvaig, Berta Hoffmann Azevedo, Claudia Amaral Mello Suanes e Maria do Carmo Meirelles Davids do Amaral. E, pelo gep Campinas, Alicia Beatriz Dorado de Lisondo, Graça Barone, Leila Lombardi e Ruth Cerqueira Leite.
2 Médica psicanalista, membro titular com função didática da Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires (APdeBA), analista de crianças e adolescentes, consultora do comitê de psicanálise de crianças e adolescentes da Associação Internacional de Psicanálise (IPA) e coordenadora do comitê para a formação integrada adultos-crianças-adolescentes da IPA.

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