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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.48 no.88 São Paulo dic. 2015

 

TEMA: ANÁLISE DE GRUPO E GRUPOS EM ANÁLISE

 

Instituição, identificação, psicologia das massas: uma experiência institucional

 

Institution, identification, and mass psychology: an institutional experience

 

Institución, identificación, psicología de las masas: una experiencia institucional

 

 

Abel Fainstein

Psiquiatra e psicanalista, membro titular em função didática e ex-presidente da Associação Psicanalítica Argentina. Ex-presidente da Federação Psicanalítica da América Latina (FEPAL). afainstein@gmail.com

 

 


RESUMO

O autor descreve os efeitos nocivos da psicologia das massas nas instituições psicanalíticas, sua relação com a implicação institucional e as regulamentações enquadrantes, especialmente a análise do analista. Relata alguns dispositivos regulatórios, implementados em sua experiência institucional na APA a fim de neutralizar aqueles efeitos.

Palavras-chave: instituição psicanalítica, identificações, psicologia das massas, análise do analista


ABSTRACT

This paper describes the damaging effects of mass psychology (crowd psychology) in psychoanalytic institutions. The paper also describes the way crowd psychology relates to institutional implication and framing regulations, especially the analysis of the analyst. The author writes about some regulatory apparatus, which were implemented during his institutional experience at APA, in order to neutralize those effects.

Keywords: psychoanalytic institution, identification, mass psychology, crowd psychology, analysis of the analyst


RESUMEN

El autor desarrolla los efectos nocivos de la psicología de las masas en las instituciones psicoanalíticas, su relación con las implicaciones institucionales y las regulaciones que la enmarcan, especialmente las del análisis del analista. Relata los dispositivos implementados en su experiencia institucional en la APA para neutralizarlos.

Palabras clave: institución psicoanalítica, identificaciones, psicología de las masas, análisis del analista


 

 

As sociedades psicanalíticas têm um papel importante na formação dos analistas, que vai além das tarefas delegadas aos seus institutos. Elas são o espaço para o intercâmbio científico e a discussão entre colegas que, somados ao clássico tripé que forma a análise, as supervisões e os ensinamentos de teoria e clínica, hoje são consideradas por muitos como parte da formação. Embora, para que isso seja possível, devam cumprir com as condições de um ambiente facilitador desses processos.

Coincido com Szpilka (2002) na medida em que a natureza peculiar do inconsciente precisa se amparar em instituições que o abriguem e em que também o oposto, paradoxalmente, ocorre, já que as estruturas institucionais precisam apaziguar e aplacar o objeto cuja transmissão elas sustentam para subsistir. Essa tensão é inevitável, e de seu manejo depende a efetividade das instituições na transmissão da psicanálise. De acordo com Madeleine Baranger (2003), as instituições devem funcionar em consonância com o específico da psicanálise, não descuidar de sua evolução e levar em conta as condições da época para poder desempenhar seu papel.

Isso implica basicamente:

• Pensar na instituição como uma ação permanente e instituinte, evitando a cristalização.

• Priorizar a independência das análises de seus membros em relação à instituição e suas hierarquias.

• Respeitar o essencial do descobrimento freudiano - ou seja, a dinâmica do inconsciente -, mas ter em mente que nenhuma teoria pode dar conta da complexidade de seu campo de estudo. Trabalhar com uma pluralidade de teorias e práticas.

• Evitar, ou ao menos limitar, os efeitos da psicologia das massas.

• Evitar a transferência idealizada ou imaginária, buscando a passagem para o segundo plano de transferência, que é o simbólico: transferência de trabalho com os saberes que possua a instituição (Peskin, 2002).

• Não sacrificar sua estrutura nem a formação oferecida em prol de projetos que, como os universitários ou os interdisciplinares, podem afetar sua particularidade e o discurso que a sustenta. Isso sem o prejuízo de estar articulada à universidade e ao diálogo interdisciplinar.

Sabemos que, desde a época de Freud, os conflitos da fundação, as cisões, as diferenças pessoais e mesmo o conflito entre seus pioneiros - que pertencem a períodos que alguns de nós nem sequer viveram - deixaram marcas que apenas a análise de cada um de seus membros e das instituições pode tentar transformar em passado.

Partindo da premissa de que as instituições se baseiam na identificação com ideais comuns, devemos estar advertidos do peso que as identificações imaginárias têm em seus funcionamentos e, como disse Horenstein, "seus vaivéns emocionais", apostando em identificações simbólicas como bases fundadoras. Tanto as primeiras quanto as segundas são resultado, em grande medida, do percurso pelo instituto, de ter completado uma análise didática, as supervisões, e um programa de seminários que, de forma geral, demanda-se que sejam realizados com analistas da mesma sociedade com prestígio reconhecido. Isso acarreta o risco de um funcionamento endogâmico e, como consequência, mortífero, algo semelhante àquilo que Patrick Guyomard descreveu seguindo o modelo de Antígona, razão pela qual a política institucional deve estar alertada sobre este risco e tentar evitá-lo.

Desse ponto de vista, se a pertinência institucional se sustenta nessas identificações e precisa delas, como seria possível conseguir o afeto societatis sem sacrificar a singularidade que a transmissão do inconsciente exige? Como poderíamos neutralizar o efeito de massa favorecido por certas lideranças de prestígio reconhecido ou até mesmo por certas teorias hegemônicas? Como manter a particularidade da psicanálise e, ao mesmo tempo, atender as condições já descritas de uma instituição psicanalítica?

 

Que relação há entre os objetivos de uma psicanálise, em termos de atravessamento de identificações, com a identificação que sustenta a pertinência a uma instituição psicanalítica?

A instituição precisa de ideais comuns que sustentem a pertinência a ela. Por sua parte, espera-se do resultado de uma análise atravessar o plano identificatório, a queda de identificações que caracterizavam o sujeito; esse deveria ser o sentido da aposta. Não cabe aqui, por exemplo, apelar à identificação e esperar o estímulo ao pertencimento por meio da análise com um analista da mesma instituição, ou valorizar o efeito no desenvolvimento de uma instituição que possa ter famílias de analistas que compartilhem transferências com mestres ou teorias. Estes foram alguns dos argumentos apresentados em debates institucionais sobre estes temas.

García escreve, nesse sentido, que "as instituições psicanalíticas nascem e reproduzem um ambiente transferencial proveniente da sessão analítica" (2011) e alerta a respeito desse devir. Lacan, por sua vez, propunha: "juntem-se para fazer algo, mas dissolvam-se para fazer outra coisa" (1980), alertando-nos quanto aos agrupamentos mantidos transferencialmente.

A questão é, então, implementar mecanismos de "desidentificação" e resgatar as características singulares de cada um dos integrantes de uma instituição, sendo que a análise do analista deveria ser o instrumento fundamental para esse objetivo, mesmo que não seja o único. Baseando-me em minha experiência de administração institucional, penso que a organização interna, os modelos de atividade científica, a oferta de cursos e seminários, e as publicações de uma instituição deveriam cumprir um papel semelhante, servindo para uma reflexão permanente sobre os mecanismos mencionados. O mesmo vale para as práticas que sustentam ou estimulam cada instituição.

Nessa busca por dispositivos "desidentificadores", a aceitação de analistas de outras instituições ou com formações similares como membros, a possibilidade de análise e/ou reanálise com analistas que não pertençam à instituição, e propiciar que a formação dos candidatos inclua debates institucionais promovem, em nossa experiência, os efeitos desejados. Neutralizam o efeito de massa.

 

A implicação institucional

Seguindo Lourau, que descreve a "implicação institucional" como "conjunto das relações, conscientes ou não, que existem entre o ator e o sistema institucional" (1975, p. 270), Damián Schroeder escreve, e coincido com ele especialmente com relação às consequências que potencializam o poder subjetivante da experiência analítica, que:

o processo de institucionalização entendido como o jogo de forças permanente entre o instituído e o instituinte é um processo que produz subjetividade. Realizar uma análise da implicação implica dar conta das condições sociais, políticas, econômicas, da construção de saberes, de elementos técnicos, que conformam determinadas práticas sociais, entre as quais se inclui a do psicanalista. Nossa implicação institucional, na qual também participam de forma consciente ou não nossos esquemas referenciais, colabora com os processos de subjetivação no analista. Na medida em que sejamos capazes de esclarecer essa implicação, estaremos em condições, desde nosso posicionamento analítico, sempre em xeque, de potencializar o poder subjetivante da experiência analítica. (2006, pp. 53-54)

É por essa última razão que, começando pelas regulações sobre a própria análise, a implicação sempre singular de cada analista exige ser considerada em qualquer política institucional para evitar, ou ao menos neutralizar, o efeito de massa e potencializar os processos de subjetivação no analista.

Nesse sentido, o fim da análise de um analista, em termos de atravessar identificações com seu analista, com uma teoria, com um grupo, ou com uma instituição, é o ponto de partida para conseguir um pertencimento que evite o efeito de massa, e também é um requisito para instalar uma transferência de trabalho. Qualquer outra política que seja necessária (já que a instituição é uma tarefa permanente) só poderá se basear em uma análise suficientemente boa de seus integrantes.

 

Psicologia das massas

A psicologia das massas trata do indivíduo como membro de uma linhagem, de um povo, de uma casta, de um estamento, de uma instituição. Ou como integrante de uma multidão organizada em forma de massa durante determinado tempo e para dado fim. (Freud, 1921/1979, pp. 68-69)

Os atributos da psicologia das massas, desenvolvidos por Le Bon e retomados por Freud, têm seus ecos nas instituições psicanalíticas e requerem ser neutralizados ou evitados em prol da transmissão da psicanálise. As lideranças prejudiciais, os efeitos do prestígio nas discussões científicas e na busca pela verdade, o apagamento das singularidades, os perigos do conservadorismo e da rejeição do novo, a falta de lugar para a crítica e incertezas e a agressividade liberada são apenas alguns dos fatores prejudiciais liberados desta.

Por sua vez, a semelhança com a vida anímica primitiva e com as crianças, a onipotência que faz desaparecer o impossível e o improvável, a dúvida e a incerteza, a falta de crítica, a suspeita que se torna certeza, e a antipatia que se transforma em ódio selvagem (Freud, 1921/1979, p. 74), são elementos das massas altamente prejudiciais para um grupo humano, especialmente na realização de tarefas criativas.

Também o fato de apenas ser excitada por estímulos desmedidos; que para influí-la não sejam necessários argumentos lógicos, mas imagens vivas, exageradas, repetidas; seu ser tão intolerante quanto obediente da autoridade; que respeite a força, e só em escassas medidas as boas maneiras, vistas como fraqueza; que solicite de seus heróis força e até violência; que queira ser dominada e submetida, que queira ter amos; que seja profundamente conservadora e tradicional; que refaça as novidades e os progressos (p. 75); que não tenha sede de verdade; são todas condições negativas para um grupo de trabalho.

Finalmente, por ser mais seguro segui-la mesmo contradizendo a consciência moral, não gera condições adequadas para um desenvolvimento institucional. Sendo assim, tal como adiantamos, para evitar ou limitar os fenômenos de massas, a implicação de cada analista (sempre singular) exige ser considerada em qualquer política institucional que pretenda potencializar os processos de subjetivação, que são sempre individuais. Através de uma transferência de trabalho e, dentro da medida do possível, evitando idealizações sustentadas, são limitados também os efeitos indesejáveis do depósito de aspectos e ansiedades primitivos de seus integrantes, tal como escreveram Bleger e Jacques.

 

Quais são as regulações institucionais mais adequadas para evitar os fenômenos prejudiciais que derivam de seus membros agrupados em massas artificiais?

A experiência mostra que existe a possibilidade de que uma instituição - e, portanto, uma instituição psicanalítica - funcione como massa artificial.

Como qualquer outra massa artificial, precisa de um senhor, que pode ser um indivíduo, uma obra, ou uma ideia que usa seu prestígio, um poder que é misterioso e irresistível, para exercer um domínio semelhante à fascinação hipnótica que paralisa a crítica.

Destaco neste sentido a observação de Elias Rocha Barros (2001), na 10ª Conferência de Analistas Didatas: "a grande maioria concordou que precisamos de regulamentos para salvaguardar o treinamento, especialmente contra o possível predomínio da liderança carismática" (p. 301).

Também o comentário de Fernando Weissmann, diretor, na época, do instituto de psicanálise da Associação Psicanalítica Argentina, com respeito à última citação:

seu efeito nocivo sobre a formação de candidatos, seja pela promoção de sua submissão, ou sua idealização através da sedução que podem exercer alguns didatas através de certa erotização da análise da transferência-contratransferência, promovendo assim a aparição nas instituições de famílias clânicas ou pseudoescolas psicanalíticas ao seu redor. (2002, p. 301)

Lacan destacou que Freud criou a IPA dez anos antes de escrever Psicologia das massas e análise do ego, mostrando seu interesse a propósito da Igreja e do Exército. Descreve então, adiantando-se ao fascismo, a identificação do Ego de cada indivíduo com uma mesma imagem ideal, cujo espelhamento suporta a personalidade do chefe (Lacan, 1981, p. 198). Do ponto de vista de Lacan, se Freud tivesse escrito antes de fundar a IPA ele teria reparado no lugar estipulado nela para um boss ou cacique, e atendido ao recurso a um laço simbólico como uma tradição ou uma disciplina. Se tivesse

perguntado de forma mais estrita sobre as vias particulares que a transmissão de sua doutrina exigia da instituição que devia assegurá-la. Apenas a organização de uma comunidade não o teria convencido de que essa transmissão fosse garantida contra a insuficiência do próprio time de fiéis, sobre o qual algumas confidências suas, das que se têm testemunho, mostram que abrigava sentimentos amargos. (Lacan, 1981, p. 210)

Assim alertava sobre as identificações imaginárias: "o menor esmorecimento sobre o sentido daquilo que busca termina em uma experiência de identificação dual" (Lacan, 1981, p. 210), propondo atravessá-las por considerá-las um obstáculo à transmissão da experiência do inconsciente.

Embora, por outro lado, saibamos que estas advertências de Lacan não puderam evitar os devires da institucionalização do movimento lacaniano, que Piera Aulagnier descreve detalhadamente:

As aberturas e os enriquecimentos teóricos que aportavam os ensinamentos de Lacan justificavam a esperança de que suas aplicações, no seio de uma sociedade, permitiriam evitar as armadilhas já conhecidas. O humilhante fracasso que resultou disto é particularmente inquietante, pois insere a questão da alienação que parece induzir a constituição de toda sociedade de analistas: mas será que esta alienação é inevitável, ou seria possível se precaver contra ela? (2005, p. 54)

Longe de pretender garantias impossíveis, isso nos leva a questionarmos quais são as políticas institucionais e as formas de organização mais convenientes para que uma instituição psicanalítica possa cumprir seus objetivos.

No caso particular da análise do analista, cabe perguntar se é exigível que esta seja realizada somente com analistas da mesma instituição. Assim é feita a análise na maioria das instituições da IPA, apontando, em muitos casos, para a manutenção da transferência com a instituição, com uma teoria e ainda com seus próprios valores e ideais. Poucas componentes aceitam a análise com analistas de outras instituições, mesmo que sejam da IPA. A exceção para isto é, que eu saiba, apenas a Associação Psicanalítica da França, que deixa a análise por fora de sua incumbência.

Mesmo que se espere que analistas da mesma instituição tenham conseguido atravessar essas identificações, o impacto das transferências em jogo é reconhecido como um obstáculo.

Ao contrário, um colega com uma trajetória política e científica destacada relata: "No meu caso, que pelo que vejo, não é único nem tão raro, nunca tive uma transferência institucional com a IPA maior do que agora que me analiso com alguém de fora da IPA. Não era assim na análise didática".

Considerando que o efeito da transmissão da experiência do inconsciente só pode ser avaliado a posteriori nas respectivas práticas do analista, e que resulta, em boa parte, de acordo com Azouri: "dos mal-entendidos e dos resíduos transferenciais habitualmente reprimidos pela instituição" (1995), penso que seja mais recomendável deixar a eleição de seu analista para o postulante, sendo avaliado a posteriori, nas entrevistas de admissão no Instituto ou Sociedade, ou nas supervisões, os resultados de sua análise. O pertencimento institucional não demonstrou ser garantia de uma boa análise, se é que isso era possível.

Agora detalharei algumas propostas de políticas institucionais que contribuem para evitar os efeitos indesejáveis da psicologia das massas, considerando nossa experiência na Associação Psicanalítica Argentina.

 

Uma experiência institucional

Minha própria experiência, somada à de colegas com os quais compartilhei a Comissão Diretiva da APA entre 2000 e 2004, mostrou-me a eficácia de uma boa avaliação dos dinamismos institucionais para diagramar sua organização, e para a criação de um programa científico e formativo. Assim como dos benefícios de refletir permanentemente sobre estes.

A reforma de 1974 na APA se baseou neste critério: desarmar estruturas de poder e prestígio, resgatando a singularidade de cada analista; e neutralizar os efeitos contraprodutivos que são resultado da psicologia das massas, potenciada por tais estruturas. Isto modificou não apenas o funcionamento do Instituto de Psicanálise, mas a própria Instituição em seu conjunto, já que abriu a função didática para qualquer membro efetivo e deixou de lado um grupo minoritário que ostentava essa função, muitas vezes de forma arbitrária; concedeu o caráter de membro efetivo conforme um critério preestabelecido de tempo e de trajetória científica e de ensino, deixando de lado a vacância e um organismo dedicado a avaliar os possíveis merecedores desse reconhecimento, que sempre se havia prestado a arbitrariedades; baseou a formação na liberdade curricular e de cátedra.

Por nossa parte, no ano 2000 avaliamos a necessidade de "abertura, participação e articulação" como eixos centrais da proposta para conduzir a APA. De acordo com Peskin (2002), pensamos que eram uma melhor sustentação para uma transferência simbólica sobre uma transferência imaginária.

A abertura não era só para o mundo, nem apenas para outras instituições psicanalíticas, nem só à comunidade, ou às universidades, mas também para outras ciências que, como a filosofia ou como as neurociências, beneficiam a psicanálise e são beneficiadas por um diálogo com ela. Mesmo quando Freud sonhava com isso, não pretendíamos provar as descobertas da psicanálise por nenhum desses caminhos, mas construir pontes, articular saberes. Coincidimos com André Green em que "os dois tipos de pensamento que compartilham o mesmo campo com a psicanálise são os modelos biológicos e antropológicos" (Bernard & Bianchi, 1995, p. 470). O próprio Freud coloca a psicanálise entre a psiquiatria e a filosofia, ainda que a articulação possível da "complexidade" deste campo não possa ser simplificada (Morin, 2000, 2006).

A participação, difícil em uma instituição de quase mil pessoas e múltiplos interesses, era uma maneira de neutralizar os discursos dominantes baseados no "prestígio" de alguns membros e teorias, nesse último caso também favorecidas pelas periódicas tendências predominantes. Nesse sentido, a abordagem feita de tal complexidade - não só na agenda científica central, sob os cuidados do dr. Andrés Rascovsky, mas por meio de estímulos a espaços científicos alheios, na medida do possível, do devir político institucional, e em alguns casos em conjunto com outras instituições, entre as quais temos, por exemplo, as universitárias - estimulou a criatividade dos membros, e tentou neutralizar a tendência habitual de exclusões e autoexclusões.

A articulação interna e com o exterior institucional surgiu como forma de evitar compartimentos estanques. Da mesma forma, como disse Morin (2006), a articulação, e não a simplificação, pode dar conta da "complexidade" do campo de trabalho que supõe uma instituição psicanalítica e a própria psicanálise.

A investigação referente à "crise da psicanálise", que auspiciada pelo DPPT da IPA foi feita em 2004 pelos doutores Renato Canovi e Juan Carlos Weissmann, vice-presidente e tesoureiro da nossa Comissão Diretiva, corroborou a validade das ideias diretrizes de nossa gestão. As instituições locais da IPA eram vistas como "fechadas, elitistas e desinteressadas, desconhecedoras e/ou desqualificadoras de outros discursos e técnicas terapêuticas". Frente ao que se descreve como um "isolamento autocomplacente e esterilizante", insistir na abertura já descrita era imprescindível. Os riscos entendidos como de "diluição" precisavam ser considerados, mas não poderiam impedir essas mudanças.

Todos foram convidados a escrever "Comunicados preliminares" sobre cada tema a ser desenvolvido na agenda científica, o que convocou várias dezenas de membros e candidatos a cada quadrimestre, enriquecendo a produção institucional e aumentando a lista das pessoas que, por causa de seu reconhecido prestígio, tinham um lugar garantido na agenda científica.

Da mesma forma, a ampliação da agenda científica, que era até então responsabilidade da Comissão Diretiva, por meio de sua Direção Científica, dando lugar aos chamados "Espaços Abertos", em que cada membro ou candidato podia apresentar e organizar uma atividade de sua escolha, concorrendo com as da Direção Científica, gerou um rico programa de atividades, ao mesmo tempo em que resgatava a criatividade de cada membro. Novamente tentamos neutralizar o efeito de massa, que se favorece quando uma pessoa, ideia, ou grupo toma o lugar de poder, passivando o restante do grupo.

Uma revista de psicanálise na cultura, convênios com universidades para atividades de ensino, parcerias com instituições comunitárias para atividades de prevenção e de atendimento, atividades conjuntas com outras instituições psicanalíticas dentro e fora da IPA, estímulo aos projetos de pesquisa - alguns dos quais receberam reconhecimento internacional - foram algumas das iniciativas implementadas. Diversos grupos de membros criaram os "Espaços de Autor" dedicados ao estudo da obra de autores como Green, Fairbairn, Lacan, Bleichmar, Masotta, Piera Aulagnier, Kohut, Bowlby, entre outros, facilitando que suas ideias fossem assim instaladas na agenda científica. Por sua vez, o estímulo para a criação de "Capítulos" dedicados ao desenvolvimento de temáticas como a adoção, psicanálise e neurociências, novas técnicas de reprodução assistida, homoparentalidade, acidentes etc., convocaram à discussão de temas que antes ficavam por fora da instituição.

Esses são apenas alguns dentre outros instrumentos desenvolvidos nesse período. Ficávamos animados com a ideia de conseguir um maior protagonismo dos membros, resgatando a singularidade dos interesses e das propostas de cada um ou dos pequenos grupos de membros sobre uma programação criada na Direção Científica. A confrontação sobre teorias e práticas também nos animava. Fazia parte, por meio da ativa pertinência institucional, do que entendíamos como Programa de Formação Permanente (dirigido pelo dr. Eduardo Agejas).

Muitos desses dispositivos continuam funcionando, quase quinze anos mais tarde. Com produção intensa e somados àqueles que foram acrescentados nos anos seguintes, aportam significativamente à atividade científica institucional. Neste momento, junto a um grupo de colegas, estamos tentando incluir modelos de Working Parties na formação. Baseando-nos em sua eficácia para criar um contexto que favoreça o compromisso subjetivo e a experiência vivencial, sempre singular, com o inconsciente.

Finalmente: As instituições são grupos humanos organizados que seguem normas aceitas pelo conjunto de seus membros e que têm, segundo Freud, o fim de proteger a cultura da rebelião e da mania destrutiva dos indivíduos (O futuro de uma ilusão, 1927/1979).

Como qualquer instituição, as sociedades psicanalíticas devem ter uma organização que, neste caso, como já foi dito, deve ser específica para favorecer a transmissão da psicanálise. Neste sentido vale lembrar dois autores que trabalharam com o tema:

As "associações não podem prescindir de 'modelos' sob pena de cair na anarquia e na irresponsabilidade absoluta, na oligarquia ou, até mesmo, na autocracia" (Piera Aulagnier, 2005, p. 62).

"Toda instituição psicanalítica se rende a um paradoxo. Ou se institucionaliza demais, deixando de ser psicanalítica, ou renuncia a todo critério formal de funcionamento e deixa de ser uma instituição" (Willy Baranger, 1985, p. 307).

Por causa disso devemos diferenciar a necessidade de regulamentações e modelos da tendência a uniformizar, implícita na psicologia das massas.

Mirta Goldstein nos alerta quanto à ilusão de querer uniformizar e regulamentar o saber, a formação e a clínica:

A questão não são as regras, mas que o excesso delas faz com que se tornem absurdas e possam, desmentindo a singularidade, instalar a religiosidade do hábito... Penso que mesmo a menor tentativa de uniformização no ensino e de unificação dos conteúdos e produções institucionais nos remete à nostalgia do absoluto. (2011)

Javier García comenta isso, dizendo: "No fim, a nostalgia de um pai, muito mais próxima a Totem e Tabu que a Édipo" (2011).

Como já foi visto, Lacan introduz em 1956 boa parte dos questionamentos atuais com relação às instituições psicanalíticas. Ele questiona seu funcionamento segundo a psicologia das massas e o predomínio do desejo de saber sobre o não saber. Azouri, Saffouan e Aulagnier se inscreveram entre os autores franceses que, junto de Cabral, Goldstein, Peskin, Szpilka e Campalans Pereda conosco, dedicaram-se ao tema a partir desse ponto de vista.

Entre nós, em 1959, o Simpósio Anual da APA se dedicou às "relações entre os analistas". Em 2002, esse tema foi retomado por Goldstein.

Para Ángel Garma (1959), um dos organizadores do simpósio - sempre preocupado com o tema -, a lentidão das análises que possuem melhorias graduais e sem os trompetes da fama, limitam-se apenas a palavras e têm como campo de ação a sexualidade e o reprimido, torna o trabalho do analista penoso. A internalização da hostilidade ambiental e a projeção de exigências formativas geram reações paranoides e sadomasoquistas com os colegas.

São agregadas à descrição de Garma: ter de manter um ideal de saúde e perfeição perante os pacientes e colegas, e a humanização na atuação para diminuir a idealização dos pacientes. Trata-se de atuações defensivas perante o isolamento e a regressão. Além disso, têm os riscos do isolamento e o déficit de comunicação, com a possibilidade de regressões patológicas e da desvalorização do outro para livrar-se da culpa frente à frustração por não ser suficientemente eficazes curando.

Com relação à pergunta que implica a forma de melhorar as relações entre analistas, Garma (1959) propõe que, nas sociedades, seria factível maior liberdade individual e de grupos, dentro de uma unidade. Apenas alguns cursos obrigatórios. Liberdade curricular e para a eleição de profissões. Favorecer a liberdade científica e didática, evitar trabalho excessivo, remunerar os professores, desenvolver conhecimento sobre a etapa inicial, das origens. Conseguir uma gratidão adequada e difundir a psicanálise no ambiente.

Goldstein (2002), por sua vez, afirma que em todo desenvolvimento institucional saudável um vínculo libidinal triangular se conforma sobre a base das múltiplas transferências estabelecidas. Isto permite o desenvolvimento do amor e do ódio edípicos, e das lutas fratricidas, e que estes possam ser elaborados. Em contraposição, em um grupo ou instituição organizados de forma especular com relação a um líder ou uma teoria, surgem custódios autoritários daquilo que se presume ser o legado freudiano, que se ensina de forma dogmática. Longe de limitar-se a ser um depósito de ansiedades e condutas primitivas, esse desenvolvimento aliena seus integrantes ameaçados pela exclusão. Nesse sentido, Goldstein postula o pluralismo de confrontação e discussão, atuando como um terceiro, como uma garantia contra a entropia tanática. Propõe que é desejável que existam espaços de reflexão, e que estes permitam a elaboração destas.

Finalmente, "100 Years of the IPA. The Centenary History of the International Psychoanalytical Association 1910-2010. Evolution and Change", publicado pela IPA em 2010, em colaboração com a Karnac, recolhe boa parte das ideias desenvolvidas aqui em seu percurso histórico e contemporâneo. Destaco o texto de García e Capo, cuja opinião é que o Instituto de Formação da Associação Psicanalítica Uruguaia não tem uma relação harmônica com a psicanálise.

Penso que as ideias de Ángel Garma, Nestor Goldstein, e Javier García e Juan Carlos Capo são facilmente extensíveis a qualquer instituto ou sociedade de psicanálise: requerem ser permanentemente analisadas para pensar em políticas institucionais em prol de sustentar a assim chamada "aventura psicanalítica", que - coincido com os autores - é, por sua vez, única e institucional. Entendo, como eles, que a possibilidade de aplicar a si mesmas a experiência freudiana caracteriza o que Aulagnier chama de "sociedades de psicanálise", em contraposição de "analistas de sociedade".

 

Referências

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Recebido em: 24/4/2015
Aceito em: 28/4/2015

 

 

Tradução de Dante Rovere.
Revisão técnica de Abigail Betbedé

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