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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.48 no.88 São Paulo dic. 2015

 

PSICANÁLISES POSSÍVEIS: GRUPOS

 

Um presente para a analista: recortes de uma sessão de psicanálise de grupo

 

A gift for the analyst: clippings of a psychoanalytic group session

 

Un regalo para la analista - recortes de una sesión de psicoanálisis de grupo

 

 

Evelyn Pryzant

Membro filiado do Instituto de Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP. epryzant@yahoo.com

 

 


RESUMO

Diante da autocensura de Freud em "Psicologia das massas", por ter sido injusto ao priorizar o líder e deixar em segundo plano o fator da sugestão mútua no grupo (as relações de cada indivíduo com os outros indivíduos), a autora pretende refletir sobre a dinâmica e a potência terapêutica do grupo, utilizando os conceitos de identificação projetiva e transferência-contratransferência. Faz uma analogia entre o arco-íris e o grupo, e recorta trechos de uma sessão de psicanálise de grupo, com o propósito de investigar o desenvolvimento e conhecimento científico da psicanálise de grupo sobre temas como "o inexplicável contágio", "o heterogêneo que submerge", "as contradições da mente grupal", um vasto campo ainda a ser aprofundado.

Palavras-chave: psicanálise de grupo, identificação projetiva, transferência, contratransferência, sugestão mútua no grupo


ABSTRACT

Taking into account Freud's self-censorship in "The Psychology of the Masses", in which he considered himself unfair for prioritizing the leader and putting the factor of mutual suggestion of individuals in the group on the back burner (each individual's relationship with other individuals), the author aims to reflect on the group dynamics and therapeutic potential by using the concepts of projective identification and transference-countertransference. She makes an analogy between the rainbow and the group. She also uses excerpts of a psychoanalytic group session in order to investigate the development and the scientific knowledge of group psychoanalysis about some topics such as "the unexplainable contagious," "the submerging heterogeneous", "the contradictions of the group mind" - these topics consist in a vast field of study to be explored.

Keywords: group psychoanalysis, projective identification, transference, countertransference, mutual suggestion of individuals in the group


RESUMEN

Frente a la autocensura de Freud en su texto "Psicología de las masas" por haber sido injusto al priorizar el líder, dejando en segundo plano el factor de la sugestión mutua en el grupo (las relaciones de cada individuo sobre los demás); la autora tiene como objetivo reflexionar sobre la dinámica y el poder terapéutico del grupo utilizando los conceptos de identificación proyectiva y transferencia-contratransferencia. Estableciendo una analogía entre el arco iris y el grupo, recorta extractos de una sesión de psicoanálisis de grupo, con el fin de investigar el desarrollo y el conocimiento científico del psicoanálisis de grupo sobre temas como "el contagio inexplicable", "lo heterogéneo sumergido" y "las contradicciones de la mente grupal", delineando un vasto campo a ser aún profundizado.

Palabras clave: psicoanálisis de grupo, identificación proyectiva, transferencia, contratransferencia, sugestión mutua en grupo


 

 

Recuerda, si hay tormenta, habrá arco iris.
(provérbio africano)

A influência da sugestão torna-se um grande enigma para nós quando admitimos que ela não é exercida apenas pelo líder, mas por cada indivíduo sobre outro indivíduo, e temos de censurar-nos por havermos injustamente enfatizado a relação com o líder e mantido demais em segundo plano o outro fator da sugestão mútua. (Freud, 1921/1976, p. 150)

A rede de transferências e identificações projetivas maciças, potencializadas pelo grupo, habita um grande espaço de pesquisa.

No grupo há uma rede de transferências de várias modalidades que acontecem o tempo todo e ao mesmo tempo numa rede de "falsos enlaces".

Por se tratar de uma análise de grupo, cada integrante é motivo de mobilização de todos, a força da massa tem um impacto de maior intensidade; todo o setting é construído como o lugar apropriado para a regressão se dar; o movimento de progressão e regressão é dinâmico e oscila entre dois tempos, o presente e o passado, o infantil e o atual. Considerando que a escuta do analista é a escuta da criança no adulto, a leitura de um grupo é, muitas vezes, a de um grupo de crianças. Essa leitura é a intersecção de vários fragmentos de núcleos neuróticos e não-neuróticos sobre a mesma experiência emocional.

Tanto a mente do analista quanto a do grupo estão disponíveis para a identificação projetiva, que pode tomar um aspecto excessivo e intenso no grupo e é para onde o olhar do analista estará voltado, acolhendo as partes e emoções projetadas nele e no grupo, como comunicação.

Como não se fala de transferência sem falar da contratransferência, nossa "bênção disfarçada", o analista tem em mãos dois dispositivos: a contratransferência e a sua análise pessoal. O analista de grupo deve passar por sua própria análise grupal, de preferência nos moldes adotados pelos institutos e sociedades de psicanálise, a análise de grupo, a supervisão e os seminários.

Escutar analiticamente significa reconhecer qual é a identificação complementar que faz o convite para a atuação na contratransferência, já que ela é constituinte do campo e dá notícias da transferência que, implícita das relações com os objetos internos, envolve as fantasias inconscientes, as defesas, os núcleos neuróticos e não neuróticos.

Manejar é manejar a transferência. No grupo, a analista deixa a posição mais reservada e passa a outra mais implicada da posição identificatória complementar.

A manutenção do enquadre é de responsabilidade da analista e é o ambiente perfeito para os desfiles inconscientes das emoções primitivas despertadas no grupo. O grupo projeta nos membros presentes e ausentes, via identificação projetiva, o reflexo de suas fantasias e desejos inconscientes.

A importância do objeto-cadeira vazia, por exemplo, pode representar o integrante que falta como aquele que atua um desejo não dito do grupo, o desejo de não estar presente, de fugir, quem sabe, daquele setting exigente.

Esse é um dos prismas que podem ser iluminados numa sessão. A mudança do setting, com cadeiras vazias, afeta todos os participantes. O objetivo é pesquisar as associações que emergem das emoções em cada momento da sessão, como se fossem cores que unidas formam um arco-íris, com os seus diferentes tons e nuances.

Formar o aparelho psíquico grupal depende do tempo do grupo que, aos poucos, é construído com a prática e disciplina de associar livremente a cada nova intervenção do analista. Dessa forma, cada elemento do grupo começa a perceber a importância da disciplina da técnica da associação livre e cada vez menos apontar para o outro com conselhos e palpites:

Embora a psicologia de grupo ainda se encontre em sua infância ... oferece aos investigadores incontáveis problemas que até o momento nem mesmo foram corretamente distinguíveis uns dos outros ... exige grande dispêndio de observação e exposição. (Freud, 1976/1921, p. 93)

 

O arco-íris

O fenômeno do arco-íris foi explicado pelo físico inglês Isaac Newton, Ele estudou a luz e a tratou como onda, um movimento que desencadeia outro movimento no próximo trecho, e assim por diante. Como o arco-íris não está fixado num "lugar" particular, cada observador o vê conforme sua perspectiva e, assim, cada um tem uma imagem própria usando a luz das gotas de chuva dos seus diferentes prismas. Dessa forma podemos fazer uma analogia entre o arco-íris e a psicanálise de grupo.

Sonhando uma sessão de análise de grupo como se fosse um arco-íris, cada paciente reluz uma cor própria que unida a outras cores, se transforma num arco-íris.

Podemos pensar que cada cor conserva a totalidade da personalidade dos pacientes, cada um é único e possui um tom próprio que, no grupo, de acordo com aquilo que é iluminado na sessão, transforma-se na reflexão de uma nova paisagem. A analista busca o arco-íris.

 

A sessão

O material a seguir trata de alguns recortes de uma sessão de psicanálise de grupo no intuito de aproximar os aspectos teóricos de Freud ao caso prático da sessão e suas articulações teóricas.

Sentados em um círculo formado por seis cadeiras, duas cadeiras estavam vazias. O grupo é composto pelos pacientes: Verde, Vermelha, Rosa, Lilás e Abóbora.

Lilás foi viajar para Londres. Uma cadeira vazia. Abóbora fazia aniversário naquele dia e avisou que não viria ao grupo, iria comemorar. Mais uma cadeira vazia. Os outros três participantes estavam presentes.

A cadeira vazia nunca está vazia, ela é habitada e preenchida pelas fantasias inconscientes do grupo e representa um ausente/presente no grupo. Ocupa o lugar da identificação projetiva maciça do grupo.

A projeção, para dentro do objeto-cadeira, faz uma cisão para livrar-se das partes do self que causam dor, na fantasia onipotente de se apropriar de sua identidade, dominá-la e controlá-la.

A analista comunica ao grupo sobre as duas ausências. Lilás estava em Londres, e Abóbora avisou que iria faltar para comemorar seu aniversário.

A nova integrante do grupo, Rosa, fica surpresa:

- Mas a Lilás não ia para Nova York?

Analista:

- Ela foi para Nova York no feriado da semana passada, voltou e agora foi para Londres de férias.

Verde, um homem rico que nunca saiu do Brasil, rindo, debochado:

- E depois ela diz que não tem dinheiro, que está pobre, sei, sei.

Vermelha, moça culta, adora ler, até mesmo sobre psicanálise, com um ar malicioso diz:

- Analista, deixaram um presente para você no seu vaso sanitário!

Todo o grupo dirige o olhar para a analista, na espera de uma reação. A analista replica a pergunta de volta, na pretensão de ganhar um fôlego para pensar diante daquela inusitada informação. "Um presente?"

Vermelha responde:

- Um cocô na privada!

O grupo começa a rir. A analista ri junto.

Le Bon pensa que os dotes particulares dos indivíduos se apagam num grupo ... o que é heterogêneo submerge ao que é homogêneo ... e as funções inconscientes que são semelhantes em todos, ficam expostas à vista ... o indivíduo que faz parte de um grupo adquire um sentimento de poder invencível que lhe permite render-se a instintos que, estivesse ele sozinho, teria mantido sob coerção. (Freud, 1921/1976, p. 97)

Vermelha, sempre falante e simpática, avisa logo:

- Não fui eu que fiz!

- Nem eu - Rosa respondeu rápido.

- Eu também não - emendou Verde. - Já sei quem foi: quem viu!

E voltam a dar mais risadas.

A analista sonhava aquela cena do banheiro, a cena era mais forte do que a vontade de estar ali com o grupo, em décimos de segundos se perguntava quem tinha sido o último paciente a entrar no banheiro, não conseguia saber, sua atenção flutuava e sair da cena era em vão. Divagava naquele impacto da cena do vaso sanitário, um desconforto ocupava sua mente, sentia nojo e um mal-estar corporal. Lembrou-se de uma paciente que, em um surto de raiva, espalhou fezes na parede do banheiro do consultório. Foi muito agressivo. Era preciso um sacrifício para voltar para o grupo, que ainda se divertia.

A analista investigava aquele desconforto, talvez se sentisse culpada.

Enquanto isso o grupo por um longo tempo continuava submerso em associações absortas em fezes, gazes, arrotos, espirros, os catarros e suas contaminações, secreções sem fim. Faziam barulhos com a boca e riam, sons ontológicos, guturais.

Vermelha era quem mais participava, desfilava inúmeros sinônimos para fezes e o grupo animado ajudava a encontrar mais palavras. Estavam unidos num clima absolutamente divertido e infantil. Riam de chorar e a cada novo sinônimo, soltavam gritinhos, tampando o rosto e a boca como se fosse um problema, um pecado, de um jeito meio envergonhado, como se estivessem todos num jardim de infância, aprontando alguma arte diante da professora.

O contágio é um fenômeno cuja presença é fácil estabelecer e difícil explicar ... Num grupo todo sentimento e todo ato são contagiosos, em tal grau que o indivíduo prontamente sacrifica seu interesse pessoal ao interesse coletivo. Trata-se de aptidão bastante contrária à sua natureza ... exceto quando faz parte de um grupo. (Freud, 1921/1976, p. 98)

Aos poucos, o grupo para de rir e se acalma.

Aproveitando o clima leve e a linguagem usada pelo grupo, a analista arrisca:

- Mas, afinal, quem será o dono desse cocô que trouxe esse cheiro ruim para cá?

O grupo para e olha para a analista.

- Será que a gente pode falar, pensar, sobre ele aqui? Olhar sem culpa e sem vergonha. Abrir a tampa, a tampa das nossas cabeças, quem sabe, e investigar, entender melhor que cheiro ruim é esse que está aqui no ar hoje?

Rosa, meio acanhada, confessa que não comentou nada com o grupo antes porque não queria falar sem ter certeza, mas ela vai viajar com o marido para Europa e descreve para o grupo o roteiro da viagem, os países, os hostels e os lugares que quer conhecer.

Verde interrompe para perguntar o que era mesmo um hostel, porque ouviu falar que era horrível, mas não sabia direito como funcionava.

Rosa explica para Verde e depois volta a falar que o que ela queria mesmo era aproveitar e visitar sua tia na Holanda, mas o Cravo, seu marido, não quer. Ele a deixa louca com aquela ciumeira, desconfia que ela vá dar mais atenção para a tia do que para ele e teimou em não viajar mais até que Rosa provasse matematicamente a enorme economia que fariam de hospedagem. Finalmente conseguiu convencê-lo. No ano passado quando foram para a Argentina, o Cravo não visitou a prima apesar da insistência dela. Ele não se dá bem com a própria família, desabafa Rosa.

Verde, muito bem vestido, se contorcia na cadeira. É empresário, mas, hoje em dia, acumula poucas funções na empresa. Gasta seu tempo na televisão ou em casa, viaja e sai muito pouco, tem uma preocupação constante em economizar para deixar o dinheiro para seus filhos quando morrer. Era nítido seu desconforto na cadeira, já não achava posição para se acomodar. Tosse, com um olhar baixo e as mãos cruzadas no peito.

- Fala, Verde. Diz a analista.

- Não, não é nada não, eu nem tenho o que falar, porque sinceramente eu não tenho a menor vontade ou intenção de viajar para fora do Brasil. E, se você quer saber, eu acho um absurdo um brasileiro conhecer os outros países antes de conhecer o próprio Brasil. Tantos lugares bonitos para visitar, Minas Gerais, o Sul do país, as praias...

Conforme fala, fica inflamado, com as bochechas ruborizadas, falando cada vez mais alto, quase bravo.

Nos grupos as ideias mais contraditórias podem existir lado a lado e tolerar-se mutuamente, sem que nenhum conflito surja da contradição lógica entre elas. Esse também é o caso da vida mental inconsciente dos indivíduos, das crianças e dos neuróticos, como a psicanálise há muito tempo indicou. (Freud, 1921/1976, p. 103)

A analista, tomando a força de Verde como um impulso e ainda impregnada pela cena, pesadelo que não saiu de sua cabeça, tentou articular o que pairava no ar. Sonhar com o grupo aquela experiência. Tentava abrir as tampas daquele cheiro ruim que trazia um vento carregado de ataques invejosos pela viagem de Lilás, pela festa de aniversário de Abóbora, que as tirou do grupo, lugar eleito para os problemas, as fezes, as dificuldades, enquanto lá fora, a festa em Londres rolava bem longe dali.

A analista falou em tom meio de brincadeira, meio verdade e aproveitando aquele clima divertido, buscou uma comunicação mais palatável.

- Realmente é bem mais gostoso estar aqui, abrindo tampas nada cheirosas, olhando e reconhecendo os nossos cocôs, do que estar comemorando uma festa de aniversário ou viajando para Londres.

"O que posteriormente aparece na sociedade sob a forma de ... 'espírito de grupo', não desmente a sua derivação do que foi originalmente inveja" (Freud, 1976/1921, p. 153). O grupo parecia aliviado e concordava que seria ótimo poder sair dali para se divertir.

A analista, olhando para Rosa, costura o episódio com Cravo e remenda:

- Já que Cravo não se dá bem com família dele, também não quer que ninguém se dê bem.

Vermelha permaneceu calada até o final da sessão, talvez ainda escondendo seu presente fechado no banheiro. Calada e atenta.

Verde, descruzando as mãos do peito, confessou não saber falar inglês e espanhol, nem Margarida, sua esposa, mas nunca imaginou que uma viagem para a Europa poderia ser tão barata assim. Diz que tem medo de ir para um lugar cuja língua não saiba falar.

 

Conclusão

A interpretação foi construída articulando a ausência das participantes do grupo aos movimentos regressivos, agressivos e ambivalentes, na tentativa de apontar a forma como o grupo passou a funcionar, cada um a sua maneira, por meio de conhecidas gratificações narcísicas.

No recorte do caso clínico, a ficção do objeto-cadeira presente/ausente pôde ser vivenciada e expressada no grupo, diante da inveja, até então muda, deslocada para o excremento que estava fora da sala de análise.

A analista retomou com o grupo o fio associativo das comunicações, a viagem, a festa, e a inveja captada pelo impacto transferencial/contratransferencial do "presente" deixado no banheiro para a analista.

A partir da interpretação da idealização daqueles que estavam fora, a sessão tomou um curso diferente. A negação dos desejos inconscientes pôde ser verbalizada, mediante a capacidade de rêverie da analista de conter e sonhar os ataques do grupo.

Freud, ao privilegiar injustamente a sugestão do líder no grupo em detrimento da sugestão mútua de um indivíduo sobre os outros indivíduos, abre um vasto campo para a pesquisa e o desenvolvimento da teoria e técnica da psicanálise de grupo.

O "enigma do contágio", fenômeno de grupo, convocou a analista a se deixar levar por essa onda emocional que repercutiu, tanto nela quanto no grupo, como uma "ola" dos estádios de futebol, que pôde ser ilustrado pelo arco-íris - pluralismo de cores - onde um movimento de luz desencadeia outro movimento de luz, e assim sucessivamente, além de formar uma bela imagem. O arco-íris ocorre em todas as partes do mundo, é admirado por todas as culturas e foi também, a princípio, algo enigmático e inexplicável para a ciência.

 

Referência

Freud, S. (1976). Psicologia de grupo e a análise do ego. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (vol. 18). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1921)        [ Links ]

 

 

Recebido em: 29/5/2015
Aceito em: 9/6/2015

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