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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.48 no.88 São Paulo dic. 2015

 

DIÁLOGO COM UM JOVEM COLEGA

 

Encontro analítico: a ênfase no mundo interno

 

The analytical encounter: the emphasis on the internal world

 

El encuentro analítico: énfasis en el mundo interno

 

 

João Baptista N. F. França

Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP. jb-franca@uol.com.br

 

 


RESUMO

O autor aborda o encontro analítico, com ênfase no mundo interno de cada um dos componentes da dupla e em sua interação. Após vinheta clínica apresentada como estímulo e um recorte de compreensão teórica, examina o que ocorre com o paciente, que procura análise, e com o analista, em seu trabalho clínico. Privilegia o conceito de transferência primária para situar questões do mundo interno do paciente, e focaliza a personalidade do analista trabalhando em duplo nível, desdobrando a questão da contratransferência no uso de capacidades adquiridas na formação e no aspecto emocional presente. O preparo do analista é descrito em termos de vocação, anos de formação e vicissitudes do analista formado. A seguir, apresenta questões do vínculo analítico e da interação da dupla, focalizando a intersubjetividade e os vínculos em geral. Aborda outros níveis de ocorrências presentes no encontro analítico, como o não verbal, as atuações e enactments e, de maneira mais abrangente, a existência de outra cena que subjaz ao encontro.

Palavras-chave: encontro analítico, mundo interno, transferência primária, função analítica, intersubjetividade


ABSTRACT

This paper shows the author's approach to the analytical encounter, with an emphasis on the internal world of each one of the two participants, and on their interactions. After a clinical vignette that was brought as a stimulation and an excerpt of theoretical understanding, the author examines what happens with the patient, who seeks an analysis, and with the analyst, in his clinical practice. The author gives priority to the concept of primary transference in order to place subjects relating to the patient's internal world. He also focuses on the analyst's personality, working on two levels: unfolding the countertranference issue in the use of the skills that he acquired during psychoanalytic training, and in the existing emotional aspect. The professional preparation of the analyst is described in terms of vocation, years of training, and all ups and downs after his final graduation. Then the author brings up some issues related to the analytic bond and the two-person interaction, focusing on intersubjectivity and general bounds. He writes about other levels of events in the analytical encounter, such as nonverbal behavior, performings and enactments, and the existence of other scene - a scene that underlies the encounter - in a more comprehensive way.

Keywords: analytical encounter, internal world, primary transference, analytic function, intersubjectivity


RESUMEN

El autor propone estudiar el encuentro analítico con énfasis en el mundo interno de cada uno de los componentes de la dupla y su interacción. Presenta una viñeta clínica como estímulo y una propuesta de comprensión teórica, para examinar lo que ocurre con el paciente cuando busca un análisis y con el analista en su trabajo clínico. Elige el concepto de transferencia primaria para situar cuestiones del mundo interno del paciente y focaliza la personalidad del analista trabajando en doble nivel, al examinar la cuestión de la contratransferencia tanto en el uso de las capacidades del analista, adquiridas en su formación, cuanto en los aspectos emocionales presentes. La preparación del analista es descripta en términos de vocación, años de formación y vicisitudes del analista ya formado. Luego, el autor, presenta cuestiones sobre el vínculo analítico y sobre la interacción de la dupla, focalizando en la intersubjetividad y los vínculos en general. Finalmente, aborda otros niveles presentes en el encuentro analítico, como el no verbal, las actuaciones y enactments; así como de forma más amplia, la existencia de otra escena que subyace al encuentro.

Palabras clave: encuentro analítico, mundo interno, transferencia primaria, función analítica, intersubjetividad


 

 

Introdução

Neste trabalho, vou apresentar um recorte de como vejo o encontro analítico. As questões de setting externo serão apenas mencionadas, pois vou me estender naquelas referentes ao mundo e ao setting internos e às interações intersubjetivas.

A introdução traz uma ocorrência do dia a dia do consultório, que vem como um estímulo para o trabalho e que sugere aspectos de contratransferência e do encontro intersubjetivo.

Na parte central do trabalho, abordo detalhes da função analítica e de elementos significativos do mundo interno do paciente e do analista e focalizo a atividade clínica deste.

Apresento a seguir uma visão do vínculo intersubjetivo no encontro analítico e sugiro a presença de duas correntes simultâneas no encontro de analista e paciente.

Um encontro perturbador

O analista acordou, tomou café, conversou com os familiares e saiu, dirigindo-se ao consultório. Uma rotina diária, uma agenda de trabalho. Naquele dia, havia sido marcada uma nova entrevista.

Uma pessoa havia telefonado, solicitando uma consulta. Tinha sido indicada por um colega, pois o eventual paciente - a pessoa em questão - queria conversar com o analista de determinada corrente teórica, pela qual o analista era conhecido.

Ao abrir a porta para atender o paciente, o analista ficou bastante impactado e surpreso com o aspecto do mesmo: era uma pessoa alquebrada, com dificuldade para caminhar e idade indefinida.

A entrevista decorreu com o paciente falando bastante sobre pormenores de sua vida, pelo que o analista foi identificando aspectos narcísicos pronunciados, com muita clivagem em relação a importantes aspectos da vida: junto a sucesso profissional em setores dissociados, circunstâncias atuais acabaram por romper suas defesas, levando a vivência de desastre e um medo de catástrofe; demonstrava uma ansiedade pronunciada. Estava bastante perdido quanto ao que fazer e o que queria; e encontrava-se bastante mal, já tendo consultado um psiquiatra.

Falou novamente da esperança de que, com aquela técnica pela qual o analista era conhecido e da qual tinha tido algum conhecimento através de leituras, ele poderia melhorar; e queria conhecer mais sobre o assunto.

O analista falou pouco, mas disse que o que importava era ver do que se tratava e não seguir esta ou aquela corrente; e teve dificuldades em avaliar o caso e propor o que fazer e o que poderia oferecer àquela pessoa. Após uns trinta minutos, o paciente perguntou ao analista: "Doutor, você está passando bem?".

O analista ficou perplexo e se auscultou; parecia estar bem, não só fisicamente, mas se sentia integrado. Ficou chocado com a pergunta, pois se acreditava razoavelmente bem e harmônico. Tinha alguma consciência da perturbação emocional que o paciente "produziu"; e pensou logo em identificação projetiva maciça, mas não lhe foi possível captar os diversos aspectos que - da comunicação e do ponto de urgência - aquela mensagem mostrava; deu uma resposta comum, e não analítica, dizendo que sim, que estava bem.

A entrevista prosseguiu, e no fim o analista propôs que conversassem mais, que o paciente viesse novamente para esclarecer melhor a situação e combinar um eventual trabalho. O paciente agradeceu, marcou um novo encontro, que desmarcou no dia seguinte, deixando recado ao telefone.

Ao fim do dia, o analista retornou à sua casa, encontrando-se em outro contexto; mas permaneceu a sensação de incômodo com o ocorrido.

Recorte de compreensão teórica

De fora da cena, podemos teorizar uma situação de dupla, na qual o paciente fez o que pôde e não tinha obrigação de fazer mais, revelando diversos aspectos de seu mundo interno; enquanto o analista sentiu logo emoções perturbadoras que influíram no seu próprio interior e no seu trabalho, e não pôde metabolizá-las naquele momento.

Em um exame posterior ao ocorrido, o analista teve clareza de alguns aspectos da contratransferência; mas o impacto emocional que surgiu no encontro com o paciente perturbou-o a ponto de impedir uma resposta adequada às necessidades do momento e ao uso de suas capacidades.

A identificação projetiva requer uma resposta relacionada a um timing. O paciente, quando na vigência de uma análise regular, geralmente tolera uma incompreensão do analista; às vezes, até mesmo no decorrer de uma sessão, o analista se sente incomodado ou cego, mas usa de abstinência, deixa sua atenção flutuante trabalhar e há tempo para se recompor após tomar a consciência emocional do impacto, podendo trabalhar logo em seguida, em nível de processo secundário.

Quando isso não ocorre, a identificação projetiva consegue ser exitosa de um ponto de vista, pois produz efeitos no outro, mas torna-se fracassada por outro lado, uma vez que não é metabolizada pelo destinatário.

O analista pode estar preparado em relação a seus conhecimentos teóricos e sua experiência clínica, mas pode também ser surpreendido com eventos emergentes nos quais seu self se sente ameaçado, dificultando o uso de sua capacidade egoica de compreender e dar uma resposta adequada ao emergente.

Na vinheta apresentada, o analista sentiu a perturbação, mas não pôde trabalhar com ela, não teve tempo e condições de fazê-lo no momento que emergiu.

A ênfase no mundo interno

O encontro analítico se desenrola no campo da intersubjetividade. A subjetividade se encontra presente em todo ser humano; seja mais ou menos desenvolvidos a consciência e o uso que se tem dela. A intersubjetividade ocorre em toda a interação, e os analistas se tornaram cada vez mais cônscios de sua importância no processo analítico, o que Freud tinha apenas vislumbrado.

A teoria e a prática psicanalíticas tiveram início com o foco no intrapsíquico do paciente, incluindo a transferência; questões de contratransferência e a intersubjetividade foram surgindo aos poucos no cenário analítico.

A ênfase no mundo interno do paciente e também do analista constitui o aspecto mais central do trabalho deste e se processa com a compreensão da transferência e da contratransferência presentes no encontro, questões ao mesmo tempo intrapsíquicas e relacionais; e os fenômenos de campo devem ser considerados como uma importante contribuição para a compreensão dos fenômenos intrapsíquicos.

Vou expor separadamente o que suponho que pode acontecer no encontro analítico, na mente do paciente e do analista e no mundo experiencial de ambos, sua subjetividade e sua perspectiva de interação; e depois abordar como acontecem fenômenos de dupla e as questões relacionadas com o tipo de vinculação.

 

Primeira parte: a mente do paciente

Transferência primária

O que o paciente espera de um analista? O que o leva a procurar esse tipo de profissional para pedir-lhe ajuda? Supõe-se que haja um desconforto, um sofrimento que pode ou não ser traduzido em palavras.

Freud privilegiou o passado e suas repercussões no presente; ao observar a transformação de acontecimentos traumáticos (no sentido lato) do passado nos sintomas e manifestações do presente, foi construindo ideias sobre a tendência à repetição, base da descoberta do inconsciente e também da transferência.

Essa compreensão de Freud foi o início da psicanálise. O passo seguinte foi a descoberta de que a experiência analítica não era apenas intelectual, mas vivida em um novo palco, e a dinâmica passada se reencontrava na situação e vivência transferencial.

O conceito de transferência foi se modificando mesmo com Freud, e foi se impondo ao analista a ideia de um "aqui e agora", a sessão sendo o palco atual de transformações.

Dentro de um ponto de vista de que no trabalho com o paciente o que importa é a atenção, compreensão e comunicação da visão por parte do analista do estado interno do paciente, vou agora abordar um aspecto específico desse mundo interno que aparece precocemente na transferência.

Como é o mundo interior, como são os habitantes do mundo interno do paciente, seus objetos internos?

Vou destacar o recorte que se baseia em um trabalho da Geneviève de Rodriguè (1965) quanto ao que ela chama de transferência primária.

A autora focaliza o mundo interno pelo referencial kleiniano e, principalmente, as angústias da posição esquizoparanoide; particulariza sua compreensão do mundo subjetivo (consciente e dos derivados do inconsciente) do paciente pela atenção e focalização deste ao procurar a psicanálise; traz casos clínicos de um primeiro encontro e do início de análise, mas seu enfoque permanece quando o paciente está em pleno trabalho analítico.

Penso que é válida a comparação da expectativa inicial do paciente que procura análise e embarca nessa aventura, com a relação do bebê e sua mãe, quanto a preconcepções e expectativas que o infante tem desta, do pai e outras figuras que vão se sucedendo no mundo relacional.

O bebê espera figuras competentes que vão lhe atendendo de acordo com as dificuldades próprias do momento.

A atitude que Winnicott (1960) descreveu como sendo a da "mãe suficientemente boa " se refere não só ao atendimento das necessidades físicas, mas das emocionais.

O trabalho de análise comporta uma atividade "processual"; mais ainda, compreende uma complexa vivência emocional; ambas devem ser suficientemente boas, com seus cuidados, acertos e erros.

As ansiedades primitivas requerem rêverie do analista para conter as angústias diversas que ocorrem.

O paciente que procura análise não se saiu bem até então em sua evolução no decorrer da vida, e nele permanece a expectativa de um encontro especial e voltado para a compreensão empática do mundo interno. Essa compreensão vai ocorrer em termos de processo primário ou secundário do analista. Empatia e interpretação se complementam.

A procura de análise é um momento de grande esperança e ao mesmo tempo de grandes ansiedades e resistência. Rodriguè (1965) destaca o que acontece no mundo interno do futuro paciente, as ansiedades paranoides que ocorrem pela entrada do novo personagem, o analista, no recanto interno do paciente.

O paciente necessita de um continente transformador, como formulam Bion (1962) e Bollas (1992), mas suas experiências de vida o fazem intensamente temeroso em tentar uma nova experiência. Apega-se ao velho, às defesas que, bem ou mal, lhe têm servido.

Nesse contexto, o analista em perspectiva representa o objeto novo. Um objeto externo, porém supostamente conhecedor dos segredos do mundo interno e que vai - qual um estranho no ninho - desacomodar o elenco de objetos internos sob controle do ego: um objeto idealizado-perseguidor para com o sofrido self do paciente.

Para Rodriguè (1965), essa é uma etapa crucial no desenvolvimento da transferência, particularmente em pacientes com ansiedades paranoides mais prevalentes.

No trabalho sobre "As origens da transferência", Klein (1951/1984) já tinha focalizado as bases para as ideias que Rodriguè trouxe no seu artigo; mas estou ressaltando o caráter de expectativa e o teor da carga emocional com que o futuro paciente - e mesmo o paciente já em análise - investe na procura de análise e na pessoa do analista.

Poderíamos especular se e quanto esse tipo de transferência ocorre em pacientes com ansiedades e situação interna características das patologias atuais. Será válida a ideia de uma transferência primária nesses casos?

Com que tipo de objeto ou self-objeto o paciente vai contracenar nessa situação?

 

Segunda parte: o analista trabalhando

Setting externo e interno

Todo analista está familiarizado com a importância do setting externo; sem me estender no tema, quero lembrar o excelente trabalho do casal Baranger (1960) sobre o campo analítico, no qual os diversos aspectos do setting do processo analítico são descritos.

Nesse trabalho, os Barangers estudam o enquadre em abordagem que abrange os settings interno e externo, além de focalizar questões de fantasia inconsciente presente no campo e não só no paciente.

A relevância das questões de um setting interno tem sido cada vez mais abordada pelos psicanalistas, como Green (1975/1988), autor que expandiu e aprofundou o estudo da metapsicologia, da representação e dos afetos - temas do intrapsíquico - e que aborda também a questão do setting interno e da intersubjetividade.

Quanto ao setting interno do analista, vemos que este trabalha em dois níveis; há o nível (pré-)consciente, no qual opera sabendo qual é sua tarefa: ele tem seu recorte em relação à psicanálise, adota procedimentos técnicos condizentes e conta com sua experiência e esquema conceitual. Está suficientemente consciente do que se passa; da atitude e das falas do paciente e do que compete a ele fazer.

Com sua formação e experiência clínica, o analista consegue ter uma ideia mais ou menos precisa de sua função. Esta se relaciona com suas concepções do que é psicanálise e em que consiste o trabalho analítico: compreender o mundo interno do paciente, seus recursos e conflitos; entender suas repressões e defesas e esclarecer ao paciente, dar insight a ele, através da interpretação.

Trabalhando com uma infinidade de conceitos para se organizar, o analista está sempre em busca de recortes, e estes são sempre impregnados por aspectos menos conceituais, que ele adota sem perceber.

Atitude interna do analista

Durante a formação, vão se processando diversas introjeções adquiridas durante o aprendizado e que vão moldando uma particular identidade. Ao lado disso, a experiência com pacientes vai resultar em outro acervo para formar o pensamento clínico; esse acervo é inestimável, embora mais difícil de definir ou precisar.

Como levantar os elementos que compõem a atitude interna do analista em seu trabalho? Como definir o setting interno?

A contraparte da transferência primária, no sentido do papel reservado para o analista na expectativa do paciente, é um desempenho adequado da função analítica.

Se o paciente é alguém cuja participação na empresa analítica se constitui devido às suas carências e conflitos, o analista entra na relação com sua exper tise, suas capacidades e sua formação adequada. Mas essa expertise adquirida na formação e prática analíticas se vê bastante entremeada pelas circunstâncias do seu mundo emocional.

O uso de capacidades para ser analista depende de sua personalidade como um todo; como já dizia Virgínia Bicudo, o instrumento de trabalho do analista é sua personalidade.

Habitualmente, chamamos de contratransferência os aspectos de atitude interna do analista diante do paciente, mas o termo requer um detalhamento nas suas concepções teóricas e nos seus aspectos emergentes.

A contratransferência foi primeiramente vista por Freud no contexto das dificuldades emocionais do analista ao trabalhar com o paciente, pois "nenhum psicanalista avança além do quanto o permitem seus próprios complexos e resistências internas" (1910/1969, p. 130). A contratransferência seria a transferência do analista ou sua neurose.

Os trabalhos de Paula Heimann (1949) e Racker (1969) trouxeram uma nova visão, a de um uso da contratransferência que passou a ser vista não apenas como obstáculo, mas como um importante auxiliar da tarefa analítica. A contratransferência incide, às vezes, na própria constituição da dupla e, outras vezes, emerge no aqui e agora.

Diante de um novo paciente, os sentimentos são os mais diversos; simpatia ou estranhamento, o prazer de ter um novo parceiro de trabalho, a visão das qualidades do paciente e de suas limitações.

O paciente em seus diversos aspectos costuma ser "sonhado" pelo analista, e nesse sonho entram acolhimento, desejos e mesmo idealização, no sentido de esperança de alguma modalidade de desenvolvimento. Ocorrem aspectos amorosos sublimados na relação, nos diversos elos em jogo, além de outros tipos de vínculo.

Ao pensar no modelo que Leonardo da Vinci trouxe com o uso da via de levare como própria do escultor, e que Freud utilizou como o modo de trabalho do analista, nota-se uma diferença; o analista não encontra um bloco de mármore bruto, mas se defronta com um personagem que o paciente já construiu; e a conversa com ele e o trabalho analítico versam sobre as múltiplas possibilidades de ser; o evoluir não tem um projeto preferencial.

Outra forma de ver a qualidade desejável da relação quanto à atitude do analista na relação é a noção de presença, implicação e reserva. L. C. Figueiredo (2008) fala em presença implicada ao referir-se à dialética de presença e ausência na relação analítica e a de implicação e reserva como disposição do analista em sua prática clínica; penso que se refere às difíceis e necessárias atitudes que o analista assume e a distância adequada para cada momento.

O analista procura se equilibrar entre o envolvimento - não só inevitável, mas desejável - e a reserva necessária para resguardar sua identidade pessoal e analítica.

A aquisição da identidade psicanalítica é o resultado de uma preparação para o ofício que vai se exercer e operar quando está trabalhando.

Além do trabalho específico que exerce, fruto de uma preparação laboriosa, vemos que muitas vezes se esquece de que ser analista é antes de tudo uma profissão. Encerra responsabilidades, um contrato de trabalho, pois se trata de uma obrigação remunerada. Essa dimensão não pode ser esquecida diante das outras, que parecem muito mais "nobres", como o sofisticado ofício que é aprendido arduamente.

Na sua atividade diuturna com os pacientes, no seu engajamento com a instituição, o analista pode se esquecer da inserção na sociedade e de como isso o afeta tanto como o paciente. Nosso microcosmo faz parte de um universo cultural muito maior.

Antes de ser analista, somos uma pessoa, um cidadão, com idade, gênero e história particulares. Seria preciso fazer um zoom em alguns momentos do trabalho no consultório, quanto à função e tarefa específica que está exercendo, aproximando-se e afastando-se sucessivamente do objeto de pesquisa para uma visão binocular.

A ideia do zoom é característica da posição epistemológica do analista. Além do seu acervo de teorias, há a necessidade de escolher sucessivas e múltiplas abordagens, múltiplas aproximações e recuos no desenrolar de sua tarefa.

Quando se encontra com o paciente, o analista o faz com seu mundo emocional, e não só com o aprendizado específico que recebeu. É toda a experiência de vida, toda sua subjetividade que está presente. O aspecto de "instrumento de trabalho" da personalidade do analista se origina, se ajusta e se burila em todas as fases de evolução pessoal.

Vocação e empatia

Desde a infância, nota-se que há personalidades diferentes, umas mais introspectivas, outras mais voltadas para fora, umas mais conscientes de seus sofrimentos e dificuldades nas relações. A curiosidade já se observa quanto ao mundo interno, seja no espírito investigativo, seja nas tendências artísticas.

Observando biografias e autobiografias de analistas, pode-se observar a presença de conflitos importantes, o que pode ser visto de modo impactante nos trabalhos autobiográficos de Bion (Williams, 2010). Mas no dia a dia, nos analistas comuns, o elemento conflito e a maneira de lidar com ele são presença constante.

A empatia se forma nas primeiras relações objetais, conforme estudaram Klein (1959/1984) e Kohut (1959), e sua presença - e frequentemente suas falhas - vai resultar em neuroses e conflitos e participar da escolha do jovem na profissão de analista.

A formação psicanalítica: riquezas e questões

Após a análise pessoal e a experiência de ter sido paciente, o analista inicia uma formação formal intensamente trabalhosa, com um árduo investimento intelectual, financeiro e, sobretudo, emocional.

A formação do analista se concentra em torno da análise pessoal, na qual são introjetadas uma relação muito especial e a construção da função analítica, mas que não substituem as outras partes do aprendizado, como as supervisões e os seminários.

A formação formal foi instituída desde as preocupações de Freud com o preparo dos analistas e com a ortodoxia da sua doutrina, e estava presente em sua preocupação com a análise selvagem em termos do preparo emocional, o que o fez recomendar a análise didática, e não apenas a autoanálise.

A instituição se torna presente ao futuro analista em diversos aspectos.

Há linhagens e correntes às quais o candidato adere, embora saiba que seu caminho deveria ser de equidistância. Há recortes variados na formação e que são naturais e desejáveis para se constituir um analista.

Um fator perturbador na formação analítica é a própria existência da instituição. Ao lado dos recursos construtivos e formativos, o período de formação e a vida institucional correm o risco de se apresentar ao estudante - agora designado como candidato ou membro filiado - como um noviciado religioso. Freud (1921/1969) e Bion (1961/1975) abordaram questões de psicologia de grupo, formação de ideais, importância e submissão ao líder, que se aplicam à instituição psicanalítica.

Os institutos de psicanálise propiciam uma formação bastante completa, com o tripé constituído por análise didática, supervisões e seminários, os grupos de trabalho e reuniões científicas, além de estímulos e vivências enriquecedoras com colegas e docentes; mas ao lado disso podemos ver manifestações de cunho de uma igreja; temos nossos deuses, grupos de fiéis, totens e tabus.

Os aspectos institucionais da formação do analista respingam sobre a atividade clínica de nossos candidatos. Todos sabem das transferências e contratransferências que ocorrem quando um colega atende um caso que tem de levar para a supervisão como parte das obrigações curriculares; com alguma frequência, o candidato se perturba com a autoridade do supervisor e a perspectiva do trabalho de análise no momento em que passou a haver a interferência do terceiro, da instituição.

O analista formado

Um momento especial ocorre quando o analista se forma pela instituição. Aspectos de formação quase universitária, ou de pós-graduação, se mesclam com os da formação sui generis que construímos, e lá estamos nós, analistas, continuando o trabalho com os pacientes, com uma chancela oficial e nem sempre com a outra, vivencial.

Como designar o longo processo de amadurecimento que se observa e vai constituir um novo status vivencial do analista?

"Depuração" é um termo com significados usuais em biologia, físico-química e também em informática. Mas pode ser aplicado ao longo do processo de amadurecimento que o analista sofre com sua prática; junto a aspectos de reciclagem, traduz um processo interno de formação do pensamento clínico do analista.

A experiência de longos anos de prática, ao lado de experiência de vida e até o distanciamento relativo dos anos de confronto da formação podem compor o quadro de uma personalidade de analista como vemos nos mestres como Winnicott, Green ou Bion e tantas figuras atuais do nosso universo psicanalítico (a menção desses nomes corrobora a idealização, que é uma das marcas da vocação psicanalítica). Ao lado deles, poderíamos falar no "analista suficientemente bom".

Uma sugestão de formalizar uma reciclagem foi apresentada por Freud (1937/1969) com a recomendação de análise a cada cinco anos; uma reanálise pode ser fundamental quando necessária, mas a proposta pode ser mais bem ventilada e otimizada , pensando-se na importância de muitos outros fatores, todos e cada um deles fundamentais: o diálogo entre colegas, os trabalhos científicos, as publicações, as supervisões e a interdisciplinaridade.

A vocação para ser analista comporta um aspecto inusitado: o analista, ao se dedicar a analisar seus pacientes como atividade profissional permanente, tem como consequência a vivência de ter uma espécie de análise pessoal o resto da vida.1

As vivências da prática analítica com os pacientes surgem de várias maneiras; ao lado de situações de contraidentificação projetiva, existe o aprendizado que os pacientes proporcionam ao analista, a introspecção essencial ao método, e, mais, o aspecto de uma relação a dois em um clima quase regressivo, presente na configuração da dupla em um setting especial.

Esse resultado inesperado se configura ao lado dos sofisticados avanços no campo pessoal e na expertise que podemos conquistar e que constituem o aspecto mais objetivo da atividade profissional do analista.

Uma das recomendações mais centrais e ao mesmo tempo mais difíceis de conquistar é a abstinência no trabalho clínico. Vislumbrada por Freud em suas metáforas do espelho e do cirurgião, vista primeiro como uma impossível neutralidade, a abstinência é tarefa de todos os dias e todos os momentos na nossa prática.

O comprometer-se emocionalmente faz do analista um profissional ímpar. Conciliar conhecimentos, propósitos, o uso de capacidades, do preparo e a administração dos próprios aspectos emocionais - o exercício da abstinência - compõem a figura do analista trabalhando.

 

Terceira parte: o vínculo intersubjetivo

No diálogo analítico temos sempre proporções variáveis de encontros e desencontros.

Tendo em vista que são duas pessoas diferentes, que chegam ao cenário analítico com toda a vivência pessoal construída até então, o que acontece no encontro do ponto de vista das subjetividades presentes e de sua interação?

A difícil questão do contato entre duas subjetividades traz questões metodológicas. Como aferir se o que se intui ou deduz a respeito do estado interno de outrem corresponde à vivência subjetiva experimentada e, ainda, aquilo que ele mesmo conhece de si mesmo? É tão difícil a autorreflexão e igualmente hipotético conhecer o outro.

Freud inventou o método psicanalítico possibilitando um setting produtivo e relativamente asséptico para a compreensão da subjetividade. O modelo do cirurgião podendo trabalhar em um campo perigoso e a ideia de neutralidade modificada como abstinência permanecem úteis como um primeiro balizamento para destacar questões e a emergência atual do que acontece no campo analítico.

No decorrer de anos de teorização psicanalítica, alguns conceitos foram elaborados, tentando dar conta da aproximação do mistério da subjetividade alheia: identificação (Freud, 1921/1969; Klein, 1951/1984), empatia (Kohut, 1959; Bolognini, 2008) e rêverie (Bion, 1962) são conceitos com os quais o analista procura lançar alguma luz em um terreno que se presta a opiniões não seguras.

Diversos autores do fim do século passado e outros da atualidade se propuseram a estudar com um foco mais preciso o tema da intersubjetividade.

Atwood e Stolorow (1984) pensam que no encontro de duas subjetividades podemos falar em "conjunções intersubjetivas e disjunções intersubjetivas". Segundo esses autores, aquilo que o paciente sente e vive pode corresponder à ideia que o analista faz da situação - caracterizando uma conjunção - ou não corresponder, o que chama de disjunção. Tanto a conjunção como a disjunção podem ser tanto úteis como perturbadoras para o processo analítico, com os perigos de conluio, no caso de conjunção ou de resistência, podendo chegar à reação terapêutica negativa, no caso das disjunções.

Nesse viés sobre o intersubjetivo, focalizam-se dois sujeitos, dois centros de integração e atividade egoica, e procura-se estabelecer as correlações entre ambos. Cada um é focalizado sucessivamente e se tenta integrar simultaneamente à sequência de interações. Transferências e contratransferências se mesclam, na visão dos autores citados, e se superpõem na produção de diversos resultados intersubjetivos.

Se formos examinar as propostas de Ogden (1995), deparamos com uma visão bastante diversa do que seja o intersubjetivo.

Ogden traz uma fascinante descrição do que acontece em um encontro; mesmo na leitura de um livro, em uma palestra, no relacionamento a dois - mais ainda no encontro analítico -, a interação presente se impõe e determina o que ocorre; a partir daí, Ogden propõe o conceito de um terceiro que se forma ad hoc e que se articula com cada um dos sujeitos presentes.

Ele parte do uso da contratransferência para a compreensão pelo analista da dinâmica do terceiro analítico emergente, com o qual cada um dos participantes da dupla interage. E traz muitos exemplos clínicos em diversos trabalhos em que aborda a questão, nos quais a intuição, o abandono das regras de uma lógica típica do processo secundário e a emergência de sonhos e imagens oníricas captadas pelo analista irão guiar a percepção do terceiro emergente e sua participação essencial no campo.

Em alguns aspectos, aproxima-se bastante das contribuições do casal Botella (2002) sobre o irrepresentável e sobre a figurabilidade, em algumas etapas do processo e no resultado deste, do ponto de vista fenomenológico, embora com compreensão e detalhamento metapsicológico diversos do que acontece nos meandros teóricos e na configuração do seu enfoque.

Ferro (1999) vai entender a intersubjetividade de forma um pouco diversa. Ele credita a Bion e ao casal Baranger a origem de suas ideias. De Bion, tirou a ideia de alfabetização, que ocorre dentro do indivíduo, mas sob a influência de um outro continente, e com base na vivência intersubjetiva de uma rêverie que permite a transformação dos pensamentos beta em alfa.

Mas Ferro (1999) também ressalta o aspecto da narrativa, presente no diálogo analítico e o terreno linguístico e simbólico sobre o qual este repousa.

Ferro põe ainda uma ênfase considerável na observação de uma espécie de "prova dos noves", pela qual o acerto ou equívoco de uma interpretação pode ser rastreado: é a observação da resposta à interpretação do analista.

De maneira um pouco diversa da de Ogden, que privilegia a fantasia resultante do encontro, Ferro parece destacar as fantasias pré-conscientes ou inconscientes despertadas no paciente. Assim, a importância da resposta do paciente à interpretação do analista referenda não só o acerto desta, como a emergência no paciente de uma vivência não diretamente conscientizada.

Técnica analítica, contratransferência e intersubjetividade se atualizam no aqui e agora da interação intersubjetiva.

O encontro com o novo objeto - o analista - comporta aspectos do novo e do velho, e dessa trama é que pode resultar o desenvolvimento do processo.

A diversidade de enfoques em relação à intersubjetividade tem como uma das suas fontes a obra já citada dos Barangers sobre o campo analítico. Lá encontramos a ideia da fantasia presente no campo e a importância de esta ser o objeto de exame e interpretação.

Para se chegar à fantasia inconsciente, seja ela do paciente ou da dupla presente no campo analítico, os diversos autores privilegiam o uso de contratransferência e da empatia como auxiliares do analista e, mais ainda, como elementos necessários a ele para a compreensão do mundo interno do paciente.

As posições diversas que exemplifiquei com as ideias de Atwood e Stolorow, de um lado, e de Ogden, por outro, podem encontrar solução dialética que inclua a ambas.

As questões que os pesquisadores das teorias sobre vínculos formulam começam por examinar o que acontece quando duas personalidades se encontram e quais as mudanças que vemos durante e após ocorrer uma inter-relação.

São as duas personalidades envolvidas na relação, cada uma com suas características e subjetividade, que determinam o encontro ou é o encontro que vai determinar o vínculo?

Em seu estudo sobre vínculos, Moreno (2010) diz que os defensores de cada posição não chegam a um consenso, pois, dentro da aparente oposição, ambos têm razão. O vínculo entre duas pessoas deve ser pensado com proveito com base nos dois pontos de vista.

Não há um fenômeno único, e os mecanismos que sustentam cada argumento são de ordens diferentes. Haveria uma área de interface e fronteira, em que as ideias de cada ponto de vista se encontram, resultando uma unidade complexa, sem que uma anule a outra.

Na nossa abordagem e pesquisa teórica, algumas vezes vale a visão de Freud sobre a linguagem inconsciente: vale não só o "ou", mas também o "e".

Para integrar os diversos pontos de vista sobre os mundos subjetivos presentes no encontro e a intersubjetividade do campo, é mais proveitoso ver qual o fator no encontro mais producente no processo analítico.

Penso que as consultas às diversas abordagens sobre o campo analítico, das quais Ogden representa uma posição muito forte, interessam no processo como auxiliares no conhecimento do mundo interno do paciente, através da valorização da contratransferência em um sentido muito amplo, que inclui aspectos os mais variados do mundo interno do analista.

Os diversos vértices de observação se somam e contribuem para o entendimento e operação do pensamento e conduta clínica do analista.

 

Vínculos diversos: o que acontece na sala de análise

No processo analítico ocorrem dois fenômenos diferentes e que se superpõem: o descobrimento e a relação presentes no processo.

Freud privilegiava o diálogo analítico verbal e ressaltava a importância da interpretação, pois era preciso tornar consciente o inconsciente.

Klein, que descobriu tanta riqueza na noção de fantasia inconsciente e aspectos primitivos da mente, também privilegiava a palavra, pois, se seus pequenos pacientes se exprimiam pelo jogo, cabia ao analista verbalizar, pela interpretação, as emoções que a criança encenava através de uma personificação, até mesmo e principalmente com a verbalização dos afetos transferenciais.

O fato é que a interpretação verbal - que se seguia à exposição das queixas e relatos dos pacientes - constituiu por décadas o objetivo da tarefa do analista, e o diálogo entre a dupla se desenrolava por meio de palavras. Mas os analistas foram vendo que aconteciam muitas coisas que não se exprimiam por palavras.

Além da comunicação do paciente de fatos da atualidade e do passado, sentimentos, relacionamentos e do relato de sonhos, desde Freud descobriu-se que a própria relação nova com o analista era um fator relevante no trabalho de análise.

Essa relação nem sempre é conscientizada em termos de uma compreensão verbalizada e é base de uma nova concepção de transferência e do trabalho analítico. Ocorre como uma espécie de "fantasma" que acompanha o processo; um fantasma que pode ser cordial, subversivo ou destrutivo, porém um parceiro indispensável e utilizável.

Diálogo, encenação e experiência emocional

A cena analítica comporta acontecimentos da sala de análise que poderiam ser vistos sem muita estranheza por um observador externo; embora o setting possa parecer peculiar, há trocas de verbalizações que fazem da cena um desenrolar factível, como atividade profissional.

Mas sabemos que ocorrem, paralelamente às verbalizações, fantasias, sentimentos conscientes ou não, disposições afetivas e ações.

Temos de considerar as palavras e ações que ocorrem no encontro mesmo em pacientes relativamente estruturados; manifestações pré-verbais e paralelas acompanham o fluxo das associações livres. Isso se torna mais manifesto em pacientes borderlines e em outras patologias da contemporaneidade.

Freud (1914b/1969) já falava em repetir (agir) para não recordar; e ao lado disso os analistas sempre falavam em atuações específicas - o acting out - que ocorriam fora e dentro do setting analítico e que geralmente denotavam resistências.

Aos poucos, foi-se compreendendo que a atuação era usada para fins de comunicação.

Paralelamente aos estudos sobre intersubjetividade, foi-se chegando ao conceito de enactement. Este foi visto antes como uma atitude do paciente, e, agora, como construção conjunta de analista e paciente no campo analítico.

Ogden abordou o tema na obra citada, no capítulo sobre "O conceito de ato interpretativo". Vale não só a letra, mas a música, as entrelinhas e o não dito, às vezes uma vivência bem diversa daquela que as palavras sugeriam em uma primeira leitura e cujo entendimento pode trazer uma visão bastante diversa do que está ocorrendo.

Cassorla (2013) tem estudado o conceito de enactement há muitos anos. Traz contribuições que abordam de maneira abrangente a origem e evolução do conceito de enactement como acontecimento da clínica e como ocorrência intersubjetiva mais ou menos velada. O enactement tem sido visto como algo que denota uma situação resistencial, mas operacionalmente útil, na compreensão do acontecer analítico.

Em que pese a resistência dos kleinianos, cuja ênfase no mundo interno e pulsional acarretou um atraso no reconhecimento de dimensões da intersubjetividade, mesmo Joseph (1985) e Klein (1951/1984) já tinham abordado a situação com suas ideias sobre transferência como situação total.

As atuações, a repetição e sua compreensão atual com o conceito de enactement dizem respeito a vicissitudes do processo, nas quais resistência, elaboração e mudanças se verificam.

A cena interna

A concomitância de uma cena interna, correspondendo a outro nível de interação além das palavras, além das atuações e do explícito, expressa a vida fantasmática do mundo interno de cada componente da dupla e as relações que ocorrem como se fosse um filme paralelo, com profundos efeitos dinâmicos em cada um dos seus personagens e que influem em todo o processo analítico.

Vemos, então, que em vez de dois interlocutores temos muito mais personagens em campo. Temos os dois participantes da dupla, os diversos tipos de terceiros (como o casal Baranger já havia estudado), temos os personagens e fantasias não aparentes e as ocorrências que se somam para a compreensão da tarefa intrigante, misteriosa e encantadora na qual analista e paciente se aventuram.

 

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Recebido em: 22/6/2014
Aceito em: 23/6/2014

 

 

1 A ideia desse "aspecto inusitado" me foi sugerida pela psicanalista Celmy Quilelli Corrêa, do Rio de Janeiro, que a apresentou em uma Jornada de Institutos de Psicanálise, realizada em Montevidéu em 2012, com base na leitura de um livro de F. Ganthert intitulado L'incertitude de l'Eros.

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