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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.48 no.88 São Paulo dez. 2015

 

TRADUÇÃO

 

Os tempos do grupo: o primário, o secundário e o terciário

 

 

Claudine Vacheret

Professora na Universidade de Lyon, na França. Membro do CRPPC

 

 

Quem de nós, após ter vivido uma experiência de grupo bastante intensa e prolongada, não pode reconhecer a que ponto esse tempo do grupo lhe pareceu uma experiência especial, feita de uma percepção do tempo completamente diferente daquela que existe no cotidiano? Na maioria das vezes, é no momento de deixar o grupo que se tem essa sensação próxima da estranheza de que estamos saindo de um tempo específico, ao mesmo tempo marcado pelo compartilhamento das emoções, e a sensação de ter vivido juntos alguma coisa intensa, que poderia se caracterizar pelo fato de que foi compartilhada uma experiência profundamente humana. Pertencer a um grupo - durante uma viagem, uma travessia a vela, ou durante um mergulho de várias semanas, até mesmo de vários meses, no mesmo submarino em missão - deixa traços, revela uma sensação de pertencer, uma vivência difícil de transmitir aos outros no retorno e fora do grupo. Essas experiências de caráter mais excepcional poderiam ser metáforas da vivência de um tempo de grupo.

De fato, o tempo do grupo não funciona sem a percepção de um espaço do interior. O grupo tem uma interioridade, ele vive em um enquadre, um envelope, uma estrutura real e imaginária que o determina, o diferencia do resto do mundo e da realidade exterior. Viver uma experiência de grupo produz uma forte sensação de ter compartilhado uma fase da vida que exalta nossos sentimentos, nossos afetos e nossos sentidos. O tempo do grupo é posto entre parênteses, ele é ao mesmo tempo mais lento, mais rico e mais mobilizador que o tempo de todos os dias. Sair do grupo seria sair de uma bolha, de um envelope que nos contém e nos tranquiliza, mesmo que o início do grupo tenha sido inquietante: aonde vamos? O que vai acontecer? O grupo vai nos julgar? Como resistir a todos esses olhares que convergem para aquele que toma a palavra no grupo? O que fazer com esse tempo no grupo?

O grupo seria uma busca inconsciente de retorno ao envelope original, à matriz inaugural da vida, ao espaço uterino, à vivência fetal? O que nos ensinou Anzieu é que entrar em um grupo, assim como entrar em um sonho, seria também retornar a um tempo imaterial, no entanto cronologicamente cadenciado pelos ritmos biológicos, o tempo imemorial em que a vida palpitava já no ventre materno antes que a respiração se manifestasse. O grupo não é um lugar de escuta das tonalidades de voz e dos ritmos cardíaco e respiratório, mas também do ritmo dos silêncios e das falas alternadas?

Entrar em um grupo mobiliza um questionamento sobre um tempo incerto, a respeito do qual se sabe, desde o início, que ele está destinado a acabar, a morrer. A morte do grupo está inscrita em seu nascimento, como acontece com todo ser humano. Entrar em um grupo preocupa, veicula todas as angústias das quais falou Anzieu (1975), em termos de fantasias de "quebra", angústia de castração e angústia de aniquilamento (esquizoide e paranoide), palheta de todas as variações de angústias possíveis de linhagem psicótica ou neurótica. O grupo cresce, se desenvolve, e sua morte anunciada provoca um sentimento de perda indescritível e, no entanto, necessária. Último trabalho sobre a separação, a perda e o luto, incessantemente renovado, nunca plenamente completado. A história do grupo metaforiza a história de vida de cada sujeito que o compõe.

Tempo difícil e tempo precioso, tempo buscado e evitado, do contato grupal com tudo o que ele veicula de experiência comum, original, atraente e ameaçadora. O sujeito sente que o grupo lhe oferece um tempo e um espaço aos quais ele não pode escapar. Ele entra e sai dele com satisfação e arrependimentos, deseja que ele chegue ao fim, para melhor retornar a ele. Todos os grupos, em terapia e em formação, têm um tempo que é contado, ao contrário do tempo institucional, que é inscrito irremediavelmente na perenidade e, de fato, na repetição: o que funda, institui e instaura é inevitavelmente mortífero, apesar do projeto de criar um lugar de vida (Vacheret, 1995).

Eu centrarei meu objetivo nos grupos cujo tempo é programado, proposto como um espaço-tempo de vida e de experiência, especificamente concebido para ser ao mesmo tempo de enquadre, criativo e transformador do sujeito e do conjunto. Seja como for, a questão do tempo é inerente à vida, portanto, à morte; ela acompanha o sujeito humano desde seu primeiro até seu último suspiro. Viver é consumir o tempo que nos é concedido, sendo que desconhecemos a quantidade de anos de que dispomos para viver. Uma vez que o paradoxo da vida é que ela nos aproxima cada vez mais da morte, diante da realidade que é nossa finitude, a saída é a ilusão de viver como se não devêssemos morrer nunca. É, sem dúvida, o modelo do jogo - lúdico - que nos transmitiu Winnicott, com o qual não deixamos de pactuar nos grupos aos quais pertencemos, tentando encontrar nesse modelo um pouco de nossa capacidade de iludir a nós mesmos. Nas sequências clínicas que se seguem e que apresentam a questão do tempo, nós veremos a que ponto essa problemática está presente e impregnada.

Minha experiência com grupos, na qualidade de animadora e formadora, mas também de professora na Universidade, na qual propomos períodos de formação em grupo para os clínicos,1 me ensinou que o grupo, além dessa experiência forte e indizível do tempo posto entre parênteses, como o do sonhador que desperta e sai de seu torpor - dos terrores do pesadelo ou das delícias do sonho do qual ele não quer sair -, nos oferece tempos de diferentes espécies, tempo do primário, da emergência do inconsciente atemporal, mas também tempo do secundário, da verbalização, assim como tempo dos processos terciários e da simbolização.

Na primeira parte, apresentarei várias sequências clínicas de grupos de adultos em formação e em terapia, mas também de grupos com pessoas de idade, relatados por nossos colegas gerontólogos. Discutiremos, essencialmente, a maneira como o grupo trata do traumatismo atual ou passado e o transforma em uma possível perlaboração. Os grupos são confrontados com a angústia da morte e com o contato com a morte efetiva, mas também com a perda e a renúncia. Ele se apresenta como um espaço de apoio, que permite também um trabalho de luto da infância, da história familiar e dos objetos de investimento que fazem parte de tudo isso.

Em uma segunda parte, eu abordarei os processos inconscientes característicos do grupo e de sua aparelhagem psíquica específica que favorecem a exibição da cadeia associativa grupal em correlação com a difração da transferência,2 a fim de esclarecer como o trabalho de tomada de consciência que é produzido por um sujeito do grupo favorece processos psíquicos de ligação. A ligação intrapsíquica se originando das trocas intersubjetivas dá início a um trabalho de simbolização que articula não apenas o espaço-tempo, mas também as diversas formas de tempo.

Finalmente, é nas emoções comuns e nos afetos partilhados que me deterei para testemunhar a importância da manifestação do afeto, de sua autenticação e de sua transformação em sentimento. O tempo do afeto e o tempo do sentimento seriam dois tempos bem distintos, dos quais o grupo é portador e analisador, favorecendo a ligação entre o tempo do processo primário e o do processo secundário, como demonstrou tão bem Aulagnier (1975).

Incontestavelmente, os dispositivos grupais, quaisquer que sejam, favorecem o início do trabalho psíquico dessas questões. Nossa experiência na universidade nos mostrou isso, quando alternamos grupos de psicodrama e grupos de Fotolinguagem© com nossos estudantes. Foi uma das razões pelas quais pensamos que, qualquer que seja o dispositivo grupal e suas regras, as técnicas confirmadas e apoiadas em teorias confiáveis podem ser consideradas não como equivalentes em suas vias de acesso em direção ao imaginário e ao inconsciente, mas, em todos os casos, suscetíveis de revelar as grandes constantes observadas em todos os grupos, graças aos conceitos da teoria psicanalítica do grupo, em especial os da escola francesa, iniciada por Anzieu e bem amplamente desenvolvida por Kaës há quarenta anos.

 

1. As formas do tempo nos grupos

A primeira sequência de grupo que chamou minha atenção diz respeito a uma seção de Fotolinguagem© com adultos em formação. Emilie escolheu a foto de uma casa de pedra cujas portas e janelas estão abertas. Os jogos de sombra e de luz são sutis no mato alto que cresce bravio diante da casa e se filtram pelos ramos das árvores já grandes, que demonstram que ela foi construída há muito tempo. Ela evoca a ideia de que a casa tem uma história e que assistiu à vida de várias gerações, da mesma forma que ela evoca principalmente uma região do sul da França, como a Provença. Emilie apresenta sua foto com muita emoção, pois esta casa a faz se lembrar de sua infância e, em seguida, da de seus próprios filhos - diz ela. Com a morte de seus pais, ela herdou essa casa de família, bem grande, que ela faz questão de manter e conservar desde então, por estar particularmente ligada a ela. O grupo sente nela uma forte emoção. Sua voz estremece quando evoca o fato de que é preciso se separar da casa, que deve aceitar a ideia de vendê-la, pois não pode mais suportar os encargos inerentes à manutenção da propriedade.

Os outros, sentindo seu mal-estar e seu sofrimento, tomam a palavra. Comentam a foto. Todos veem nela uma casa de férias, agradável, cheia de muitas lembranças que se referem a várias gerações. Emilie é sensível a tudo o que é dito e lhe é transmitido com base em sua foto. Os outros falam dela, de sua história, sem que estejam plenamente conscientes disso. Ela se acalma, duas seções do grupo se passam, e Emilie, por ocasião de uma nova seção, nos declara estar liberada e tranquilizada, e que conseguiu, finalmente, colocar a casa à venda, "graças ao grupo", acrescenta.

Como Emilie, encontro inúmeros participantes que, graças ao grupo e à reflexão acerca da foto, conseguiram mudar sua visão de uma situação que lhes diz respeito afetivamente, na qual se sentem envolvidos e, de certo modo, bloqueados, em razão de um sofrimento pessoal difícil de explicar. O grupo permite reunir, em um tempo condensado, passado, presente e futuro. De fato, o passado de cada um é atualizado no grupo, conscientemente, pela evocação de lembranças, de traumatismos, mas também inconscientemente, pelo imaginário transmitido ao sujeito por seu grupo diacrônico, familiar e que estrutura os grupos internos de cada sujeito em sua singularidade.

Se o presente do grupo é incontestavelmente mensageiro das diversas heranças que dizem respeito a cada um, ele é também e, principalmente, uma emergência específica que diz respeito a "esse" grupo que vive, segundo a fórmula consagrada, um "aqui e agora" feito não apenas de trocas de discursos que interagem uns com os outros, o que Kaës chamou de interdiscursividade, mas também de trocas de imaginários e de fantasias, angústias, desejos e afetos que não são somente emergências do inconsciente, mas que atestam uma cocriação do inconsciente por intermédio de uma intensa mobilização pré-consciente. O presente do grupo é feito, igualmente, dos "efeitos de presença"; seria mais justo dizer de copresença.3 Esses três tempos, do passado, presente e futuro, encontram no grupo uma ocasião de se unir, se condensar, ao mesmo tempo se ligar e se separar, para se articular e diferenciar, como Kaës (1989) demonstrou notavelmente em uma conferência realizada em Lausanne.

A instauração da temporalidade psíquica no grupo é ilustrada pela clínica de Emilie, que atesta, sem sombra de dúvidas, o que o grupo permite como trabalho de representação que, para aqueles que conseguem fazer uso dele, dá lugar a novos comportamentos, até mesmo tomadas de decisão. Presos a suas representações do passado, que os bloqueiam, os impedem de decidir e de avançar, é impossível que esses sujeitos encarem qualquer projeto de futuro. O grupo propõe uma pluralidade de representações por meio do objeto mediador no qual se confrontam novas representações, que, resumindo, se destacam e propõem novas oportunidades de identificação, plurais e variadas. Graças às trocas de imaginários, que são suportes de identificações, graças à mediação pelo jogo, quer ele seja psicodramático ou iniciado por um objeto mediador materialmente presente e posto à disposição dos membros do grupo, o grupo permite um trabalho psíquico de transformação das representações de si e de seu meio ambiente. Assim se constitui a dimensão terapêutica ou formativa de qualquer grupo corretamente conduzido e garantido por um dispositivo que seja efetivamente enquadrante e, portanto, gerador de processos de mudança. Dessa forma, o tempo do grupo é um tempo que reúne, de modo concentrado, uma representação do tempo passado e do futuro do sujeito, em um aqui e agora do grupo. Ele tem uma função de articulação e de ligação entre todas as temporalidades, as que estruturam e organizam a vida psíquica e a vida real. Quanto mais o sujeito tem oportunidade de regredir no grupo, ao tempo primário, isto é, ao tempo dos afetos e do "pensamento em imagens", o dos processos primários "próximos do processo inconsciente", como Freud explica em 1923, mais o sujeito tem oportunidade de reunir, graças ao grupo, elementos constitutivos de sua psique e de sua história.

O grupo favorece os movimentos psíquicos individuais porque são compartilhados, em parte, com um conjunto. Esse conjunto agrupado faz eco aos "grupos de dentro" ou "grupos internos", como Kaës bem demonstrou em vários de seus textos (1976b e 1982). Sem nenhuma dúvida, no conjunto conceitual que constitui sozinho o conceito de aparelho psíquico grupal, é aos orga nizadores psíquicos grupais que é necessário se referir no caso de Emilie e, em especial, na parte dos complexos familiares, aos quais se pode recorrer no grupo e graças a ele.

O grupo lhe permite evocar e, mais ainda, atualizar seu grupo interno de origem em sua diacronia, isto é, seus ascendentes e seus descendentes, cuja unidade ela deseja salvar ao manter a casa familiar, plena de recordações. Evidentemente, o grupo e seus objetos mediadores, que são as fotos, lhe permitem salvaguardar a unidade psíquica de seu grupo interno pela substituição de uma tentativa de salvamento da casa na ordem da realidade externa. Superação ou sublimação, o grupo permite pôr em ação luto e renúncias, tão difíceis para ela. Poderíamos formular assim: "como salvar seu grupo interno e sua unidade, na falta de poder salvar a casa que a simboliza e é representativa dela na realidade?"

De fato, até então, Emilie manteve a ilusão de que conservar a casa familiar era a única maneira, para ela, de salvaguardar a imagem dos objetos amados, investidos por ela afetivamente, os seres queridos, vivos ou mortos, mas interiorizados, que constituem seu grupo interno e que a constituem. O grupo lhe permite um trabalho psíquico que recai, não sobre uma transformação de seus próprios objetos internos, mas, principalmente, sobre a transformação de sua relação com objetos que formam seu grupo interno. Eles estão, de agora em diante, enlutados de modo diferente? O grupo lhe assegura que ela não os perderá, já que eles estão nela e que ela carrega suas marcas através de suas identificações. Ela mantinha até então, em um modo repetitivo, uma relação isomórfica com seus objetos internos? O grupo teria favorecido seu acesso a uma relação mais aberta, mais diferenciada da ordem da homomorfia, graças às representações plurais que ele lhe propõe na difração da transferência? A foto da casa é depositária de uma pluralidade de imaginários, pelo fato de que, como ela, os outros investem nesse objeto mediador. Os outros falam também das recordações da infância, em uma casa familiar durante as férias, e, para todos, a emoção está presente e é sentida, pois ninguém escapa da carga afetiva que acompanha a reativação de suas próprias imagens. A mensagem transmitida pelo grupo seria: "nós perdemos, às vezes, as propriedades, as casas nem sempre estão mais com nossas famílias, mas as lembranças permanecem, bem como nossos laços com aqueles que nós amamos". A dependência dos objetos externos e dos bens materiais se enfraquece, enquanto o grupo interno se afirma como um organizador de sua vida psíquica, salvaguardado por uma forma nova de luto, de agora em diante suportável e superável.

Uma outra sequência de grupo cuja clínica eu já publiquei (2004) me interessou muito. Trata-se do caso de Catherine, que participa de um grupo de adultos em formação cujo objetivo é o desenvolvimento pessoal. Naquele dia a questão era: "O que significa para vocês comunicar? Respondam com a ajuda de uma foto". Eu proponho as fotos do dossiê "Corpos e comunicação". A seção dura duas horas e decorre normalmente, uma vez que os participantes já conheciam o método. Falta apenas uma participante que ainda não apresentou sua foto. Trata-se de Catherine, que diz: "Se eu não apresentei minha foto mais cedo, foi porque fiquei me perguntando a razão de ter escolhido esta foto para falar sobre comunicar" (ela nos mostra a foto). Sua foto representa um homem visto de costas, sentado em uma canoa, segurando um remo do lado esquerdo, com o qual ele rema. Ele usa um chapéu e tem uma barba. Atrás dele, pousadas na canoa, observam-se lonas ou peles de animais. A superfície da água é lisa, ele está em um lago. No horizonte, distinguem-se, ao longe, florestas que parecem um pouco mais escuras e que cercam o lago.

Para mim, o que emana daquela foto é um ambiente ao mesmo tempo de calma e de solidão, em uma natureza que se estende a perder de vista. Catherine prossegue. "A questão desta manhã me incomodou, pois esta noite tive um sonho cuja questão era a incomunicabilidade, e eu ainda estava com essa sensação desagradável quando cheguei esta manhã. Então, eu não tinha vontade de falar, de comunicar, era difícil para mim e, depois, me dei conta de que minha foto, para falar de comunicar, este homem sozinho, eu me perguntava por que eu a havia escolhido. Pensei: para comunicar é preciso mais de um. E depois, à medida que escutava os outros apresentarem suas fotos, descobri que tinha coisas a dizer a respeito da minha escolha. Primeiro, sinto de fato que este homem se comunica com a natureza, e, depois, eu vi, em seguida, essas peles atrás dele, ele deve ser um caçador que comercia peles, e isso me fez pensar que ontem eu passei o dia todo procurando um casaco com forro de peles para este inverno. Experimentei vários e não encontrei nenhum que me agradasse de verdade, então, acabei por me dizer que o antigo serviria ainda este ano". Um curto silêncio se instalou e um participante disse: "você falou de caçador de peles (trappeur). Eu, vendo sua foto, pensei em um passador (passeur)4. Imediatamente pensei em um cartaz que notei às margens do Saona,5 no qual estava escrito passador. Ele estava na altura de uma ilha, e isso me fez sonhar. Imaginei pessoas que iam para essa ilha, no meio do rio, onde há um restaurante. Eles estavam alegres por ir e voltar de lá, graças ao passador". Uma outra participante toma, então, a palavra e diz: "para mim, passador é mais pejorativo; ele não está nem aqui, nem lá, nunca se sabe onde ele está, em que margem, e somos obrigados a chamá-lo, somos dependentes dele". Outra participante intervém: "Sim, mas é preciso confiar nele enormemente, para lhe confiar sua vida". Outro membro do grupo diz: "Isso me faz pensar no passador que fazia passar a linha de demarcação durante a guerra,6 e que conhecia bem a paisagem, a menor trilha".

Naquele momento, o grupo entra em uma discussão sobre a relação do homem com a natureza. Opiniões bastante inflamadas são apresentadas. Cada um defende suas posições. Discute-se a diferença ou não entre comungar e comunicar com a natureza, e depois, é a mesma coisa, se comunicar com a natureza ou se comunicar com alguém? Alguns dizem "é bem diferente; a natureza não nos remete nada, não há uma troca de ideias"; outros dizem: "claro que sim, a natureza nos envia um monte de mensagens, se a gente sabe reconhecê-las, compreendê-las, decodificá-las". Não se trata mais da foto escolhida por Catherine, todos estão debatendo ideias e parecem se manter nessa sequência, nas ideias que cada um idealiza mais ou menos.

Catherine escuta, pensando ao mesmo tempo em sua fala e, subitamente, seu rosto se ilumina, o debate se esgota, e ela diz: "Justamente, eu estava me lembrando de que meu avô foi passador durante a guerra, ele fazia passar as pessoas para a zona livre. É meu avô paterno. No meu sonho desta noite, havia meu pai. Nós dois estávamos lá, e devíamos ir a Thurins, no Reno. Precisávamos de um mapa para nos guiar, para chegar lá, e meu pai chegava com uma carta de Turim, na Itália. Eu estava encolerizada com ele, olhávamos aquele mapa, não fazia sentido, não correspondia a nada. Era insano. Que mal-entendido, que mal-estar. Eu sentia raiva dessa falta de comunicação com ele" (silêncio). Ela acrescenta: "Agora que falei de tudo isso e com tudo que vocês também me falaram de minha foto, sinto-me mais calma, e, depois, minha foto, que me parecia tão distante do que foi pedido, percebo que, no fim das contas, era isso mesmo, com tudo o que disseram". Durante uma seção posterior, sem que soubéssemos de nada, Catherine dirá: "Aquela seção foi muito importante para mim" . Catherine faz análise, em tratamento individual, e ela nos contará, mais tarde, que aquela seção de grupo, que ela pôde retrabalhar individualmente, lhe havia permitido ter acesso a um segredo de família que era objeto de uma alian ça inconsciente (Kaës, 1989) entre seu avô, seu pai e ela. Tratava-se de manter escondida, em um pacto denegativo (Kaës, 1989), a realidade da história que dizia respeito a um episódio ocorrido durante a guerra, em que uma patrulha alemã havia descoberto um grupo que seu avô tentava fazer passar para a zona livre. Ela sabia, a partir do momento em que tinha conseguido falar disso com seu pai, depois da seção do grupo, que aquilo tinha terminado mal para seu avô e o grupo de pessoas que havia sido confiado a ele. Ela não nos dirá mais nada, mas todo o grupo percebeu seu sofrimento, seu mal-estar e sua vergonha em falar dessa história, transmitida com toda a incomunicabilidade da qual ela sofria no sonho com seu pai e no grupo na manhã da sessão.

Percebe-se bem a perturbação de Catherine diante de sua escolha da foto e o mal-estar interior que perdura desde seu sonho e desde seu despertar. Ela mostra a que ponto sua escolha se fez de uma maneira pouco racional, mas principalmente em ressonância com uma realidade interna que, até então, somente está pré-consciente. Existiriam, além do mais, analogias não percebidas entre as imagens de seu sonho, lembranças e a foto propriamente dita?

Essa clínica é rica em ensinamentos. Ela nos mostra que a cadeia associativa grupal, muito observável pela contiguidade dos significantes que ela apresenta - o caçador, o passador no Saona, o passador para a zona livre durante a guerra -, tece uma rede de conteúdos que constitui uma espécie de trama, uma tela de fundo. As associações se exprimem livremente como elas surgem, seguem-se e encadeiam-se uma depois da outra, porque o que acaba de ser dito faz pensar em outra representação, próxima, mas diferente a cada vez. Não parece nesta sugestão, aparentemente insignificante, que se diga o que quer que seja de tão importante. Todos os grupos conhecem esse tempo das associações livres, mais ou menos fluidas, quase banais, das quais não se pode dizer nada de especial, a não ser que o grupo está, simplesmente, vivendo sua vida. Só conta a tecedura da tela, que compõe a base na qual vai se destacar um motivo, uma forma, uma formulação que, repentinamente, se destacará das outras. É uma malha da cadeia associativa que faz sentido para o sujeito.

Catherine apresentou sua foto sem motivação nem convicção. Contra sua vontade, conteúdos inconscientes de seus grupos internos difratados nos outros membros do grupo vão fazer sentido para ela, e somente para ela. "Meu avô era passador durante a guerra", demonstra sua história, à qual o sonho faz curiosamente alusão, atestando o pacto denegativo que liga os membros do grupo familiar na incomunicabilidade do segredo que é transmitido, contra a vontade de cada um, e faz sofrer o grupo transgeracional. Uma palavra evoca a coisa traumática do passado. Só Catherine é detentora disso, e, sobre o fundo das trocas de ideias, aparentemente insignificantes, dos membros do grupo, a cadeia associativa grupal, de repente, toma toda sua consistência e seu valor altamente significativo. O tempo do passado se presentifica, e Catherine pode se reapropriar da parte que lhe cabe, "com total propriedade". O grupo representou um papel ativo, atualizando os afetos passados e presentes nela, no grupo externo pronto a "suportá-los" (supporter) em todas as acepções desse termo, em uma transferência de raiva e de desilusão. A depressão de Catherine difratada sobre todos os outros lhe permitiu retomar em seu tratamento individual o que, em sua história, tinha ficado correcalcado pelos membros do grupo familiar diacrônico, grupo interno que a constitui, no mais profundo de sua identidade, e que alimenta sem parar seu núcleo melancólico.

Ao contrário de Emilie, que não podia se separar do tempo das lembranças felizes, até mesmo idealizadas, da infância e das gerações que se seguiram na casa da família, Catherine tem contas a acertar a respeito de acontecimentos traumáticos não elaborados, que também precisam ser reencontrados para poderem ser submetidos a um trabalho psíquico de luto que, dessa vez, repousa sobre outros afetos e outras imagens ausentes e, no entanto, invasivas do seu imaginário familiar. Felizes ou infelizes, as marcas do passado podem ser acionadas graças ao grupo, à sua capacidade de fazer emergir uma realidade psíquica inconsciente e de transformá-la para permitir ao sujeito do grupo (Kaës, 1993) ser também sujeito de seu inconsciente, para se apropriar dele "para seus próprios fins", ao se livrar do peso da cadeia da qual ele é "a malha à qual ele está submetido contra sua vontade ou, pelo menos, sem a intervenção dessa vontade", como escreve Freud em 1914.

 

2. O grupo e o tempo da morte

A questão do tempo do encontro com a morte surge em duas sequências de grupo nas quais duas mulheres são confrontadas com a morte de seus pais. Lydie (Vacheret, 2004) evoca esse fato, rapidamente, um ano depois, enquanto Françoise (Vacheret, 2002b) chega ao grupo no dia seguinte ao do falecimento. Essas duas situações me ensinaram que o grupo tem uma competência particular para acolher, receber, tolerar e "gerar" o encontro com a morte na realidade.

O primeiro grupo ao qual me refiro é um grupo em terapia. Lydie é tão pequena e miúda que quase desaparece no grupo, embora ela estivesse sentada à minha direita. Sua proximidade física com a animadora tem um papel na forma como ela consegue, por meio de sua foto, confiar uma parte dolorosa dela própria? Naquele dia, a pergunta que faço ao grupo para dar início à sessão é a seguinte: "Evoquem, com o auxílio de uma foto, um evento importante para vocês" . Lydie escolheu a foto de um homem sentado em uma canoa, que rema nas águas calmas de um grande lago. Ao fundo, estendem-se florestas. Aquele homem, visto de costas, tem barba e usa um chapéu de abas largas. Ela diz em voz baixa: "É a foto de um homem que parte". Sente-se nela uma grande emoção, sua voz é tão fraca que se compreende que ela não poderá dizer mais nada. Um silêncio se instala, e os outros exprimem diferentes pontos de vista sobre a foto. Depois, uma das participantes intervém de forma estranha. Ela é muito determinada, fala forte e diz que vê a crista dos pinheiros dessa floresta como cristas de uma linha quebrada traçada por um aparelho de gravação, um oscilógrafo. Essa visão da foto é tão imprevista, imprópria e surpreendente, que o grupo permanece mudo, siderado por uma percepção como essa, tão afastada da foto. Lydia retoma a palavra e acrescenta: "O que você diz me faz pensar que, há um ano, meu pai teve um mal-estar na rua. Passantes chamaram o resgate. Ao chegar ao hospital eles ligaram um aparelho que traçava linhas, como você diz, e depois, em certo momento, o traçado tornou-se reto, estava acabado, ele estava morto". Um profundo silêncio se instalou no grupo, tomado, como ela, por uma intensa emoção e surpreso pela associação que nos conduziu do estranho ao inquietante - a estranheza da percepção do outro participante, seguida da inquietude ligada à angústia da morte. Então, pensei nessa capacidade do grupo de trazer à tona a difração da transferência, da qual nos fala René Kaës.7 Um dos membros do grupo é depositário, inconscientemente, de uma parte do outro, nos diz ele. É assim que Lydia aceita falar, pela primeira vez em um ano, da morte de seu pai. Ela nos dirá mais tarde que esse momento era importante para ela e que, chegando ao grupo, ela não pensava ser levada a evocar esse fato traumático, mas que, no final das contas, isso a aliviou. Seu rosto se descontrai. As imagens perceptivas vieram de outra pessoa do grupo que, de uma forma totalmente imprevisível, foi portadora de uma parte afetiva, dolorosamente ligada a essas percepções auditivas e visuais, as do oscilógrafo, percepções que se precisou reconhecer.

O grupo tem um modo bem específico de intercambiar imagens e emoções. Ele traz, de modo inesperado e espontâneo, uma emergência do inconsciente através dos diferentes imaginários. Ele oferece acesso a uma representação que transita pelo outro e os outros no "aqui e agora" do grupo e de sua pluralidade. O grupo oferece outra forma de transferência, pela difração em cada um dos membros do grupo. Essa repartição pela diversidade de vários outros permite uma maior oportunidade de transferência? Ou, então, o grupo permite abordar as lembranças dolorosas e recalcadas de modo mais confiante, porque seu imaginário implica a ideia de que juntos seremos mais fortes, com mais condições de suportar os efeitos devastadores do traumatismo e da angústia de morte? Vê-se que certo número de interrogações é inevitavelmente correlato à questão da emoção, movimento em direção ao exterior que mobiliza o corpo, ele mesmo "conectado" ao inconsciente.

A sequência que diz respeito a Lydia é surpreendente em mais de um aspecto. O mais surpreendente reside na percepção que uma participante apresenta ao grupo em relação ao oscilógrafo. Todos devem ter reconhecido que a foto de Lydia é a mesma que tinha sido escolhida por Catherine e a respeito da qual uma série de associações bem diferentes, mais ricas e orientadas, tinha conduzido o grupo à restituição de uma parte dela mesma e a uma reconstrução de sua história transgeracional. Ora, para Lydie, trata-se, de fato, de se reapropriar também de uma parte de sua história. É ao tempo especial, a posteriori - après-coup -, do traumatismo que somos confrontados, reconhecendo um lugar sem dúvida essencial ao campo perceptivo visual e auditivo.

O perceptivo, isto é, nesse caso, "o pensamento em imagens" (visual e auditivo) abre a via em direção ao afeto da angústia de morte e à tristeza, ao desgosto e ao desmoronamento ligados à morte efetiva do pai. Nesse caso, como o pai de Lydie havia tido uma morte brusca, ocorrida na rua, ela tinha passado de uma imagem de seu pai em boa saúde a seu pai morto. Entre os dois, era preciso reconstruir e reconstituir outras imagens dele para estabelecer vínculos, encontrar sentido para essa tragédia absurda. Por isso, ela necessitava retraçar, como seguindo uma linha pontilhada, índices e elementos perceptivos para poder fazer, finalmente, a narrativa de sua vida até o fim. Foi o que o grupo permitiu, graças à percepção estranha e inquietante de um oscilógrafo, no traçado das cristas dos pinheiros na foto.

O grupo ignora que ele está representando um papel de apoio importante para ela. O grupo ocorre exatamente um ano após o falecimento de seu pai, e Lydia reconhecerá, mais tarde, só ter podido falar disso naquela ocasião, no grupo e graças a ele. O tempo do luto, que Freud diz levar classicamente um ano, decorreu? Não se trata, sobretudo, do tempo da restituição de uma história de vida, a de seu pai, finalmente reconstituída até o fim, sem vazio de representação? Eu me inclino mais para essa eventualidade, pois ela reconhece ter se acalmado por ter podido falar disso, assim, no grupo. É a continuidade que foi reestabelecida e, sem dúvida, é importante poder contar a história de um ser querido até o fim e o tempo da vida que se desenrola à sua frente toma seu lugar na narratividade, antes do tempo irrevogável da morte que imobiliza o tempo definitivamente. Falar da morte e poder relatá-la certamente faz parte do trabalho físico do luto e do modo como ele pode ser iniciado.

Ao contrário de Lydie, que se exprime a posteriori - après coup -, Françoise chega uma manhã ao grupo, pede para falar comigo e, postada à minha frente, séria, anuncia que seu pai morreu na véspera, à noite, e me pergunta se, nessas condições, ela pode ficar e participar do grupo. Esse anúncio me deixa oprimida, fico desamparada diante dela, tendo dificuldades para encontrar palavras para lhe falar, na esperança de lhe trazer algum reconforto. A única coisa que encontro para dizer é: "Já que você veio esta manhã, é sinal de que isso deve ser importante para você, então, claro, você pode ficar conosco e participar do grupo".

Eu não disse nada disso ao grupo, é claro, e a sessão teve início. Françoise veio se sentar ao meu lado. Ao longo das intervenções e da apresentação das fotos, receio o momento que ela vai escolher para tomar a palavra. Surpresa, eu a vejo se lançar no grupo, com certa segurança. Ela escolheu a foto de uma jovem mamãe que segura seu bebê, à altura do rosto. A mãe e o filho estão com os rostos encostados, na altura da boca. O bebê tem a expressão das crianças ainda pequenas que entram em contato com todos os objetos, levando-os sistematicamente à boca. Essa foto é apresentada por Françoise como a de uma mãe e seu bebê que estão felizes e contentes juntos. Ela fala dessa escolha de uma forma suficientemente distante para não demonstrar tristeza nem emoção. É então que os membros do grupo começam a trocar ideias e a dizer o que eles veem na foto. Uns são seduzidos por esse contato natural, espontâneo, tão característico dos primeiros laços mãe/filho. Outros ficam incomodados com esse beijo, vendo nele proximidade e fusão demasiadas. As trocas de ideias se desenvolvem em torno dessas questões, quando um membro do grupo diz: "O que me incomoda nesta foto é a ausência do pai, ele está faltando". Françoise entende o recado que lhe dão e fica silenciosamente afetada por uma dimensão da foto que não a tinha atingido até então. Ela começa a reconhecer a parte pré-consciente de sua escolha de foto. Outra pessoa diz então: "Sem dúvida, é o pai que está tirando a foto". Isso o torna, ao mesmo tempo, presente psiquicamente, embora fisicamente ausente da foto. Finalmente, eu me sinto levada pelo grupo e essas trocas de ideias que podem ser entendidas em dois níveis permanentemente ligados à realidade do momento. É, então, que, me dirigindo a Françoise, eu lhe digo a respeito da foto: "O pai tira fotos, e é seu modo de deixar marcas, marcas que podem permanecer em imagens, no interior da mãe e da criança". Eu sinto uma emoção muito intensa ao dizer isso, e ela está também muito emocionada, mas seu rosto está sereno, ela não chora e não se manifesta mais sobre a foto que ela mantém daí em diante nas mãos pousadas sobre os joelhos, aparentemente absorvida por seu mundo interno e seus pensamentos pessoais.

A ideia da marca que um ente querido deixa em nosso interior tem uma função de salvaguarda do Eu, desmantelado pelo traumatismo do contato com a morte. O grupo explica à Françoise que essa marca está nela, que seu pai, de agora em diante, faz parte de seu grupo interno. Morto, na realidade, não quer dizer ausente da vida psíquica: seu pai pode, de agora em diante, viver nela, através dela e também de suas identificações vivas com ele.

Outros grupos organizados em situações excepcionais com a mediação do Fotolinguagem© ocorreram em pleno conflito armado no Kosovo, na Etiópia, no Líbano ou em Ruanda. Às vezes, eles ocorreram do lado de fora, no meio dos escombros de uma casa, com os participantes pousando suas fotos em cima de pedras e sentando-se onde podiam. Esse trabalho que realizei, antes da partida, com médicos ou membros de ongs engajados em operações humanitárias nos próprios locais, sempre me impressionou e me questionou sobre essa capacidade insuspeita e eficaz do grupo de conter o sofrimento partilhado por todo um povo e de ajudar seus membros a superar, ao menos em parte, um tempo de traumatismo agudo e desorganizador do social e do psíquico. Esses tempos grupais permitem compartilhar as angústias e também as capacidades de sobrevida, e reforçam a aparelhagem psíquica de cada um, como se o grupo externo, sob a égide da função organizadora e o princípio de grupalidade psíquica (Kaës, 2005), pudesse mobilizar, reorganizar e reestruturar os grupos internos, as redes identificatórias e constitutivas do sujeito. Em suma, tratar-se-ia de ter acesso à ideia de que o sujeito, graças ao grupo, pode sobreviver a uma crise, às crises mais dolorosas da vida, uma vez que sua vida não se reduz a esse tempo de guerra, de contato com a morte, mas sua vida tendo uma duração, outra temporalidade;, tratar-se-ia de reconhecer essa continuidade de ser, sua própria trajetória, inscrita no passado, presente e futuro, assim condensados no tempo do grupo.

 

3. Os reencontros com o tempo passado

Os grupos que nós acabamos de ver e que permitem ao sujeito singular ultrapassar uma crise, uma fase dolorosa do encontro com o traumatismo último que é a morte, favorecem uma reinscrição na continuidade da vida e, em resumo, retomar a esperança no futuro, com base na convicção de que a vida não acabou, dando acesso, assim, às representações do tempo para o sujeito e para o grupo.

O tempo a recuperar

Ao contrário, os grupos, em especial os grupos de mediação, que são animados nas casas de repouso por gerontólogos, nos mostram a que ponto são preciosos os momentos de trocas de ideias e de trabalho em grupo, que permitem ao sujeito idoso reconstruir o tempo do passado, a fim de que se "reconstrua" uma identidade do sujeito. Na obra intitulada Photo, groupe et soin psychique (Foto, grupo e tratamento psíquico, 2000), Donaz e Schmitt apresentam o caso de Camille. Essa senhora idosa, que chegou à instituição totalmente desorientada, confusa e perdida apor conta de sua participação regular no grupo Fotolinguagem©, vai, pouco a pouco, recuperar as marcas de sua história. Seu caso é exemplar, à medida que, partindo de um diagnóstico de demência, pouco a pouco as animadoras a veem se reconstruir, recuperar suas faculdades, reestabelecendo laços com seu passado, com base em suas escolhas de fotos, do que ela fala delas e do que os outros lhe remetem, como um espelho, graças ao objeto mediador. Ela retoma o gosto pela vida, recupera sua capacidade de se locomover sozinha e vem regularmente ao grupo, assumindo aí um lugar importante com o decorrer do tempo.

A gerontologia confronta os cuidadores (praticiens) com a angústia da morte que faz sofrer nas instituições para pessoas idosas e que é onipresente no idoso. Todavia a angústia de morte não é a morte. A angústia de morte é difusa, inconsciente e constante no sujeito. As crianças demonstram isso desde sua mais tenra idade, estimuladas pela experiência da morte de um animal ou de uma pessoa de seu ambiente. Se a angústia da morte está inscrita na realidade física do sujeito e do grupo, e a morte do grupo a reatualiza entre os participantes, o contato com a morte efetiva permanece uma experiência marcante, mas felizmente mais excepcional. Durante a vida de um sujeito humano na normalidade, os mortos que fazem parte de seus grupos internos são constituídos de menos membros que os grupos dos vivos com os quais ele mantém ligação. À medida que um indivíduo avança em anos, essa tendência se inverte progressivamente. As pessoas idosas se queixam de ver desaparecer os amigos, os seres queridos, e os sujeitos centenários que assistem à morte de seus filhos de 75 ou 80 anos, até mesmo de seus netinhos, são cada vez em maior número. Eles vivem a experiência de ficar cada vez mais sozinhos. Com o avanço da idade, sua solidão aumenta. À provação da solidão acrescenta-se o drama do envelhecimento, isto é, tem de se confrontar com a renúncia permanente. É então que se impõe a eles um trabalho psíquico, a partir do investimento em novos objetos, do qual o grupo faz parte e que pode representar um papel essencial na manutenção de uma vida psíquica que esteja ligada à vida física.

Kaës insistiu, ao longo de sua obra, no que ele chama, depois de Freud, "a exigência de trabalho psíquico" que a alteridade do outro impõe. Toda a existência do sujeito, desde o vínculo primário, é marcada por essa exigência de ter que se adaptar ao outro, a seu desejo, seu desejo por outro ou vários outros. Essa exigência nasce da alteridade e da diferença. Exigir de si mesmos esse trabalho de identificação e de trocas intersubjetivas mantém o vínculo e, ao mesmo tempo, demonstra a solidão ligada à condição humana. Com efeito, nós nunca podemos conhecer o outro completamente e permanecemos estranhos à sua realidade psíquica. O grupo permitiria criar a ilusão de que somos suficientemente semelhantes e que nós nos compreendemos? A ilusão grupal o demonstraria sem contestação. O sujeito idoso, confrontado ao vazio relacional, à desagregação dos vínculos diante do desaparecimento dos outros, se imaginaria liberado dessa exigência de trabalho psíquico? É nesse momento que o tempo lhe pareceria um peso, e os dias, intermináveis, não somente porque ele diz esperar a morte, mas também porque ele não está mais confrontado a essa exigência de trabalho psíquico que os outros impõem no vínculo.

Essa não exigência provocaria um vazio, vazio de sentido, tempo esvaziado de seu sentido, uma vez que o tempo é vetorizado pela espera do outro, pelo projeto de encontrá-lo, pelo desejo de conhecê-lo. Ora, o sujeito idoso não teria mais isso. Seu tempo padeceria disso, a ponto de fazê-lo perder o sentido de sua vida e de mergulhá-lo em uma profunda depressão. A exigência do trabalho psíquico manteria a vida psíquica em condições de funcionar, então, o que aconteceria com a vida psíquica do sujeito sem essa exigência, em razão das perdas que se sucedem? Qual seria sua temporalidade psíquica? O sujeito idoso nos faz viver um tempo paralisado, petrificado pela aproximação da morte. No entanto, a angústia da morte não é a morte real. O tempo que resta para viver pode ser reanimado: é o que se esforçam para fazer nossos colegas gerontólogos. Eles instauram dispositivos grupais de mediação, como a Fotolinguagem©, para tentar recolocar em ação uma dinamização do tempo psíquico no sujeito idoso.

Ora, é do tempo do passado, da história e das lembranças reanimadas que se mobilizam. Assim, as pessoas idosas, em grupo, podem encontrar, reconstruir seu percurso, contar sua vida, demonstrar o fato de que eles estiveram e ainda estão vivos. Elas restauram, assim, uma parte do narcisismo ferido pelas renúncias ligadas às falhas progressivas do corpo. Elas falam de sua infância, sua adolescência, sua juventude, dos momentos felizes e das situações difíceis, até mesmo traumáticas, de sua existência. O grupo lhes permite se identificarem à solidão, aos limites, às falhas dos outros, mas também compartilhar emoções ligadas às marcas do passado. O passado vem animar o presente e o tempo se inverte. A vida não está mais projetada em um futuro incerto, ela está ligada à certeza do passado. A vida psíquica se mobiliza novamente para alguns deles, ao menos aqueles para quem o princípio da grupalidade sempre teve uma função psíquica?

Dessa clínica difícil, mas enriquecedora e por vezes gratificante para os cuidadores, evidencia-se a ideia de que a vida psíquica é reversível, que o sujeito tem uma alma que só pede para ser reanimada, o que é o papel dos animadores de grupo. Evidencia-se também que o tempo não é apenas uma sequência cronológica de segundos, mas também o fruto de um importante trabalho de simbolização. O tempo se anima, se imobiliza, se inverte, se precipita ou se eterniza, ele se intensifica às vezes nos instantes de eternidade, quando o sujeito e o objeto entram em contato de forma excepcional, em um vínculo mais denso, mais autêntico e carregado de afetos. O grupo se apoia em um tempo narrado, mas também relatado, quando ele permite uma historização e favorece um trabalho psíquico de ligação do sujeito com o grupo externo, reativando seus grupos internos diacrônicos na sincronia do grupo "aqui e agora", no presente. Não há tempo grupal que não se apoie igualmente em um espaço psíquico grupal, o tempo fantasmático do corpo, grupal dessa vez. Pertencer, enquanto membro de um corpo grupal animado, estruturado e organizado, sustenta cada sujeito em sofrimento e em transformação, no grupo e graças ao grupo.

 

4. As diversas categorias de tempos grupais

Com base nesses diversos dispositivos grupais, técnicas grupais que vão do psicodrama aos grupos de mediação, nós precisamos tentar descobrir as diversas formas que assume o tempo. Não evocamos o tempo de rir, do humor, que é, no entanto, altamente significativo nos movimentos psíquicos grupais. Foi principalmente no sofrimento ligado ao traumatismo e, em especial, naquele que se manifesta nos sujeitos às voltas com a angústia de morte ou o encontro com a morte real, que todos têm de enfrentar, que eu me detive.

Assim, poderíamos tentar destacar uma tipologia dos diferentes tempos que se manifestam nessas diversas sequências clínicas:

- Com Emilie, o tempo do grupo e das trocas intersubjetivas permitiria chegar a uma decisão, a um novo comportamento ligado a novas representações. Levantei a hipótese de que o grupo externo lhe permitiu considerar seu grupo interno como salvaguardado em sua unidade, apesar da venda da casa na realidade. A casa simbolizava a história, a transmissão e a continuidade. O grupo a ajudou a passar por seu luto da casa porque, graças a ele, ela reforçou intrapsiquicamente a coesão de seu grupo interno, o que incontestavelmente a constitui e faz parte de sua identidade profunda. Seria o tempo da decisão ligado à renúncia.

- No caso de Catherine, trata-se do tempo do traumatismo transmitido pelas gerações que a precederam e mantiveram o segredo na vergonha e na culpabilidade, cuidadosamente negadas por um pacto denegativo e uma aliança familiar inconsciente. O evento trágico foi correcalcado, esquecido. O trabalho do grupo lhe permite encontrar a origem disso e se ressituar na continuidade transgeracional. Uma vez que seu grupo interno foi bem maltratado, o grupo externo se beneficia da cadeia associativa grupal que funcionou em correlação à difração da transferência sobre os outros, nesse caso os membros do grupo. O tempo do passado é revelado.

- Com Lydie, o tempo de sua vida foi cortado pelo tempo da morte, por um branco, uma ausência de representações que o grupo lhe permitiu preencher. Ela pôde contar a história de seu pai até o fim, em uma nova narrativa, iniciada pelas sensações perceptivas que lhe foram restituídas. Vimos o papel da difração da transferência que se manifestou na sequência, derrubando qualquer lógica perceptiva da foto, para substituí-la por um sentimento de estranheza preocupante, sem dúvida também aquela que nos proporciona todo oscilógrafo ao registrar os batimentos cardíacos. O tempo que faltava foi reconstituído e reconstruído.

- Para Françoise, como para todos aqueles que sofrem um traumatismo direto, o grupo tem uma função de depósito. No momento do drama e da brutalidade do trágico, ele mantém o sujeito unido, lhe garante um sentimento de sobrevivência, de continuidade de ser. Além do mais, ele tem a capacidade de propor uma representação do que é a marca física deixada em nós pelo objeto perdido. O pai está ausente da foto, mas presente fisicamente, uma vez que a marca fotográfica na película metaforiza as marcas que são as lembranças e os valores deixados nela por seu pai. A evolução do objeto no trabalho do luto está posto desde o anúncio traumático da morte. O grupo parece favorecer o início de um trabalho psíquico de luto normal e não patológico. Françoise veio buscar apoio e reconforto junto ao grupo do qual ela já faz parte. Ela sente o que seria a falta de um membro para os outros, se ela não estivesse ali, conosco, na manhã da reunião, já que essa vivência é idêntica àquela que ela está atravessando pela perda de seu pai, pois o grupo familiar perdeu um membro fundador. Ela sente que esse grupo é importante para ela, que ela o investe e, em troca, o grupo a investe, a escuta, a apoia eficazmente. Ela veio buscar no grupo a coragem da qual ela necessita para atravessar essa provação de sua vida. No tempo do trauma, o grupo encontra as palavras, as imagens, as representações das quais o sujeito precisa para sobreviver à ameaça de desorganização e de desintegração psíquicas. É o tempo da sobrevivência psíquica.

 

5. Os tempos de emoções no grupo

Todas as situações clínicas que evoquei se caracterizam por um tempo forte em emoções. O sujeito que fala de sua foto está emocionado e a emoção se transmite para todos os membros do grupo, que sentem, então, que uma fala está sendo formulada, uma autêntica fala investida efetivamente, e não um discurso.

Penso que a vivência da emoção é partilhada pelos membros do grupo, como se emoção fosse a coisa mais compartilhável, em uma experiência analítica individual ou grupal, porque a emoção manifesta, isto é, torna manifesto, um autêntico trabalho psíquico de ligação que está se operando. Etimologicamente, a emoção (palavra que vem de ex-movere) é um movimento que vem do interior para se exprimir no exterior e demonstra uma ancoragem no corpo. Aquele que fala com emoção se vê submetido aos efeitos fisiológicos que ela produz: um aumento de seu ritmo cardíaco, um rubor que lhe sobe ao rosto, o timbre de sua voz que se rompe tornam-se abafados, uma transpiração inabitual das mãos, tantas manifestações que ele não controla, não deseja, que o excedem e dizem a que ponto o corpo pode exprimir, em uma linguagem completamente diferente da fala, o que vem do inconsciente e vem falar, sem que o interessado saiba, forçosamente, por que ele está emocionado nem o que o emociona tanto e por que naquele momento.

Essa emoção, que parece comprovar uma conexão direta do inconsciente com o corpo, é a que nós encontramos em momentos cruciais, vitais, quando a vida, o nascimento ou a morte acontecem. A emoção invade tudo em um evento traumático, ela está presente também na evocação dessa situação. Ela se revela e desperta, como no primeiro dia. A emoção aparece também em momentos de grande alegria, de reencontro das pessoas, de libertação. Em resumo, a emoção vivida diante de um trauma produz um desligamento (déliaison) psíquico e, novamente, está presente no "aqui e agora", em um momento de intensa atividade psíquica elaborativa, que nós temos o costume de afastar como um processo psíquico de ligação. Em resumo, a emoção acompanha o tempo do desligamento (déliaison) e o tempo da religação no trabalho psíquico característico da clínica psicanalítica.

Como reage o animador diante dessas situações feitas de emoções que, em sua prática, não deixam de se atualizar? Com efeito, foi dado pouco espaço na literatura psicanalítica à noção de emoção. E, no entanto, vemos esse conceito ser abordado, desde o início da psicologia e por outras disciplinas, como as ciências cognitivas ou a etologia, em uma perspectiva interacionista, por exemplo. Com certeza os psicanalistas não podem ficar indiferentes às manifestações da emoção, quer eles estejam em situação de cura individual, quer eles animem um grupo, grupo de fala, grupo de psicodrama ou grupos de mediação, como aqueles que evoquei, em especial a Fotolinguagem©.

De fato, o analista sabe desde Freud que o afeto é o representante da pulsão. Ele sabe também que o trabalho analítico tem por função tornar conscientes os afetos e assim revelar o universo pulsional e os arcanos do inconsciente. A emoção acompanha o afeto autenticado, idêntico ao da origem, pois certos pacientes se defendem dela, separando o afeto da representação, e é então que eles nos apresentam uma narrativa impressionante, tocante, sem afeto de sua parte. Nesse caso, o trabalho da análise, individual ou em grupo, vai consistir em buscar a marca do afeto e a dinâmica das emoções. Em resumo, a emoção seria a tradução do afeto que, por essa razão, seria suscetível de ser conscientizado, porque posto em palavras, por intermédio do outro ou dos outros. O grupo permite a passagem da coisa à palavra, do afeto ao sentimento. A emoção participa da empatia, ela é constitutiva da capacidade de sonho. Eu me refiro ao importante trabalho de P. Aulagnier (1975), que diferencia, claramente, o afeto próprio ao processo primário, próximo do inconsciente, e o sentimento, próprio ao processo secundário, fruto de um trabalho de tomada de consciência. A tomada de consciência é o resultado de uma elaboração, isto é, de uma ligação entre o processo primário e o secundário, tornada possível graças às trocas de ideias intersubjetivas suscitadas pela cadeia associativa grupal e, finalmente, a produção restituída ao sujeito graças à difração da transferência.

O trabalho de grupo e o afeto

O afeto vem se reativar no aqui e agora do grupo e dos laços transferenciais. Fazendo isso, o afeto passa da temporalidade do processo primário à temporalidade do processo secundário, que o transforma em sentimento. Mas o sentimento não é apenas um afeto que se tornou consciente. Ele também é uma produção elaborada, a de um tempo que se inscreve doravante em uma nova historicidade, poderíamos dizer, uma nova maneira de contar a história e de inscrevê-la em si mesmo, no interior de si mesmo, como demonstraram todos os casos que eu apresentei. O tempo do afeto é o tempo imobilizado, pertence ao processo primário, um tempo que não pode se repetir da mesma maneira, como uma parada definitiva na imagem. O tempo do sentimento é o tempo que se desdobra, se desenvolve, ao se inscrever em uma origem, início de uma narrativa, fonte de um processo que conhece o tempo, a cronologia, o início, o desenvolvimento e o fim da concepção na cena primitiva até a morte. O sentimento conhece o tempo que o afeto ignorava e, por essa razão, ele descobre o desgaste do tempo. O tempo faz seu trabalho, ele apaga, afasta, esfuma, recalca, esquece às vezes. É o benefício do tempo que pode, enfim, ajudar o sujeito a suportar melhor os traumas da vida. O trabalho do grupo favorece a passagem do tempo imutável, da repetição dolorosa e mortífera, ao tempo desdobrado da elaboração, que se ancora na dor do trauma, depois vai se acalmando. Quando o tempo da narrativa no grupo é afetado, torna-se afetivo, levado pela emoção, ele permite ao evento traumático poder finalmente se simbolizar, graças a um trabalho psíquico de ligação. É somente com base em um trabalho como esse, realizado em grupo, e graças ao grupo, que se pode esperar poder contar com a capacidade do tempo de exercer um poder apaziguante e benéfico sobre o que fez sofrer até então. O apaziguamento demora a vir, a tolerância ao sofrimento é difícil de estabelecer, e é somente então que o tempo faz seu trabalho.

Pode-se falar do tempo do afeto, enquanto, por definição, o inconsciente ignora o tempo. O afeto de vergonha em Catherine, o afeto de sofrimento e de desgosto em Lydia e Françoise, assim como a nostalgia e a tristeza de Emilie são afetos, como o é a angústia de morte na pessoa idosa. Os afetos estão congelados, fixados, inscritos no inconsciente, pelo próprio fato de que eles são representantes da pulsão, na interface do corpo e da psique, do vínculo consigo mesmo e do vínculo com o outro, com os outros. O grupo favorece a tomada de consciência que se origina nos processos psíquicos específicos ao grupo, tais como tentei destacá-los nas sequências clínicas que apresentei.

Roussillon retomou em um texto intitulado "A teoria psicanalítica do afeto" (2001) os conceitos que estão associados a ele: emoção, sentimento, paixão, sensação. Esses termos não são equivalentes, e eu tento aqui diferenciar emoção e afeto, como já tinha desejado fazer em 1984 em um artigo publicado em uma revista canadense. Eu escrevia então: "O vínculo se manifesta no espaço do corpo pela emoção, em uma conjunção entre o discurso que se tornou fala e a imagem que se tornou símbolo" (1984, p. 117) ... "O vínculo mais forte na construção de uma representação e, com mais razão, da representação de si mesmo, parece mesmo ser a emoção. De fato, é a emoção que demonstra o investimento do sujeito, seu grau de engajamento. É a emoção que garante a autenticidade da dimensão afetiva. É ela, enfim, que marca a passagem do discurso à fala" (1984, p. 119).

Parece, de fato, bem necessário não amalgamar a emoção que autentica o afeto e o próprio afeto. É o momento em que a emoção se manifesta em um dispositivo analítico, seja ele individual ou grupal, que o clínico, o animador de grupo e o próprio grupo percebem que a fala, estando investida, traz o afeto, como comprova a emoção. É uma das primeiras ligações das quais o grupo é portador, depois vem o tempo de pôr em imagens e em palavras, que transita pelas trocas de ideias intersubjetivas e as formações psíquicas grupais que destaquei nas sequências grupais. Falta reconhecer, graças ao grupo, a transformação do afeto em sentimento. Segundo a teoria tão frutuosa de P. Aulagnier, nós podemos reconhecer, assim, a passagem do processo primário ao processo secundário. Do afeto ao sentimento se efetua um trabalho psíquico de ligação, que transforma a carga afetiva de uma forma imobilizada, repetida incansavelmente em um tempo suspenso a um tempo desdobrado, que se processa, se integra, se representa na psique sob uma forma simbolizada. O sentimento é a forma resultante de um afeto reconhecido, partilhado, depois transformado. É o sentimento conscientizado e verbalizado, nos casos clínicos grupais que apresentei, que permitem ao sujeito um trabalho de transformação, até mesmo de mutação. Ele pode, então, se beneficiar de uma mudança de representação de si mesmo e do mundo e trocar de comportamento, como se pôde constatar a posteriori - après-coup - da clínica grupal.

Somente então a experiência comum da emoção compartilhada permite conscientizar o afeto, mobilizar uma nova temporalidade, que no processo secundário vê a prioridade concedida ao tempo e, por essa razão, um autêntico trabalho psíquico de luto se inicia. O tempo esconde, apaga, modera, amortece o afeto doloroso, o sofrimento ligado ao trauma, à renúncia ou à perda, com a condição de que o afeto tenha podido se transformar em sentimento secundarizado. Só então o tempo entra em jogo, em trabalho, em ação. Para que "o mato esconda e a chuva apague", como escrevia Victor Hugo em Os miseráveis, ainda é preciso que um trabalho psíquico tenha sido iniciado por um dispositivo, favorecendo as condições de emergência e de realização. Os dispositivos grupais que apresentei são deste tipo: são espaços-tempo favoráveis a uma elaboração, ou melhor, a uma perlaboração psíquica, já que é aos processos terciários (Green, 1982), articulando a dimensão intrapsíquica e a dimensão intersubjetiva dos processos, que cabe a tarefa de operar uma ligação com base no desligamento (déliaison).

O tempo se manifesta aí sob diversas formas, as quais se observa, no final das contas, que são apenas representações do tempo, que variam no grupo e graças a ele. Todavia o espaço nunca está ausente, o espaço do grupo, o espaço dos processos, o espaço do pensamento em imagens e do imaginário, sem os quais nenhuma ligação seria finalmente possível.

Concluindo, parece que o grupo constitui um espaço-tempo privilegiado, particularmente apto a acolher, acompanhar e transformar o sofrimento psíquico mais ou menos intenso, como vimos nas sequências clínicas que escolhi como exemplos. Tentei descobrir categorias nas formas que o tempo assume e seu tratamento no grupo. Nós constatamos que, mais que o próprio tempo, são as representações do tempo, das quais o sujeito é portador, que evoluem graças ao grupo. As mudanças de representações terminam por uma tomada de decisão, uma liberação, um alívio, um escoramento quase vital, segundo os casos estudados. Mais do que falar do tempo, seria preferível falar dos tempos, que são múltiplos para o sujeito e para o grupo. Sujeito e grupo acabam por se aparelhar de tal forma, que um trabalho psíquico se inicia, se expande e transforma as representações diversas do tempo para o sujeito e para o grupo, de tal modo, que eles compartilham suas vicissitudes, suas dificuldades e a fatalidade da vida até a morte. A vida psíquica tem sua temporalidade marcada pela dimensão intemporal do inconsciente, mas a psique habita um corpo que conhece o inexorável desgaste do tempo.

Da inscrição carnal do tempo no corpo nasce o sofrimento, a renúncia, a solidão do ser e, por essa razão, a necessidade que se impõe a ele de lutar contra o tempo que se esgota, contra o envelhecimento que se instala insidiosamente, para viver ou simplesmente sobreviver. Os grupos são lugares de pertencimento natural ou aparelhados graças a dispositivos específicos, cujos métodos favorecem que se ponha em ação a questão do tempo e que ferem e acalmam ao mesmo tempo. Viver como se nunca devêssemos morrer, para manter a ilusão de que é o instante presente, afinal, o que mais conta. No entanto, criar lembranças mantendo constantemente novos projetos demonstraria nossas diligências ilusórias, na falta de serem eficazes, para permanecer psiquicamente vivos, para nos tornar iguais a esses velhos que se acredita serem sempre jovens, enquanto outros envelheceram cedo demais. Investir sua própria subjetividade ou seu próprio funcionamento psíquico faz parte dos organizadores psíquicos grupais isolados e teorizados por Kaës. A esse respeito, esse organizador comum ao sujeito e ao grupo demonstra uma capacidade autorrepresentativa que condiciona todo trabalho psíquico nas representações do tempo. O tempo de dentro e o tempo de fora, o tempo do sujeito e o tempo do grupo não parariam de buscar espaços imaginários comuns, para enfim poder compartilhá-los.

 

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Recebido em: 4/9/2014
Aceito em: 9/9/2014

 

 

Claudine Vacheret claudine.vacheret@orange.fr
Tradução de Marilei Jorge
1 Mercader, P., Henry, A.-N. et coll. (2004). Na Universidade Lumière-Lyon 2, são propostos módulos de trabalho em grupo articulando Fotolinguagem© e psicodrama.
2 Esses conceitos aparecem como fundamentais na obra de Kaës, particularmente os correlatos à criação do novo paradigma do aparelho psíquico grupal (1976).
3 Janine Puget (2006) e Ophélia Avron (1996) trabalharam muito essa noção, em perspectivas próximas, mas diferentes: a primeira, na problemática do vínculo, a segunda, em uma abordagem mais pulsional.
4 Passador é um termo utilizado em francês para quem atravessa pessoas de um lado ao outro, como entre duas margens de um rio. [N.T.]
5 Rio que atravessa a cidade de Lyon.
6 Durante a Segunda Grande Guerra, a cidade de Lyon estava na fronteira entre a zona ocupada pela Alemanha e a zona livre.
7 Kaës fala, várias vezes, de transferência de difração, em especial em 1994.

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