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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.48 no.89 São Paulo dic. 2015

 

ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS FILIADOS

 

Um breve ponto de vista sobre a circulação do poder na SBPSP: isso é psicanálise!1

 

A brief perspective on the circulation of the power in SBPSP: this is psychoanalysis!

 

Una breve opinión sobre la circulación del poder en la SBPSP: ¡eso es psicoanálisis!

 

Un bref point de vue concernant la circulation du pouvoir chez la SBPSP: cela est la psychanalyse!

 

 

Gustavo Gil Alarcão; Rodrigo Lage Leite; Paula Freitas Ramalho da Silva; Pedro Colli Badino de Souza Leite

Membros filiados do Instituto de Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP, atualmente na diretoria da Associação de Membros Filiados. gustavogialarcão@yahoo.com.br, rlageleite@uol.com.br, paulafrs@yahoo.com.br, pedrocolli@gmail.com

 

 


RESUMO

Os autores apresentam neste artigo os resultados de uma pesquisa inédita realizada com os membros filiados ao Instituto Durval Marcondes da SBPSP. A pesquisa visa a conhecer a clínica cotidiana dos analistas em formação. São apresentados os resultados da pesquisa, com a discussão de alguns pontos. Com base nos resultados é possível afirmar que a clínica realizada pelos analistas em formação enquanto profissionais é sensivelmente diferente do modelo recebido por meio da análise didática. O artigo investiga as consequências dessa situação na Instituição pensando nas relações de poder estabelecidas entre os membros filiados e analistas didatas. O artigo critica a atual estrutura da instituição baseada na concepção de um modelo padrão de análise para seus futuros membros, ponderando sobre a concentração de poder e sobre as consequências na subjetividade dos analistas em formação que tal modelo gera.

Palavras-chave: formação psicanalítica, instituição, poder, análise didática


ABSTRACT

The authors present through this article the results of an unprecedented survey of the affiliated members to the SBPSP Institute Durval Marcondes. The research aims to know the everyday practice of the affiliated members. The results are presented with some discussion about the major points. From the results it can be said that the clinical practice held by training analysts as professionals is markedly different from what they receive as model, through the training analysis. The article investigates the consequences of this situation in the institution thinking about the power relations existing between the affiliated members and training analysts. The article criticizes the current structure of the institution based on the design of a standard model analysis to its future members, pondering the concentration of power and the consequences on the subjectivity of analysts in training that this model generates.

Keywords: psychoanalytical formation, institution, power, training analysis


RESUMEN

Los autores presentan a través de este artículo los resultados de una encuesta sin precedentes realizada con los miembros afiliados del Instituto de Psicoanálisis "Durval Marcondes" perteneciente a la SBPSP. El objetivo de la investigación era conocer el trabajo clínico particular de los analistas en formación. Se presentan los resultados de la encuesta junto con la discusión de algunos de sus puntos. De los resultados se desprende que la clínica ejercida por los analistas en formación es muy diferente del modelo recibido a través del análisis de formación. El artículo analiza las consecuencias de esta situación en la institución y plantea las relaciones de poder existentes entre los miembros afiliados y los analistas didactas. El artículo critica la estructura institucional actual basada en un modelo de análisis estándar para sus futuros miembros, ponderando sobre la concentración del poder y las consecuencias en la subjetividad de los analistas en formación que este modelo genera.

Palabras clave: formación psicoanalítica, institución, poder, análisis didáctico


RÉSUMÉ

les auteurs présentent, par l'intermédiaire de cet article, les résultats d'une recherche inédite menée entre les membres affiliés à l'Institut Durval Marcondes de la SBPSP. L'investigation vise à connaître la clinique quotidienne des analystes en formation. On présente les résultats de la recherche, en discutant certains points. En ayant pour base ces résultats, c'est possible d'affirmer que la clinique accompli par les analystes en formation, en tant que professionnels, c'est sensiblement différente du modèle reçu au moyen de l'analyse didactique. L'article examine les conséquences de cette situation au sein de l'institution, toute en réfléchissant sur les rapports de pouvoir établis entre les membres affiliés et les analystes didactiques. L'article critique la structure actuelle de l'institution, dont le fondement est la conception d'un modèle standard d'analyse pour ses futurs membres, en raisonnant sur la concentration de pouvoir et sur les conséquences qu'un tel modèle entraine sur la subjectivité des analystes en formation.

Mots-clés: la formation psychanalytique, institution, puissance, l'analyse de la formation


 

 

Todo campo é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças (Bourdieu, 2004, p. 23).

Em outras palavras, é preciso escapar à alternativa da "ciência pura", totalmente livre de qualquer necessidade social, e da "ciência escrava", sujeita a todas as demandas político-econômicas (Bourdieu, 2004, p. 21).

O tema proposto pela Associação de Membros Filiados para seu simpósio anual é atual, importante e difícil: poder, psicanálise e subjetividade. Esta mesa tratará do poder institucional e da análise didática, temas que convergem e que vêm sendo debatidos de longa data, por diferentes recortes, que merecem ser lembrados como provas do percurso de trabalho que vem sendo trilhado. Além de propor questões, pensamos que o texto tem a função de oferecer um registro de como pensam alguns membros filiados, já que a mesa foi elaborada a partir das discussões em grupo, obviamente não querendo dizer que ela representa a totalidade do grupo.

Por que ao longo dos anos e em várias situações diferentes discutem-se pontos importantes acerca dos processos institucionais que acabam perdendo sua potência de transformação? Por que a mudança mais decisiva da instituição, a ampliação do número de analistas didatas, só foi possível após intervenção da ipa? Por que as inquietações que circulam nos corredores, nas conversas não oficiais sobre dinheiro, frequência de sessões, processo de seleção e passagem de membros, apego a determinados autores e procedimentos burocráticos, perdem o fôlego?

Nossa hipótese é que a estrutura de poder construída ao longo dos anos tem interferido de forma decisiva nos processos de transformação da instituição. Uma instituição que sustenta padrões, dos quais a "análise padrão" de formação é o maior exemplo, acaba pagando o preço de sua escolha: quatro vezes por semana durante cinco anos, com um analista didata; duas supervisões oficiais com atendimentos de alta frequência com no mínimo 80 horas cada, realizadas com analistas didatas, cujos critérios não têm explicação metapsicológica (Giovannetti, 2010).

Esse padrão é poderoso e sedutor, porque ele se apresenta como um caminho a ser seguido dentro dos processos institucionais, mesmo que em dado momento da trajetória de muitos analistas, esse mesmo caminho tenha sido motivo de crítica. Dessa maneira é possível compreender por que muitas iniciativas e discussões já ocorreram, mas quão lentas e difíceis são as transformações: acreditamos que os próprios membros perdem o interesse em levar adiante questões que muitas vezes eles próprios levantaram: "mudar agora, que chegou a minha vez?"

Para nós esses fatos não se devem somente ao divã desses integrantes ou ao processo de amadurecimento que se vive ao longo da formação psicanalítica, que também podem interferir nas mudanças de opinião. Acreditamos que se construiu uma estrutura externa cuja força de conservação do poder merece ser analisada com cuidado. Essa estrutura se sustenta, sobretudo, por meio de uma apresentação muito ambígua dessa "análise padrão". A ambiguidade se revela no seguinte ponto: a necessidade de regulamentar, fiscalizar e controlar o processo de formação por meio de um modelo padrão que se pauta pela restrição, pela desconfiança, pela sujeição a um batismo institucional, que pouco se dispõe a pensar nas situações individuais, para nós, escancara a desconfiança real no que podemos chamar análise, ou processo analítico de alguém: "tenho vários anos de análise pessoal com determinada pessoa, trabalho, fiz supervisões, publiquei, mas... preciso recomeçar do zero". Por quê?

Nosso recorte pensará a SBPSP como um campo, de acordo com as ideias do sociólogo francês Pierre Bourdieu, que analisa os campos de saber e prática, buscando entender sua intimidade de organização e também de sua relação com a sociedade em geral. Como um campo a SBPSP alcançou uma posição de grande autonomia, o que gerou ganhos e problemas. Como um campo, é importante conhecer a estrutura das relações entre seus integrantes, capaz de nos informar o modo pelo qual circula o poder institucional, determinando como seus integrantes se movimentam no plano das relações institucionais.

Os agentes têm disposições adquiridas que Bourdieu denomina habitus: descrição do estilo, das maneiras mais ou menos permanentes de se movimentar desses agentes no campo; nesse caso dos analistas na sociedade. Como um sociólogo bastante informado pela psicanálise, Bourdieu quer escapar das estratégias discursivas, e por isso salienta a necessidade de que observemos as práticas, uma vez que elas fogem do filtro da consciência dos discursos objetivos. Essa proposta seria uma espécie de lembrança de que o trabalho das consciências (processos secundários) pode escamotear e denegar suas próprias intenções. Aqui podemos perceber a força da "análise padrão" na instituição: as modificações ao longo do tempo têm tido um efeito de concessões a uma estrutura que pouco se modifica nessa prática, a espinha dorsal do processo.

Essa estrutura institucional tem funcionado e se sustentado na centralidade da posição e da defesa da "análise padrão" como filtro inicial para entrada na instituição e como sustentação posterior de parte dos membros seniores da mesma instituição, como veremos a seguir, pelos números de nossas pesquisas.

Não importa qual seja o percurso do pretendente a participar da instituição. Com justificativas de que se pretende oferecer uma "análise de qualidade", seleciona-se um método que põe o regulamento na frente do desejo, as regras como filtro de seleção. Pelos relatos, esse processo guardaria alguma correspondência histórica que pode ser compreensível: em dado período analisar-se era sinônimo de aceitar um trabalho de alta frequência, o que de certa forma guardaria alguma correspondência com o "padrão" estabelecido pela instituição. Antecipadamente, cremos que, mesmo nesse período, a aceitação desse padrão também implicava a seleção de um método de trabalho que privilegiava a regra em detrimento da criatividade clínica, porque não há critério metapsicológico capaz de dizer que tantas horas de trabalho garantam ou não os efeitos de uma análise. Ou seja, se houve em algum momento a fixação de regras, e se elas implicaram a formatação de um padrão que invocou métricas antes do desejo, parâmetros antes da experiência, elas se equivocaram quanto à natureza da escolha de suas prioridades. Não observamos em grandes autores a subserviência à padrões que não aqueles realmente psicanalíticos, independentemente do momento de sua trajetória psicanalítica.

"A sociedade sempre foi, e no passado era muito mais conservadora", são frases que ecoam nos corredores. Quando escutamos tais afirmações, pensamos, "sim, muito bem, mas o que é que garante tal estrutura? Por que o fôlego para realizar as mudanças necessárias sucumbia?" Percebemos que tais pessoas, que fizeram e fazem tais críticas, acabaram tomando parte na mesma estrutura. De alguma forma ao fazer parte da estrutura de poder passavam a beneficiar-se dela, e, se isso estiver correto, suas críticas e questionamentos arrefeciam-se.

Aqui é preciso lembrar Foucault, que diz que "o poder não existe de um lado ou de outro, mas é apreendido por relações e práticas, que se exercem e se efetuam" (Foucault, 1979, p. 14). Era importante também deixar de descrever as relações de poder em termos negativos, como "ele exclui, ele reprime, ele mascara, ele esconde, ele abstrai", para apontar também sua positividade: "o poder produz real, produz domínios de objetos e rituais de verdade" (Foucault, 1979, p. 16). Nesse sentido, as relações de poder institucionais criam caminhos rituais para a conservação da imagem da "análise padrão", incluindo, nesse processo, decisivamente os membros filiados. O padrão se incute e não permite que o espaço privado das análises pessoais seja marcado pela liberdade, pelo desejo e pela crítica.

Para analisar essa situação traremos os resultados de uma pesquisa interna realizada com membros filiados, nas quais podemos perceber que a clínica realizada na prática não corresponde à clínica preconizada pelo padrão, e que a busca por obedecer a esse padrão gera repercussões concretas: como, por exemplo, a maior parte dos membros filiados tem que selecionar um paciente para se adequar ao padrão, reconhecendo que se trata de algo que não faria e com o que não concorda; esse será o trabalho apresentado em seus relatórios clínicos; ou temos relatórios padronizados para atender expectativas, ou temos relatórios destituídos de envolvimento real com o trabalho, na maior parte das vezes. Quais seriam os efeitos dessa situação?

Ao verificar a história da Associação de Membros Filiados desde sua formação podemos perceber como ela acompanha o movimento das principais ações da instituição, relacionando-se diretamente com as consequências advindas da existência real de um modelo de "análise padrão". Não se trata de politizar, tampouco polemizar a questão, porque concordamos com Bourdieu quando afirma que

a politização é quase sempre obra daqueles que são os mais fracos segundo as normas específicas e que têm interesse em fazer intervir poderes externos nas lutas internas, impedindo o pleno desenvolvimento de trocas racionais. (Bourdieu, 2003, p. 68)

E justamente para não politizar é que recorremos à história e a dados empíricos como testemunho dos movimentos institucionais. Poderíamos fazer uma exceção na politização das políticas institucionais, pois são da ordem do interno, entretanto, estas políticas institucionais são tão carregadas de diferentes ideologias, interesses de reserva de mercado, ou até da crença na verdadeira psicanálise, que se sustentam menos do aspecto psicanalítico das questões e muito mais das normas pragmáticas de sobrevivência da psicanálise em suas primeiras eras do que do rigor reflexivo, metodológico /metapsicológico tão caro à Psicanálise.

O enlace do argumento se dá à medida que podemos identificar como o poder advindo dessa estrutura aparece posteriormente, por meio do habitus, do estilo dos membros do grupo, compondo, em alguma medida, a subjetividade do analista que percorre os caminhos dessa instituição, isto é, o analista, mesmo que não desempenhe em sua clínica um modelo de análise padrão, defenderá vigorosamente que esse é "o modelo", e não "um modelo". Foi justamente essa argumentação que surgiu na jornada interna dos membros filiados com maior destaque: "recebi tal modelo e, mesmo que atualmente ele ocorra com muita dificuldade na minha realidade, quando preciso dizer alguma coisa, defendo a necessidade da manutenção do padrão, em vez de valorizar e produzir a partir da realidade que vivo".

Nossa ideia era apresentar duas fontes de evidência para apoiar esse raciocínio, uma histórica e outra empírica. Por limitação do tempo optamos pelos dados da jornada, mas gostaríamos de deixar indicado que o livro AMF - 45 anos traz uma coletânea de textos que enriquece muito esse debate. A análise desses textos demonstra que as críticas à concentração do poder sob o signo da análise padrão e das dificuldades advindas desse modelo vêm de longe, pelo menos desde a década de 1970. Trazemos aqui duas citações que nos parecem apropriadas: Fabio Herrmann em texto de 1986 diz que gostaria de compreender função da Associação de Candidatos e que sua função naquele momento era:

A Associação de Candidatos surgiu como uma exigência de participação dos candidatos no seu próprio destino enquanto grupo. A exigência de representação, escolhida pelos próprios candidatos e, sobretudo, uma exigência de abertura da Sociedade. Fica evidente que esse processo de abertura se deu na SBPSP, que ela se abriu para o meio externo para transitar entre outras formações psicanalíticas e psicoterápicas, para ter mais contato com a sociedade em geral, com a grande sociedade. (AMF - 45 anos, p. 123)

Temos que levar o Instituto a mudar o sistema em vigor, no qual o didata se sente dependente dos candidatos para manter seu nível de vida, dependente dos candidatos para seus rendimentos. Isto poderia ser feito se os didatas tivessem de fato um limite real para o número de candidatos em análise, de modo que a maior parte de seus rendimentos viesse de outros pacientes, e não de candidatos. (Fala de Daniel Wallerestein então presidente da ipa em 1986, publicada em AMF - 45 anos, p. 99)

A pesquisa realizada pela amf revela nitidamente uma diferença entre a maneira pela qual é encarada a análise padrão, realizada pelo membro filiado e a realidade que encontra em sua clínica, além de determinar, por exemplo, uma atitude algo problemática: a vivência de sua clínica real é bastante diferente daquela que recebe institucionalmente; ele tem críticas ao que recebe, mas tem dificuldades em tomar consciência de suas próprias críticas e, em algumas situações, age em desacordo com o que realmente acredita. Dessa maneira passam a coexistir dois modos de funcionamento: o modo padrão, que corresponde ao exigido institucionalmente, e o modo real do cotidiano. É muito importante perceber que os próprios membros filiados têm dificuldade em notar que estão funcionando nesses dois registros, mas que ao longo de suas respostas acabam denunciando esse fato.

Abaixo temos algumas questões que foram respondidas de um questionário elaborado pela AMF:2

1. O número de sessões semanais é fator crucial para uma análise?

Sim: 47 (51,1%)

Não: 45 (48,9%)

Se o número de sessões é crucial para uma análise, como entender e racionalizar o fato de que a maioria das análises realizadas por esses analistas foge ao padrão?

2. Você é a favor da regulamentação do número de sessões da análise didática?

Sim: 47 (51,1%)

Não: 45 (48,9%)

3. Se a análise didática não fosse regulamentada você alteraria o número de sessões semanais?

Sim: 40 (43,5%)

Não: 52 (56,5%)

Há uma nítida divisão, que deve ser explorada e não silenciada. Não perguntamos se os analistas em formação discutem a frequência de suas análises com seus analistas didatas, "falha-nossa". Tenderia a dizer que poucos.

Observem como a questão surge quando o foco recai sobre o paciente.

4. Você discute a frequência de sessões com seus pacientes?

Sim: 88 (95, 7%)

Não: 4 (4, 3%)

5. Quais critérios utilizam para eleger o número de sessões (de seus pacientes)?

 

 

Se somente quatro pessoas adotam critérios fixos, o mesmo número de pessoas que não discute a frequência de sessões com seus pacientes, como entender que mais da metade aceita sem questionar a regulamentação de sua análise? E a psicopatologia dos analistas, e suas condições práticas?

6. Em sua clínica, os pacientes procuram espontaneamente análise de alta frequência (3 a 4 vezes por semana)?

Sim: 5 (5,4%)

Não: 87 (94,6%)

7. Quando há indicação, ou escolha de alta frequência, o paciente é receptivo?

Sim com facilidade: 5 (5,4%)

Sim com dificuldade: 45 (48,9%)

Não: 42 (45, 6%)

As diferenças entre as vivências e as exigências institucionais são flagrantes, como se sustentam essas questões? Por que o descompasso com o mundo? Como abordar tais pontos? Apenas sustentar a "excelência" da análise didática me parece frágil, mas, ainda sim, qual é essa excelência em termos metapsicológicos? Como a evidenciamos?

8. Você recusa pacientes em função da frequência de sessões semanais?

Sim: 14 (15,2%)

Não: 78 (84,8%)

É possível observar como a flexibilidade diante da realidade da clínica cotidiana e real não se pauta pela padronização, ficando claro que o entendimento acerca do processo de análise é preferencialmente discutido pela dupla.

9 . Quais dessas razões estariam relacionadas com dificuldades de o paciente procurar análise de alta frequência?

 

 

Aqui fica mais flagrante que a análise padrão é aceita como um dado da instituição, que pode ser pensado até mesmo como imposição de regra: porque ninguém respondeu que a escolha da frequência depende só da escolha do analista? Se as questões econômicas e práticas entram em cena com tanta importância, como fica a aceitação que fazem para si de sua análise padrão? Também nos chama atenção o fato de que, se pensamos que tais fatores estão ligados à contemporaneidade, ou se há desconhecimento sobre psicanálise de forma geral, como temos abordado essa discussão?

10. A frequência de sessões semanais influenciou a escolha para seu paciente para supervisão oficial?

Sim: 70 (76,1%)

Não: 22 (23,9%)

11. Você encontrou dificuldades em encontrar pacientes para a supervisão oficial durante a formação?

Sim: 48 (52,2%)

Não: 44 (47,8%)

12. Se não houvesse regulamentação você escolheria outro paciente para sua supervisão oficial?

Sim: 49 (53,3%)

Não: 43 (46,7%)

13. Você julga que a questão da oficialidade do número de sessões para o paciente de sua supervisão limita sua liberdade?

Sim: 65 (70,7%)

Não: 27 (29,3%)

14. Você tem interesse em debater esse assunto?

Sim: 82 (89,1%)

Não: 10 (10, 9%)

Fica nítido que a questão do padrão e da oficialidade interfere na liberdade e na escolha dos pacientes a serem discutidos e apresentados nos trabalhos dos analistas em formação. Acreditamos que as implicações desse fato são profundas, chegando ao ponto de criar distorções que merecem ser analisadas com cuidado, a mais óbvia sendo que as escolhas em sua maioria pretendem corresponder aos critérios oficiais, ao padrão numérico, não ao desejo, à implicação, à relevância clínica etc., para a maior parte dos membros filiados. Como pensar o conhecimento produzido com base nesse referencial?

Gostaríamos também de apresentar uma espécie de fotografia da realidade do cotidiano das clínicas dos analistas em formação, em que fica ainda mais explícita a distância entre o padrão e o oficial e a realidade com a qual lidam. O que garante então a manutenção do padrão, se não o poder da instituição com a complementaridade daqueles que, ao longo dos anos, aceitam tal situação? Quais as implicações desse processo para as subjetividades dos analistas formados pela instituição e para a própria instituição? Qual o campo que pretendemos criar? Aquele no qual há desejo, no qual os trabalhos sejam fruto de inquietações da clínica encarnada, ou aquele que faz muito esforço para atender às exigências do outro? Como encarar o papel dos próprios analistas didatas nesse processo, que acreditamos responder pela vanguarda da instituição, qual o legado se busca deixar? Perguntas que deixamos como incômodo, pretendendo cumprir realmente uma função de questionamento e inquietação para que possamos pensar.

 

 

 

 

 

 

 

 

Um último dado: temos atualmente 80 analistas didatas3 e 344 membros filiados, o que gera uma média de 4,5 membro filiado por analista. O limite atual é de 5 membros filiados por didata, o que nos informa o seguinte: a instituição garante trabalho para pelo menos 69 analistas (69 x 5 = 345), por meio de suas regras de funcionamento, e estamos no período de maior abertura da instituição. Aqui nem entrarão os cálculos monetários. A discussão é ampla e com muitos desdobramentos e ponderações, mas não pode ser evitada. São os próprios números, tão lembrados na padronização dos processos da instituição, que nos ajudam a perceber como estamos caminhando. Uma ideia é estender esta pesquisa para todos os membros da Instituição. Isso é psicanálise! E o futuro?

 

Referências

Bourdieu, P. (2004). Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. (D. Catani, trad.). São Paulo: Unesp.         [ Links ]

Socha, A.; Azevedo, B. H.; Leite, L. R.; Pupo Netto, S. T. (2015). AMF 45 anos: releituras. São Paulo: SBPSP.         [ Links ]

Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. (R. Machado, trad.). Rio de Janeiro: Graal.         [ Links ]

Giovannetti, M. F. (2010). Sobre a natureza e função do currículo na formação analítica. Jornal de Psicanálise, 43(79),181-186.         [ Links ]

 

Recebido em: 1/12/2015
Aceito em: 1/12/2015

 

 

1 Trabalho apresentado oralmente no Simpósio Poder Psicanálise e Subjetividade em 28/11/2015 realizado pela Associação de Membros Filiados ao Instituto de Psicanálise Durval Marcondes.
2 A pesquisa foi realizada eletronicamente com um link enviado para todos os membros filiados. Obtivemos 92 respostas. Foi realizada uma Jornada Interna (29/06/2015) cujo título foi: "Nossa clínica: a clínica que fazemos e a clínica que desejamos". A pesquisa pode ser acessada pelo endereço eletrônico: https://www.survio.com/survey/d/G0V6U1P5L3O4D9Q9X.
3 Informação recebida oralmente pela diretora do Instituto "Durval Marcondes".

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