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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.48 no.89 São Paulo dez. 2015

 

TRADUÇÃO

 

A função simbolizante

 

The symbolizing function

 

La función simbolizante

 

La fonction symbolisante de l'objet

 

 

René Roussillon

Analista didata da Sociedade Psicanalítica de Paris, SPP. Presidente do Grupo de Analistas de Lyon, docente da Universidade de Lyon 2. rroussillon7@gmail.com

 

 


RESUMO

O autor se dedica a aprofundar o papel e a função do objeto primário no desenvolvimento das capacidades de simbolização do sujeito. Ele descreve uma transferência recíproca da relação - ou melhor, do rapport com o objeto - para a relação - ou melhor, para o rapport com o aparelho de simbolização ou a atividade de simbolização. Ao lado da função de paraexcitação do objeto, classicamente descrita, o autor põe em evidência uma série de "necessidades do Eu", cuja consideração favorece o desenvolvimento da simbolização e da apropriação subjetiva que ela torna possível. Desenha-se, então, uma diferença entre o objeto "a" simbolizar e o objeto "para" simbolizar, e entre a relação com o objeto e o registro do "uso do objeto", mais específica da questão da função simbolizante do objeto. Este último deve garantir uma função defletora e uma função reflexiva para o sujeito, evitar afastamento e retaliação nas respostas que ele traz aos movimentos pulsionais do sujeito no sofrimento da elaboração e não pode evitar mostrar-se criativo nessa situação.

Palavras-chave: simbolização, objeto primário, necessidades do eu, reflexividade, uso do objeto, meio maleável, limites


ABSTRACT

The author devotes himself to deepen the role and the function of the primary object in the development of the subject's abilities of symbolization. The author describes a reciprocal transference of the relationship - or rather, of the rapport with the object - to the relationship - or rather, to the rapport with the symbolizing apparatus or symbolizing activity. Besides the classically described "para-excitation" function of the object, the author highlights a range of "needs of the self". Considering those needs furthers the development of symbolization and the development of the subjective appropriation that it enables. Then, a difference between the object "to be" symbolized and the object "to" symbolize arises, as well as a difference between the relationship with the object and the register of the "use of the object", which belongs more specifically to the issue of the symbolizing function of the object. This object must guarantee a deflective and a reflective function to the subject, must avoid isolation and retaliation in those answers that it (the object) brings to the subject's instinctive movements during the suffering from elaboration, and the object also cannot avoid showing creativeness in this situation.

Keywords: symbolization, primary object, needs of the self, reflexivity, use of the object, flexible means, limits


RESUMEN

El autor se dedica a profundizar el papel y la función del objeto primario en el desarrollo de las capacidades de simbolización del sujeto. Describe una transferencia recíproca de la relación, o mejor dicho, del rapport con el objeto, para la relación o rapport con el aparato de simbolización o actividad de simbolización. Además de la función de para-excitación del objeto clásicamente descripta, el autor pone en evidencia una serie de "necesidades del Yo" cuya consideración favorece el desarrollo de la simbolización y de la apropiación subjetiva que la misma hace posible. Se vislumbra, entonces, una diferencia entre el objeto "a" simbolizar y el objeto "para" simbolizar, y entre la relación con el objeto y el registro del "uso del objeto", más específica de la cuestión de la función simbolizante del objeto. Éste último debe garantizar una función deflectora y una función reflexiva para el sujeto, evitar distanciamiento y retaliación en las respuestas que da a los movimientos pulsionales del sujeto en el sufrimiento de la elaboración y no puede evitar mostrarse creativo en esa situación.

Palabras clave: simbolización, objeto primario, necesidades del yo, reflexividad, uso del objeto, medio maleable, límites


RÉSUMÉ

L'auteur s'attache à approfondir le rôle et la fonction de l'objet primaire dans le développement des capacités de symbolisation du sujet. Il décrit un transfert réciproque de la relation, ou plutôt du rapport à l'objet, à la relation ou plutôt au rapport avec l'appareil de symbolisation ou l'activité de symbolisation. A côté de la fonction pare-excitation de l'objet, classiquement décrite, l'auteur met en évidence une série de "besoins du Moi" dont le respect favorise le développement de la symbolisation et de l'appropriation subjective que celle-ci rend possible. Se profile alors une différence entre l'objet "à" symboliser et l'objet "pour" symboliser, et entre la relation à l'objet et le registre de "l'utilisation de l'objet", plus spécifique de la question de la fonction symbolisante de l'objet. Ce dernier doit assurer une fonction défléchissante et une fonction réfléchissant pour le sujet, éviter retrait et rétorsion dans les réponses qu'il apporte aux mouvements pulsionnels du sujet en souffrance d'élaboration, il ne peut éviter de se montrer créatif dans celles-ci.

Mots-clés: symbolisation, objet primaire, besoins du moi, réflexivité, utilisation de l'objet, médium-malléable, limites


 

 

Se a teoria é, necessariamente, uma teoria do sujeito e uma teoria para um sujeito, ela não poderia evitar ser, simultaneamente, uma teoria do objeto e uma teoria de como o objeto subjetiva ou de como permite ao sujeito se experimentar enquanto tal. Esta é a função simbolizante do objeto, caso se aceite sobrepor o desenvolvimento da simbolização à função de apropriação subjetiva e subjetivante.

É, sem dúvida, por isso que, cada vez mais, a psicanálise tenta aprofundar sua representação da função simbolizante do objeto e do processo de simbolização, e é também por isso que ela modifica ou deve desviar o curso de algumas parcelas de sua teoria para torná-las mais adequadas a seus progressos em sua compreensão. Assim, primeiro ela teve de reconhecer que a simbolização não acontece por si só, que ela é o fruto de um trabalho interno que requer mais do que a simples retenção da descarga; ela precisou admitir, em seguida, que a qualidade e a natureza da ligação intrapsíquica são tão fundamentais quanto seus aspectos apenas quantitativos. Nossa concepção do trabalho da simbolização teve que integrar esses detalhes e ser alterada em função deles. Mas eles também repercutem em nossa concepção da função intersubjetiva dos objetos edípicos, em nossa concepção de sua função "simbolizante" ou potencialmente "simbolizante" para o sujeito.

Assim, a teoria do apoio (1905),1 que não exigia do objeto nada além do que era necessário para garantir a autoconservação - deixando a cargo da criança, com base na satisfação de suas necessidades corporais, a elaboração de seus autoerotismos para preparar o caminho de sua sexualidade presente e futura -, não pode mais, por sua vez, satisfazer as exigências de nossa representação das necessidades imperiosas da função primeira dos objetos. O aprofundamento da clínica das patologias identitário-narcísicas torna mais agudo o que podia permanecer relativamente disfarçado em outro lugar - eu digo relativamente pois o problema já estava ali, é claro, cf. o ressentimento da "histérica" ou o pensamento mágico do "obsessivo" - cuja urgência precipitou e ainda precipita uma incessante rediscussão da questão das particularidades e da natureza do apoio da simbolização no objeto e nos objetos edípicos.

Talvez, aliás, seria preciso abandonar o conceito de apoio, que permanece com grande frequência marcado por suas origens e é fonte tanto da única figura de "sustentação" que ele anuncia quanto no apoio que encontrou no que diz respeito à necessidade corporal geralmente em detrimento das "necessidades do eu" (Winnicott) ou das condições de possibilidade da simbolização e da subjetividade. Estas últimas só requerem "suporte", "apoio", por parte do ambiente, a não ser que dê a estes termos uma extensão considerável e que faça deles a metáfora do conjunto das condições de possibilidade da atividade representativa.

Acontece o mesmo, sem dúvida, com a polissemia, cada vez mais manifesta, do conceito de objeto em psicanálise, que é fonte de mal-entendidos e ambiguidades, que não têm todos o valor dos "insolúveis" necessários à elaboração psíquica,2 sobretudo no que o conceito clínico revela precisamente do caráter historicamente crucial da função subjetivante do reconhecimento por outro-sujeito.

Estas duas dificuldades tendem a aumentar seu efeito de imprecisão, através da noção de apoio e mesmo na de apoio no objeto, da relação transferencial que parece se estabelecer entre o que eu denominarei por um termo global, o rapport3 com o objeto ou com o outro-sujeito, e o rapport com a própria simbolização, com o processo e/ou com o aparelho de simbolização. Acabo de formular o primeiro dos postulados que desejo apresentar neste artigo: as características do rapport primário com o objeto tendem a se transferir no rapport do sujeito com a atividade de simbolização e com o "reconhecimento" simbólico que ele poderia antecipar.

Donnet e Green (1973), seguindo Bion e a teoria do pensamento que ele propõe, já indicaram claramente que, na psicose, a crise não dizia respeito apenas a esta ou aquela fantasia singular, mas, de forma mais geral, ao "próprio aparelho de simbolização": o "aparelho de pensar",4 como gostava de chamar Bion. O que a psicose evidencia claramente impondo à mente parece-me presente de maneira mais difusa ou mais mascarada no conjunto das patologias identitário-narcísicas e, mesmo, sem dúvida, além das próprias neuroses de transferência, mesmo se sua aposta não se reveste, então, do mesmo caráter crucial que na psicose. Os diferentes modos de funcionamento psíquico apresentam formas de rapport com a simbolização, com seus aparelhos e com suas funções que são diferentes e específicas. Estas diferenças revelam a existência de uma rapport diferencial com a atividade representativa e abrem a questão do sentido histórico dessas diferenças, abrem a possibilidade de uma interpretação desse rapport. Eu, pessoalmente, o enfatizei (Roussillon, 1995), seguindo outros autores, no rapport do sujeito com esta parte do aparelho de simbolização que é a linguagem, mas isto também se aplica ao rapport que o sujeito mantém com o registro da simbolização primária, isto é, com o registro da produção das representações-coisas, como enfatiza a análise das diferenças no funcionamento da atividade onírica e do rapport com a atividade onírica.

Os escritores e os poetas, mais particularmente - penso aqui, em especial, naqueles que enfrentaram o problema da própria matéria da linguagem, em um Mallarmé, por exemplo, ou ainda, para evocar uma referência atual, em V. Novarina (cf. "O teatro das palavras"), passando por estilistas como Celine ou Proust (cf. Roussillon, 1995) -, são exemplos marcantes e até mesmo "eruditos" deste rapport singular e diferencial com o aparelho ou com a própria matéria da linguagem; mas, frequentemente, com baixo ruído, de maneira menos nítida, "a fala deitada" de nossos analisandos também o demonstra. Nestes casos, a transferência não serve somente para identificar a relação que os analisandos mantêm com o analista ou mesmo com a situação analítica, mas também em apreender, de forma complementar, o "uso" global que eles fazem da análise e de seu dispositivo-simbolizante, "no uso" global que fazem do aparelho da linguagem. É procurando entender qual parcela da história ou pré-história é assim convocada na transferência, é procurando entender o que se transfere, assim, no rapport com o dispositivo e com os aparelhos de simbolização, que se impõe de uma maneira mais clara a hipótese de uma reprodução, deslocada no rapport com a simbolização, do rapport com a função simbolizante dos objetos edípicos.

Tal perspectiva, ligeiramente diferente daquelas que já se tornaram, agora, relativamente "clássicas", na literatura psicanalítica, ajuda a "aprofundar" mais ou a desenvolver outros aspectos da função simbolizante dos objetos? É ao que minha reflexão atual está tentando se dedicar.

A questão da função simbolizante dos objetos edípicos centrou-se principalmente em dois aspectos ou duas condições ou pré-condições de simbolização.

A primeira [condição] diz respeito à função paraexcitante ou paraquantidade do ambiente. Para simbolizar ou desenvolver uma capacidade representativa, é necessário que a quantidade de excitação a vincular pela simbolização seja relativamente moderada e que não exceda a capacidade da criança. Assim, a passagem da alucinação-perceptiva à simples representação de coisa apoiada pela paraquantidade proposta pelos objetos tornar-se-ia possível. Outra maneira de dizer é enfatizar que o que é, então, o principal fator de excitação reconhecido, a ausência ou a separação do objeto, não exceda, por sua duração, as capacidades do sujeito em restabelecer, graças à representação, a continuidade psíquica necessária ao sentimento de continuidade do ser ou a seu restabelecimento. O segundo [aspecto] "aprofunda" as condições da execução desta paraexcitação, identificando no fator qualitativo de uma organização triangulada o seu eixo primordial: a atração edípica. Seja através de uma referência ao pai, na palavra, e ao desejo da mãe, ou por este, de acordo com a fórmula do Sr. Fain que fez fortuna, da "censura do amante", ou ainda - em referência a Freud - evocando as diferentes metáforas da "ameaça de castração proferida pela mãe e esperada do pai", nos permitimos pensar que a qualificação pelo objeto materno de sua referência ou de seu desejo por um terceiro permite ao sujeito sair da especularidade pré-simbólica e antisimbolizante.

Não há simbolização sem um modo de organização edípico, não há simbolização sem um espaço entre dois outros sujeitos que instauram uma terceira função e um processo de metaforização de um para o outro. A paraexcitação por excelência é fruto da terceiridade que fundamenta o caráter organizador da dupla diferença, dos sexos, das gerações.

Tais identificações fornecem a matriz da função simbolizante dos objetos edípicos, mas eles não me parecem suficientes para abordar e dar conta da clínica particular que alimenta minha elaboração atual. O Édipo e sua função de atração-vinculante para a simbolização ressalta uma condição geral da simbolização, seu quadro de desenvolvimento, designa o que deve ser apropriado e vinculado e não precisa suficientemente nem como essa apropriação pode se efetuar nem como ela pode falhar. O Édipo contém de fato, ao mesmo tempo, o que há a simbolizar e como é preciso simbolizar, mas de uma forma tão geral, que falta refinar sua execução concreta e a condição de sua apropriação subjetiva permanece bastante indefinida, pelo menos nos primeiros momentos de sua atualização.

Um segundo nível de referência dialetizado na primeira tentativa de desenvolver mais as particularidades da atualização desta matriz ou deste quadro geral. Trata-se da referência à função continente da mãe ou do casal parental e, mais além, à função de "rêverie5 materna". Aqui, como na função "espelho" do ambiente primeiro descrita por Winnicott, um passo foi dado em direção à aplicação das modalidades de vínculos primários que tornam possível a retenção energética necessária à atividade de simbolização. O modelo geral desencadeia uma função reflexiva das respostas do objeto às emoções, angústias e pulsões do sujeito. É no modo de presença dos objetos, desta vez, que o sujeito deve extrair os materiais da sua atividade representativa, e não apenas em sua ausência bem temperada.

Este modelo parece satisfazer mais de um [nível de referência], sobretudo se a "capacidade de rêverie da mãe" conserva uma função metafórica geral para designar o conjunto dos meios dos quais o objeto se serve para vir em auxílio do sujeito, e lhe permitir ligar e conter as erupções de suas sensações e afetos primeiros. A abstração das formulações de Bion que dizem respeito à transformação dos elementos betas em função alfa também tomou, paradoxalmente, um valor metafórico na troca interanalítica. O trabalho de metaforização é importante, ele coleta uma questão, a "contém", antes que suas ramificações específicas, suas conflitualidades escondidas, seus paradoxos imprecisos possam ser desdobrados. Agora se pode tentar um trabalho de desmetaforização que não o deixa cara a cara com uma excessiva crueza de formulações, e não se fecha em um modelo (o da fantasia e do sonho), certamente importante, mas, contudo, limitado como uma primeira aproximação à complexidade da questão?

Observemos, primeiro, que dois problemas continuam pendentes nos diferentes modelos acima mencionados, duas questões que tornam indispensável pedir ajuda a algumas teorizações de Winnicott. A primeira diz respeito à passagem da simbolização e da ligação primária "proposta" pelo objeto, seus comportamentos e sua rêverie, à simbolização fruto do trabalho psíquico do próprio sujeito. Isto é, o trabalho de desconstrução-construção da apropriação subjetiva e criadora da simbolização pelo próprio sujeito. Ela quase não é tratada por Bion, que eu saiba, e, geralmente em outros lugares, é esmagada pela referência ao processo identificatório. Ora, aqui a resposta pela identificação só funciona como um tapa-buraco, pois precisamente são os processos subjacentes à identificação simbólica ou simbolizante que é preciso explicar e dos quais seria preciso dar conta.

A segunda [questão] se refere ao problema da articulação de duas faces da função simbolizante dos objetos. Elas são, ao mesmo tempo - é a dificuldade que eu mencionava acima, a respeito do complexo de Édipo -, objetos a simbolizar, em sua diferença, sua alteridade, sua falta, e objetos "para" simbolizar. Certamente, e é também aí que a matriz edipiana oferece uma estrutura de desenvolvimento cômoda, mas que ao mesmo tempo propõe uma facilidade que precisamente a clínica dos sofrimentos narcísico-identitários denuncia, pode-se esperar "simbolizar" a alteridade de um dos objetos com o outro e vice-versa, dissociando assim a relação a simbolizar e a relação "para" simbolizar. Esta forma de "triangulação" à qual o pensamento do analista pode recorrer durante a sessão, ele que é, ao mesmo tempo, a simbolizar e para simbolizar, entretanto, é apenas uma primeira marca, sobretudo se a dificuldade é sempre assim tratada. A distribuição em dois polos ambivalentes torna impreciso o verdadeiro trabalho da conflitualidade, que é precisamente poder encontrar e elaborar com o próprio objeto, a alteridade do qual ele é a causa.

Essa dupla necessidade, conhecer a alteridade do objeto e simbolizar com o objeto essa alteridade, define o encontro com o que chamei anteriormente o outro-sujeito. É um fato clínico que esta simbolização não possa ser total, mas a importância de seu progresso será determinante na capacidade do sujeito em simbolizar com um terceiro (cf. o funcionamento dos autoerotismos) a falta e a incompletude percebidas na relação com o objeto.

Quando comecei a apresentar o objeto de meu trabalho atual, tomei cuidado para não usar o termo "clássico" de relação de objeto, preferindo o conceito aparentemente mais vago - propositadamente - de rapport com o objeto. Em O brincar e a realidade, Winnicott propôs um conceito que não teve tanto sucesso quanto o de transicionalidade, mas que, no entanto, permite lançar luz sobre as dificuldades que acabo de levantar. Ao lado do registro da relação de objeto, que diz respeito ao modo de relação mantido com um objeto separado e diferenciado e sobre esse fundamento, Winnicott propõe diferenciar a problemática do uso do objeto. O rapport com o objeto diz respeito à dialética que se estabelece entre a relação com o objeto e uso do objeto. Eu gostaria de propor a ideia de que o registro da utilização do objeto diz respeito, de modo muito especial, ao que eu chamei "o objeto para simbolizar". Ele diz respeito ao objeto na medida em que ele se presta ao jogo da simbolização do sujeito, em que aceita apagar ou atenuar a evocação de sua alteridade para permitir essa alteridade. O uso do objeto prolonga, assim, e especificamente no campo das necessidades do eu, a preocupação materna primária, que se desdobra particularmente nos momentos de jogo intersubjetivos que ganham valor de situação ou de momentos simbolizantes. Para compreender a articulação relação de objeto/uso do objeto no seio da questão da função simbolizante do objeto, é necessário recordar a concepção de Winnicott da gênese da descoberta da alteridade do objeto.

Enquanto os psicanalistas (desde Freud e do artigo de Ferenczi de 1913) estavam acostumados a levar diretamente a descoberta da "realidade", ou melhor, da exterioridade do objeto, a partir da frustração imposta à criança pela ausência, isto é, engendrar diretamente a descoberta da realidade a partir da frustração e engendrar diretamente o pensamento e a simbolização a partir da alucinação produzida pela ausência, Winnicott propõe uma complexificação desta sequência, na origem da questão do uso do objeto e de sua articulação com a destrutividade. Em primeiro lugar, primeira mudança fundamental, Winnicott propõe considerar que o processo alucinatório se produz de fato em caso de aumento de tensão "pulsional" (mas pode-se já falar de pulsão, no sentido estrito do termo?) não somente no caso de ausência do objeto. A alucinação se produz em resposta ao aumento de tensão, e não em resposta à constatação da ausência do objeto, ela é independente da realidade do objeto. Alucinação e percepção não estão em alternância; a alucinação, portanto, pode ocorrer na presença do objeto. É assim que se apresenta o problema da ligação da alucinação ou da excitação pulsional pelo objeto, o problema da ligação "primária". Em caso da ausência do objeto, a excitação pulsional e a alucinação vão ser tratadas seja pela descarga evacuadora, seja por um modo de ligação e de intrincação in status nascendi (claro que falamos aqui da ligação masoquista-primária). Se, por outro lado, o objeto está presente e se a resposta do objeto é "concedida" a este processo alucinatório, ela está na origem do encontrado-criado e da transformação da alucinação em ilusão. Mais tarde, e uma vez o registro de ilusão primária instaurado e suficientemente implantado, se sob o efeito da "censura da amante" ou da diminuição da preocupação materna primária, esta apropriação "sob medida" enfraquece e põe em perigo a ilusão primária de uma autocriação da satisfação (ou da insatisfação também encontrada-criada), e o tipo de ligação primária que se estabeleceu assim graças ao objeto e a seus cuidados, um passo a mais na evolução vai poder ser experimentado pela criança. A ameaça que pesa sobre a ilusão primária desencadeia um impulso de destrutividade, ligado tanto à angústia quanto à raiva diante do sentimento de fracasso ligado à diferença de sintonia materna. É aí que Winnicott propõe uma segunda modificação da teoria da estruturação da psique. Enquanto, classicamente, a exterioridade era descoberta "no ódio", como escreve Freud, mas diretamente oriunda da frustração e da destrutividade e em oposição a elas, Winnicott defende que o nascimento da exterioridade depende da "resposta" do objeto à destrutividade do sujeito. Aí começa o registro relação do objeto e do uso do objeto. Como se pode ver, as mudanças propostas por Winnicott têm como efeito introduzir uma etapa a mais, cujo efeito se não é a função, é aprofundar o lugar da resposta do objeto no processo de simbolização da criança. Para ser descoberto, o objeto deve "sobreviver" à destrutividade, o que implica a presença de três características de suas "respostas" a ela: a ausência de retirada - o objeto deve se mostrar psiquicamente presente -, a ausência de represálias ou de retaliação - o objeto não deve estabelecer um rapport de força com o sujeito. No entanto, estas duas primeiras características, geralmente apenas mencionadas, não são suficientes, o objeto - e nisso ele testemunha sua existência como outro-sujeito - deve sair da órbita da destrutividade para restabelecer o contato com o sujeito: deve se mostrar criativo e vivo. É essa retomada de contato que é decisiva na descoberta da exterioridade do objeto; as outras duas características são, no fundo, apenas pré-condições necessárias para que ela ocorra.

A bem dizer, o trabalho de simbolização realmente só surge a partir deste anteparo primeiro à destrutividade: o vínculo pode sobreviver ao ataque, melhor ainda, ele se revela no e pelo ataque, como ligação da destrutividade que estava engajada ali. A partir de então, "o ataque aos vínculos" sublinhado por Bion nas patologias do narcisismo aparece como uma maneira de tentar encontrar, ou melhor, de finalmente encontrar, esta experiência que propus chamar experiência do destruído/encontrado do objeto. A partir de então, também, talvez não exista necessidade de apelar para uma "incapacidade constitucional à frustração" para explicar certas dificuldades na aplicação do aparelho de simbolização, mas sim - é a linha que Winnicott propõe implicitamente - discutir a insuficiência das respostas do objeto em vincular a destrutividade primária. Com o objeto assim descoberto em sua exterioridade, uma relação de objeto, necessariamente ambivalente, vai poder acontecer. O objeto "sobrevive", é "descoberto" como objeto da pulsão, ele é amado. Mas, ao mesmo tempo, o sujeito depende dele; o objeto pode estar ausente, faltar e por isso vai ser odiado. O início do trabalho de simbolização primária surgirá do necessário trabalho de reorganização a posteriori do mundo da experiência da ilusão primária, em função deste novo "dado" da experiência subjetiva. Assim, se é pelo intervalo introduzido pelo objeto na base da sua apropriação primária às necessidades do sujeito, portanto, pelo anteparo assim introduzido, que se abre o campo da experiência graças ao qual se iniciará o processo complexo que levará à simbolização. É pela "resposta do objeto" à destrutividade assim mobilizada, que se estabelecem as pré-condições para que uma simbolização possa se tornar possível. O objeto aqui é tanto aquele no qual se apoia a ilusão primária, quanto o que permite que a destrutividade seja a ocasião de uma descoberta estruturante. Ele opera tanto por seu próprio limite, quanto por aquele que ele impõe à destrutividade da criança. A evolução e sua integração progressiva não acontecem por si só, abandonadas aos únicos processos internos do sujeito, elas só se estruturam acompanhadas por uma resposta adequada dos objetos edipianos, se a criança não é deixada sozinha, às voltas com seus impasses destrutivos. A transformação da ilusão e da destrutividade em motores da atividade representativa não pode ocorrer sem a mediação do objeto.

A etapa seguinte é a da apresentação do objeto. À medida que a preocupação materna primária diminui e para mitigar os efeitos dessa mudança, é necessário que o objeto proponha à criança um processo de substituição para o que vem a lhe faltar. O objeto propõe objetos, e "propõe" à criança transferir a falta sentida na apropriação para esses objetos, convocados, assim, a se tornarem símbolos primários. Os "objetos para simbolizar" deverão, dessa forma, substituir o que o objeto já não fornece mais à criança ou, pelo menos, vão ajudar a reduzir o intervalo que se instaura cada vez mais entre o "encontrado" e o "criado". Assim, se estabelece uma dialética entre o que a criança pode continuar a extrair diretamente na relação com o objeto e o que ela vai ter que obter com a ajuda da simbolização. A condição deste início de atividade representativa parece ser que a criança não sente muito sua dependência em relação ao objeto nem a ferida de sua imaturidade e de sua relativa impotência. O trabalho da simbolização permite completar o esforço de apropriação do objeto e do declínio deste esforço de apropriação para tornar a resposta do objeto "suficientemente boa" para o narcisismo da criança.

Isso faz parte da função simbolizante do objeto: fornecer à criança o que precisa para atenuar suficientemente a falta oriunda da relação com ele. É assim que os limites percebidos na relação com o objeto "abrem" para a necessidade de uma utilização de outros objetos "para simbolizar" e preencher a insuficiência do próprio objeto. O objeto "propõe" assim, a transferência e o tratamento de sua falta na atividade de simbolização e os objetos que a tornam possível. Esta "proposição" de objeto é essencial à possibilidade de a criança utilizar esses objetos para simbolizar a falta do objeto. Mais uma vez, é apenas por metáfora que se pode identificar esta "proposição" de objeto à introdução da função paterna. Esta última se apresentará de fato na linha assim perfilada, mas ela representa apenas uma forma particular, apenas seu horizonte elaborativo, mesmo se ela é particularmente estruturante. Parece-me mesmo verossímil que ela só produzirá efeitos realmente estruturantes se ela for precedida por uma ampla "utilização" dos objetos para simbolizar. Precisamos refletir agora sobre a natureza e a função desses objetos no interior de sua intrincação com a relação ao objeto do qual elas são o lugar da transferência-transformadora.

A primeira observação que eu desejo fazer a esse respeito dá continuidade a minhas indicações precedentes. É necessário que os "objetos-simbolizantes" sejam propostos pelo próprio objeto e que sua utilização encontre sua concordância, até mesmo seus encorajamentos.

Através da proposta de outros objetos, o objeto começa a abrir o campo da diferenciação entre relação com o objeto e o uso do objeto. A apropriação subjetiva do trabalho de simbolização supõe essa transferência e supõe que ele seja favorecido pelo ambiente primeiro, isto é, que ele aceite o deslocamento de algumas de suas características para outros objetos, deslocamento graças ao qual o "segredo" da simbolização vai poder, pouco a pouco, ser revelado: isto vale, especialmente, para o que diz respeito ao que é implicado pelo uso do objeto.

Mas a concordância do objeto também se tornou necessária por outra razão que está ligada aos autoerotismos mobilizados pela atividade representativa e a apropriação subjetiva que ela torna possível. A possibilidade de brincar com objetos-símbolos primários se acompanha do desenvolvimento dos autoerotismos - aqui, então, claramente diferenciados das modalidades de autossensualidades que não comportam atividade representativa diferenciada dos movimentos alucinatórios -, ela encontra a mesma problemática de fundo que eles [os autoerotismos], ou seja, a [problemática] das atividades narcísicas secundárias. Elas são "retomadas aos objetos", segundo a fórmula esclarecedora de S. Freud. Isto significa aqui que a apropriação do objeu6 como as atividades "auto" e em especial os autoerotismos, é vivida como "tomada", "retirada" dos objetos em jogo ou em representação, acompanhada do temor e/ou do desejo de despojá-los das propriedades com as quais se orna a atividade representativa. Essas atividades e o trabalho de autonomização, de luto, que elas implicam interrogam sempre de fato o objeto sobre sua capacidade de "sobreviver" à apropriação subjetiva que elas comportam e realizam.

O prazer que elas [as atividades] comportam "temor e desejo", ao mesmo tempo, de despojar o objeto de seu próprio prazer, as novas capacidades que elas proporcionam à criança, se defrontam com a questão de saber se esta aquisição se efetuou ou não ao encontro ou em detrimento do objeto.

Portanto, apresenta-se a questão de saber se a atividade de simbolização e os autoerotismos que o alimentam vão atingir o objeto e/ou a qualidade da relação com ele. Se ela não está de forma alguma "ameaçada" através das respostas feitas pelo objeto, isso significa que ela quase não possui valor - ela não "atingiu" o objeto porque ela não vale nada ou não vale grande coisa. Se ela está "excessivamente ameaçada", segundo o testemunho intersubjetivo dos modos de respostas do objeto, então se apresenta o dilema de ter de escolher entre a relação com o objeto ou com a simbolização, isto é, entre a relação com o objeto ou o uso do objeto: dilema insolúvel e violento.

A resposta "simbolizante" do objeto deve poder difratar o temor e o desejo: o objeto se mostra atingido segundo o desejo e "sobrevive" como desmentido do temor. Ele se mostra atingido, o que autoriza a realidade da operação de separação/diferenciação em andamento, o que "reconhece" seu valor e sua aposta e, portanto, dá a medida da mudança implicada no seio da relação com o objeto. Ele "sobrevive" em suas capacidades de prazer, e assim permite fazer a diferença entre a realidade material e a realidade psíquica em jogo no processo de apropriação.

Idealmente, a dialética dos dois componentes do movimento assim diferenciados com a ajuda da resposta do objeto, vai produzir uma mudança na relação com o objeto, mudança que atestará a aquisição recentemente integrada graças ao trabalho de simbolização efetuado. Mas assim também aparece o quanto a continuidade do trabalho de simbolização fica dependente do modo de "acompanhamento" do objeto, de seu espelho no interior da relação com o objeto e da maneira como ele aceita e tolera a utilização de seus representantes-representações deslocados no interior do jogo. A cada momento o objeto pode apor seu "veto" ao trabalho em andamento, que permanece, portanto, subordinado à sua aceitação dos fatos. Propor objetos para simbolizar, "sobreviver" ao trabalho de simbolização que se efetua com os objetos, "sobreviver" aos desenvolvimentos dos autoerotismos e à maneira pela qual eles atingem e transformam a relação, a refletem por sua vez, esses são também aspectos essenciais da função simbolizante do objeto, e do acompanhamento do trabalho de apropriação subjetiva e diferenciadora que ela vetoriza e torna possível. A posição das respostas do objeto nesse deslocamento, a maneira pela qual o objeto as promove e as torna plausíveis, decorre da função defletora do objeto.

Isto nos leva naturalmente à terceira observação que nós desejamos propor, em relação à posição da função do objeto nas primeiras formas do trabalho de simbolização. Retroativamente, a utilização dos objetos-simbolizantes vai permitir difratar e analisar algumas das características primeiras do rapport com o objeto, que assim se tornaram possíveis de serem circunscritas a posteriori. O jogo é um analisador do rapport com o objeto. O desenvolvimento do jogo permite a posteriori que o que era constitutivo do valor da experiência no encontro primeiro com o objeto, possa se revelar no e pelo trabalho de simbolização; é essencial à apropriação subjetiva da própria experiência. A transferência e a retomada diferente e com outros objetos são indispensáveis e consubstanciais à revelação do valor da própria atividade representativa. Melhor ainda, é em e por esse jogo que pode ser diferenciado a posteriori, o que decorre da relação do objeto e o que decorre do uso objeto. É em sua execução que a diferença se "aprofunda" e se descobre, que ela se torna perceptível e representável. A relação de objeto tem lugar no rapport primeiro, o que decorre da confrontação com a alteridade do objeto, com a parte não maleável do objeto; o uso do objeto, portanto, a simbolização, é, ao contrário, referida ao que deriva da maneira pela qual o objeto apagou sua alteridade para ser "para a simbolização" do sujeito, ou se tornou adequado para este uso. Portanto, é à posteriori e graças ao próprio jogo que o intervalo entre relação de objeto e utilização do objeto vai se tornar mensurável, que a relação com o objeto vai poder ser liberada do peso do uso do objeto e usada para simbolizar esta relação. O que significa, aliás, que este intervalo é relativo a um estado definido do trabalho do jogo, e que ele vai ser modificado pela progressão da simbolização, portanto, que ela modifica a relação com o objeto. Estamos longe, aqui, de uma concepção da relação de objeto que só se estabeleceria em função do primado desta ou daquela ativação pulsional; é, ao contrário, a evolução das capacidades de simbolização que determina o registro pulsional engajado e, consequentemente, o tipo de relação de objeto possível ou dominante. Relação de objeto e uso de objeto estão, portanto, em um rapport de complementaridade dialética instável, em função da progressão e do desdobramento da função simbolizante, elas são ao mesmo tempo diferenciadas e "não separáveis", uma não pode ser pensada sem referência à outra.

Jogo e não-jogo não podem ser apreendidos separadamente um do outro, a experiência e a simbolização se convocam e se significam reciproca e dialeticamente, do mesmo modo que elas são dialetizadas com as funções defletoras e reflexivas do objeto que as reconhece e, assim, as apropriam, ou as desconhecem e, desta forma, as invalidam, as desqualificam em sua função elaborativa. É por isso que o estudo das propriedades dos objetos simbolizantes, das formas do meio maleável,7 é rico em ensinamentos que dizem respeito ao conjunto das condições-precondições "relacionais" da simbolização. Ele é, ao mesmo tempo, o objeto de transferência dessas condições e o lugar de sua "análise", de sua difração e de sua diferenciação. A maneira como ele é "utilizado", isto é, a maneira como suas diferentes propriedades são utilizáveis para a atividade de simbolização, dá informações sobre a história do que ele herda do rapport primário com o objeto. O rapport que o sujeito mantém com ele traz a marca da história da relação mantida com o uso do objeto primário; as de suas capacidades "utilizáveis" nos informam sobre o que pôde ser utilizado na relação primária do objeto; as de suas capacidades inutilizáveis, sobre o que não ficou disponível para a utilização do objeto primário. Mas a relação mantida com o "meio maleável" no processo de simbolização traz também um testemunho da maneira como a atividade de simbolização foi reconhecida e autorizada na relação com o objeto. É de fato uma possibilidade de ter acesso à função simbolizante do objeto, através de sua transferência para o objeto-simbolizante e simbolizando a simbolização, que é, assim, liberada e tornada possível. Portanto, a partir da transferência da função simbolizante para os objetos-simbolizantes, são as particularidades da maneira como o objeto encarnou sua função simbolizante que se tornam interpretáveis e analisáveis, que são suscetíveis de serem reconstruídas no seio do registro de uso do objeto. Isso permite, ao mesmo tempo, aperfeiçoar nossa representação das qualidades relacionais das "necessidades do Eu" nascente que são necessárias ao futuro desenvolvimento das capacidades de simbolização; isso permite refinar nossa apreensão dos a prioris da relação primária, necessários para que o registro do uso do objeto possa se desenvolver em seguida. Assim, nos é oferecida uma maneira de "aprofundar", dessa maneira, mais à frente as características relacionais que a "rêverie materna" deve tornar possível, para preparar a futura apropriação subjetiva inerente ao trabalho de simbolização primária. O conceito de mãe "suficientemente boa" encontra assim o meio de se tornar preciso no detalhe de seus componentes e de sua articulação com a função pré-simbolizante do objeto.

À luz do que difrata o meio maleável, a sintonia primeira, que torna possível a organização da ilusão primária em encontrado/criado, necessário ao futuro desenvolvimento da simbolização e da "coisa" simbolização, deve conter diferentes características contáveis e identificáveis.

Em vários trabalhos anteriores (ver, em especial Roussillon, 1995), comecei a listar as diferentes características dos objetos simbolizantes do tipo meio maleável, que são também as características qualitativas da relação de afinação8 primária, aquelas que dão a pré-forma, no seio da relação primária, às futuras propriedades do aparelho de simbolização.

Lembro os elementos principais: consistência específica (grau de "dureza" e maleabilidade), indestrutibilidade, apreensibilidade, processabilidade, sensibilidade, disponibilidade, reversibilidade, fidelidade e constância. São estas propriedades que, uma vez suficientemente experimentadas, e uma vez suficientemente experimentado o seu limite - que esboça a parte de alteridade do objeto, limite que deve ser simbolizado a partir das propriedades do objeto -, serão transferidas para o aparelho de simbolização e os objetos simbolizantes, a fim de torná-los utilizáveis no seio do processo de representação de experiência vivida. A experiência de seu encontro e de sua apropriação formará um nível de experiência específico da subjetividade na origem da apreensão e da definição interna da experiência subjetiva da atividade de simbolização. Seus avatares e suas peculiaridades colorirão a experiência da atividade simbolizante com seus efeitos específicos e sua tonalidade singular, reverberando assim a história da sua constituição e do limite de seu desenvolvimento intersubjetivo.

Assim, a partir das modalidades específicas de rapport com a simbolização - durante a sessão ou na vida - pode-se tornar legível esta ou aquela particularidade do que foi a experiência primária de encontro com os objetos e singularidades do modo específico de presença desses objetos, assim "reconstruíveis", levando em conta os disfarces que a história e o exercício do princípio do prazer-desprazer lhes fez submeter. Uma vivência de destruição das capacidades de simbolização convida, assim, a nos interrogarmos sobre a presença de um trauma primário, e uma vivência de destruição do objeto ou do vínculo com o objeto, assim como a indisponibilidade das palavras ou da matéria para simbolizar, abre a questão da disponibilidade do objeto, da estereotipia rígida das formulações ou do estilo, apresenta o problema da sensibilidade do objeto e o de suas zonas de insensibilidade etc.

Obviamente, não existe equação tão direta entre o "sintoma" que afeta o rapport com o aparelho de simbolização, e a história das condições do primeiro encontro com o objeto. Mas tal hipótese de trabalho oferece possibilidades que seria uma pena queimar de imediato, em nome da complexidade das reorganizações a posteriori, sob o primado do princípio do prazer do sujeito, especialmente quando o que está no primeiro plano do trabalho clínico diz respeito ao sofrimento identitário-narcísico e o que permanece preso na compulsão à repetição primária. Nas conjecturas clínicas que estão subjacentes à nossa reflexão, a transferência das características da relação primária com o objeto no próprio aparelho de simbolização efetua-se "violentamente", ela comporta pouco trabalho psíquico e revela, assim, de maneira relativamente simples, a história traumática. Assim, nossa reflexão leva naturalmente à questão dos efeitos clínicos e técnicos da questão do uso do objeto. Nossos parágrafos finais enfatizam a abertura de um trabalho de reconstrução das particularidades do rapport primário com o objeto a partir de sua transferência para a atividade de simbolização. A questão que se apresenta em seguida é a do uso "psicanalítico", do problema da função simbolizante do objeto, e da posição que temos sido levados a conferir ao papel das respostas do objeto em cada etapa do processo de instauração da função simbolizante do sujeito.

Uma primeira indicação foi fornecida por Green, quando ele salienta que o analista deve trazer, durante a sessão, a resposta que o objeto histórico não propôs ao sujeito, aquela que ele poderia utilmente receber para integrar e metabolizar sua experiência. Mas esta primeira referência, embora indispensável, não me parece, entretanto, ser suficiente, pois deixa, durante a análise, efeitos históricos da inadequação da resposta do objeto, da maneira como o objeto não se deixou ou não pôde, assim, ser bem, "utilizável". Na minha experiência, e isto vale particularmente na análise do narcisismo e de suas distorções, é cada vez mais necessário reconstruir o que foi a resposta do objeto e suas incidências sobre a estruturação do sujeito. O trabalho de reconstrução repousa então, é uma coisa que Winnicott já tinha observado, não somente sobre os processos do sujeito, mas também sobre sua dialética com os do objeto, do objeto não só "para" o sujeito, mas "em si mesmo". Eu sei que isto levanta uma série de dificuldades, especialmente quanto ao estatuto da realidade histórica, dessa maneira de fato implicada, no entanto, também é preciso enfatizar o papel de anteparo estrutural que um trabalho como esse torna possível. Assim como não nos "concebemos' sozinhos em nosso ser corporal, não nos fizemos psiquicamente sozinhos, nossa organização psíquica depende não apenas dos acontecimentos e da maneira como nós os significamos, depende também da dialética que se estabelece entre nossos processos mentais e os ecos que eles necessariamente receberam do ambiente. Nós não somos mais autogerados psiquicamente do que o somos corporalmente, a cena primitiva comporta tantos aspectos relacionais e intersubjetivos quanto de encenação dos corpos sexuados. A análise do narcisismo não pode evitar seguir também a via da reconstrução do registro da utilização do objeto. Assim como ela não pode desdenhar a história da relação de objeto do sujeito, ele não pode negligenciar a relação do objeto ao sujeito e da função que aquele assumiu na economia psíquica deste. A questão da maneira como o registro do uso do objeto pode ser envolvido no tratamento parece-me ser uma das questões prementes da psicanálise atual.

 

Referências

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Tradução de Marilei Jorge
Revisão técnica9 de Priscila Robert
© Gentilmente cedido para publicação no Jornal de Psicanálise.
La fonction symbolisante de l'objet. Rev. Franç. Psychanal., 2, 399-415, 1977.
Agradecemos a editora Françoise Coblence pela RFP e Maria Vlachou, Rights Manager da Presses Universitaires de France, Paris.
1 N. T. Em alemão, Anlehnung, termo proposto por Freud em "Três ensaios para uma teoria da sexualidade" (1905).
2 N. T. Os mal-entendidos e ambiguidades "insolúveis" [indécidables] que são necessários à elaboração psíquica, parecem, aqui, se referir aos "paradoxos" implicados no trabalho de simbolização, tema recorrente na produção teórica de Roussillon.
3 N. T. A tradução mais abrangente do sentido utilizado pelo autor para rapport seria "relação". No entanto, optamos por manter o termo original em francês "rapport" para preservar a distinção conceitual crucial estabelecida pelo autor entre rapport e relation. Como se verá adiante no texto, o autor usa "rapport à l'objet" para se referir à dialética entre relação [relation] e o uso do objeto, o que indica claramente a consideração de outros aspectos não contemplados na teoria clássica de relação [relation] de objeto.
4 N. T. Pensoir, no original.
5 N. T. Optamos por manter o termo em francês pela referência explícita ao conceito de rêverie de Bion.
6 N. T. No trabalho de Roussillon (1999), o objeu refere-se à primeira forma de metaforização do objeto. O neologismo "objeu" foi tomado por empréstimo do poeta francês Francis Ponge por Pierre Fédida (1978). Trata-se da fusão de objet (objeto) e jeu (jogo ou brincadeira) carregando ainda o sentido de jeter, em alusão ao "jogo do carretel" de Freud (1920).
7 Expressão tomada de empréstimo de Milner (1950).
8 N. T. Accordage no original. A opção por afinação se deu no intuito de enfatizar a dimensão "estésica" do termo para o autor nesse contexto (Roussillon, 2007).
9 Agradecemos Claudia Berliner na revisão técnica.

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