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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.49 no.90 São Paulo jun. 2016

 

DEPOIMENTOS DOS EDITORES

 

1991: Menezes / Laplanche

 

 

Luís Carlos Menezes

Membro efetivo da SBPSP. luismzes@hotmail.com

 

 

 

O Jornal de Psicanálise do início dos anos 1990

A tarefa de fazer o Jornal, juntamente com a Liana (Pinto Chaves), me foi confiada pela Myrna (Pia Favilli), então diretora do Instituto e foi a minha primeira participação numa atividade regular da instituição. Foi também a que me deixou as melhores lembranças. Com mais quatro colegas - membros filiados - nossa pequena equipe se experimentava amadoristicamente na atividade de jornalistas de ocasião. Sim, porque levávamos a sério o nome Jornal, embora estivéssemos fazendo já uma pequena revista víamos nela uma função diferente de uma revista científica. "Pequena e ágil" como a queríamos, podia ser um lugar para acolher assuntos de atualidade na vida da instituição, tratados como cuidado que a escrita requer.

Lembro, por exemplo, de uma circular qualquer sobre um assunto relacionado com quesitos de avaliação, enviada aos candidatos pela comissão encarregada. Esta foi coberta de suásticas e enviada, pelo correio, em retorno, para todos os membros da Sociedade, incluindo, claro, todos os candidatos. Foi um ato que teve um efeito chocante, como se pode imaginar, pois, além de ser anônimo, era obscuro no que "queria dizer" exatamente. Deixamos passar alguns meses e fizemos um número com o tema Avali(z)a-se um psicanalista, convidando as pessoas a se manifestarem com suas ideias sobre como o Instituto e, portanto, a Sociedade, procedia na apreciação e discussão das produções dos colegas e no reconhecimento que eles pudessem encontrar ou não nestas situações, em particular, dentro do Instituto. Este episódio ilustra este modo "jornalístico" de encarar a função que tínhamos assumido. Em geral, felizmente, as coisas não chegavam a este ponto, mas podíamos perceber e definir pontos que estavam "pedindo" para serem discutidos, tendo em mente que se o Jornal é do Instituto, as questões mais críticas neste não são diferentes das que se apresentam no convívio científico e institucional dentro da Sociedade como um todo.

Com todos os desenvolvimentos destes 25 anos, vejo que o Jornal mantém este norte e serve de um modo muito particular a nossa instituição, nisto diferenciando-se de uma revista científica strictu sensu, embora tenha também, é claro, a função de publicar trabalhos científicos.

Nesta linha, tínhamos naquela época um problema com os seminários para estudar textos da obra de Freud. A única tradução de que dispúnhamos tinha sido feita diretamente do inglês e sua qualidade era bastante questionada e questionável! Os direitos pertenciam à Editora Imago e nenhuma tradução poderia ser feita sem o acordo expresso da mesma. Esta situação legal iria perdurar até que se passassem setenta anos da morte do autor, ou seja, até janeiro de 2010, tempo que nos parecia infindável.

No Jornal, privilegiamos uma atividade que promovíamos na Sociedade, um seminário mensal sobre a tradução de Freud do alemão, aberta aos psicanalistas e a profissionais com atividades de tradução na área literária, germanistas, filósofos etc. Paulo César Souza foi quem apresentou seus estudos mais regularmente neste seminário, mas dele também participaram Luiz Alberto Hanns e Osmyr Faria Gabbi Jr. Osmyr acabara de publicar uma excelente tradução do "Projeto".

Entrei na ocasião em contato com o nosso colega da sbprj, Jayme Salomão, proprietário da Imago e contei para ele de nossos seminários sobre a tradução de Freud, pedindo que nos autorizasse a publicação no Jornal do que chamei de "traduções experimentais" de textos de Freud. Era algo delicado, mas fomos conseguindo a sua autorização - precisava ser dada para cada texto (via fax) - com a ideia de podermos utilizá-las nos nossos seminários. Em alguns anos - isto tendo continuado com as equipes editoriais que nos sucederam - chegamos a publicar uns quinze textos de Freud cuidadosamente traduzidos do alemão. Temos hoje que agradecer a autorização que o nosso colega da Imago, dr. Jayme Salomão, nos concedeu para isto.

Finalmente, uma palavra sobre o material que escolhi deste período para ser agora republicado no Jornal. A escolha se impôs pelo seu valor histórico e pelo ineditismo de termos tido, como Sociedade, a ocasião deste encontro com Jean Laplanche, pois ele fora o principal protagonista da mudança mais radical já feita em uma sociedade da IPA com relação à peça central da formação, a análise didática, prática historicamente consagrada, sacralizada e questionada desde a sua criação em Berlim, nos anos 1920.

O presidente era J-.B. Pontalis, a Sociedade se chamava Association Psychanalytique de France (APF) e a proposta feita por J. Laplanche, com apoio ativo do presidente, consistia simplesmente em aboli-la, sendo visto como um contrassenso manter uma análise patrocinada pela própria instituição formativa que, desta maneira, nela introduzisse uma finalidade extra-analítica. O debate sobre essa proposta se estendeu entre 1970 e 1971, tendo sido finalmente aprovada. A ênfase se deslocou para as entrevistas de seleção - o pretendente deveria estar em análise há um bom tempo - e nestas se procurava avaliar se este estava genuinamente envolvido em um processo analítico e, também, passou a centrar-se nas supervisões, que se estendiam por anos. Somente uma pequena parcela dos pretendentes era aceita ao final destas entrevistas e, por outro lado, as recusas eram frequentes na avaliação das supervisões. Em Paris, na época, a APF era criticada pelo rigorismo de suas práticas formativas.

Sociedade bem menor, embora prestigiosa, a APF foi seguida, pouco a pouco, pela Societé Psychanalytique de Paris (spp), bem maior, com medidas que resultaram também na abolição da análise didática. A IPA, na época ainda bastante burocrática e intervencionista, fechou os olhos para o que se passava na França e foi somente 35 anos depois, no Rio de Janeiro, em 2005, após vários anos de intenso e apaixonado debate interno, suscitado pela América Latina, que essa modalidade de proposta formativa foi reconhecida como uma das modalidades formalmente reconhecidas pela Associação Internacional.

Que tenhamos tido a oportunidade, enquanto Sociedade, de ouvir, de questionar e de debater, de forma bastante direta, sobre esta iniciativa, com o próprio Jean Laplanche, é um acontecimento significativo que o Jornal reproduz agora na íntegra. Vale notar que a vinda de Laplanche a São Paulo fora organizada pelo Instituto Sedes Sapientiae, que, generosamente, nos deu a possibilidade deste encontro.

 

Encontro1 da diretoria da SBPSP com o prof. Jean Laplanche2

Abertura

Este encontro é iniciativa do departamento científico no sentido de ser uma conversa precursora dos temas sobre formação, sobre questões institucionais e ideologias envolvidas. Enfim é quase uma prévia, uma preparação para o Congresso Interno.

Estamos felizes por começar esse tipo de reflexão com a presença de uma pessoa tão conhecida e notável, pertencente a uma sociedade que tem uma dinâmica interna peculiar, e que tem um trabalho diferente do conjunto das sociedades, sendo, portanto, um privilégio iniciarmos o projeto da diretoria com a presença do prof. Laplanche.

Leopold Nosek

Apresentação inicial do prof. Laplanche

Laplanche - Falarei muito rapidamente porque quero chegar logo ao essencial da minha visão sobre esse processo que se deu na Sociedade Francesa de Psicanálise. Esta compreendia membros eminentes, não apenas Lacan, mas também Lagache, Françoise Dolto e outros. Em 1962, esse grupo cindiu com a Sociedade de Paris e queria a reintegração à IPA.

Essa vontade era sobretudo de reintegrar uma comunidade psicanalítica intelectual de discussão. Não era tanto um problema institucional quanto um problema de reencontrar as trocas com psicanalistas do mundo inteiro. E Lacan estava plenamente de acordo com essa demanda de reingressar na IPA.

O essencial aqui é que ao longo dessas discussões com a comissão da IPA percebeu-se que o que estava mais em debate era a prática de Lacan. A de Françoise Dolto também, mas menos. Eram vários elementos que em última instância formavam um todo, tudo subordinado à influência pessoal que Lacan exercia sobre o grupo de alunos sob sua responsabilidade.

As sessões curtas que Lacan já praticava na época eram um meio de ter mais alunos. Penso que atualmente as sessões curtas podem ter como finalidade ganhar mais dinheiro, mas nessa época certamente não era o ponto de vista de Lacan. Seja o que for, havia de um lado as sessões relativamente curtas, o fato que ele tinha um número considerável de analisandos e de outro a osmose entre seu ensino, seu famoso seminário e suas análises.

Deixo de lado o processo. O grupo principal foi admitido na IPA e Lacan, a quem foi pedido que modificasse sua prática, não aceitou modificá-la fundamentalmente. Saiu e fundou aquilo que vocês conhecem desse tempo.

De acordo com a minha maneira de compreender essa história, para um número importante de jovens alunos da Associação, houve uma dupla tomada de consciência, de um lado, a consciência do domínio que um analista eminente poderia ter sobre um grupo de alunos e, de outro, a ideia de que nós não tínhamos saído de um grupo de influência para entrar num outro. Mesmo se as modalidades de influência dentro da IPA são diferentes, mesmo se elas são mais disfarçadas.

A influência dos analistas didatas permanece uma coisa que nós, de saída, pusemos em questão. A ideia era de que uma análise para servir realmente à formação deveria ser uma verdadeira análise e que uma análise que fosse iniciada com um objetivo era uma análise sob encomenda, e não sob demanda. Encomendada pela instituição internacional, no sentido que se encomenda um sofá ou um carro. A instituição passa a encomenda de fabricar um psicanalista, mesmo que isso não seja dito bem assim.

A experiência mostra que muitas análises realizadas dentro da instituição psicanalítica são análises que não vão muito longe e exigem depois uma verdadeira análise. De toda maneira, houve uma reforma importante dentro da Associação nos anos 1970/1971, sete anos depois da reintegração na IPA. Essa reforma foi posta em marcha, principalmente por Pontalis e eu. Nós não trabalhamos só no Vocabulário da psicanálise... (risos)

Vou passar a expor rapidamente como se dá a formação na APF. Tanto o título como a realidade do didata foi suprimida. Não há lista de didatas. Há uma lista de titulares e uma lista de associados. Os candidatos que nós examinamos para entrar na APF são candidatos que supomos que tenham feito uma análise, esteja ela ainda em curso ou já terminada. Se alguém nos procura para formação, dizemos: "Faça primeiro uma análise".

Os candidatos são examinados por nosso comitê de formação. Com base em critérios essencialmente clínicos eles são vistos por três pessoas em entrevistas clínicas que buscam determinar ao mesmo tempo a história pessoal e a história analítica do candidato. O importante é que nós examinamos a candidatura de qualquer candidato que queira entrar, independentemente do seu divã de origem. Ele pode ser da APF ou de fora da APF. Ele pode ser lacaniano, pode ser desconhecido, como acontece atualmente muitas vezes no mundo psicanalítico. Ele pode ser um titular ou um associado. Pode acontecer que o analista do candidato seja um aluno da APF, isso já aconteceu. Penso que não aceitamos esse caso, mas não por essa razão, o caso foi avaliado como qualquer outro caso.

Somos um pouco reticentes quando alguém, sem nenhuma experiência clínica anterior, se apresenta. Pode acontecer que um filósofo que teve uma análise pessoal nos faça um pedido. Sugerimos que ele procure adquirir uma experiência clínica, mesmo quando, do ponto de vista analítico, o consideramos válido. Nosso curso é extremamente seletivo. O que aparece como um liberalismo não o é de jeito nenhum. Mas o princípio norteador é que a personalidade, a fama e a influência do analista do candidato não deve pesar em absoluto na sua seleção.

O candidato pode ser aceito, pode ser recusado, pode se apresentar uma outra vez etc. Quando ele é aceito, é aceito para o que se chama a sua primeira análise supervisionada. A segunda supervisão só começa depois que a primeira for validada. E não é raro que as supervisões durem três, quatro ou cinco anos. Se contarmos as duas supervisões, os seminários clínicos, temos muita gente de cabelos brancos quando chega a membro associado. (risos)

Posso falar ainda sobre outras coisas, sobre o ensino etc., mas falei o que para nós é o essencial que é a supressão da análise didática. Vou falar do ensino, não temos ensino com anos sucessivos, não temos nenhum ensino do tipo escolar. Não há ensino elementar, não há ensino mais avançado, à exceção do que nós chamamos a classe, que é um lugar onde debutantes, num primeiro momento tomam contato com a instituição. Há um número importante de seminários teórico-clínicos. O candidato pode escolher vários, mas isso fica a critério dele, não há degraus de progresso nesses seminários. Além disso, os candidatos têm uma formação nas instituições universitárias, seja como psicólogo ou psiquiatra.

Discussão

Ignácio Gerber - Essa reunião é preliminar a um Congresso Interno em que se pretende, eventualmente, que se façam modificações nesta Sociedade: a sua principal ideia institucional, e que o senhor ressalta mais, é o fato de não haver didatas. Então a pergunta é a seguinte: na sua entrevista para o Jornal, o senhor disse que a IPA conhece e desconhece essa situação de não haver didatas. Há, vamos dizer assim, uma convivência ou uma guerra pacífica?

Laplanche - Nós nunca escondemos nossa posição, mas nunca a colocamos como uma bandeira. Eu não sou um propagandista. A Associação Psicanalítica faz como se ela não compreendesse. Eles nos pedem para enviar trainning analysts, os didatas, aos pré-congressos. Nós dizemos: "Nós não temos". Mandamos os titulares, e dá no mesmo.

Há recusa... para não perder. Estão vendo, mas estão negando que estão vendo. Nos pediram para fazer análise didática de quatro sessões. Eu vou contar a história do rei. Um inglês pergunta para um francês em que idade o rei é coroado. O francês responde: "desculpe, mas não temos rei". E o inglês, por sua vez: "talvez vocês não tenham rei, mas com que idade coroam seu rei?" "Vocês não têm análises didáticas, mas digam que vocês fazem análises didáticas quatro sessões por semana."

Titular, na verdade, é um membro autorizado pela instituição a fazer supervisão, a participar do comitê de formação. São os membros eleitores. São eles que mantém a identidade da Associação. Eles elegem tanto os titulares como os associados. O bureau da Associação, seria a diretoria eleita, é a única ocasião em que os associados votam. A identidade da APF são os titulares.

P - Eu não conheço nada de sua Sociedade, então vou fazer um exercício de como eu a imagino. Primeiro, que seja uma Sociedade numericamente pequena. Segundo, que os membros diretores tenham uma constante reflexão para ter uma única teoria psicanalítica. Os dirigentes da Sociedade que escolhem os membros deverão ter um contínuo trabalho para apurar uma teoria única, consensual. O exame de seleção para admissão é um exame onde o examinador estará à vontade porque ele não está comprometido com o que aconteceu até aquele momento com o candidato. Nesse sentido esse exame é um exame de qualificação. Será que o senhor poderia desenvolver um pouco quais são, na sua experiência, as condições para se ser analista?

Laplanche - Começa já a ficar grande, tem trinta titulares, trinta associados e cem alunos.

P - Tenho uma longa experiência de trabalho com grupos. Eu acho que há uma grande diferença com um grupo que se reúne face a face e um grupo que se reúne através de uma instituição sem ser face a face. Imagino que quanto mais cresça a Sociedade o problema se multiplica, já pelo tamanho.

Laplanche - Esse problema é absolutamente real. Podemos pensar que não é somente um problema de psicanálise, mas um problema de democracia em geral. É preciso que o grupo seja pequeno para que possa funcionar na troca, não na democracia formal, mas lá onde há troca. Nós todos temos o ideal da democracia ateniense. Que é diferente de pôr um rótulo.

Nosso grupo é de fato relativamente pequeno. Talvez possamos nos perguntar se não seria bom que os grupos de analistas fossem relativamente pequenos e assim mesmo tivessem boas relações entre si. Penso que uma das principais funções de um grupo psicanalítico é a de ser responsável pelos seus membros. Isto é, se alguém pede a lista de membros para indicar uma pessoa à análise, temos que poder dizer que todos os membros que ali estão podem ser recomendados sem reticências. Não é a única função, mas é a função principal.

Agora, quanto à seleção e seus critérios, estou de acordo que são critérios essencialmente clínicos. Vou contar um pouquinho como é que isso se dá. O comitê de formação tem nove membros. Cada ano três membros saem e entram outros três. Tem uma fila de membros titulares e os três que estão no começo entram. Saem três e entram na fila de novo. Às vezes isso é considerado como uma carga pesada, mas a maior parte do tempo é desejável participar do comitê de formação. Talvez pela influência que aí se pode exercer, é possível. Eu não queria idealizar esse ponto de vista, mas acontece que o trabalho que se faz entre esses nove membros é um dos melhores lugares de trabalho clínico que eu conheço. Tanto no momento da discussão do relatório dos três membros como também no momento da avaliação da supervisão, da validação da supervisão.

Quero falar um pouco sobre a validação da supervisão. Esta é feita por uma comissão de três membros. Só que agora os três membros ficam juntos. Eles primeiro fazem uma entrevista com o aluno e em seguida com o analista supervisor. Nesta última não se detêm sobre o caso em si, mas sobre a transferência, a contratransferência, tudo o que pode fazer parte de uma supervisão. É um momento de prova não só para aquele que fez a supervisão como para o supervisor, porque a opinião do analista supervisor não é necessariamente seguida pelo comitê de formação.

Sobre sua questão sobre os critérios de uma análise bem realizada, temos nossas opiniões e nossas referências teóricas para pensar sobre isso. Para dizer as coisas de maneira simples, acho que o projeto de se tomar analista deve ter sido muito bem analisado. Perguntam-nos se fazemos uma terapêutica. Não se trata de terapeutizar a análise pessoal sob esse pretexto. Não pedimos que um candidato tenha sintomas para fazer uma análise pessoal. Podemos avaliar o trabalho de análise em cima do projeto de se tomar analista. Ficamos numa posição muito melhor para avaliar isto quando esse projeto não for de saída colocado no início da análise pela instituição, como dado. São os critérios de qualquer análise, o conhecimento do inconsciente, dos estados pré-edípicos, acredito que tenhamos tudo isso em comum.

Antonio Carlos Eva - A vitalidade de uma Sociedade poderia ser medida pela quantidade de pessoas, de membros que rompem com ela, que não ficam nela. Na minha fantasia, acho que uma Sociedade é tanto melhor quanto maior o número de afastamentos, isso é sinal de que está mais viva.

Laplanche - Não é bem assim, temos problemas de diferentes níveis. Anualmente sai um relatório de quantos foram aceitos, de quantos foram recusados, de onde vieram os que foram aceitos, de onde vieram os que foram recusados etc., de que divãs vieram. Tentamos formar um panorama.

Estou atualmente no comitê de formação. Talvez ocorram em média três ou quatro recusas para cada aceitação. Esse é um primeiro nível. Agora, no nível da supervisão: pode ser que ela seja recusada, o que quer dizer, geralmente, que ela deve continuar ou então que o candidato deve tomar um outro caso para começar outra vez. Aqui também, talvez haja uma em cada dez que se recusam, talvez uma em cada seis. Não estou bem certo, não tenho aqui as estatísticas. Na hora da validação precisa de uma maioria de 2/3. Para a eleição de titulares também é necessário uma maioria de 2/3 dos votos expressos. Um dos problemas que se coloca para o candidato, e creio que se coloca em toda parte, é o problema do relatório clínico. É muito criticado, e de fato é muitas vezes criticável. Nem todo mundo tem o mesmo talento para se sair bem, e só a ideia de que precisa de um talento para escrever já é uma coisa discutível. O relatório é muito discutido, mas até agora não se achou nada melhor para que todos os membros conheçam aquele que está entrando. Mesmo se o relatório não é muito bom, pelo menos é um jeito de conhecer o candidato.

Há casos de alunos que são admitidos, às vezes chegam a fazer uma supervisão, às vezes não, assistem às reuniões científicas, e ficam lá, são alunos permanentes. Portanto, de tempos em tempos somos obrigados a fazer uma limpeza.

Acontece também de um membro depois de ter validado a supervisão e tudo, depois de uns dez anos, não ser eleito como associado. É evidentemente uma coisa muito dura e se discute muito antes de fazer isso. Pode ser que também existam problemas políticos nesse momento.

Não quero idealizar a questão, e certamente aqui existe uma questão de apreciação, que claramente é clínica e teórica, mas há com certeza algumas implicações políticas, minimamente uma política das ideias. Não são todos os membros associados que pedem para ser titulares. Isso não os impede de fazer análise de formação, porque não há didatas. Nós os consideramos como analistas inteiros. Simplesmente eles fazem parte do soma, e não do gérmen. Os titulares são os elementos que reproduzem uma certa identidade científica da Sociedade.

Recentemente recusamos uma associada muito antiga. Bem, há uma questão de relações humanas para que o fato possa ser aceito, mas era absolutamente justificada essa recusa. É também uma questão de tentar dissuadir uma pessoa antes de se candidatar.

Maria Olympia - Tenho uma pergunta ligada a essas questões. Como são admitidos os membros titulares?

Laplanche - Os membros titulares fazem um pedido à diretoria. Essa demanda é, em geral, suscitada, provocada ou aconselhada. Inversamente, a pessoa pode ser amigavelmente desaconselhada a apresentar sua candidatura. O candidato é visto por dois membros titulares, cada um faz um relatório. Esses dois relatórios são encaminhados ao colegiado de titulares, onde há uma discussão aprofundada e se vota.

Temos uma ideia da função especial de membro titular. Por exemplo, da sua capacidade de julgamento clínico para eleger outros, da sua suposta capacidade de conduzir supervisões e de uma certa identificação com o espírito da Associação.

Menezes - A obra conta?

Laplanche - Não, a obra é levada em conta, mas não se exige uma obra pessoal.

Maria Olympia - Gostaria que o senhor discorresse um pouco mais sobre o que quer dizer uma certa identificação com o espírito da Associação.

Laplanche - É mais da ordem de um sentimento. Não me parece possível decompor em primeiro, segundo ou terceiro ponto. Por exemplo, ocorre algo desse tipo quando selecionamos candidatos. Geralmente eles nos dizem por que escolheram a APF, e não outro grupo como, por exemplo, a Sociedade de Paris que também pertence à IPA. Embora a Sociedade de Paris tenha sido liberalizada, ela de toda maneira mantém a ideia da didática. É um ensino mais escalonado para não dizer escolar. Os que vêm nos procurar vêm nos procurar também em função da personalidade de certos membros da APF, das publicações, das revistas, todo um conjunto de coisas. O espírito da APF não é necessariamente o melhor, tem seus defeitos que nós conhecemos muito bem, mas eu não vou fazer aqui um "mea culpa".

Ana Maria Azevedo - Eu queria fazer uma pergunta que me surgiu a partir da entrevista e é um assunto que me parece interessante e extremamente complicado, referente à avaliação dos candidatos em formação. Está dito assim: "O que se trata de julgar é certamente uma personalidade. Nós temos que julgar uma personalidade e nós conseguimos julgar a maneira como a pessoa entrou no processo analítico. Nós temos de saber como se desenvolveu sua análise, o que nem sempre é fácil, mas temos que apreciar isto". Eu gostaria de saber como acham que é possível avaliar uma personalidade e como se desenrolou uma análise?

Laplanche - É uma entrevista clínica, nós sabemos todos o que é uma entrevista clínica. A maneira como a entrevista é conduzida difere de um titular para outro. Um titular poderá colocar mais questões, um outro poderá considerar simplesmente como uma entrevista clínica e dirá "Fale-me do que o trouxe aqui", e se calar e ficar ouvindo. Isso dito, é a discussão dos três que é interessante. A personalidade dos membros da Comissão é muito diferente.

Ana Maria Azevedo - O senhor descreveu o método de como é feito: entrevistas clínicas por três pessoas. Mas eu justamente estava mais interessada em saber a partir de que critérios se faz esta avaliação. Porque eu estou totalmente de acordo que a personalidade é muito importante, temos que poder avaliar a personalidade. Mas minha preocupação é a partir de que posição, a partir de que ponto de vista, isto pode ser feito, qual é o referencial na sua Sociedade?

Laplanche - Mais importante que a personalidade de saída, se é que podemos julgá-la, é a maneira como a pessoa viveu o processo analítico. Por exemplo, como ela compreendeu sua relação transferencial e seu acesso às partes mais ou menos reprimidas de sua história. E, quando digo que há diferenças, quer dizer que alguns estarão mais preocupados com a elaboração do Édipo e outros mais preocupados em posições pré-edipianas. Mas não sei como avançar para lhe responder, porque é uma coisa que está continuamente em elaboração.

Leopold Nosek - O senhor disse na entrevista ao Jornal que chegara a propor que se retirasse até a supervisão do quadro de formação da APF. Isto foi recusado, mas eu gostaria de conhecer quais seriam os pressupostos desta ideia e qual seria a consequência institucional da mesma, caso tivesse sido adotada?

Laplanche - Está muito longe, não é verdade? Está muito distante para mim e eu me liguei totalmente à segunda etapa proposta por Pontalis, que é a seguinte: a ideia não era, de forma alguma, de uma supressão da supervisão. A ideia era reconhecer a supervisão só no momento da validação. Ou seja, que a supervisão não começasse com a marca da instituição. As críticas que foram feitas a isso me parecem válidas. Correríamos o risco de ter uma coisa quase universitária, do tipo de ver as capacidades técnicas do candidato, o que não era o objetivo buscado. A responsabilidade da supervisão deve pertencer à instituição, senão alguém pode pegar alguém em análise e supervisão sem nenhum controle, o que neste caso, acarretaria uma responsabilidade muito pesada para o supervisor.

Leopold Nosek - Uma Sociedade pequena como a sua tem a vantagem de possibilitar um diálogo mais fácil, mas será que não há o risco, apesar de mantida uma liberdade de formação, de que se instaure a preponderância muito forte do pequeno grupo que a dirige; esta não poderá tomar-se muito restritiva em seu funcionamento? Não é vantagem de uma Sociedade maior o fato de poder dar lugar para diferentes tendências, diferentes alternativas?

Laplanche - Sim. Penso que a reprodução precisa também da exogamia e não só da endogamia. É apenas uma imagem, mas o fato de que pessoas que procuram a APF venham de outros divãs, é importante e interessante para a instituição. Além disso, a reprodução também é forte por conta das supervisões e dos seminários clínicos. Mas, de qualquer forma, minha opinião pessoal é que o processo analítico é também um processo de antirreprodução. Ele não pode ser uma simples paternidade ou maternidade renovada.

P - O senhor poderia falar um pouco sobre a supervisão?

Laplanche - Quanto às supervisões, há uma especificidade, não temos supervisões em grupo. Procuramos obter sessões de quatro vezes por semana. É um bom ideal não diminuir muito o número de sessões, mas nem sempre se consegue essas quatro sessões por semana, e a Sociedade é flexível nessa área. Não é indispensável que sejam quatro sessões, mas se procura encorajar e pessoalmente, acho bom.

Fabio Herrmann - Eu queria fazer duas questões e uma pequena consideração. Pelo pouco que eu conheço da APF ela tem uma posição extremamente singular, pelo menos a partir de sua origem, porque ela nasceu entre, de um lado, a Sociedade de Paris que era uma sociedade muito maior e, de outro lado, os grupos lacanianos que começavam a crescer muito rapidamente. Então uma possibilidade teria sido formar uma sociedade extremamente doutrinadora, fechada e defensiva e não aconteceu isso, não é? Ao contrário, parece que a preocupação toda é com a democracia, com evitar violência. Nesse quadro eu queria fazer duas perguntas. A primeira, é a seguinte: os senhores aboliram a figura do analista didata, que é o centro do que nós estamos discutindo, não é? Ora, eu estive fazendo um pequeno estudo sobre análise didática e tive alguns contatos com outros grupos psicanalíticos brasileiros que não são da IPA e uma coisa que eu pude verificar é que embora alguns grupos não tenham analistas didatas ou não tenham uma lista de analistas didatas, eles têm uma lista informal daqueles que não devem ser procurados para análise didática.

Laplanche - Eu poderia falar da história da APF, que de fato é bem singular, mas para mim o ponto principal é que se aceite examinar candidatos sem perguntar sobre o divã de origem. Tem pessoas que podem até procurar um analista titular, para garantir uma carreira... é uma faca de dois gumes, pode funcionar justamente ao inverso. Há na APF algumas pessoas com a tendência para voltar um pouco atrás, e a aceitar só pessoas analisadas por analistas da APF.

Fabio Herrmann - Vocês conseguiram chegar ao ponto de não haver pessoas, uma sociedade ou uma corrente psicanalítica que não deva ser procurada?

Laplanche - Se nós vemos alguém que teve duas sessões por semana de cinco minutos, não nos detemos apenas neste aspecto formal. Mas acredito que aqui a clínica reencontra o formal porque em geral quando vai se examinar o trabalho analítico que essa pessoa fez, em geral não encontramos esse trabalho analítico e então a recusamos.

Fabio Herrmann - Um problema muito sério de doutrinação dentro das Sociedades não é aquele da ação do analista didata, mas do conjunto de teorias ou de autores aceitos pelo grupo de analistas. Parece até que conseguiram um bom resultado, se não me engano, de evitar essa imposição de uma forma teórica muito particular ou de um autor muito particular. Eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho mais sobre isso.

Laplanche - Isso se encontra em parte na história da APF. As pessoas dizem que nós matamos o pai, matamos Lacan. Nos encontramos na situação da ordem em que o pai foi morto, quer dizer que ninguém deve ultrapassar o outro. Os irmãos devem se abaixar para não querer virar o pai e correr o risco de ter a cabeça cortada. É possível supor que tenha sido nossa maneira de proceder que encontrou essa conjuntura histórica. Apesar disso, acho que o que fazemos é bom. Eu gostaria de acrescentar uma coisa que é habitual nas reuniões da APF, que é estarem todos presentes, vemos todos circularem. Por exemplo, o voto, não podemos votar por procuração. Ou seja, as pessoas devem estar presentes para discutir e votar.

Luiz Meyer - Eu li sua entrevista, estou muito afinado com esses pensamentos que estão aí expressos. Na verdade, estou há algum tempo tentando pensar esses problemas, muito na linha que o senhor está apresentando. Entretanto, não posso deixar de pensar numa historinha que o senhor deve conhecer naturalmente, que é aquela que diz que a companhia de estradas de ferro fez uma enquete para saber onde ocorriam os acidentes. Constataram que os acidentes ocorriam sempre com o último vagão, e a companhia então decidiu suprimir o último vagão. A questão que eu queria lhe trazer é a seguinte: a análise didática tal como eu a vejo, como o senhor descreve, contém na sua organização um lado perverso. Ela atrai algo essencialmente antianalítico. Entretanto, quando a abordagem desse aspecto antianalítico, ou o espírito mesmo da psicanálise que está embutido na análise didática, é feita através de análises ou medidas de ordem puramente institucional, eu perguntaria o seguinte: o que faz o senhor pensar que o peso maior conferido à supervisão como órgão, sistema, parâmetro para a validação do candidato, não atraia também esse modo de ser "para", porque a análise didática não é uma análise, ela é "para" alguma outra coisa que não análise. À medida que a supervisão passa a assumir, do ponto de vista institucional, essa mesma função, que elementos teríamos para prevenir além das medidas institucionais, que ela contenha também esse elemento "para"?

Laplanche - Gostaria de responder primeiro à sua colocação inicial. Para mim a análise pessoal é a locomotiva, e não o vagão. E é uma coisa muito diferente do vagão. Em seguida você disse que diante de uma dificuldade em relação à análise didática, nós respondemos de maneira institucional. Eu não vejo como se poderia responder a um problema que reside justamente na interferência da instituição na análise, que não fosse de uma maneira institucional. Mas o resultado não é institucional. Temos candidatos que fizeram uma análise, nisso temos uma experiência de vinte anos. Aí também eu não idealizo, mas acho que há uma diferença de natureza, e não só de grau, no que se passa com nossos candidatos.

O problema da supervisão também era discutido, há entre nós opiniões extremamente diferentes que se refletem na maneira como discutimos na comissão de avaliação. Há analistas que são muito atentos ao quadro processual e objetivo. Mas o trabalho da comissão em geral se volta muito mais para o analista do que para o paciente.

Estou totalmente de acordo com vocês, nós estamos na imperfeição. O candidato pode assim, por exemplo, se perguntar se deve falar mais do caso ou mais dele, o que será mais bem visto na hora da avaliação. Há uma coisa que é antianalítica mesmo na preparação de uma entrevista de validação de supervisão.

P - Eu gostaria de saber um pouco que conjecturas que o senhor faz sobre o seguinte: havia, historicamente, um grupo comum no qual houve uma cisão e surgiram dois grupos.

Laplanche - No início havia um grupo, a Sociedade Psicanalítica de Paris. Houve uma cisão em 1953, saiu um grupo importante e muito ativo dessa Sociedade, em torno da tentativa de domínio burocrático de um grupo sobre a Sociedade de Paris. O grupo liderado por Nacht. Eu não vivi essa cisão, eu a conto vista de fora. Essa Sociedade Francesa que saiu da Sociedade de Paris e que não era uma sociedade lacaniana, apesar de o Lacan estar lá, tinha personalidades muito importantes que já citei. Essa Sociedade quis entrar na Internacional e foi no momento da entrada que a Internacional fechou a porta a algumas pessoas. Essas pessoas eram o grupo de Lacan, e Lacan levou a mal tudo isso. Ao final, pode-se dizer que ele transformou um mal num bem, e acabou constituindo a Escola Freudiana de Paris.

P - Quer dizer que de um grupo que saiu da Sociedade originária, o contingente lacaniano não foi aceito pela Associação Internacional, porque houve uma transgressão das normas estatutárias da formação. Desse mesmo grupo se formou uma outra sociedade, que é a de vocês, que também transgride de uma certa maneira as normas estabelecidas.

Laplanche - Eu não recuo diante da palavra transgressão, mas acho que o grande transgressor é Freud, porque penso que foi Freud quem começou a impor a forma de igreja à sua associação, o que, na verdade, não foi uma transgressão, mas uma dominação.

P - Como é a sua interpretação em relação ao fato de a Associação Internacional fazer vistas grossas a essa situação atual? Seria para reforçar uma posição antilacaniana, ou seria por um temor de que as sociedades francesas, de uma maneira geral, se unissem e se retirassem da Associação Internacional? Que forças políticas o senhor acha que estariam envolvidas?

Laplanche - É muito conjuntural. Cada presidente da IPA tem uma visão um pouco diferente.

Anne Marie Sandler fez uma pesquisa geral sobre o modo de formação. Nosso modo de formação foi descrito no boletim exatamente da forma como é. As pessoas leram sem ler, mas pode-se encontrar descrito preto no branco o nosso jeito de fazer a formação, neste documento de uns cinco ou seis anos atrás. Agora, pode ser que seguramente haja questões de prestígio ligadas à situação francesa, pode ser que se pense que seja melhor deixar fazer assim do que colocar lenha na fogueira dessa questão, não sei...

P - Geralmente quando se discutem as instituições psicanalíticas o debate acaba sendo centrado na questão da formação. É assim também na França? O que o senhor pensa da influência do instituto sobre as sociedades?

Laplanche - Não temos instituto de formação, este está praticamente confundido com a Sociedade.

Paulo Duarte - Eu gostaria de um esclarecimento a respeito da supervisão, qual é a realidade que ela tem na Sociedade? Participamos recentemente do Congresso Internacional no qual foi discutida a questão da supervisão e uma das impressões que eu tive é de que há uma certa separação entre o processo de supervisão e o processo de avaliação da supervisão. Isto fundamentalmente pela complexidade do processo de supervisão, das questões que surgem nela. Foi bastante enfatizado que alguém numa formação analítica, começando a atender pacientes, também esteja em análise pessoal. Me pareceu que a finalidade do processo de supervisão que tem esse modelo retira um pouco esse tipo de cuidado com a supervisão como parte do processo de formação e preparação do analista e passa a ter uma finalidade mais de avaliação. Eu gostaria também de saber sobre essa avaliação da supervisão através de uma comissão, se o senhor puder falar um pouco mais, como é na prática?

Laplanche - Estou de acordo com o que você diz. Há uma enorme variação na prática da supervisão. Há variações pessoais dos supervisores e mesmo com o mesmo supervisor. Acho que a questão principal é saber se o candidato continua em análise ou não. Parece evidente que a supervisão quando o candidato ainda está em análise é extremamente delicada. Estamos sempre numa corda bamba quando se trata de questões de transferência e contratransferência.

Quanto ao peso da validação sobre a supervisão, é certo que isto existe, até mesmo pelo aspecto de prova para o próprio supervisor. Ele faz parte daquilo que é testado.

Não estou de acordo que a ênfase, na APF, seja dada mais ao momento de avaliação da supervisão que à própria supervisão. As supervisões são extremamente longas. De outro lado, para ir talvez na direção da sua questão, é notável que muitas vezes quando a supervisão é validada, o candidato para de um dia para o outro a supervisão. O que não me parece conforme ao processo analítico, mas é assim que se passa. Recentemente nos demos conta disso.

Cássia Bruno - Qual é a produção intelectual dos membros e se há alguma avaliação política sobre esse trabalho?

Laplanche - Não é avaliado, mas nós tentamos estimular muito a atividade científica dos membros associados. Eles têm uma presença importante nos seminários teórico-clínicos. Temos também grupos de trabalho só de candidatos, sem titulares ou associados e nós os levamos em consideração. Mas é verdade que há membros que se marginalizam. Eu prefiro que se marginalizem por eles próprios do que sejam marginalizados.

P - Apreciei bastante a entrevista escrita que dá subsídios em nível de formação àquilo que me parece que é uma questão central em todo processo analítico, que é a preservação da autonomia. Eu gostaria então, dentro desse foco, de ouvir um pouco algumas de suas reflexões a propósito do modelo que o senhor traz hoje, de uma maneira marcante, que é tirado de "Totem e tabu". Mas nós sabemos que na própria história da psicanálise existem pessoas na área de liderança para quem a questão dogmática não obedece a esse modelo. Por exemplo: todos nós aqui conhecemos, em maior ou menor grau, as lutas - e o senhor tem um trabalho a esse respeito -, os confrontos do grupo kleiniano com o grupo freudiano, na Inglaterra, e nós conhecemos também situações que levaram a um certo convívio amistoso. A nossa Sociedade, o nosso Instituto, padece de algumas questões que estão ainda mais complexizadas que isso em função da incidência dos trabalhos do Bion a esse respeito. Bion tem várias coisas a respeito de liderança e trabalho em grupo e que não seguem necessariamente esse modelo antropológico de Freud. Então, gostaria de ouvir um pouco algumas coisas suas, que são inquietações nossas, não apenas em nível de curiosidade histórica, porque nós estamos sempre, como o senhor mesmo cita na entrevista, voltados para ver o que é que existe de introjetado em cada um de nós e que enigmaticamente impede a abertura para o futuro.

Laplanche - Não vou entrar num desenvolvimento teórico muito longo. Só quero falar da minha reação quando vejo alguém procurar uma segunda análise e quando vejo igualmente candidatos. Quando a teoria se torna um meio de interpretação, seja qual for a teoria, e quando a teoria se reflete até na maneira pela qual o sujeito fala de si mesmo... ele pode me procurar e dizer que ele não elaborou direito sua posição depressiva ou seu complexo de castração... neste caso, digo que a teoria não esteve no bom lugar na prática da análise.

Cecil Rezze - Parece que há dois pontos fundamentais. Um é que a análise da pessoa que vai ser analista deve privilegiar a personalidade. Segundo, que parece que na sua Sociedade todas as passagens, de qualquer nível, são feitas com muito rigor. Gostaria de saber se está de acordo com isso e também de fazer uma pergunta que não é de provocação, mas de instigação: não há em sua instituição um grau de confiança muito grande em relação a vocês mesmos nestes modos de avaliação de que fala? Não há o risco de haver um abuso de poder nestas instâncias de avaliação?

Laplanche - Eu creio que o poder da análise didática ou do analista em geral é considerável e perigoso. Mas penso também que o poder da instituição analítica, pequenas instituições como as nossas, no mundo moderno, é de fato risível. Na França todo mundo pode exercer a psicanálise da noite para o dia, todo mundo pode pôr uma placa "Psicanalista" na porta e eu acho isso muito bom, porque o problema da sociedade de psicanálise se toma risível. A prática da sociedade de analistas guarda sempre alguma coisa de imitação, de macaquice da grande política.

Cecil Rezze - Eu me referi não ao poder em geral, mas ao poder dentro da instituição em relação aos membros.

Laplanche - Sim, mas se alguém é bem analisado e for recusado ele vai vencer facilmente essa recusa, vai ultrapassar. Tenho um exemplo bem preciso na cabeça de um candidato que nós recusamos recentemente. Ele pediu uma entrevista depois e disse: "Foram vocês que perderam e não eu".

 

1 Este encontro, realizado em agosto de 1993, reuniu não só a Diretoria como o conjunto de pessoas com cargos eletivos, além dos analistas didatas da SBPSP. Estavam presentes cerca de 50 pessoas. Os participantes receberam previamente o texto da entrevista com Jean Laplanche, publicada no número anterior do Jornal de Psicanálise. Na transcrição da fita, não foi possível identificar os autores de algumas intervenções, utilizamos portanto, a letra "P" de participante.
2 Transcrição de Sandra Maria Gonçalves.

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