SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.49 número91Reflexões sobre conjugabilidade e parentalidade: Um caleidoscópio de constituições familiaresAtos obsessivos e experiências traumáticas em Freud e Winnicott: uma análise de caso índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.49 no.91 São Paulo dez. 2016

 

PSICANÁLISES POSSÍVEIS

 

Uma breve reflexão sobre a formação das massas nas redes sociais e a busca por um novo ideal do eu

 

A brief thought on the formation of masses on social networking websites and the search for a new ego-ideal

 

Una breve reflexión sobre la formación de las masas en las redes sociales y la búsqueda de un nuevo ideal de yo

 

Une brève réflexion concernant la formation des masses dans les réseaux sociaux et la recherche d'un nouvel idéal du moi

 

 

Cíntia Silva QueirogaI; Leda Maria Codeço BaroneII; Beethoven Hortencio Rodrigues da CostaIII

IPsicóloga na Clínica Espaço Paiva e na Clínica Alcance – Núcleo de Desenvolvimento Humano, São Paulo. cintia-queiroga@hotmail.com
IIMembro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP, São Paulo. ledabarone@uol.com.br
IIIPsicanalista, Doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano da USP, São Paulo. beethoven@usp.br

 

 


RESUMO

O seguinte artigo tem como objetivo realizar uma breve reflexão sobre os grupos formados nas redes sociais, em especial, no Facebook, tomando como base a estrutura das postagens dos sujeitos que manifestam características similares às que Freud descreveu em "Psicologia das massas e análise do eu", realizando uma releitura de seu texto e complementando com obras de outros autores. Freud expõe a formação das massas como uma válvula de escape para o sujeito vivenciar seus desejos, substituindo seu ideal de eu pelo objeto escolhido, manifestando hostilidade para aqueles que não estão inseridos na massa. Investigando aspectos da horda primeva, em que o pai representava a força repressora que possibilitou a criação da civilização, foi possível notar uma relação com os grupos criados nas redes sociais, que expõem um enfraquecimento da imagem do pai da horda na atualidade e a busca por um novo ideal do eu.

Palavras-chave: redes sociais, ego ideal, grupo


ABSTRACT

The purpose of the following paper is to briefly analyze groups that are formed on social networking websites, especially Facebook. This study is based on the structure of posts made by individuals who show similar characteristics to those described by Freud in "Mass Psychology and The Analysis of the Ego". In this paper, the author shows a new perspective on Freud's writing and adds some ideas from other authors' works. Freud explains the formation of masses as a "relief valve" through which subjects can experience their desires by replacing their ego ideal with the chosen object and expressing hostility to those who are not part of the mass. After investigating features of the primal horde in which the father represented the repressive force that enabled the rise of civilization, the author could relate those events to online social networking groups. In other words, these social networking groups expose a weakening image of the father of the horde nowadays and a search for a new ego ideal.

Keywords: social networks, ideal ego, ego ideal, group


RESUMEN

El siguiente artículo pretende realizar una breve reflexión sobre los grupos que se forman en las redes sociales, especialmente en Facebook, tomando como base la estructura de los posts de los sujetos que muestran características similares a las que Freud describió en "Psicología de las masas y análisis del yo". Propone una relectura del citado texto, en complementación con otros autores. Freud explica la formación de las masas como una salida del sujeto para vivir sus deseos, reemplazando su ideal de yo por el objeto elegido, expresando hostilidad hacia los que no forman parte de la masa. Investigando aspectos de la horda primitiva, donde el padre representaba la fuerza represora que permitió la creación de la civilización, fue posible observar una relación con los grupos creados en las redes sociales que exponen un debilitamiento de la imagen del padre de la horda y la búsqueda de un nuevo ideal de yo.

Palabras clave: redes sociales, ideal del yo, grupo


RÉSUMÉ

L'article suivant vise à effectuer une brève réflexion sur les groupes formés dans les réseaux sociaux, en particulier sur Facebook, tout en prenant comme base la structure des postes de gens qui présentent des caractéristiques similaires à celles que Freud décrit dans "Psychologie des masses et analyse du moi", où il effectue une lecture de son texte en le complémentant par des œuvres d'autres auteurs. Freud explique la formation des masses comme une soupape d'échappement qui permet au sujet d'expérimenter ses désirs, en remplaçant l'objet choisi par son moi idéal et en exprimant de l'hostilité envers ceux qui ne font pas partie de la masse. En examinant les aspects de la horde primitive, où son père représentait la force répressive qui a permis la création de la civilisation, c'est possible de constater une relation avec les groupes créés dans les réseaux sociaux qui exposent aujourd'hui un affaiblissement de l'image du père de la horde, et la recherche d'un nouveau moi idéal.

Mots-clés: réseaux sociaux, ego idéal, groupe


 

 

As redes sociais, cada vez mais, tornam-se presentes na vida cotidiana, principalmente, devido ao advento do smartphone e a facilidade com que estamos conectados à Internet. Mais e mais, os indivíduos estão utilizando essas ferramentas, que visam, principalmente, socializar pessoas que se encontram fisicamente distantes. Logo, como define Peixoto, as

redes sociais digitais se caracterizam pelo constructo de grupamentos de indivíduos que produzem - e reproduzem - identidades para fins de associação e, também, afinidades - sejam culturais, econômicas, políticas, comerciais, filosóficas, ideológicas e religiosas - no ambiente online. (2014, p. 222)

O Facebook, uma das redes sociais mais populares do mundo, foi criado em 2004 e hoje abrange mais de 1 bilhão de pessoas ao redor do globo. Dentro da rede, é possível criar um perfil pessoal ou páginas públicas com funções diversificadas, como as de entretenimento, notícias, conteúdo político, entre outras. Em 2015, 62 milhões de pessoas acessavam a plataforma diariamente no Brasil, entre elas, 50 milhões por meio de dispositivos móveis.

Segundo a própria página do Facebook, uma de suas missões é "dar às pessoas o poder de compartilhar informações" (Facebook, 2016b). Outras funções começaram a ser destrinchadas com base nessa missão principal, como, por exemplo, o compartilhamento de piadas, eventos, opiniões, notícias, situações, fotos. Dessa maneira, as redes sociais tornaram-se um "divã público", em que todos têm o poder de postar, comentar, curtir, compartilhar e, recentemente, reagir a tudo o que é exposto. Em outras palavras, o que o sujeito publica adquire sentimentos, tanto dele, quanto daqueles que podem identificar-se com a postagem.

Com um caráter efêmero, devido à quantidade e à rapidez com que as informações se propagam, as redes sociais tornaram-se uma forma rápida de comunicação, de difusão de ideias e, também, uma ferramenta capaz de medir a popularidade do sujeito: quanto mais curtidas, comentários e amigos, mais o sujeito poderá ser visto. Atualmente, o Facebook, assim como a Internet de modo geral, está ao alcance de praticamente todas as pessoas do planeta, tornando quase impossível a tarefa de comprovar a veracidade das postagens nele veiculadas. Dessa forma, tudo o que é postado pode ou não ser verídico, abrindo uma gama interminável de informações falsas que chegam às pessoas a todo minuto.

Conforme o Facebook tornou-se cada vez mais popular, pessoas de diversas nacionalidades, culturas, gostos, idades, entre outras características, passaram a se inscrever na rede social. Em cada publicação que é feita, o indivíduo tem a possibilidade de deparar com outros indivíduos que manifestam interesses similares, e, dessa maneira, começamos a observar a formação de grupos com distintas finalidades, mas que apresentam características semelhantes entre si.

Partindo dessa observação, utilizamos como base Psicologia das massas e análise do eu (Freud, 1921/2011) para realizar uma breve reflexão sobre a estrutura das postagens dos sujeitos que participam das redes sociais, especificamente, o Facebook.

Ao cadastrar-se no Facebook, sua linha do tempo será coberta, gradualmente, de postagens de indivíduos e/ou páginas públicas conectados à sua rede, priorizando as postagens relacionadas às suas "curtidas" e/ou compartilhamentos realizados. Ou seja, quanto mais o sujeito interage com uma página e/ou indivíduo, mais esta aparecerá em sua linha do tempo. Assim, pequenos grupos são formados como resultado de uma postagem em comum entre o sujeito e toda a sua rede. Tudo isso é determinado pelo algoritmo EdgeRank, uma programação que por meio das informações dos usuários, como estado civil, endereço, profissão ou qualquer informação relevante, direciona as postagens para os usuários: "com ele [EdgeRank] se tornou possível explorar a relação entre pessoas com objetivo de acantoná-las, mesmo empurrá-las para nichos de 'convivência' com pares afins em opiniões, atitudes, predileções, gostos pessoais etc." (Peixoto, 2014, p. 227).

É importante lembrar que no Facebook também é possível criar grupos fechados com um único ou vários interesses em comum entre seus participantes, sendo a visualização das postagens aberta apenas para os integrantes do grupo, caso este grupo seja fechado.

Freud (1921/2011) retoma os escritos de autores como McDougall e Le Bon para definir a ideia de grupo e suas características. Dessa forma, um aglomerado de pessoas só se transformará em um grupo psicológico caso todos esses indivíduos tenham pelo menos um interesse em comum, diferenciando-se por meio de seu grau de organização. Freud diz ainda: "quanto mais fortes essas coisas em comum (this mental homogeneity), mais facilmente se forma, a partir dos indivíduos, uma massa psicológica, e mais evidentes são as manifestações de uma 'alma coletiva'" (1921/2011, p. 25).

Um grupo psicológico é constituído por indivíduos, independentemente de seu modo de vida, formando uma mente coletiva, possibilitando-lhes agir, pensar e sentir de maneira completamente diferente de seu comportamento habitual. O indivíduo perde suas características singulares provisoriamente e ad-quire novas características, que na realidade seriam características advindas de seu inconsciente. Assim, há o desaparecimento do senso de responsabilidade social e individual, permitindo que as características grupais se estabeleçam.

Com a formação de um grupo, os sentimentos e os atos passam a ser contagiosos, levando o indivíduo a deixar seus interesses pessoais de lado, priorizando os interesses grupais. Esse contágio nada mais é do que um efeito da sugestionalidade. É possível notar que os indivíduos imersos em um grupo perdem a sua personalidade consciente, bem como sua vontade, discernimento e inibições individuais, sendo essas características determinadas pelo grupo por meio da sugestão, ganhando força devido à reciprocidade entre todos os seus membros. Com esse processo, a capacidade intelectual do indivíduo se reduz, o que determina que suas ações sejam realizadas por meio de sua pulsão; assim, um homem culto individualmente pode tornar-se um bárbaro em grupo, pois age de acordo com os interesses do coletivo.

Tais interesses seguem uma determinação inconsciente, como defende Freud (1921/2011): "a massa é impulsiva, volúvel e excitável. É guiada quase exclusivamente por seu inconsciente" (p. 18). E, assim como o inconsciente, o grupo não espera seus desejos serem realizados, é impaciente, extremo, não tem dúvidas, sente necessidade de ser dirigido e, principalmente, não anseia a verdade.

Para Salztrager (2011), a transitoriedade é uma característica importante nos fenômenos de massa. Dessa forma, a rapidez com que os grupos se formam é a mesma com que se dissipam, dando lugar a uma nova massa. O Facebook tem a mesma característica de transitoriedade, oferecendo o espaço ideal para a fluidez com que as massas se propagam.

Para exemplificar a modificação do comportamento dos sujeitos quando se encontram inseridos em um grupo, recorreremos ao filme As bruxas de Salem (The Crucible, 1996), que expõe alguns elementos característicos do grupo e dos sujeitos que o compõem.

Baseado em fatos reais, o filme se passa no ano de 1692, em Salem, e conta a história de jovens mulheres que são acusadas de bruxaria. Para saírem ilesas desse julgamento, as jovens se reúnem e simulam serem possuídas por espíritos ruins com objetivo de responsabilizar outras pessoas da vila pelos acontecimentos inexplicáveis. Dessa forma, quase vinte pessoas são condenadas à morte. Em um grupo "um germe de antipatia se torna um ódio selvagem" (Freud, 1921/2011, p. 19). Neste caso, o grupo conseguiu levar seus desafetos à morte.

No decorrer do filme, o grupo de jovens age de acordo com seus interesses, culpando outras pessoas pelos atos de bruxaria com base em seus desejos inconscientes. Quando uma das jovens, Mary, é pressionada por John Proctor a contar toda a verdade nos tribunais, encontra-se sozinha e sem o apoio do grupo para que as suas inibições individuais desapareçam, tornando impossível o fingimento. Somente quando Mary retorna a seu lugar no grupo, amparada por suas iguais, é que consegue retomar seu comportamento fictício.

Se o grupo é conduzido por seu inconsciente, devemos atentar a uma de suas características, que é a despreocupação com a veracidade. Embora possa existir uma importante disseminação cultural com base nas informações que circulam na Internet, em especial, nas redes sociais, muitas dessas podem ser falsas, e por isso devem ser verificadas. Observamos, porém, que muitos indivíduos estão despreocupados com esse aspecto, tomando diversas informações como verídicas e reagindo de forma agressiva e conservadora, caso essas informações entrem em desacordo com os interesses dos grupos aos quais pertencem, da mesma maneira que se comportaram as garotas de Salem, quando acusavam outros indivíduos baseadas apenas nos interesses do grupo.

Há uma intensificação das emoções dos indivíduos quando se encontram em uma massa. Freud, baseando suas ideias em McDougall,1 sustenta

que dificilmente os afetos dos homens se elevam, em outras condições, à altura que atingem numa massa, e é mesmo uma sensação prazerosa, para seus membros, entregar-se tão abertamente às suas paixões e fundir-se na massa, perdendo o sentimento da delimitação individual. (1921/2011, p. 25)

Há um prazer quase irresistível, que tem como base o afastamento das inibições. Essa característica é apresentada no filme quando o grupo de jovens reúne-se para acusar outras pessoas de feitiçaria, mas também está presente em diversas postagens nas redes sociais. Muitos indivíduos demonstram reações intensas, por meio de seus comentários, a tudo o que vá contra os interesses dos grupos aos quais pertencem.

Para Freud (1921/2011), muito mais do que interesses em comum, os integrantes do grupo estariam ligados por meio de laços libidinais, e somente o amor, em seu sentido mais amplo, é que teria o poder de manter o grupo unido. O fenômeno da sugestão serviria apenas como um "biombo" para sustentar a necessidade do indivíduo de estar em harmonia com o grupo, abdicando de sua liberdade individual; em outras palavras, a sugestão tem a função de mascarar os laços libidinais que se estabelecem entre os integrantes do grupo. Dessa forma, os indivíduos que não estiverem entrelaçados por esse amor serão alvo de intolerância e crueldade. Sendo essa uma peculiaridade cada vez mais presente entre os indivíduos que entram em desacordo nas redes sociais, comentários ofensivos e conservadores são realizados, atacando aqueles que possuem opiniões distintas.

Dentro do Facebook é possível encontrar páginas públicas com conteúdo informativo que costumam abranger um grande número de seguidores pertencentes a diferentes grupos sociais e que nos podem servir de exemplo desse tipo de comportamento. Há uma variedade interminável de exemplos diários de comentários de sujeitos que desejam expor sua opinião sobre determinados assuntos para defender o grupo ao qual pertencem. Algo que logo se torna obsoleto pela quantidade de informações que nos é oferecida a cada segundo na rede. A rapidez com que os comentários caem no "limbo" do Facebook abre portas não só para que o sujeito possa expressar-se do modo que deseja, sem lidar com aparentes consequências, como também renova a sua necessidade de defender os interesses do grupo a todo momento. Muitas questões polêmicas e que merecem um maior aprofundamento e conhecimento para serem debatidas, como aquelas referentes a política, racismo, feminismo, legalização do aborto, entre outros assuntos, passam a ser discutidas com base na estrutura de massa que Freud (1921/2011) tão bem descreveu.

Ao final do ano de 2015, a atriz global Taís Araújo foi alvo de uma série de comentários racistas em sua página pública no Facebook. Ao postar uma foto sua destacando seus cabelos crespos e enrolados, um grupo de pessoas preencheu a publicação com comentários racistas, que diziam, por exemplo: "te pago uma banana" ou "me empresta seu cabelo aí pra eu lavar louça". Essas publicações, em poucos minutos, começaram a se multiplicar, sendo sustentadas por meio do biombo da sugestão: quanto mais comentários ofensivos, mais os sujeitos sentiam-se livres de suas inibições, abrindo cada vez mais espaço para sustentar a massa à qual defendiam, ofendendo a atriz. Após a denúncia realizada por Taís Araújo, em março de 2016, quatro pessoas foram detidas e onze mandados de busca e apreensão foram realizados, sendo estes indivíduos considerados pela polícia como os "mentores intelectuais" da ação. Após investigações, foi descoberto que esses indivíduos participavam de um grupo de milhares de pessoas com o objetivo de realizar ataques racistas virtuais, mascarando suas identidades para que seus crimes ficassem impunes. Do mesmo modo, em julho de 2016, a cantora Preta Gil também foi vítima de comentários similares, o que levantou a suspeita de que os ataques pudessem ter sido realizados pelo mesmo grupo.

Os indivíduos mostram-se intimidados pela posição social de uma atriz negra, que prejudica os interesses e a ligação dos membros dessa massa. O objetivo dos sujeitos que compõem um grupo é manter a sua estabilidade. Para isso, deixam de lado suas inibições, descartam seu comprometimento com a verdade e sentem-se livres para hostilizar a imagem de Taís Araújo. Atacam a atriz, impulsionados pelo elemento ameaçador que ela representa à estabilidade do grupo em que estão inseridos.

Como sabemos, o caso da atriz Taís Araújo não é isolado. Em 2014 foi sancionada a Lei 12.965/14, o Marco Civil da Internet, que "estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil" (Presidência da República, 2014), entretanto, o que vemos é que a quantidade e a rapidez com que essas situações se propagam dificultam o cumprimento dessa lei. Em outras palavras, o Facebook pode ser considerado um ambiente em que o sujeito encontra barreiras frágeis, fáceis de serem ultrapassadas e que facilita a demonstração de comportamentos que ele tanto luta para não expor.

Se antes o sujeito opinava sobre diversos assuntos numa mesa de bar, sem maiores consequências, hoje ele escreve e cristaliza sua opinião, influenciando em maior escala o mundo a sua volta, sem possivelmente se dar conta disso. Não há comprometimento com a verdade ou com o bem-estar do outro, o grupo é narcisista. Os comentários nessas discussões são carregados de ofensas pessoais, ideais religiosos e políticos, senso comum e preconceitos. Os textos, em sua maioria, são rasos e vazios. O aprofundamento das questões é raro, e um texto com um pouco mais de seis linhas é precedido pela frase "vai ter textão sim", quase como um ato revolucionário (Alavina, 2016).

A rede social é múltipla, e, por assim dizer, quase tudo (se não tudo) pode ser postado, permitindo que o sujeito depare com informações diversas que provocam reações diversas, podendo alimentar seu desejo de ser visto. Para Alavina (2016), a Internet se diferencia das antigas mídias como o rádio e a televisão por possibilitar um nível de interação entre os "emissores" e/ou "receptores". Ao facultar a todos, porém, que se pronunciem ao mesmo tempo, o resultado é que ninguém consegue ser ouvido, como em uma sala de aula barulhenta em que o professor tenta chamar a atenção de seus alunos, mas, nesse ambiente, até mesmo o mais aplicado deles tem dificuldades de prestar atenção devido a tanta conversa. Em virtude da quantidade de informações, será mais visto aquele que promover um conteúdo mais fácil e rápido de assimilar; assim, quem deseja ser visto deve trazer conteúdos com essas qualidades, aderindo à mesma lógica, por exemplo, das redes de alimentação fast food. Naturalizamos a lógica do pensamento fácil como consequência da velocidade com que as informações se propagam, levando essa lógica para além da interação virtual, mas também para a interação conosco mesmos. Assim, se poderia dizer que a lógica do pensamento fácil provocaria o afastamento daquilo que realmente somos, facilitando a formação das massas.

Mas o que leva os indivíduos a se unirem tão fortemente, a ponto de abdicarem de seus interesses e crenças individuais? Para responder a essa pergunta, devemos atentar para o conceito psicanalítico de identificação, do qual Freud (1921/2011) nos dá três ilustrações em seu texto, sendo o terceiro particularmente importante para o nosso estudo:

terceiro, ela pode surgir a qualquer nova percepção de algo em comum com uma pessoa que não é objeto dos instintos sexuais. Quanto mais significativo esse algo em comum, mais bem-sucedida deverá ser essa identificação parcial, correspondendo assim ao início de uma nova ligação. (p. 50)

Em outras palavras, o sujeito se enriquece, de forma parcial, com características que pertencem ao objeto, atribuindo-lhe relevância de acordo com a importância que o sujeito dá a essa característica que coincide entre esses dois egos. A partir daí, surge uma simpatia que permite a criação um novo laço libidinal entre indivíduos, sendo este o mesmo laço que une os membros de um grupo. Reino e Endo (2011) acrescentam que para que o laço libidinal possa existir entre os membros de uma massa é preciso que eles suportem suas diferenças, pois as relações próximas são constituídas de aversão e hostilidade.

Dessa forma, se o laço libidinal é o ponto de ligação entre os integrantes de uma massa, será preciso olhar mais atentamente para o funcionamento desse mecanismo a fim de compreender a dinâmica dos grupos. O ato de amar, no sentido amplo da psicanálise, é um "investimento de objeto por parte dos instintos sexuais para satisfação sexual direta, o qual se extingue quando esta é alcançada; isto é o que chamam de amor comum, sensual" (p. 53). Dessa forma, o amor sensual comum cessa quando há a satisfação diretamente sexual, porém, quando este é mesclado com impulsos sexuais inibidos em seus objetivos, é possível reviver essa necessidade toda vez que se extingue, possibilitando ao objeto ser amado de forma contínua.

Para que a satisfação sexual se dê de forma satisfatória, observamos um fenômeno chamado de idealização, o qual consiste na supervalorização sexual do objeto. Dessa maneira a libido narcísica do sujeito transborda para o objeto desejado, ou seja, ao amar, o sujeito busca perfeições no objeto, as quais gostaria de adquirir em seu próprio ego, procurando satisfazer seu narcisismo.

Por meio desses dois mecanismos, o amor e a supervalorização sexual, o sujeito valoriza a sua interpretação sobre o objeto, limitando seu próprio ego de tal forma, que, em casos extremos, a devoção ao objeto, assim aumentada, faz com que este seja posto no lugar do ideal do ego.

O ideal do ego é uma instância crítica que surge dentro do próprio ego, sendo responsável pela "auto-observação, a consciência moral, a censura do sonho e principal influência na repressão" (Freud, 1921/2011, p. 52) e "também o exercício da prova da realidade" (Freud, 1921/2011, p. 57). Se o objeto é posto no lugar do ideal do ego, todas as suas funções serão prejudicadas, permitindo ao objeto agir sem que haja nenhuma crítica e, ainda, danificando a capacidade do sujeito de verificar a realidade. A distância entre o ego e o ideal do ego varia de indivíduo para indivíduo, sendo que, por vezes, essa distância pode parecer com a das crianças, em outras palavras, quanto mais próximo o ego do ideal de ego, maiores serão as chances de o indivíduo deixar-se mergulhar em uma massa.

Block (2014) nos traz uma visão positiva de figuras do século XIX, como Kierkegaard e Nietzsche, afirmando ser possível "o desenvolvimento de habilidades totalmente capazes de satisfazer os desejos em um mundo agora não mais considerado como assolado por rigidez intratável, mas fluido, maleável, e aberto à iniciativa individual" (p. 100). Em outras palavras, existe a possibilidade de um modelo de ideal de eu flexível e positivo, que não necessariamente precisa repudiar e conter os sonhos e desejos, mas trabalhar com sua aceitação. Dessa forma, o indivíduo poderia trabalhar com suas potencialidades, sem recorrer às massas para vivenciar seus desejos.

É preciso lembrar também que há sempre uma satisfação no encontro entre o eu e do ideal do eu, pois existe uma tensão entre essas duas instâncias manifestada, por exemplo, por meio do sentimento de culpa, que se extingue no momento da junção. E é essa satisfação que o indivíduo encontra quando se condensa em uma massa.

Com base nessas explicações, Freud (1921/2011) define: "uma massa primária desse tipo é uma quantidade de indivíduos que puseram um único objeto no lugar de seu ideal do Eu e, em consequência, identificaram-se uns com os outros em seu Eu" (p. 59). Esse objeto seria o líder, podendo apresentar-se como uma pessoa ou uma ideia.

Essa satisfação é representada com clareza no filme Clube da luta, em que, ao final dos combates, os participantes do clube apresentam um semblante de prazer por conseguirem tolerar toda a dor física que sofrem: "o ego se percebe coincidindo com o ideal do ego, o que cria um estado hipomaníaco em que tudo é possível" (Minerbo et al., 2006, p. 8). Se a massa encontra-se em um estado de completa inibição, esse fator passa a se tornar preocupante em um ambiente virtual em que os indivíduos têm cada vez mais liberdade para defender aquilo que sustenta essa grande satisfação do encontro do ego e do ideal de ego.

Se em um grupo o ideal do ego de seus membros é substituído pelo objeto, então somos levados a pensar que a devoção de seus integrantes a ele é extrema, impossibilitando o ideal de ego de cumprir suas funções. Assim surgem comportamentos considerados intolerantes para com os sujeitos que não estão ligados por meio do laço que une os membros de grupo. Por vezes, esses comportamentos são encontrados em postagens nas redes sociais em defesa dos grupos aos quais pertencem: "a falta de autonomia e de iniciativa de cada indivíduo, a similitude entre a sua reação e a de todos os demais, seu rebaixamento a indivíduo de massa" (Freud, 1921/2011, p. 60), todas essas características podem ser observadas permanentemente no Facebook.

Para Freud (1921/2011), essas características encontradas em uma massa são ressaltadas pelo fator da sugestão mútua, e não apenas pela ligação com o líder. Cada membro do grupo é, a todo momento, reforçado pela repetição das atitudes de outros membros, da mesma forma que acontece na sociedade humana, em que cada indivíduo é levado a agir de acordo com as características do grupo a que pertence. Se pensarmos nas redes sociais, a sugestão é ininterrupta, pois as postagens são realizadas a todo instante, sem que o sujeito possa ter controle sobre isso. Esse fator mostra-se presente em postagens que se tornam populares no Facebook, pois cada vez que a publicação recebe um comentário ou uma "curtida", mais esta aparecerá na linha do tempo dos indivíduos, provocando cada vez mais popularidade e visibilidade.

As crianças conseguem nos ajudar a pensar sobre a origem do elo que une os participantes de um grupo. O medo das crianças de ficarem sozinhas surge, principalmente, na ausência da mãe ou de seu cuidador, sendo esse sentimento um desejo irrealizado com que a criança não consegue lidar, transformando-o em ansiedade. Ao juntar-se com outras crianças, surge o desejo de ser única e afastar todas essas crianças, para despojar de todas o privilégio de acesso a seu cuidador. Isso acontece, de forma clara, na relação entre o filho mais velho e o filho mais novo. Não podendo ver-se livre da outra criança, o sentimento hostil é transformado em sentimento de justiça, o que demonstra a raiz do sentimento de igualdade social, de acordo com o qual ninguém deve destacar-se, todos devem ser tratados da mesma maneira. "O sentimento social repousa, portanto, na inversão de um sentimento hostil em um laço positivo, da natureza de uma identificação" (Freud, 1921/2011, p. 64).

Para o sociólogo Bauman (2016) as redes sociais dão um suporte errôneo para a solidão de cada indivíduo, devido à facilidade com que as amizades são feitas e desfeitas. Assim, podemos pensar que o Facebook fornece subsídios para apaziguar o medo infantil dos sujeitos de ficarem sozinhos, por meio da facilidade com que as amizades são formadas. Devido, entretanto, à fragilidade com que os vínculos são estabelecidos, a ansiedade tende a aumentar, levando os indivíduos a procurarem cada vez mais esses vínculos para lidar com essa ansiedade. Vínculos que transformam indivíduos em participantes de uma massa, devido ao distanciamento que os sujeitos encontram de si mesmos.

Bauman (2016) afirma que na rede social a controvérsia pode ser evitada com apenas um clique, e assim muitos indivíduos fecham-se em sua própria zona de conforto, impossibilitando a ampliação de seus horizontes. "O único som que escutam é o eco de suas próprias vozes" (Bauman, 2016, par. 19). Essas vozes seriam os membros dos grupos ecoando seus interesses e impedindo outras vozes de serem ouvidas, tudo isso sendo facilitado pelo algoritmo EdgeRank, que estrutura ainda mais a falta de diálogo entre as diferentes massas. Como, entretanto, pudemos perceber no exemplo dos ataques racistas sofridos pela atriz Taís Araújo, alguns indivíduos buscam situações que contradizem os desejos do grupo, fomentando a controvérsia.

Assim, o sentimento gregário e todas as características de grupos aqui descritas estariam apenas revivendo os aspectos da horda primeva, quando seus membros eram ligados por meio da necessidade ilusória de serem amados igualmente por seu pai. Diferentemente dos membros da horda, contudo, o pai, preponderantemente, não tinha necessidade de amar ninguém, pois era absolutamente narcísico.

Para poder manter-se em um lugar privilegiado, o pai primevo forçava seus membros à abstinência de seus impulsos diretamente sexuais, possibilitando a si mesmo uma satisfação completa, totalmente entregue ao narcisismo. Ao fazer isso, o pai obrigava os membros do grupo a estabelecerem laços emocionais com ele e entre si; em outras palavras, o amor tornou-os civilizados, criando a psicologia das massas. A fonte do tabu era determinada pelo olhar insuportável do chefe em direção aos membros da horda, formalizando o poder supremo que os primitivos acreditavam que o pai tinha sobre eles. Mais tarde, esse olhar foi substituído pela divindade para os mortais.

Apesar de a horda primeva ser apenas uma remontagem ficcional das massas, podemos examinar as redes sociais de acordo com essa perspectiva. O Facebook é um encontro virtual de diversas massas que possibilita aos sujeitos serem vistos, sem, no entanto, deparar com o olhar direto e insuportável de seu pai primevo ou dos outros membros do conjunto. Um indivíduo não pertence somente a um grupo, mas sim a vários, multiplicando seu leque de interesses. Dessa forma, com a quantidade de massas que se entrelaçam cada vez mais, suas metas entram em conflito, pois cada indivíduo quer defender seus interesses a qualquer custo.

Sem seu olhar direto e insuportável, o chefe torna-se cada vez mais enfraquecido, permitindo aos sujeitos vivenciarem de forma gradativamente mais acentuada o que recalcaram na horda primeva: o narcisismo. Ao retomar as ideias de Freud, Reino e Endo (2011) apontam o fato de que o narcisismo seria um amor voltado para si mesmo, de uma forma rígida e conservadora, em que qualquer diferença é vista como ameaça. Assim, o narcisismo ficaria em suspenso entre os integrantes da massa, mas retornaria intensamente nos grupos contrários a ela. Rocha (2012) completa: "Abrindo mão de seu ideal em prol do ideal da massa, o sujeito vive a experiência narcísica de realizar seu ideal através do objeto idealizado" (p. 121).

Se esses sujeitos estão vivenciando cada vez mais o narcisismo nas redes sociais, a barbárie começa a se tornar progressivamente mais aparente, sendo essa a característica mais presente nos conflitos encontrados na rede. Para vivermos em sociedade, precisamos que os seres humanos sejam impedidos de expressar sua agressividade, o que fazem dirigindo-a para os grupos com os quais não se identificam (Rocha, 2012, p. 124). O amor que nos torna civilizados está se tornando limitado aos participantes da massa, restando ódio e intolerância para aqueles que não os compreendem.

Com base em uma perspectiva freudiana, Saltztrager (2011) afirma ser possível encontrar um caminho para a satisfação, apesar das normas sociais que regem nosso convívio e que impossibilitam a satisfação completa dos desejos, diante do que alguns optam pelos desejos perversos e outros escolhem a via da neurose.

Tudo isso nos faz refletir a respeito da estrutura das postagens dos brasileiros no Facebook, o comprometimento com suas respectivas massas e a sociedade em que vivemos. Para Bedran (2014), dentro de qualquer organização social existirão aqueles que comandam e aqueles que são comandados, entretanto, os brasileiros vão além: a submissão passiva é uma de suas características perante o poder imposto.

os governos nazista e stalinista, que, ao abolirem classes, desejos particulares e ideias distintas das suas, produzem como efeito uma manipulação das consciências. Os indivíduos passam a entrar em acordo com as ideias vigentes, por mais que estas os prejudiquem ou estejam em discordância com suas crenças pessoais. E, com isso, o particular de cada um fica apagado em prol de ideias uniformes, que servem aos interesses de alguns. (Bedran, 2014, p. 133)

Ora, se não são exatamente essas características que podemos observar na estrutura dos comentários nas redes sociais: ideias conservadoras que têm como único objetivo defender a formação do grupo a qualquer custo, desconsiderando os interesses pessoais que possibilitariam mudanças na estrutura social em que vivemos. Segundo O Globo, o projeto Comunica que Muda, iniciativa da agência nova/sb, analisou mensagens de textos no Facebook, Twitter e Instagram entre abril e junho deste ano, revelando que, de 393.284 menções, 84% foram de exposição de preconceito e discriminação.

Afirma Freud (1921/2011) em sua releitura de Le Bon sobre a massa: "quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores. No fundo inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição" (p. 19). Tudo isso devido ao ideal de ego empobrecido que deu lugar ao objeto escolhido.

É nesse cenário que podemos contar com o trabalho psicanalítico, trazendo suporte a esses indivíduos que apresentam estruturas psíquicas infantis e que a todo momento contribuem para o desenvolvimento de massas conservadoras.

Para Sandler, a psicanálise consegue lidar não só com o desamparo e a solidão, mas também com a cegueira dos indivíduos singulares, e ainda complementa:

a psicanálise porta um estatuto ético e político em sua direção da cura, que conduz ao inédito e ao singular no trabalho particular de cada caso clínico, e que, conjuntamente, pode servir de inspiração e diretriz para produzir furos nas relações entre indivíduo, massa e poder. (2014, p. 129)

Assim, por meio de um olhar singular, a psicanálise permite ao sujeito desenvolver um pensamento crítico sobre si e sobre o mundo que o cerca. Por meio do contato com seus desejos, o sujeito poderá distanciar-se dos desejos da massa, pondo à frente seu próprio destino. É preciso clarear o pensamento dos indivíduos para que possam escolher seus próprios caminhos, em vez de defender o interesse de uma massa que beneficia e é comandada por poucos, propondo a psicanálise como ferramenta de transformação social. Para Reino e Endo (2011), só há reconhecimento do diferente, ou seja, do outro, quando há alteração no psiquismo.

Alavina (2016) acrescenta que o pensamento crítico é a prática que nos pode proporcionar uma reflexão sobre o espaço virtual, que hoje se movimenta de acordo com condições dadas e estabelecidas. É preciso vencer a barreira do pensamento fácil, por meio do esforço e do tempo, para conseguirmos conectar-nos com aquilo que realmente somos.

O Facebook, por meio de sua formação de massas transitórias, urgentes e inflexíveis, parece estar trazendo à tona fragmentos de uma busca desenfreada dos indivíduos por um novo modelo de ideal. Para Block (2014), "com o pós-industrialismo, os compromissos fatais e desvios de desejo em um sistema ultrapassado de repressão e autorrepressão edípica" (p. 107) já não funcionam mais como barreiras para os indivíduos; dessa forma, há uma nova visão de empoderamento do individualismo que proporciona ao indivíduo uma responsabilidade voltada para si.

O pai da horda, a força repressora, que antes foi introjetada por seus membros como ideal, mostra-se cada dia mais enfraquecido na atualidade, e o comportamento dos indivíduos no Facebook remete-nos às crianças que imploram por limites a seus pais. Com sua infinidade de possibilidades, o Facebook é apenas um reflexo virtual dos intermináveis caminhos que os indivíduos dispõem para trilhar, mas que se mostra empobrecido em seu poder de escolha devido a tanta superficialidade. Há muitos pássaros voando, mas nenhum em nossas mãos. Para que haja escolha, é preciso que o intelecto sobressaia aos sentidos (Rocha, 2012, p. 125).

Após esse percurso, remetemo-nos a algumas questões: seria possível a construção de uma nova referência concreta sem a presença de um líder para impor limites a seus membros? Todos os caminhos nos levam a crer que não, mas, ao mesmo tempo, o desaparecimento dessa figura nos preocupa. Seria a busca por novas referências a procura por um novo ideal? São questões ainda sem resposta, mas que podem nos ajudar a pensar criticamente sobre a possibilidade de um novo caminho a trilhar.

A questão é que vivemos em um momento de transição de referências, entre a modernidade e a pós-modernidade, que convivem concomitantemente em conflito. Conquistamos a liberdade de não precisarmos seguir os mesmos caminhos de nossos pais, mas ao mesmo tempo herdamos a obrigação de encontrar nosso próprio projeto de vida, sem a ajuda de instituições concretas e estruturantes. Como consequência de nossa conquista, o que nos restou foi o desamparo, que busca meios para sustentar-se por intermédio da formação das massas: "A falência do modelo único pode ser vivida como libertação, mas também como falta de chão. O laço simbólico, que 'soldava' um significante a um significado, tornou-se frágil e corrediço" (Minerbo, 2013, p. 32).

A referência patriarcal da modernidade está perdendo suas forças enquanto se pluralizam as referências da pós-modernidade, mas ambas as possibilidades estão à disposição do sujeito na atualidade. Não há mais uma ordem a seguir, a não ser a ordem configurada pelo EdgeRank. Para Lima (s./d.), há nas redes sociais um poliálogo, que se caracteriza por uma conversa entre pessoas, na qual a complexidade de comunicação foi potencializada ao infinito. Vimos, entretanto, que a rapidez e a quantidade de informações fornecidas entrelaçam-se com a função do algoritmo EdgeRank, de criar grupos com indivíduos que possuem qualidades em comum. Em outras palavras, o algoritmo dificulta que as mensagens possam chegar a pessoas com outros interesses, o que contradiz essa noção de poliálogo. Freud (1921/2011) afirma que, quanto mais fortes forem as características em comum entre os indivíduos de uma massa, mais forte será o laço entre eles; assim, o algoritmo é imprescindível para o fortalecimento das massas que se vêm formando no Facebook.

O algoritmo organiza os grupos, enquanto o Facebook configura uma estrutura de como agir dentro deles: postar, curtir, comentar, compartilhar e reagir. Assim, a formação dos grupos nas redes sociais é um dos possíveis modos de lidar com o desamparo que foi despertado pela liberdade atual das múltiplas referências. Diante do desamparo primordial do humano, há um cuidado materno circunscrito em uma lei insensata que recorre à interdição para que se produza uma lei, uma ordem. Há, portanto, um paradoxo: ao mesmo tempo que o sujeito deseja a liberdade, ele não consegue lidar com ela e busca referências para não se sentir perdido.

De fato, o que podemos concluir é que argumentos lógicos e fundamentos teóricos de nada servem para modificar a estrutura da massa, pois seus membros compreendem apenas argumentos que fortalecem a ligação estabelecida entre si. Não há outra lógica, não há negociação. Assim, a saída talvez esteja na escuta de seus desejos. Somente por meio da escuta vinda de um outro lugar, e a influência de referências que tenham a capacidade de perfurar os limites impostos pela estrutura da massa, é que poderíamos encontrar modos de aproximar-nos dos diferentes grupos. O que pode provocar reflexões e permitir interligar os interesses desses indivíduos. Talvez a psicanálise tenha a potência de ocupar esse outro lugar, pois seus articuladores a consideram um discurso que tende ao singular e à novidade. Para Costa e Kupfer (2016), "o retorno a Freud é poder extrair o quê de inédito seu achado possibilitou surgir no mundo" (p. 81). É preciso, assim, buscar nessas condições que já estão pré-estabelecidas, algo inédito, assim como fez Freud quando produziu a psicanálise.

 

Referências

Alavina, F. (2016). Carta Capital. A internet e as artimanhas do pensamento fácil. Recuperado de http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/a-internet-e-as-artimanhas-dopensamento-facil.         [ Links ]

Bauman, Z. (2016). As redes sociais são uma armadilha. El País. Recuperado de http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/30/cultura/1451504427_675885.html.         [ Links ]

Bedran, C. K. (2014). Da homogeneidade das massas ao singular do desejo. Ide 36,(57),133-148. Recuperado de <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062014000100011>         [ Links ].

Block, J. E. (2014). Do supereu ao ideal do eu: para um novo modelo de autodesenvolvimento. Trivium - Estudos Interdisciplinares, 6(2),98-108. Recuperado de <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/trivium/v6n2/v6n2a10.pdf>         [ Links ].

Costa, B. H. R. e Kupfer, M. C. M (2016). Freud e sua relação com o saber. Arquivos Brasileiros de Psicologia; Rio de Janeiro, 68(2):71-83. Recuperado de <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v68n2/v68n2a07.pdf>         [ Links ].

Ego (2016). Famosos. Recuperado de <http://ego.globo.com/famosos/noticia/2016/03/delegadosobre-caso-de-tais-araujo-todos-estao-presos.html>         [ Links ].

Facebook (2015). Facebook para negócios. Recuperado de <https://www.facebook.com/business/news/BR-45-da-populacao-brasileira-acessa-o-Facebook-pelo-menos-uma-vez-ao-mes>         [ Links ].

Facebook (2016a). Central de ajuda. Recuperado de <https://www.facebook.com/help/933093216805622>         [ Links ].

Facebook (2016b). Padrão de comunidade. Recuperado de <https://www.facebook.com/communitystandards>         [ Links ].

Fincher, D. (1999). Clube da luta [DVD]. Los Angeles: 20th Century Fox.         [ Links ]

Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do eu. In. S. Freud, Obras completas (P.C.L. de Souza, trad., Vol. 15, pp. 13-113). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1921)        [ Links ]

G1 - Portal de Notícias (2015). Recuperado de <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/11/atriz-tais-araujo-e-alvo-de-comentarios-racistas-em-rede-social.html>         [ Links ].

Hynter, N. (1996). As bruxas de Salem [DVD]. EUA: Sigma.         [ Links ]

Lima, A. A. de S. (s/d). Sociedades de matizes - Os poliálogos [s.d.]. Recuperado de <http://www.psicologianocotidiano.com.br/articulistas/articulista_descri.php?id=81>.

Minerbo, M. (2013). Ser e sofrer, hoje. Ide, 35(55),31-43. Recuperado de <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062013000100004&lng=pt&tlng=pt>         [ Links ].

Minerbo, M., Silveira, C. S. de B., Antilla, C. C. P.G., Celeri, E. H. R. V., Penna, E., Herrera, F. B. G., et. al. (2006). O Clube da Luta: narcisismo, identificação e psicologia das massas. Jornal de Psicanálise, 39(70),149-161. Recuperado de <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352006000100009>         [ Links ].

O Globo (2016). Recuperado de <http://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-cultiva-discurso-deodio-nas-redes-sociais-mostra-pesquisa-19841017>         [ Links ].

O Globo (2016). Recuperado de <http://oglobo.globo.com/rio/preta-gil-sofre-ofensas-raciais-pelainternet-19787974>         [ Links ].

Peixoto, Z. (2014). Parte 1 - Facebook potenciais sociotécnicos e educacionais, espaço de subjetivação, sociabilidade e diferença - O Facebook para além da rede social. O usuário como consumidor-mercadoria. In: Porto, C. e Santos, E. (Orgs.). Facebook e educação: publicar, curtir, compartilhar [online]. Campina Grande: EDUEPB, pp. 221-236. ISBN 97885-7879-283-1. Recuperado de <http://books.scielo.org>         [ Links ].

Presidência da República (2014). Recuperado de <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>         [ Links ].

Reino, L. M. G. L. e Endo, P. C. (2011). Três versões do narcisismo das pequenas diferenças em Freud. Trivium, 2(3),16-26. Recuperado de <https://www.uva.br/trivium/edicoes/edicao-iiano-iii/artigos-tematicos/tres-versoes-do-narcisismo-das-pequenas-diferencas-em-freud.pdf>         [ Links ].

Rocha, H. de F. O. (2012). Do Pai da Horda a Moisés: O ideal como articulador entre sujeito e a cultura. Boletim de Psicologia, 62(137),117-127. Recuperado de <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S000659432012000200002>         [ Links ].

Salztrager, R. (2011). O sujeito entre a disciplina e o controle: sobre as instituições de confinamento e os fenômenos de massa. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 11(3),1131-1160. Recuperado de <http://www.redalyc.org/pdf/271/27122346005.pdf>         [ Links ].

Sandler, E. H. (2014). O singular no plural II: o analista e a multidão. Ide, 36(57),115-131. Recuperado de <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ide/v36n57/v36n57a10.pdf>         [ Links ].

 

 

Recebido em: 12/9/2016
Aceito em: 20/12/2016

 

 

1 William McDougall, autor utilizado por Freud em "Psicologia das massas" e "Análise do eu".

Creative Commons License