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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.49 no.91 São Paulo dez. 2016

 

PSICANÁLISES POSSÍVEIS

 

Atos obsessivos e experiências traumáticas em Freud e Winnicott: uma análise de caso

 

Obsessive actions and traumatic experiences by Freud and Winnicott: a case study

 

Actos obsesivos y experiencias traumáticas en Freud y Winnicott: análisis de un caso

 

Actes obsessifs et expériences traumatiques chez Freud et Winnicott: une analyse de cas

 

 

Alfredo Naffah NetoI; Jaqueline Feltrin InadaII

IPsicanalista, mestre em Filosofia pela USP, doutor em Psicologia Clínica pela PUC-SP, professor titular da PUC-SP no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica, no Núcleo de Método Psicanalítico e Formações da Cultura, São Paulo. naffahneto@gmail.com
IIPsicóloga pela UEM, mestre em Filosofia pela Unesp, doutoranda em Psicologia pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP, bolsista da Capes. Professora da Faculdade Cidade Verde e da UniCesumar, tendo nesta instituição bolsa do PADEP, São Paulo. jaqfeltrin@hotmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo discute a relação entre atos obsessivos e experiências traumáticas em Freud e Winnicott, mediante o estudo de um caso clínico em que a problemática foi levantada. A sintomatologia dessa estrutura clínica é formada como um recurso que permite ao Eu lidar com uma situação que evoca perigo. Para Freud, essa situação de perigo está sempre ligada ao desejo sexual infantil, proibido e reprimido, gerador de angústia e de sintomas obsessivos, com a finalidade de anular a situação traumática geradora dos sintomas. Para Winnicott, embora o conflito edipiano ocupe o lugar central, a ênfase do perigo é deslocada para os impulsos agressivos-destrutivos, que são disfarçados pela produção de uma confusão, inconscientemente mantida, no mundo interno e de uma dissociação da esfera mental do sujeito, que, compulsivamente, procura reorganizar fora o que permanece (e tem de permanecer) confuso dentro.

Palavras-chave: atos obsessivos, experiência traumática, caso clínico, Freud, Winnicott


ABSTRACT

The author discusses the relation between obsessive actions and traumatic experiences in Freud's and Winnicott's work by studying a clinical case in which that issue arose. The symptomatology of this clinical structure is formed as a resource which enables the ego to handle a situation that evokes danger. According to Freud, this dangerous situation is always connected to infantile sexual abuse, which is forbidden, repressed, and generates anguish and obsessive symptoms in order to eliminate the traumatic event (which caused those symptoms). Winnicott considers that, although the Oedipus complex plays a central role, the emphasis of danger is shifted to the aggressive-destructive impulses. Those impulses are disguised by a confusion, unconsciously maintained in the inner world, and by a dissociation of the mental sphere of the subject, who compulsively attempts to rearrange outside what remains (and must remain) confused inside.

Keywords: obsessive actions, traumatic experience, clinical case, Freud, Winnicott


RESUMEN

Este artículo discute la relación entre los actos obsesivos y las experiencias traumáticas en Freud y Winnicott, mediante un caso clínico en que se planteó la problemática. La sintomatología de esa estructura clínica se forma como un recurso que le permite al Yo lidiar con una situación que evoca peligro. Para Freud, esta situación de peligro está siempre vinculada al deseo sexual infantil, prohibido y reprimido, generador de angustia y síntomas obsesivos, con la finalidad de anular la situación traumática generadora de los síntomas. Para Winnicott, aunque el conflicto edípico ocupa un lugar central, el énfasis del peligro se desplaza hacia los impulsos agresivos y destructivos, que son disfrazados por la producción de una confusión que se mantiene inconsciente en el mundo interno y una disociación de la esfera mental del sujeto, que intenta reorganizar compulsivamente afuera lo que permanece (y tiene que permanecer) confuso adentro.

Palabras clave: actos obsesivos, experiencia traumática, caso clínico, Freud, Winnicott


RÉSUMÉ

Cet article discute le rapport entre des actes obsessifs et des expériences traumatiques chez Freud et Winnicott, moyennant l'étude d'un cas clinique où la problématique se pose. La symptomatologie de cette structure clinique est formée comme une ressource qui permet au Moi de faire face à une situation qui évoque le danger. Pour Freud, cette situation de danger est toujours liée au désir sexuel enfantin, interdit et refoulé, générateur d'angoisse et de symptômes obsessifs, ayant pour but d'annuler la situation traumatique génératrice des symptômes. Pour Winnicott, même si le conflit œdipien occupe la place centrale, l'emphase du danger est déplacé vers des impulsions agressives-destructives qui sont dissimulées par la production d'un trouble, inconsciemment maintenu dans le monde interne et d'une dissociation de la sphère mentale du sujet qui recherche compulsivement à réorganiser dehors ce qui demeure (et il faut qu'il demeure) confus dedans.

Mots-clés: actes obsessifs, expérience traumatique, cas clinique, Freud, Winnicott


 

 

Introdução

Ao deparar com os sintomas, Freud sempre procurou compreender o significado oculto que a eles subjazia, em vez de proceder, assim como a psiquiatria clássica, por meio de sua descrição, na tentativa de apontar uma entidade clínica (Telles, 2005).

Com base nessa proposta, a psicanálise erigiu-se como uma teoria que, pelo universal, busca compreender aquilo que é da ordem do particular. Tem sempre em vista, todavia, que a singularidade do sujeito escapa a qualquer classificação, apesar de o estabelecimento de uma tipologia ser necessário para não se fazer uma abordagem intuitiva dos fenômenos (Camargo e Santos, 2012).

Tomando como ferramenta terapêutica a palavra, o psicanalista interessa-se pela história dos sintomas do paciente, procurando desvendar seu sentido latente. Desta forma, ao longo do processo de análise realizado pela dupla, o paciente "é levado a atribuir ao seu sintoma outra leitura, a da expressão do inconsciente" (Camargo e Santos, 2012, p. 281). Os sintomas apresentados, entretanto, embora sejam parecidos quanto à sua manifestação, têm sentidos diversos para cada sujeito.

A reconstrução desse sentido, no contexto de uma análise clínica, envolve a intimidade do paciente e a exposição de seus desejos reprimidos, já que os sintomas são a expressão destes, pelo menos quando consideramos um paciente neurótico (Berlink e Magtaz, 2012, p. 73).1 Esses desejos são desconhecidos pelo sujeito, porque sofreram a ação da repressão durante a infância e, ao se manifestarem pelos sintomas, permitem a suposição de que estão ligados a experiências denominadas como traumáticas.

A experiência traumática, portanto, consiste em um ponto crucial da análise clínica, pois é por meio dela que se torna inteligível o sintoma. Na neurose obsessiva, Freud entende que os atos praticados constituem uma defesa que o sujeito encontra para lidar com uma experiência perigosa que, embora seja antiga, porque situada na infância, ainda é atuante, já que o Eu não pôde dar conta da quantidade de excitação que o acometeu na situação original, tornando possível que situações substitutas desencadeiem a mesma reação de outrora: a angústia, a qual produz, por sua vez, a compulsão para a realização do ato.

Antes de esmiuçarmos mais cuidadosamente a concepção freudiana de neurose obsessiva, convém situarmos como Winnicott entra em nosso estudo.

Embora o psicanalista inglês tenha afirmado, por diversas vezes, que pouco ou nada contribuiu para a compreensão e o tratamento das neuroses, Naffah Neto (2008) constata, após uma análise pormenorizada de suas contribuições teóricas e clínicas sobre a neurose obsessiva, que tal afirmação é, certamente, resultado de sua modéstia.

De forma geral, é possível afirmar que Winnicott compartilha as principais ideias de Freud no que diz respeito à origem das neuroses. Isto porque ele as compreende como fruto de defesas erigidas para proteger o Eu da angústia decorrente de conflitos oriundos do complexo de Édipo e de castração. Winnicott destaca, entretanto, e aí está sua contribuição, o importante papel das falhas ambientais, por entender que a defesa de tipo obsessivo é formada em um momento anterior à fase edípica, no qual o ambiente exerce grande influência. Trata-se do estágio de concern.2 Nesse sentido, o traumático, para Winnicott, está relacionado às falhas ambientais provocadas por uma maternagem que não proporcionou ao bebê condições de lidar com a ambivalência afetiva, de modo que, em vez de boas lembranças, há uma memória impregnada por rígida moralidade. O resultado de tal maternagem é uma criança com dificuldades de lidar com a ambivalência afetiva, sentindo-se muito ameaçada ao deparar com impulsos agressivos-destrutivos. Dessa forma, resta-lhe produzir uma confusão no mundo interno (que é inconscientemente mantida), de tal maneira que os impulsos agressivos-destrutivos sejam disfarçados e não fiquem perceptíveis. A esfera mental do sujeito - que se mantém dissociada do mundo interno, como mecanismo de defesa - procura, todavia, de forma compensatória, realizar ordenações em nível consciente (pensamentos e rituais obsessivos), mas que representam um mero deslocamento (e desdobramento) do processo inconsciente, que necessita ser mantido com fins defensivos (Naffah Neto, 2008).

Para problematizar essa temática complexa, elegemos como objetivo deste artigo discutir a relação entre os atos obsessivos e as experiências traumáticas, em Freud e Winnicott, valendo-nos de um caso clínico, do qual a referida relação foi levantada. Para tanto, inicialmente, apresentamos uma análise dos atos obsessivos, privilegiando a relação que a formação destes mantém com as experiências traumáticas, fundamentada nas perspectivas freudiana e winnicottiana, para, posteriormente, expor a análise do caso clínico e, por fim, tecer as considerações finais.

 

Atos obsessivos e experiências traumáticas

No texto Atos obsessivos e práticas religiosas (1907/1996), Freud expõe a sintomatologia da neurose obsessiva e analisa suas origens. Destaca a experiência que a desencadeou para chegar à compreensão do sentido dos sintomas, tendo em vista que pertence à ordem do inconsciente.

Assim, no início do texto, conceitua os cerimoniais neuróticos como "pequenas alterações em certos atos cotidianos, em pequenos acréscimos, restrições ou arranjos que devem ser sempre realizados numa mesma ordem, ou com variações regulares" (Freud, 1907/1996, p. 109). Qualquer falha produz angústia, obrigando o sujeito a retificar a omissão. Nesse sentido, tais cerimoniais são executados como se estivessem obedecendo a leis rigorosas. Inicialmente, são realizados apenas de modo solitário. Devido a essa ocultação, não afetam o comportamento social, visto que, embora um número significativo de horas seja dedicado a tais atividades, as pessoas que sofrem de neurose obsessiva são capazes de desempenhar seus deveres sociais normalmente.

A atividade é realizada, necessariamente, de modo compulsivo e, embora, aparentemente, não tenha sentido e, por isso, pareça tola e absurda, se investigada, é capaz de revelar, em cada detalhe, um significado associado a experiências traumáticas, de cunho sexual, ainda atuantes, apesar de antigas. É o que Freud nos diz, em resumo.

Essas experiências traumáticas configuram-se como tal devido à repressão de um impulso expresso durante a infância, o qual gera angústia, que, mais tarde, é sentida como uma angústia expectante, ou seja, de controle do futuro. Com ela, aparece o sentimento de culpa. Isto porque a repressão, na neurose obsessiva, só obtém êxito parcial. Dessa maneira, o instinto ainda exerce pressão para tornar-se consciente, por produzir o sentimento de possibilidade de realização do desejo reprimido. Como defesa, surgem os atos cerimoniais e obsessivos. Mas, desde que estes se mostrem insuficientes, aparecem as proibições, as quais objetivam afastar o sujeito de situações que possam, de fato, provocar a emergência do reprimido.

Em 1926, Freud publica Inibição, sintoma e angústia (2014). Embora a relação entre os atos obsessivos e as experiências traumáticas seja, de certo modo, mantida, doravante ocorre mediante relações mais claras, já que uma nova descoberta é feita: é a angústia que produz a repressão, e não o inverso (ou seja, a repressão produziria a angústia). Persistindo na ideia de que os sintomas neuróticos ocorrem com a finalidade de remover o Eu de uma situação de perigo, Freud agora entende que o seu aparecimento é sinalizado pela angústia, a qual, na situação original, produziu a repressão.

O conteúdo do perigo sinalizado pela angústia varia no decorrer do desenvolvimento. Se, inicialmente, está relacionado à perda do amor dos pais, mais tarde, o objeto que a criança teme perder passa a ser o pênis. Mas, com o surgimento do Super-eu, o pai, de quem se temia a castração, é despersonalizado. O perigo torna-se menos definido. Freud afirma: "A angústia de castração evolui para angústia de consciência, angústia social. Agora já não é tão fácil dizer o que a angústia teme" (1926/2014, p. 82). Assim, o Eu manifesta ansiedade quando o Super-eu está com raiva dele, deseja puni-lo ou ameaça deixar de amá-lo. Freud escreve: "Pareceu-me que a variante final dessa angústia ante o Super-eu é a angústia diante da morte (pela vida), o medo da projeção do Supereu nos poderes do destino" (1926/2014, p. 82).

Freud afirma, porém, que cada acontecimento externo tem uma época própria para desencadear angústia, a qual não é mais sentida quando tal época termina. Somente "as derradeiras, definitivas, mantêm-se por toda a vida" (1926/2014, p. 91). Isto porque o Eu, no decorrer do desenvolvimento humano, aprende a dar conta dos estímulos que excitam o aparelho psíquico. Mas, quando isto não acontece, ou seja, quando os determinantes de angústia infantis continuam atuantes, de modo que o Eu não encontra recursos para lidar com a excitação, tal como na situação original, tem-se o comportamento neurótico. Segundo Freud,

Todas as instâncias para o controle de estímulos em amplas áreas acham-se desenvolvidas há muito tempo em seu aparelho psíquico, eles são adultos o bastante para satisfazer por si próprios a maioria de suas necessidades, há muito sabem que a castração não é mais utilizada como castigo, porém se comportam como se ainda existissem as velhas situações de perigo, mantêm-se apegados a todas as velhas condições da angústia. (1926/2014, pp. 91-92)

Em um grande número de casos, após gerarem reações neuróticas, os determinantes de angústia desaparecem. Por isso, as neuroses na infância configuram-se, geralmente, como episódicas no desenvolvimento de uma criança. Quando o sujeito torna-se maduro, os determinantes de angústia, bem como as situações de perigo são abandonados e perdem seu significado respectivamente. Algumas situações de perigo, entretanto, persistem em épocas posteriores à infância, modificando seus determinantes de angústia com a finalidade de atualizá-los. É o caso, por exemplo, do medo do Super-eu, medo que acompanha o indivíduo por toda a vida. Para Freud,

O neurótico distingue-se das pessoas normais, então, por exacerbar enormemente as reações a esses perigos. Por fim, também o fato de ser adulto não oferece proteção suficiente contra o retorno da traumática situação angustiosa original. Deve haver, para cada indivíduo, um limite além do qual seu aparelho psíquico fracassa em lidar com as quantidades de excitação que requerem aviamento. (1926/2014, p. 93)

Na perspectiva freudiana, os atos obsessivos consistem em medidas de segurança contra experiências sexuais. Tais experiências são configuradas como traumáticas porque expõem o Eu ao desamparo, na medida em que não pode lidar psiquicamente com a excitação que uma determinada situação é capaz de desencadear. Assim, a reação só pode ser de angústia, produzindo, consequentemente, a repressão. Ocorre, então, na vida posterior, um deslocamento da situação de origem, ou seja, da experiência traumática para outra de perigo, de modo que não há a menor relação entre ambas devido à ação do isolamento psíquico.

Freud evidencia, por meio da experiência clínica, que é muito difícil, em um caso de neurose obsessiva, o cumprimento da regra fundamental da psicanálise. Isto porque o Eu está empenhado em manter afastado da consciência o reprimido, com um dispêndio significativo de energia, impossibilitando o sujeito de relaxar.

A neurose obsessiva, segundo Freud, está atrelada ainda à regressão. Em se tratando de sua origem, entende que é a mesma da histeria: o desvio das exigências libidinais na situação edípica. Mas, por conta de um fator constitucional, ocorre que a organização genital da libido é fraca, de forma que, quando o Eu inicia seus esforços defensivos, ela regride para uma fase mais antiga: o estágio sádico-anal. Em Sobre transformações dos instintos, em particular no erotismo anal (1917/2010), Freud destaca a intensificação dos componentes erótico-anais na constituição sexual mediante a observação de três traços de caráter: a ordem, a obstinação e a parcimônia.

Com a regressão, os componentes eróticos de tipo genital se unem aos impulsos destrutivos que pertencem à fase anal, o que explica a severidade do Super-eu. Em obediência a este, o Eu produz severas formações reativas de consciência, piedade e anseio. A masturbação é, então, suprimida na fase de latência, ocorrendo o aparecimento dos sintomas. Segundo Freud, estes "se alojam em atividades que depois serão realizadas como que automaticamente - ir dormir, banhar-se, vestir-se, locomover-se -, tendem à repetição e ao desperdício de tempo" (1926/2014, p. 52).

Com a puberdade, a organização genital entra em vigor novamente. São despertados os impulsos não só libidinais, como também os agressivos. Uma vez que os primeiros aparecem disfarçados pelos segundos, a sexualidade torna-se repelente, desencadeando, por parte do Super-eu, a sua supressão de modo ainda mais forte. Como predomina a formação reativa no Eu, os princípios éticos passam a funcionar como recursos para o indivíduo lidar com a sexualidade. Ao Eu, resta apenas a busca de satisfação por meio dos sintomas. A associação destes com a experiência traumática dificilmente é alcançada, porque os sintomas aparecem como atos isolados, sem relação com as experiências que os desencadearam.

Conforme já mencionado, Winnicott aceita as ideias freudianas acerca da etiologia das neuroses obsessivas. Por isso, entendemos que sua contribuição está, sobretudo, na importância atribuída ao ambiente. Nas neuroses, diferentemente dos casos de esquizofrenia e de patologias borderline, a função do ambiente é secundária, uma vez que elas se originam em uma fase do desenvolvimento infantil na qual a criança encontra-se relativamente integrada, relaciona-se com pessoas totais, é capaz de diferenciar realidade e fantasia e sustentar a ambivalência de seus impulsos. Segundo Naffah Neto,

São essas competências, recentemente adquiridas, que possibilitarão à criança enfrentar - sem grandes derivações patológicas - uma dinâmica triangular bastante complexa, envolvendo mãe e pai, intensa ambivalência afetiva e fantasias sexuais e de destruição (que, se puderem ser discriminadas de atos reais, não causarão tanto temor à criança). (2008, p. 7)

Esse autor afirma que as mencionadas competências que possibilitam à criança atravessar o complexo de Édipo são desenvolvidas em uma fase anterior à edípica, mais especificamente no estágio de concern. Na teoria winnicottiana, nesse momento, o ambiente exerce uma importância significativa ao determinar, pelo menos de modo parcial, a natureza do tipo de defesa de que a criança, mais tarde, vai lançar mão para lidar com o complexo de Édipo.

Para Winnicott, a capacidade de se deprimir de uma criança considerada saudável é formada pelas lembranças de uma boa maternagem. Ou seja, para que uma criança consiga retrair-se para o seu mundo interno e possa lidar com impulsos amorosos e destrutivos, ela tem de contar com as lembranças de um passado no qual houve alguém que lhe deu condições para realizar um trabalho muito parecido. Nos casos de neurose obsessiva, em lugar de tais lembranças, o que existe é "uma acumulação de 'memórias' de treino, ensino e implantação de moralidade" (Naffah Neto, 2008, p. 8). Acrescenta ainda que

o mecanismo de defesa obsessivo eclode em crianças com dificuldades de se defrontar com seus impulsos agressivos/destrutivos, que foram patologicamente separados dos impulsos amorosos originários e são vividos em oposição a eles. Isso, em função de um rígido treinamento moral. (2008, p. 8-9)

Aqui, cabe mencionar uma importante diferença entre as ideias de Freud e Winnicott. Diferentemente do primeiro, este não admite a existência da pulsão de morte ao compreender que o componente agressivo faz parte do impulso amoroso inicial, além de confundir-se, em grande parte, com o componente motor, ou seja, com os movimentos corporais do bebê. Posteriormente, com o surgimento do sadismo oral e com a repetição do ciclo benigno ao longo do estágio do concern, os impulsos eróticos (já formados) tendem a fundir-se com os impulsos agressivos-destrutivos.3 Mas, segundo Naffah Neto (2008, p. 9), "no caso de inculcações morais, rígidas e precoces, pode haver uma cisão entre os componentes amorosos/construtivos e os agressivos/destrutivos dos impulsos, que passam, então, a ser vividos como separados e em oposição".

Naffah Neto (2008) explica que a origem da obsessão está, portanto, na incapacidade materna de sustentar o sadismo oral apresentado pelo bebê, ao utilizar dois modos: revidando seus atos ou lhe devolvendo uma imagem maléfica de si mesmo quando tem o seio mordido. Isto não significa que a mãe deve-se deixar ferir pelo bebê. Trata-se, sobretudo, da qualidade da resposta emocional embutida no olhar da mãe ao ser mordida pelo bebê.

Além da origem acima explicitada, Naffah Neto (2008) considera que a etiologia da obsessão pode estar atrelada à exigência do controle precoce dos esfíncteres por parte dos pais, em um momento do desenvolvimento no qual a criança ainda não tem preparo biológico para isso. Assim sendo, a criança seria privada do sentimento de conquista e de fé, decorrente do controle esfincteriano. Com a falta de esperança, fé e confiança, somada ao predomínio de impulsos agressivos-destrutivos e de "maus objetos", um medo intenso do mundo interno seria produzido, impossibilitando qualquer contato com a vida psíquica. O resultado consistiria em uma criança incapaz de lidar com a ambivalência afetiva e de se deprimir de modo saudável.

Para explicar a origem dos sintomas obsessivos, Naffah Neto (2008) afirma que estes são formados por um processo de desintegração ativa que desconstrói uma parte do mundo interno, o que, por sua vez, produz uma confusão inconsciente ao camuflar os impulsos agressivos quando eles predominam sobre os amorosos. Como tal desintegração é produzida em um estágio no qual o mundo interno tem uma relativa integração, apenas parte da organização conquistada é destruída. Além disso, a desintegração ativa promove uma clivagem funcional do funcionamento intelectual, de forma que os conflitos são isolados nessa parte e separados, portanto, de todo o resto da personalidade. Segundo Naffah Neto,

O sintoma obsessivo descreve, então, o funcionamento dessa esfera intelectual, que tenta controlar, organizar uma confusão à qual não tem acesso e que, por razões defensivas, precisa ser mantida. Por isso, está sempre fadado ao fracasso, o que gera sua compulsão. (2008, p. 10)

É importante ressaltar que, nesse caso, o ato obsessivo funciona como uma defesa que protege o self de entrar em contato com impulsos agressivos-destrutivos, pertinentes ao seu mundo interno, devido a sentimentos de culpa que são vivenciados como insuportáveis.

Os atos obsessivos podem manifestar-se em fases anteriores à do complexo de Édipo. Isto porque este tipo de defesa é acionado quando se tenta fugir da depressão e da mania. Só podemos, entretanto, falar de neurose obsessiva propriamente dita no contexto edípico, quando as dificuldades da criança em lidar com a ambivalência são maximizadas, fazendo-a lançar mão de defesas que, conforme já visto, são determinadas pelas memórias de maternagem, constituídas em um momento anterior à situação edipiana.

 

Caso clínico

Conforme já mencionado, o ponto de partida para a investigação da relação entre atos obsessivos e experiências traumáticas diz respeito ao caso clínico de um paciente que, neste artigo, recebe o nome fictício de Márcio.

Trata-se de um auxiliar contábil de 37 anos, solteiro, que procurou atendimento psicológico com o propósito de melhorar sua organização para os estudos. Na época, era aluno do curso de Administração e apresentava dificuldades de aprendizagem porque não conseguia estabelecer uma organização rigorosa para estudar, o que lhe causava extrema angústia.

Ele ouvia e entendia todas as intervenções do psicólogo. Em relação a este, a posição assumida era de submissão. Diante de suas intervenções, permanecia em um estado ora de indiferença, ora de concordância apenas intelectual. As tentativas, por meio de interpretações, de pôr Márcio em contato com as motivações profundas de seu sofrimento pareciam inúteis. Isto corroborava a ideia de que sua inteligência estava desconectada das forças instintivas que procurava dominar com a busca irrefreável pela organização. Márcio não reconhecia o desejo que animava suas ações. Ele vivia seu dia de modo padronizado e ritualístico: acordava, preparava o café, arrumava-se, trabalhava o dia todo e estudava à noite. A ordem atravessava todas as esferas de sua vida, até mesmo as sessões de análise.

Comumente, entrava na sala de atendimento, colocava a mochila em um dos sofás e, no outro, sentava-se. Ao direcionar o olhar para o psicólogo, sorria e lhe perguntava se estava bem. Sem ceder um breve espaço para resposta, já que a pergunta exprimia apenas uma formalidade, iniciava a sessão relatando fatos ocorridos durante a semana. Não relaxava, porque, quando pensava durante a sessão, seu Eu, mediante um dispêndio significativo de energia, devia manter, afastado da consciência, o reprimido. Tanto é que os fatos relatados sempre eram agrupados em temas, como trabalho, faculdade, vida familiar e amorosa, dificultando a necessária associação livre.

Ao abordar qualquer um desses temas, Márcio queixava-se de angústia caso a ordem, outrora reinante, houvesse sido perdida pelo acontecimento de algum evento novo. Ele era avesso às mudanças.

Em uma das sessões, Márcio, tenso, relatou um fato que ele mesmo denominou como "curioso": estava impregnado por um desejo sexual que não conseguia controlar. Este desejo o incomodava devido a seu forte sentimento religioso. Embora tivesse uma noiva, eles não mantinham relações sexuais, com a promessa de se guardarem para o casamento, promessa que muito lhe custava, dizia, mas que não era quebrada, pelo medo de ser invadido por um imenso sentimento de culpa que, para ele, era desconhecido. E mais do que isso: por medo de o casamento "dar errado". Ter uma relação sexual, portanto, significava a transgressão de uma lei, que implicava, por sua vez, uma punição, a qual, para Márcio, seria permanecer solteiro, ou seja, não poder desfrutar de uma vida sexual adulta.

Certo dia, Márcio relatou que a lembrança mais significativa da infância referia-se ao pai lhe dizendo, com olhar severo, que não poderia brincar com as outras crianças, porque tinha de trabalhar com a família no plantio de soja. A brincadeira proibida pelo pai, podemos conjeturar, seguindo as pistas freudianas, estaria associada a alguma atividade sexual: na cena descrita de Márcio, com aproximadamente 4 anos, ele aparece apenas sentado em uma plantação de soja, ouvindo e obedecendo às proibições paternas, mas angustiado e aborrecido. É possível que a cena lembrada envolvesse supressões, aparecendo-lhe de modo distorcido por ação da repressão, tendo como força motriz uma angústia de castração.

Podemos conjeturar ainda que a própria proibição paterna possa ter feito com que a brincadeira em questão adquirisse a qualidade de atividade sexual, proibida. Márcio não mais brincava. Somente trabalhava. Qualquer atividade que lhe produzisse prazer era proibida. Por isso, envolvia-se com o trabalho em todos os momentos de sua vida diária. Isto exigia um grande dispêndio de energia. O resultado era: Márcio sempre reclamava de cansaço.

Dessa maneira, ter relações sexuais com a noiva reativava a experiência traumática, porque se tratava de uma atividade sexual geradora, em princípio, de prazer. O excesso de excitação produzido por uma situação semelhante à original era sinalizado pela angústia com que o Eu, desamparado, não conseguia lidar. A angústia sinalizava um perigo: o de perder a noiva, ou seja, o pênis, assim como o amor dos pais, caso o desejo fosse realizado com a reprodução da experiência traumática. Márcio acreditava, apesar da dúvida que pairava em seu discurso, que haveria punição pela realização do ato sexual, qual seja, a perda da noiva. Seu Super-eu havia tomado o lugar do pai, que fora despersonalizado.

Nessa linha de raciocínio, a ação traumática na vida madura das lembranças de experiências sexuais da infância teria sido reativada não só com a possibilidade de relação sexual com a noiva, mas em outras situações, em especial, na adolescência. Para afastar o reprimido da consciência, teria sido preciso desenvolver rituais obsessivos, como uma formação reativa contra o forte erotismo anal.

Na adolescência, surgiu a compulsão de estender o lençol sobre a cama, após acordar, de modo que nenhuma "dobra" permanecesse. Para essa atividade, aparentemente tola e absurda, Márcio dedicava um tempo significativo, tendo que acordar, diariamente, algumas horas antes de iniciar suas tarefas no seminário, onde passou a morar por ocasião do desejo de tornar-se padre. Mas a aparência tola e absurda da atividade expressava um sentido, se relacionada à experiência traumática da proibição da brincadeira sexual pelo pai. Dominado pelo sentimento de culpa por ter sucumbido ao prazer durante a noite, porque a situação remetia à cena traumática, ou seja, às "brincadeiras" sexuais, sendo a cama desarrumada uma prova disto, Márcio era levado, sem ter consciência de tais conexões, a arrumá-la, de forma que nenhum vestígio fosse deixado. Seu ato obsessivo pode ser interpretado como algo que diz respeito a uma tentativa de cancelar a experiência traumática, como se nenhuma ação tivesse ocorrido. Por isso, o lençol deveria ser estendido sem dobras para aparentar que nenhuma pessoa tivesse ali dormido e praticado atividades sexuais. Seus afazeres diários só poderiam ser iniciados após o cumprimento desse ritual.

Esses atos obsessivos surgiram na adolescência, quando Márcio decidiu ser padre e morar em um seminário. Tal decisão pode ser explicada pela seguinte ideia: porque a ordem do pai deixou de ser pronunciada por ocasião da adolescência, o paciente prosseguiu em busca de um novo regulador do desejo, tendo em vista que este se tornou mais forte com o desenvolvimento biológico. Ele buscou na religião um novo pai, ou seja, Deus, o qual pudesse, novamente, proibir a "brincadeira" com as outras crianças e forçá-lo ao trabalho, agora intelectual, com a aprendizagem de filosofia e teologia. Por muitos anos, Márcio morou em um seminário por livre iniciativa, acreditando que, em breve, pudesse tornar-se padre. Ser padre significaria obedecer, para todo o sempre, à lei do pai. É claro que o desejo de uma vida religiosa, pelo menos em parte, fora desenvolvido devido à sua rígida educação, baseada em valores religiosos.

Mas a crença de um dia ser padre foi perdida aos 20 e poucos anos, quando sucumbiu aos desejos corporais. Desistiu da ideia de ser padre porque, naquele momento, entendeu que as vontades carnais eram maiores. A partir de então, iniciou-se uma história atravessada por intensa angústia. Isto porque a proximidade de consecução do desejo passou a ser concreta, uma vez que os impedimentos instalados pelos pais, tanto o real quanto o divino, foram dissolvidos, sem substituição. Restava-lhe apenas o Super-eu, o qual, ao pressionar o Eu, fez com que este acionasse mecanismos de defesa já utilizados, mas, doravante, de um modo mais intenso. Ele encontrou, na ordem e nos atos obsessivos praticados, os recursos para dar conta do desejo reprimido. Além de ainda arrumar a cama obsessivamente, Márcio intensificou a ordem em seu cotidiano. Todas as atividades diárias deveriam ser realizadas da mesma forma. Desse modo, levantar, tomar café, trabalhar, estudar e dormir deveria seguir uma rigorosa lei.

Devido à dificuldade de instalar a ordem nos estudos, Márcio procurou um psicólogo. Isto porque conhecer significava entrar em contato com o reprimido. Nesse contexto, o psicólogo, investido de autoridade, poderia ajudá-lo, assim como o pai e Deus, na anulação de seu desejo, estabelecendo a ordem novamente.

Após alguns meses de tratamento, quando as notas melhoraram, certamente em decorrência de uma liberdade maior do Eu, a qual fora adquirida pelo abrandamento da severidade de seu Super-eu, Márcio relatou ao psicólogo que ele parecia um menino mostrando o boletim para a mãe. Traduzindo: um menino feliz porque conservava o pênis, ou seja, as notas invejáveis, que lhe provavam o quanto era bom e invejado/desejado. As notas também simbolizavam uma recompensa pelo bom comportamento relativo à obediência da proibição do pai: não se entregar às atividades sexuais.

Márcio sentia-se melhor do que os outros alunos da sala, já que era organizado e tinha boas notas. Havia aí uma satisfação narcísica decorrente do valor que o Eu atribuía ao sintoma, ou seja, à ordem.

Se formos analisar o caso de uma perspectiva winnicottiana, a ênfase muda consideravelmente: os sintomas obsessivos estariam mais diretamente associados a impulsos agressivos inconscientes dirigidos ao pai, por este o ter proibido de brincar, negando-lhe uma infância e forçando-o a trabalhar como um adulto. Com a passagem pelo seminário, a figura do pai biológico deslocou-se para o Pai do céu, os impulsos agressivos teriam sido invertidos numa espécie de formação reativa de amor e obediência.

O Pai do céu - ou sua forma internalizada de Super-eu -, entretanto, agora lhe proíbe a atividade sexual com a namorada; portanto, a agressividade, tingida de ódio, tenderia a retornar, necessitando novos disfarces internos, geradores de confusão e de novos sintomas compensatórios. Ao analisar os sintomas, podemos conjeturar que a necessidade de eliminar, compulsivamente, as dobras do lençol da cama pode significar, apenas, uma busca de ordem, compostura, ou, num só termo, lisura, termo que significa, ao mesmo tempo, "qualidade do que é liso" e "integridade de caráter" (Houaiss, 2001, p. 1770). Neste sentido, o lençol tem de estar "liso" como símbolo de sua "lisura", de sua "integridade de caráter"; sintoma que tenta anular os seus impulsos destrutivos e odientos e o medo/culpa que eles lhe despertam.

Obviamente, em se tratando de uma neurose obsessiva, teríamos de conjeturar, também, que o desejo sexual dirigido à namorada, e proibido pelo Pai do céu (Super-eu), deva guardar relações diretas com o triângulo edipiano não elaborado e ultrapassado. Torna-se evidente que a ênfase nos impulsos agressivos-destrutivos não elimina, de forma alguma, a centralidade do tema sexual presente.

 

Considerações finais

Ao propormos o desvelamento do sentido oculto que subjaz ao sintoma obsessivo, tomando por base a perspectiva freudiana, torna-se imprescindível que ele seja relacionado à experiência traumática, que se configura como tal pela ameaça de perda, seja do amor dos pais, do pênis ou do amor do Super-eu diante da realização do desejo.

Na situação original, a qual remonta à infância, a angústia gerada pela ameaça da perda produz a repressão. O Eu, desamparado, do ponto de vista psíquico, não pode lidar com as excitações que o acometem, e, mesmo com o passar do tempo, a situação que tudo provocou continua atuante, porque foi deslocada para outras. Assim, em vez de o perigo infantil ser abandonado com o amadurecimento do Eu, permanece atuante. Nesse contexto, o mecanismo encontrado para defender-se daquilo que é sentido como perigoso consiste no ato obsessivo, o qual visa cancelar a experiência vivida na fantasia, como se nada tivesse ocorrido.

A análise do caso fundamentado na perspectiva winnicottiana revela-nos uma mudança da ênfase: embora a problemática sexual continue importante e central, é a problemática dos impulsos agressivos-destrutivos originalmente ligados à figura do pai (e, agora, disfarçados de amor e obediência ao Pai do céu e ao Super-eu) que gera, mais diretamente, os sintomas compulsivos. A problemática edipiana continua central, apesar de a ênfase ser posta na dificuldade de lidar com a ambivalência e, em especial, com a culpa gerada pelos impulsos agressivos-destrutivos.

Tendo em vista a exposição da compreensão da neurose obsessiva sob as perspectivas freudiana e winnicottiana, podemos afirmar que, mais do que se repelirem, tais teorias mantêm uma relação, no que diz respeito especificamente à neurose obsessiva, de complementaridade. Vejamos por quê.

Tanto Freud quanto Winnicott entendem que o sintoma obsessivo é produzido pela repressão de uma experiência traumática na fase edípica. Mas, ao propor que a defesa obsessiva é formada em uma etapa anterior ao complexo de Édipo, tendo o ambiente - representado pela mãe - uma importância fundamental, Winnicott contribui, de modo original, para a teoria das neuroses. Ele enriquece a compreensão das neuroses obsessivas quando afirma que elas têm origem em crianças com dificuldades de lidar com a ambivalência devido à desintegração afetiva sofrida anteriormente, por efeito de uma rigorosa moralidade à qual foi submetida, moralidade proveniente de uma maternagem que não soube sustentar, com uma resposta emocional adequada, o sadismo oral da criança. Além do sadismo oral, Winnicott entende que tal moralidade pode ter origem na exigência do controle esfincteriano, por parte dos pais, em um momento no qual a criança, do ponto de vista biológico, ainda não tinha condições para tanto.

Resumindo numa só frase, podemos dizer que, com Winnicott, é a agressividade e a destrutividade que ganham um novo foco na neurose obsessiva, sem que, com isso, a sexualidade perca seu lugar central e fundamental. Uma nova lente de aumento, num outro pedaço da trama; apenas isso.

 

Referências

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Recebido em: 10/12/2015
Aceito em: 14/9/2016

 

 

1 Freud não tratou de pacientes com patologia borderline, nem nunca levou em conta esse tipo de nosologia. Winnicott, entretanto, considerava que grande parte dos sujeitos com esse tipo de patologia não chega a constituir uma sexualidade, no sentido positivo do termo, portanto, tem o seu funcionamento psíquico pautado por necessidades do ego, e não por desejos (cf., nesse sentido, Naffah Neto, 2014).
2 O termo concern é de tradução difícil. Por isso, preferimos mantê-lo no original inglês.
3 Esse é um processo bastante complexo. Para Winnicott, todos os impulsos instintivos são inicialmente sentidos pelo bebê como não próprios, necessitando ser elaborados e apropriados pelo self infantil. Nesse sentido, uma parte dos impulsos agressivos-destrutivos, que já está fundida no impulso amoroso primitivo, expresso no ato de mamar, vai sendo apropriada pelo self do bebê por meio de mamadas bem-sucedidas, suficientemente boas. A outra parte, localizada na motricidade infantil, necessita da experiência de oposição entre a musculatura do corpo materno e a do corpo infantil para ir sendo gradativamente apropriada. Mas a fusão total entre impulsos eróticos e impulsos agressivos-destrutivos somente se realiza, de fato, por meio da repetição do ciclo benigno, no estágio do concern. Então, já em pleno sadismo oral, o bebê tem a fantasia de destruir canibalisticamente o seio materno, seguida de sentimentos de culpa (geralmente inconscientes) e de atos reparatórios. Quando todo esse ciclo é devidamente sustentado pela mãe ao longo do tempo, o bebê perde o medo dos seus impulsos agressivos-destrutivos, por sentir que o que destrói é capaz de reparar, vindo, então, a completar a fusão entre os impulsos eróticos e os agressivos-destrutivos.

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