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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.49 no.91 São Paulo dic. 2016

 

RESENHAS

 

Orientação profissional Coleção Clínica Psicanalítica

 

 

Sandra M. M. Loureiro

Psicóloga pela PUC-SP, mestre pelo Departamento de Psicologia da Aprendizagem do Instituto de Psicologia da USP, especialista em Orientação Profissional pelo Instituto Sedes Sapientiae, professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Administração da PUC-SP, orientadora profissional e de carreira da "Colméia Instituição a Serviço da Juventude", São Paulo. sandra.loureiro@gmail.com

 

 

 

Autora: Maria Stella Sampaio Leite Flávio Carvalho Ferraz (Org.)
Editora: Casa do Psicólogo, São Paulo, 2015
Resenhado por: Sandra M. M. Loureiro, São Paulo

Orientação profissional é a obra de estreia de Maria Stella Sampaio Leite. O livro faz parte da Coleção Clínica Psicanalítica, dirigida por Flávio Carvalho Ferraz. Foi a convite de Flávio que Stella decidiu empreender o desafio de escrever sobre esse tema, nada comum nos horizontes clássicos da psicanálise.

Psicóloga pela PUC-SP e psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae e a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, da qual é membro, Stella descortina nessa obra um panorama teórico e prático da orientação profissional, sob o prisma de sua experiência de quase três décadas como orientadora e psicanalista.

O livro é dirigido a psicanalistas e orientadores profissionais, mas tem a capacidade de dialogar também com outros públicos envolvidos na orientação, psicólogos ou não (pedagogos, sociólogos, pais, professores, orientadores educacionais), que desejem entrar em contato e aprofundar seus conhecimentos no processo de orientação vocacional/profissional, tendo como base o referencial da clínica psicanalítica. Apresenta e ilustra como os conceitos da psicanálise podem ser utilizados no processo de ajuda ao adolescente, diante dos complexos dilemas que circundam a escolha de sua futura profissão.

Vai além, e esta parece ser a intenção maior da autora: demonstrar que a teoria psicanalítica leva ao enfoque adequado para sustentar o processo de orientação vocacional/profissional - OV/P, conforme prefere denominá-lo. Considera que, se o orientador trabalhar somente no plano consciente, não extrairá os conflitos que estão presentes no inconsciente individual do orientando no momento de escolha e definição profissional. É somente deixando-os vir à tona, à consciência, que o sujeito conseguirá elaborá-los, facilitando, assim, uma tomada de decisão mais madura e consistente. O enfoque psicanalítico torna-se, portanto, um ferramental não somente útil, mas totalmente adequado à intrincada problemática da escolha.

De maneira quase didática, o conteúdo é muito bem alinhavado e se divide, equilibradamente, entre um contexto mais teórico sobre os fundamentos psicanalíticos que sustentam o processo de OV/P e, na segunda parte, experiências que proporcionarão aos leitores perceber as aplicações dos métodos e as técnicas, validadas nos casos.

Os dois primeiros capítulos são dedicados ao histórico do trabalho, à visão particular da psicanálise sobre o trabalho, do social ao subjetivo; explanam o conceito central de sublimação, do trabalho como possibilidade de satisfação e as condições para que isto possa ocorrer. Tais questões nos conduzem ao histórico da OV/P e a um panorama das principais abordagens teóricas não psicanalíticas que influenciaram as práticas da orientação, muitas delas ainda presentes.

O capítulo quatro é reservado à teoria do pioneiro na abordagem psicanalítica da orientação vocacional, Rodolfo Bohoslavsky. Traz dele a ideia central de que, se o jovem conseguir assumir e compreender seus dilemas diante da escolha da profissão, terá melhores chances de chegar a uma resposta mais madura e consistente. Para tanto, faz-se necessário que o orientador tenha uma compreensão profunda das características singulares do ser que escolhe, o adolescente, em sua realidade interna e externa, expostas e analisadas no capitulo cinco, "Adolescência". No capitulo seis, há uma defesa mais contundente do referencial psicanalítico como ideal para a prática da OP, por seu duplo aspecto: permitir não somente "um profundo mergulho nos processos mentais conscientes e inconscientes da pessoa" (p. 90), mas também tratar os fenômenos psíquicos. Ainda neste capítulo, a autora enumera e descreve as técnicas aplicadas ao processo de orientação na modalidade clínica, nas quais, ressalta, reside uma das grandes diferenças do tratamento psicanalítico em consultório: "o sujeito é instado a falar de si, diretamente pelas entrevistas e indiretamente pelos jogos e testes projetivos" (p. 94). Delineia, também, os quatro módulos do processo: autoconhecimento, mundo das profissões, instituições de formação e devolutivas.

No capitulo sete, Stella evidencia a conceituação dos principais elementos da orientação na abordagem clínica psicanalítica - o inconsciente e a escuta do orientador -, assim como os processos psíquicos inconscientes: sobredeterminação, identificação e reparação, apontando-os como centrais na prática da orientação.

Na segunda parte do livro, "Por uma clínica viva", a autora trata da prática em OV/P. Enfatiza a riqueza do processo em grupo, demonstrando os aspectos positivos e as diferenças entre esta abordagem e a individual. Ilustra de modo claro e consistente, por meio da análise de casos vivenciados por ela, como o referencial teórico sustenta o processo da orientação. Evidencia os conceitos, enfatizando uma postura mais ativa do orientador e a utilização criativa das técnicas e jogos, grandes diferenciais da clínica clássica. Apresenta ilustrações sobre a utilização da técnica da Realidade Ocupacional (RO) não somente em sua forma original - "organizar as informações e pesquisar os aspectos idealizados e os preconceitos do orientando em relação às profissões" (p. 168), mas também, em uma visão peculiar, quando serve como instrumento de diagnóstico, por meio da análise da expressão dos conflitos e mecanismos de defesa presentes no momento da escolha, expressos no jogo.

Inclui um capítulo sobre o papel da família, em que salienta como as dinâmicas familiares influenciam a psique do adolescente e todos os seus processos, até mesmo, a escolha da profissão. E é neste sentido que o livro traz sua contribuição para o público em geral, pois é muito importante que pais, familiares e educadores saibam dessa influência e possam contribuir positivamente para que esse momento seja vivido de modo mais consciente e seguro.

No capitulo onze, Stella utiliza-se das contribuições do psicanalista Wilfried Bion ao apontar as resistências do orientando ao processo, trazendo os conceitos de arrogância, estupidez e curiosidade, que alguns psicanalistas denominam como uma inocência violenta, característica peculiar a certas pessoas que, num primeiro momento, se fecham com agressividade e rigorosa resistência, que quase sempre trazem frustrações e decepções impeditivas de um bom êxito no processo.

O livro encerra-se com o capítulo dedicado exclusivamente aos casos clínicos, incluindo um atendimento de reescolha profissional.

Essa parte prática é a contribuição mais singular da obra, diferenciando-a de outros trabalhos sobre o tema da orientação que, em geral, são carentes da análise de exemplos reais, fundamentais na formação do exercício profissional.

Dessa forma, Orientação profissional pode ser leitura muito proveitosa para diversos públicos: àqueles que já transitam pelo referencial psicanalítico, fica a demonstração de sua aplicação prática na OV/P; àqueles que desejam iniciar atuação na área, ou que já o fazem com outro enfoque, oferece um rico panorama dos principais conceitos do referencial psicanalítico e exemplos de casos reais; e, finalmente, aos coadjuvantes no processo de escolha do jovem - pais, familiares e professores -, fornece uma compreensão da complexidade desse momento da vida do adolescente e de sua influência, especialmente, na configuração mutante dos tempos atuais.

A todos, demonstra o quanto um olhar aprofundado e empático pode colaborar com uma decisão mais autônoma daquele que, lembrando a citação de Dante na epígrafe do livro, em meio à jornada da vida, perdido em uma selva tenebrosa, necessita achar o verdadeiro caminho, com vistas a oferecer o seu melhor à sociedade na qual se insere e que ajuda a construir.

 

 

Recebido em: 1/11/2016
Aceito em: 6/12/2016

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