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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.50 no.92 São Paulo June 2017

 

NOTAS INTERNACIONAIS

 

A minha experiência na IPA

 

My experience at IPA

 

Mi experiencia en la IPA

 

Mon expérience à l'IPA

 

 

Carmen C. Mion

Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP, São Paulo. carmenmion@uol.com.br

 

 


RESUMO

A autora faz uma breve reflexão sobre sua experiência ao longo de dez anos nas instituições psicanalíticas internacionais, fepal e IPA. Acredita que a experiência de trabalhar em um comitê internacional constitui uma oportunidade para identificar e rever criticamente os pressupostos que organizam os próprios alicerces institucionais. Considera parte da tarefa dos membros pensar as instituições e penetrar as suas cesuras internas em suas diversas facetas. Similaridades, diferenças, confrontos e sofrimentos são elementos indispensáveis para a construção do conhecimento e expansão psíquica do indivíduo, do grupo, da instituição e da sociedade. O debate aberto torna as relações institucionais mais transparentes e, portanto, mais confiáveis e sólidas em nossos propósitos de tornar a própria Instituição objeto de pensamento.

Palavras-chave: formação psicanalítica, instituições, IPA, diversidades/semelhanças, cesura


ABSTRACT

The author writes a brief reflection on her ten-year experience of working at international institutions of psychoanalysis fepal and IPA. Having a work experience at an International Committee, she believes, is a great opportunity to identify and critically re-evaluate the conditions on which our own institutional foundations are established. According to this author's opinion, thinking of their institutions and attempting to reach inside their internal breaches, in their several aspects, constitute an important part of the members' duties. Similarities, differences, conflicts, and pain are vital elements to build knowledge and to the psychic expansion of the individual, group, institution, and society. An open debate enables international relations to be more transparent and, therefore, more trustful and solid. It allows us to fulfil our purposes of making our institution turn into an object of thinking.

Keywords: psychoanalytic training, institutions, IPA, diversities/similarities, caesura


RESUMEN

La autora hace una breve reflexión sobre su experiencia a lo largo de diez años en instituciones psicoanalíticas internacionales, fepal e IPA. Piensa que la experiencia de trabajar en un comité internacional constituye una grande oportunidad para identificar y rever críticamente los presupuestos que organizan nuestros propios cimientos institucionales. Considera que es parte de la tarea de los miembros pensar en sus instituciones y tratar de penetrar sus cesuras internas en sus diversas facetas. Semejanzas, diferencias, confrontaciones y sufrimientos son elementos indispensables para la construcción del conocimiento y expansión psíquica del individuo, del grupo, de la institución y de la sociedad. El debate abierto torna las relaciones institucionales más transparentes y, por lo tanto, más confiables y sólidas en nuestros propósitos de tornar la propia institución objeto de pensamiento.

Palabras clave: formación psicoanalítica, instituciones, IPA, diversidades/semejanzas, cesura


RÉSUMÉ

L'auteur fait une brève réflexion concernant son expérience au cours de dix ans chez des institutions psychanalytiques internationales, fepal et IPA. Elle croit que l'expérience de travailler dans un comité international constitue une grande chance d'identifier et rêver de façon critique les présupposés qui organisent nos propres fondations institutionnelles. Elle considère qu'une part de la tâche des membres est de penser leurs institutions et d'essayer de pénétrer dans les diverses facettes de ses coupures internes. Les similitudes, les différences, les confrontations et les souffrances sont des éléments indispensables à la construction des connaissances et à l'expansion psychiques de l'individu, du groupe, de l'institution et de la société. Le débat ouvert rend les rapports institutionnels plus transparents, donc plus fiables et solides dans nos desseins de rendre l'institution elle-même un objet de la pensée.

Mots-clés: formation psychanalytique, les institutions, IPA, diversités/similitudes, césure


 

 

Ao receber o convite do Jornal de Psicanálise para escrever sobre a minha experiência na IPA, peguei-me numa espécie de flashback pelos últimos seis anos, desde que passei a fazer parte do comite de formação da IPA, o Education & Oversight Committee - E&OC, em 2012. Eu já havia adquirido alguma experiência em formação do ponto de vista institucional participando durante cinco anos da Comissão de Ensino do nosso Instituto na SBPSP, e aí fui também secretária-geral no biênio 2008-2009; a partir de 2006 participei durante cinco anos do Comité de Educación da fepal sob a coordenação de Roberto Marucco. O E&OC é constituído por seis membros representando as três regiões da IPA, dois pela América Latina, dois pela América do Norte, dois pela Europa e um coordenador, atualmente o colega Fernando Weissmann. Além do E&OC, desde 2015, juntamente com mais dois colegas, da França e dos EUA, faço parte de uma Task Force nomeada pelo Board da IPA e coordenada por Franz Wellendorf, cuja tarefa consiste em um trabalho de avaliação das relações da IPA com as sociedades que a constituem.

Voltando ao meu flashback, perguntei-me: o que afinal, após todos esses anos, eu pude aprender sobre formação e grupos psicanalíticos nas instituições internacionais?

Para começar, eu diria que é preciso levar ao limite o exercício da convivência na diversidade, muito além do "narcisismo das pequenas diferenças". Já ao iniciar meu trabalho em nosso Instituto e depois na fepal, ao entrar em contato com os institutos da América Latina, percebi que os consensos grupais são sempre transitórios e os conflitos, sempre inevitáveis, como há muito salientou Kaës (1989/1991). Quando saí da fepal para a IPA as diferenças aumentaram de forma exponencial: no E&OC temos representantes não só das três regiões da IPA como também dos três modelos de formação: uruguaio, francês e Eitingon. Nós não representamos uma sociedade nem mesmo uma região, mas sim tentamos estar abertos para as dificuldades e possibilidades de cada sociedade pertencente à IPA. Para tanto é necessário que tenhamos uma ampla visão sobre todos os seus diferentes pontos de vista. Recebemos importantes questões relativas à formação, função didática, frequência de análise, frequência dos casos de supervisão, currículo, análise por Skype,ou como se dá a transmissão em psicanálise, como avaliar e avalizar um psicanalista. São questões que inevitavelmente perpassam os institutos, ano após ano, independentemente das regulamentações e diretrizes contidas em nossos três modelos. Uma vez encaminhadas ao E&OC, nós as discutimos entre nós, elaboramos um parecer ou relatório de consenso, que pode ser encaminhado ou discutido diretamente com o presidente da IPA e com o Board, quando necessário. Certamente há muitas similaridades e pontos em comum entre as sociedades, como, por exemplo, a formação baseada no tripé análise, supervisão e seminários clínicos e teóricos, pois afinal somos todas instituições psicanalíticas, porém, as semelhanças nunca trazem turbulências, já as diferenças sim. Hoje posso afirmar que não há dois institutos ou sociedades iguais no mundo, independentemente de utilizarem o mesmo modelo e pertencerem à mesma região. Acrescento ainda outro fator muito importante nas diferenças de organização e dinâmica das sociedades e institutos: o seu tamanho. Não é difícil imaginar que as necessidades e demandas de sociedades com quarenta membros são muito diferentes daquelas com quinhentos membros ou mais.

Em segundo lugar, aprendi que trabalhar em um comitê internacional constitui uma grande oportunidade para identificar e rever criticamente os pressupostos que organizam nossos próprios alicerces institucionais. Por exemplo, exatamente em função da diversidade, percebi uma diferença, que me pareceu muito positiva a favor da IPA, entre o E&OC e como são estruturadas as Comissões de Ensino de grandes sociedades como a nossa. Os comitês da IPA geralmente analisam, estudam profundamente, fazem levantamentos e elaboram pareceres, ou mesmo sugerem normas, porém, não têm poder de decisão sobre regulamentos. As decisões são tomadas pelo Board da IPA, eleito pelos membros das três regiões com seis respectivos representantes, juntamente com o Executive Committee, após receberem os pareceres e/ou sugestões dos comitês e forças-tarefas. Com essa divisão de tarefas e constituídas por um número menor de representantes das três regiões, a comissão de formação assemelha-se muito mais a uma comissão científica, no sentido de aprofundamento das questões e temas discutidos. Livres das pressões do poder decisório, os seus membros podem examinar os diferentes pontos de vista com maior isenção, ou menos paixões, menos influência política e mais liberdade.

Com 818 membros, de filiados a efetivos, a SBPSP se insere entre as maiores sociedades e institutos da IPA. Apesar das divergências, nunca nos dividimos, pois há um sentimento mais ou menos generalizado entre nós de que a nossa pluralidade e diversidade nos enriquecem e devem ser preservadas, garantindo-se o espírito democrático de modo que todos os grupos tenham espaço dentro da Instituição, tanto na formação dos membros filiados como em todas as atividades científicas e administrativas. No entanto, na prática essa igualdade nunca acontece: ao longo dos anos, dependendo de quem seja o(a) presidente da sociedade e o(a) diretor(a) do instituto, alguns grupos se sentirão representados, enquanto outros se sentirão excluídos, gerando-se um sentimento profundo de insatisfação no grupo da vez que se sente excluído. Com o problema adicional de que os grupos menores possuem sempre menos eleitores e dificilmente conseguem constituir maioria numa votação. Se estruturadas de forma semelhante ao E&OC, com representação igualitária dos diferentes grupos, as nossas comissões de ensino1 teriam melhores condições de refletir sobre os rumos da formação na sociedade e de fornecer subsídios na elaboração de uma visão ampla das necessidades e propósitos de seus membros visando o planejamento consciente de nosso desenvolvimento como instituição de formação de psicanalistas. As decisões, baseadas nos relatórios e pareceres das comissões, ficariam a cargo de uma espécie de Conselho, à semelhança do Board, formado por um número maior de representantes dos diferentes grupos da sociedade, em igual número, de modo que todos os grupos tivessem representação equitativa nas decisões do instituto.

Uma terceira observação, também relacionada de alguma forma às diferenças, é que, assim como o ser humano, as diferentes instituições psicanalíticas se constituem historicamente, e a forma pela qual se apresentam é o resultado das inúmeras experiências que as constituem. Freud já afirmava em "Repetir, recordar e elaborar", de 1914, que tanto o indivíduo como o grupo que não conhecem sua história, que não têm memórias, estão condenados a repetir-se. Desde meu percurso inicial, procuro me lembrar de uma sugestão de Kaës (1989/1991) no sentido de recusar algumas ilusões que costumamos alimentar sobre as instituições: a primeira é que elas são feitas por cada um de nós pessoalmente e a segunda, elas são propriedade de um senhor anônimo mudo e todo-poderoso. Depois, admitir que uma parte de nossa própria identidade, compondo nosso inconsciente, não nos pertence propriamente, mas às instituições sobre as quais se apoia e que se mantém por esse apoio. Ou seja, a instituição nos precede, nos determina e nos inscreve nas suas malhas e suas redes simbólicas, os seus discursos.

No entanto, a instituição possibilita que os sonhos que trazemos em nosso íntimo, que se originam da soma das nossas experiências afetivas ao longo da nossa história pessoal, possam vir a ser sonhos compartilhados. Penso ser fundamental sonhar a psicanálise e a formação, buscá-la no mais profundo do nosso vir a ser psicanalistas no exercício de nossa práxis. Demora-se muito a perceber que a instituição é a soma de todos nós que a ela pertencemos, cada um dos membros trazendo consigo sua história, o seu sonho/mito pessoal sobre psicanálise e formação. O compartilhamento da psicanálise sonhada é que vai nos permitir o exercício de confronto entre semelhanças e diversidades e, consequentemente, a passagem do sonho individual e das idealizações para o que Winnicott (1988) nomeia realidade compartilhada. Nos últimos anos tenho me utilizado do conceito de cesuras, de Bion (1975/1989, p. 56), para o meu trabalho pessoal de pensar a psicanálise; a partir de experiências nas instituições psicanalíticas passei a considerar também o lugar das cesuras nas instituições. Acredito que aqui também elas podem ser tão intensas e aparentemente tão intransponíveis como a do nascimento ou da passagem de uma dimensão psíquica a outra (Mion, 2014). Considero parte de nossa tarefa como membros pensarmos as instituições, tentarmos penetrar as cesuras em suas diversas facetas: no indivíduo, no grupo, na instituição, na sociedade e suas inter-relações. No dizer de Kaës, a exteriorização de um espaço interno é a nossa relação mais anônima, mais violenta e mais forte que mantemos com a instituição. Terrores primitivos ligados a questões de sobrevivência não podem ser esquecidos ou minimizados nas questões grupais. Cabe lembrar aqui, como sugere Bion, os mitos bíblicos do Paraíso Perdido e da Torre de Babel, relacionados à aquisição de conhecimento e poder pelos homens. Stephano Bolognini (2014) frequentemente tem pontuado que hostilidade e recusa pelo diferente que ameaça a coesão do grupo, assim como pelo estado de mente diferente do nosso, constituem pesado obstáculo no desenvolvimento institucional.

Similaridades, diferenças, confrontos e sofrimentos são elementos indispensáveis para a construção de conhecimento e expansão psíquica do indivíduo, do grupo, da instituição e da sociedade. O debate aberto torna a relação institucional mais transparente e, portanto, mais confiável e sólida nos nossos propósitos de torná-la objeto de pensamento.

 

Referências

Bion, W. R. (1989). Caesura. In W. R. Bion, Two Papers - The Grid and Caesura. London: Karnack. (Trabalho original publicado em 1975)        [ Links ]

Bolognini, S. (2014). Towards a Quadripartite Model? Newsletter from the President.         [ Links ]

Kaës, R. et al. (1991). A instituição e as instituições: estudos psicanalíticos. São Paulo: Casa do Psicólogo. (Trabalho original publicado em 1989)        [ Links ]

Mion, C. C. (2014). Algumas reflexões sobre a prática clínica e a formação analítica. Jornal de Psicanálise 47(86), 103-111.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1988). Human Nature. London: Free Associations Book.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 7/5/2017
Aceito em: 8/5/2017

 

 

1 Refiro-me especificamente às Comissões de Ensino, pois nelas se baseia a minha experiência, porém, creio que essas observações se aplicam a todas as diferentes diretorias e comissões da SBPSP.

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