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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.50 no.93 São Paulo dic. 2017

 

SONHOS

 

Transformação das formas simbólicas em sonhos

 

Transformation of symbolic forms in dreams

 

Transformación de las formas simbólicas en sueños

 

Transformation des formes symboliques en rêves

 

 

Elias Mallet da Rocha BarrosI; Elizabeth Lima da Rocha BarrosII

IMembro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP. erbarro@terra.com.br
IIMembro efetivo, analista didata e analista de crianças e adolescentes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP. elizabethlrochabarros@gmail.com

 

 


RESUMO

Este trabalho, baseado na descrição de três etapas na elaboração de uma situação traumática, foca-se nas transformações simbólicas que ocorrem ao longo desse processo. Os autores sugerem que estas transformações se dão por um progresso dos aspectos formais do símbolo, que incluem, sobretudo, seu aspecto expressivo. A noção de expressividade é recuperada para a psicanálise com base em sua definição por Benedetto Croce.

Palavras-chave: sonho, forma simbólica, significado, transformação, elaboração


ABSTRACT

The process of transforming symbolic forms into dreams. This work is based on the description of three stages when working through a traumatic situation. This paper focuses on the symbolic transformations that occur throughout this process. The authors suggest that these transformations happen through a progression of the formal aspects of the symbol. This progress should include above all the expressive aspect of the symbol. Based on Benedetto Croce's definition, the notion of expressiveness is restored to Psychoanalysis.

Keywords: dream, symbolic form, meaning, transformation, elaboration


RESUMEN

Este trabajo, basado en la descripción de tres etapas en la elaboración de una situación traumática, se centra en las transformaciones de las formas simbólicas que ocurren a lo largo de ese proceso. Los autores sugieren que estas transformaciones se dan a través del progreso de los aspectos formales del símbolo que incluye, sobre todo, el aspecto expresivo. La noción de "expresividad" es abordada por el psicoanálisis a partir de la definición por Benedetto Croce.

Palabras clave: sueño, forma simbólica, significado, transformación, elaboración


RÉSUMÉ

Ce travail, basé sur la description de trois étapes de l'élaboration d'une situation traumatique, met l'accent sur les processus de transformation symbolique qui se produisent tout au long de ce processus. Les auteurs suggèrent que ces transformations se produisent à travers une progression des aspects formels du symbole dont elle inclut surtout son aspect expressif. La notion d'expressivité est récupérée pour la psychanalyse à partir de sa définition par Benedetto Croce.

Mots-clés: rêve, forme symbolique, sens, transformation, élaboration


 

 

A publicação de "A interpretação dos sonhos" em 1900 marcou a fundação da moderna concepção da mente na história do pensamento. Nele, Freud apresenta sua concepção da mente ou aparelho psíquico como estrutura dinâmica que opera num estado de fluxo constante (Meyer, 2015). Profundamente imerso no espírito do Iluminismo, Freud buscou o significado para a condição humana na própria organização da mente, que descreveu como uma estrutura complexa gerando, por si só, significado fundamentalmente num nível não consciente. Freud descobriu a irracionalidade subjacente ao discurso racional aparente e a racionalidade oculta por trás de manifestações aparentemente irracionais, tais como os sonhos. Com frequência, não se avalia quão revolucionária foi, e, podemos dizer, ainda é, essa maneira de ver a mente humana!

Gostaríamos de investigar uma das várias funções que a mente é capaz de desempenhar enquanto a pessoa dorme, ou seja, de que modo o sonho funciona como uma forma de pensamento inconsciente, um teatro privativo, que gera, equaciona e transforma o significado da vida afetiva, num processo que nos remete à ideia de metabolização, termo este que passamos a utilizar como uma metáfora para esse processo de elaboração mental.

Podemos ver os sonhos de nossos pacientes como que desempenhando o papel de um dramaturgo que traz à luz o teatro privativo da realidade psíquica de cada paciente e mostra a maneira pela qual esta surgiu e tem-se transformado desde a mais tenra infância. A cena dramática expressa desenrola-se num presente absoluto que engloba todas as dimensões do tempo.

Gostaríamos de ilustrar nossas hipóteses sobre como operam as transformações das formas simbólicas em sonhos por meio de um material clínico examinado em detalhes.

Trata-se de um paciente que começou uma reanálise. Durante essa segunda análise recebeu um diagnóstico de câncer que resultou numa depressão grave e o levou à hospitalização psiquiátrica durante um breve período, no qual interrompeu a análise.

O Sr. C. tinha perto de 60 anos. Chegou relatando que, quando criança, sua vida foi marcada por diversas emigrações forçadas por motivos políticos. Sua mãe fora sobrevivente do Holocausto. Seu pai e o restante da família, incluindo um irmão, pereceram em campo de concentração. Depois da primeira emigração, foi obrigado a fazê-lo novamente devido a circunstâncias políticas que puseram sua família novamente em risco.

No quinto ano de análise, dizia sentir-se muito melhor e mais feliz, e não tinha planos de interromper a análise naquele momento.

Subitamente, ao receber o diagnóstico médico de que tinha câncer de próstata, desabou em profunda depressão. Deixou de trabalhar, emudeceu, não se alimentava e refugiou-se em seu quarto no escuro. Passou por uma cirurgia bem-sucedida, mas sua recuperação foi muito difícil. Ficou incontinente por um período, desinteressado em sexo e impotente, acreditando que essas condições fossem definitivas, apesar de os médicos lhe dizerem o contrário. Foi tratado com antidepressivos e estabilizadores de humor, e submetido a cinco sessões de eletroconvulsoterapia. Quatro meses depois da cirurgia decidiu retomar a análise. Ainda estava bastante deprimido, mas já tinha voltado a se comunicar com as pessoas, a sair de casa e a trabalhar.

Ao retornar às suas sessões relatou um sonho:

Estava pilotando um avião, que subitamente sofreu uma avaria num pistão, precisando fazer um pouso de emergência. Mas nenhum aeroporto lhe permitiu aterrissar, pois a aeronave estava matriculada no Burundi, um país considerado selvagem. Todos desprezavam esse país de negros pobres e não civilizados. O avião caiu, mas ele sobreviveu cego e gravemente ferido.

Como o sonho foi contado no fim da sessão, o analista não teve oportunidade de interpretá-lo, sinalizando apenas que se tratava de um sonho prenhe de emoções e que valeria a pena voltar a ele na próxima sessão.

Na sessão seguinte relatou outro sonho.

A Força Aérea de Israel estava bombardeando a central nuclear de Teerã. Ele era um dos pilotos. Seu avião fora atingido, seu avião estava perdendo combustível e a potência dos motores, precisando, em consequência, realizar uma aterrissagem de emergência. [Novamente, como no sonho anterior] não havia aeroportos disponíveis, pois todos eles naquela região estavam localizados em territórios inimigos de Israel.

Diante dos dois sonhos, dizia não ter outras associações, salvo as óbvias: o amarelo dos aviões foi inspirado pelo amarelo da Estrela de David que todos os judeus eram obrigados a usar no período nazista. Burundi era um país inexpressivo, destruído pela guerra, e talvez fosse uma referência a como ele se sentia. E comentou que o céu de Teerã estava cinza, e, como os aviões eram amarelos, tornavam-se alvos fáceis.

O analista salientou que talvez os sonhos realmente tivessem algo a ver com o modo em que ele se sentia naquele momento, isto é, numa situação muito difícil, desamparado, humilhado, discriminado e impotente, temeroso de não sobreviver. Esses sentimentos trouxeram de volta seu passado durante a infância e a adolescência, quando se sentia da mesma forma, e essa ligação reforçou todos os temores atuais.

Diante da falta de reação do paciente, o analista decidiu expandir e ressaltar alguns pontos da sua interpretação. Sugeriu então que o pistão danificado era a representação analógica de sua próstata e seu pênis, que ele sentia terem sido definitivamente danificados, resultando numa aterrisagem desastrosa depois da cirurgia. Em outras palavras, quando ele pôs os pés na terra entrou em contato com o que lhe parecia uma realidade catastrófica, diante da qual sua única proteção seria cegar-se aos seus sentimentos.

Numa sessão posterior C. voltou a comentar seus sonhos e afirmou não acreditar que algo tão concreto e mecânico como um avião e um pistão tivessem qualquer significado à parte daquilo que são. Não achava que essas imagens tivessem algo a ver com ele e pensava que a análise não poderia ajudá-lo nessa situação traumática concreta. Estava impotente, provavelmente prestes a morrer, ou, melhor dizendo, já morto.

O analista sugeriu que seus comentários refletiam o que estava acontecendo agora na sessão, isto é, que ele (C) mantinha uma relação mecânica e concreta consigo próprio e com o problema que o desesperava, pois, vista em sua concretude, sua situação não tinha saída, e por isso se sentia morto.

Nós nos indagamos sobre o que poderia estar acontecendo com esse paciente? Por um lado, este tem certo contato com a situação traumática que o leva a produzir um sonho composto de símbolos sofisticados e metáforas muito apropriadas para entendermos o que se passa com ele. Por outro lado, parece não ter a menor noção da experiência emocional inconsciente associada a essas representações, que parecem congeladas e que estão sendo processadas pelo seu sonho numa tentativa de elaboração.

Gostaríamos de acentuar algo que consideramos novo na forma de abordar símbolos, seja em sonhos ou noutras circunstâncias, ou seja, que não apenas o que a imagem representa é central num sonho, mas também como ela o faz. Estes dois aspectos não funcionam isoladamente e estão em relação dialética, da mesma maneira que os diversos elementos formais constituintes da imagem total. Meyer (2015) é quem descreve elegantemente essa relação entre conteúdo e forma ao dizer que "aquilo que é escolhido pelo sonhador como questão nos informa sobre o foco perceptivo da estrutura psíquica; já a forma expressiva usada para produzi-la nos informa sobre os recursos existentes para produzi-la" (Meyer, 2015, p. 136).

Para ampliar o significado de experiências emocionais é necessário que haja uma progressão no sentido de uma evolução do tipo de representações disponíveis para sonhá-los.

Quando parte das cisões arrefecem e são parcialmente integradas, o paciente passa a produzir em seus sonhos o que denominamos (Rocha Barros, 2000) pictograma afetivo. O termo "pictograma" é definido no dicionário de Paul Robert (1984) como tradução de ideias em cenas figurativas e simbólicas. Usamos pictograma afetivo de um modo semelhante, mas não idêntico, para nos referir a uma forma muito inicial de representação mental de experiências emocionais, fruto da função alfa, que cria símbolos, por meio de figurações, para o pensamento onírico, como base e o primeiro passo para os processos de pensamento. Estritamente falando, porém, pictogramas afetivos ainda não são processos de pensamento, já que, pré-verbais, são expressos em imagens muito condensadas.

No processo de se constituírem e em sua figuração, os pictogramas afetivos contêm potencialmente significados ocultos e ausentes, mantidos em estado de suspensão. Essa ausência de significado não se reduz à ocultação de uma presença. Consiste mais em um estado de suspensão, a referência a uma ausência, a algo que ainda não aconteceu, criando uma descontinuidade, fruto de cisões. Esta ausência contém uma pressão que incita a psique a ampliar seus instrumentos de representação.

Frequentemente esses pictogramas afetivos são evocados na mente do analista via identificação projetiva durante a reverie, antes que constituídos na mente do sonhador.

Resta-nos a questão de tentar explicar como ocorre esse ataque à capacidade de sentir ou de se relacionar com os símbolos nesses sonhos.

 

Discussão inicial: imagens visuais, representação e expressividade

Pensamos que a experiência traumática ou o transbordamento de emoções intensas (excessos de excitação) afeta em primeiro lugar a capacidade de a pessoa reagir aos aspectos expressivos dos símbolos. Estes perdem sua plasticidade ao se despirem de sua capacidade expressiva e, assim, silenciam parte das emoções, isolando o paciente, separando-o dos significados emocionais, como neste caso que estamos discutindo.

Sugerimos que a expressividade do símbolo é que permitirá ou não ao paciente aprender com as experiências emocionais e assim promover transformações semióticas (Salomonsson, 2007, p. 1214). Quando a experiência emocional apresentada mentalmente não se amplia transformando sua base simbólica, a mente fica impedida de pôr em atividade a função continente e, desta forma, metabolizar suas emoções.

A experiência emocional, que o símbolo representa, pode ser apenas parcialmente acessível para a interpretação e para a reflexão do paciente e/ou do analista. Para ser capaz de pensar sobre a experiência emocional, e assim liberar-se de seu significado restrito traumático, limitado a processos denotativos, tal experiência necessita adquirir uma qualidade conotativa, ou seja, ampliar-se. Somente após essa evolução será possível ligar-se a outras experiências que funcionam como disparadores que abrem outras redes afetivas, contribuindo para que o símbolo adquira (ou recupere) seu significado pleno. Nesse momento surge a questão não só de como o paciente ataca a relação com o analista enquanto fonte de significado, mas sobretudo de como essa resposta emocional afeta a própria forma do símbolo, criando assim um círculo vicioso.

Essas situações nos levam à questão de como os símbolos amadurecem ou progridem em sua capacidade de transmitir significado. Langer (1942) responde: "Pela progressão em qualidades formais". A função desta "progressão" é tornar a representação mental simbólica cada vez mais ampla e ao mesmo tempo mais específica, abarcando gradativamente um maior número de redes afetivas relacionadas.

Langer, ao fazer essa proposta, vai inspirar Meltzer (1984), no futuro, quando este sugere que as imagens visuais usadas no trabalho onírico, como resultado da elaboração (transformação), incrementam sua complexidade, sofisticação e nível de abstração, e, desse modo, a transformação ou o crescimento amplia a generalidade da formulação e aumenta igualmente a especificidade de seu uso. À medida que se abrem novas redes emocionais, novas memórias, que antes estavam cindidas ou reprimidas, ficam disponíveis, por meio da evocação, para serem integradas no rio de significados que constitui a vida mental do paciente.

 

Reflexões sobre o problema observado no trabalho clínico

O trabalho psíquico está ativo, ou seja, permanentemente em fluxo na mente do paciente, mas a capacidade de elaborar, tal como podemos observar no espaço privilegiado dos sonhos e de seu contexto associativo, está paralisada. O paciente tem competência emocional para produzir uma simbologia que pode apresentar, mas apenas no sentido de mostrar de modo denotativo a situação que vivencia, com capacidade muito limitada de apreender os aspectos expressivos do que essas situações emocionais compactadas em imagens exemplificam. Como lhes falta capacidade conotativa, elas não evocam emoções em seu criador. Nessas circunstâncias, o simbolismo apresentativo se empobrece ou até fica impedido de migrar para o nível discursivo, devido ao bloqueio da sua função expressiva. Nessas circunstâncias, a integração de partes cindidas do ego também é afetada devido à falta de instrumentos simbólicos para estabelecer comunicação entre as experiências alojadas em cada um deles.

Transformar uma experiência ou qualidade do mundo interno do paciente que é sentida como muito assustadora, e inicialmente inominável, em algo mais amplamente simbolizado permite ao paciente e ao analista nomear e pensar a respeito da experiência, dali em diante.

Ogden observa que:

Sonhar é um processo contínuo que ocorre tanto no sonho quanto na vida inconsciente de vigília. Se a pessoa é incapaz de transformar as impressões sensoriais brutas em elementos inconscientes de experiência, não pode sonhar seja no sono seja na vida inconsciente de vigília. (2004, p. 859)

Acreditamos que Ogden descreva o impacto de situações nas quais o paciente não é capaz de transformar símbolos (em suas qualidades formais) para produzir uma multiplicidade ampla de vínculos pelo estabelecimento de novas conexões entre significados emocionais de experiências cindidas.

Nessas condições o analista, usando a reverie como parte da função psicanalítica de sua personalidade, começa a ocupar virtualmente a função de transformar as experiências emocionais do paciente. Para transformar os sentimentos do paciente projetados nele, o analista trabalha com os sentimentos evocados em sua mente pela identificação projetiva, dando a esses sentimentos uma primeira representação mental, como estados não mentais, algo que Caper (2002) denomina função alfa sintética, ou modificando a representação mental de estados mentais intoleráveis, de maneira que a experiência que recentemente adquiriu representação se torne mais fácil de assimilar pelo aparelho mental, operação denominada por ele função alfa analítica. Nos dois casos o analista está ampliando o aspecto conotativo da experiência emocional evocada em sua mente.

Poder-se-ia dizer então que o que sugerimos neste artigo faz parte, entre outras coisas, de um avanço no estudo do processo de reverie. Juntamente com os autores já mencionados, estamos ainda ressaltando outro aspecto desse processo intrincado e complexo ao associá-lo com as reflexões filosóficas de Susanne Langer sobre a natureza dos processos simbólicos na vida mental. Assim, a reverie se torna, para nós, um campo intenso de comunicação, expressão, construção, reconstrução e, sobretudo, de transformações semióticas.

A pergunta que nos fazemos é se nesses pacientes faltaria certa qualidade na forma simbólica, que seria então mutilada. Noutras palavras, a forma simbólica pode ser produzida pelo paciente sem que ele viva plenamente a experiência emocional que esta expressa. Pensamos que é necessário compreender como os ataques estão interferindo no próprio processo de construção das formas simbólicas.

Essas associações entre redes afetivas incitadas pelas interpretações do analista por meio de sua função conotativa deixam os diferentes níveis de experiências emocionais cindidas sob a mesma cobertura emocional. Ao fazer distintos tipos de sentimentos e de experiências emocionais coabitarem o mesmo espaço mental, criam-se novas possibilidades de relação entre experiências mentais, promovendo assim a expansão da mente e, desta forma, a metabolização das experiências traumáticas.

A integração de partes cindidas cria a possibilidade de um diálogo mais íntimo entre os objetos internos, porque estes se tornam mais permeáveis à experiência emocional (Calich, 2017), produzindo mudanças em seu significado que podem gerar o desdobramento das paixões que dão sentido a nossas vidas e variam no decorrer do tempo.

Nosso material clínico mostra como a integração de partes cindidas ocorre em dois estágios. Numa primeira fase, quando as identificações projetivas diminuem e a memória é ativada por certos sentimentos associados com experiências vividas, as partes cindidas se aproximam. As cisões passam de estáticas a dinâmicas. Num segundo estágio, ocorre integração emocional verdadeira em decorrência da ampliação dos significados conotativos dos símbolos, primeiramente em forma de imagens, que então adquirem expressão verbal.

A forma discursiva simbólica só tem poder de modificar estados mentais se puder criar uma associação íntima entre os aspectos conotativos tanto do simbolismo apresentativo quanto do discursivo (que expande a experiência emocional ao estabelecer novos vínculos emocionais) e dos denotativos (conectados ao mundo do discurso). Ela altera assim as configurações de objeto porque reconfigura núcleos importantes de significado (Green, 1999), e nos põe em contato com períodos remotos de nossas vidas que até então figuraram como modelos para a atribuição de significado a nossas experiências emocionais. Esses núcleos de significado atuam como polos, que, como um ímã, atraem significados.

Nossa tese até aqui é que é por meio da progressão das qualidades formais da representação mental, postas em movimento por meio de símbolos, que as capacidades pensantes da vida afetiva se desenvolvem e se tornam parte do processo do que é metaforicamente chamado metabolização da vida emocional por Bion e outros autores. A metabolização ocorre devido à migração de significado através de diversos níveis de processamento mental.

 

O segundo período da análise do Sr. C: o bloqueio começa a se movimentar

Seguiremos agora um segundo período na análise do paciente, durante o qual começaram a ocorrer mudanças. Poderíamos dizer que ele passou a ter acesso aos aspectos expressivo/conotativos das formas simbólicas em função da ampliação de suas experiências, ocorrida graças às interpretações do analista. Estas trouxeram à tona novas memórias e novas conotações para elas.

Como podemos examinar esse problema com base na perspectiva psicanalítica? Em outras palavras, qual é o papel de expressividade1 no nível não discursivo, sua relação com a discursividade no mundo mental e suas relações com a vida consciente e inconsciente? Deveríamos dizer algo mais a respeito de "expressividade". Esse termo vem de Collingwood (1938) e Croce (1925/2002), e se refere a um aspecto da arte que não só pretende descrever ou representar emoções, mas principalmente transmiti-las, produzindo-as no outro, ou em si próprio, baseado na evocação de uma representação mental colorida pela emoção. Esse atributo de produzir emoção no outro da expressividade nos parece essencial para entender não apenas a arte, como também a memória afetiva e a função das formas simbólicas na vida psíquica, além do processo por meio do qual atuam as identificações projetivas. Uma das funções da expressividade é ativar a imaginação. Possivelmente tanto na psicanálise quanto no processo criativo dos artistas, o caráter expressivo do simbolismo é que desperta nas formas e situações imaginadas uma intensidade de epifania2 ainda maior do que as situações da vida real e, consequentemente, produzem tais mudanças significativas.

Agora gostaríamos de seguir os momentos do desbloqueio do paciente. Para compreender esse desbloqueio é essencial seguir o processo por meio do qual os símbolos usados apenas para representar analogicamente uma experiência inconsciente no sonho evoluem para símbolos que exemplificam, isto é, adquirem a capacidade de exemplificar a essência da experiência representada.

Esse processo passou por diversos estágios. Nós os resumiremos de maneira que possamos pensar a respeito de como funciona o processo de elaboração relativo às qualidades formais dos símbolos que interagem dialeticamente com o conteúdo das emoções sentidas e produzidas.

Esse segundo período durou cerca de seis messes, e durante o qual o analista interpretou de diversos modos o convite que o paciente lhe fazia de isolar-se de seus sentimentos num mundo frio, desolado, sem qualquer possibilidade de comunicação, como ele - paciente - provavelmente se sentia. Às vezes, apareciam conteúdos mais perturbadores, imediatamente evitados pelo paciente.

Nessas situações, o analista interpretava o senso de catástrofe iminente que o Sr. C. parecia sentir em qualquer situação que pudesse produzir ansiedade (ou até que simplesmente o fizesse sentir qualquer coisa), e que era preferível dormir para essas questões a enfrentá-las. Essas interpretações pareciam fazer algum sentido.

Em dado momento, baseado em material e em sua reverie, o analista mudou o foco de suas interpretações, movimento que fez enorme diferença para o desbloqueio do paciente, quando o analista sentiu que o Sr. C. estava mais vivo e até levemente animado.

Como ele interpretou, o paciente parecia mais animado quando transmitia ao analista a parte dele que podia sentir desespero e impotência, e então se regozijava ao observar o analista sofrendo por sentir-se impotente para ajudá-lo. Retrospectivamente, podemos aventar que essa interpretação fez sentido e que esse insight a princípio produziu sentimentos de vergonha e depois de certa culpa. Veremos depois a importância central desses sentimentos de vergonha e de culpa na mudança de sua atitude em relação à análise.

Durante esse período, um amigo íntimo de infância do paciente morreu, o que produziu nele um grande choque. Contou ao analista que essa morte pareceu tê-lo despertado de um longo sono.

 

Terceiro período

Logo depois, ele sonhou que estava brincando com aviões de brinquedo. Era criança. Seu amigo, também criança, estava com ele. Estavam competindo com aviões de papel, e, quando C. estava quase perdendo a competição, o avião do amigo caiu numa poça d'água. O amigo chorou muito. C. fingiu [sic] estar aborrecido, mas lá no fundo, ele contou ao analista, durante o sonho ele sentiu muito prazer em que o avião do outro tivesse sido destruído. De algum modo havia bebês no sonho.

Ele disse que estava chocado e envergonhado quando acordou. Durante a sessão lembrou que o sonho tinha uma segunda parte: a mãe do amigo estava chorando e dizendo que agora a família teria que se mudar. Tudo ocorrera numa parte devastada, desolada, da cidade chamada "zona amarela". Ele se lembrou de um filme em que aparecia Varsóvia bombardeada (imagem de uma cidade vítima dos nazistas), mas poderia ser Berlim (resultado de vingança de parte dos aliados).

O paciente repetiu enfaticamente que acordara sentindo-se ansioso, suando, infeliz, envergonhado e zangado consigo próprio pela atitude imoral em relação ao amigo.

Acreditamos que o fato de ter se sentido envergonhado e depois culpado deu-se pelo prazer de ver seu amigo chorar em razão de o avião de brinquedo ter sido destruído. Essa vergonha na transferência, que surgiu em relação a torturar o analista com a desvitalização de todo o processo analítico atribuindo-lhe uma ausência de sentido, criou paradoxalmente uma atmosfera de intimidade dentro dele. Nossa hipótese é que esses sentimentos de crueldade, de culpa e de vergonha provêm de fontes relacionadas, isto é, de uma parte cindida competitiva e cruel e de uma segunda parte cindida do self que estava traumatizada e frágil, com medo da solidão e do isolamento.

Pensamos que, pela primeira vez em sua vida, ele sentiu e observou sua solidão relacionada à sua crueldade de um ponto de vista adulto, e esses sentimentos foram o gatilho disparador para o início de um processo de luto. Tabbia (2008/2009) sugere que no mundo interno o luto é o passaporte para cruzar as fronteiras entre partes cindidas (p. 6). Diríamos que, a partir desse momento, as partes cindidas começaram a coabitar o mesmo universo emocional, embora ainda fossem mantidas separadas por certo tipo de obstrução. Esse foi o primeiro passo para a integração por meio do estabelecimento do início de intimidade entre aspectos divididos do self. Assim, as cisões estáticas tornaram-se dinâmicas.

O analista mencionou que o paciente sentia ter trazido esse sonho de destruição e devastação da cidade no mundo externo para exprimir seu desânimo com a cidade analítica interna, também arrasada. Essa cidade/mundo interna arrasada deixou-o desolado, solitário e desesperado, já que ele também atribuía ao analista esse estado mental arrasado, ou seja, deprimido. O analista também sugeriu que, apesar disso, os sentimentos de culpa diante de seu amigo no sonho, e que ele também provavelmente sentira acerca da tortura a que submetera o analista, tinham criado certa intimidade e proximidade entre todos eles e também internamente.

 

Seu único comentário foi: "Proximidade, sim!"

O analista então decidiu abordar um novo ângulo da questão que também parecia presente, e que ele considerava a parte mais significativa da interpretação. Disse que esse C. distante, que simplesmente observava, representava uma parte sua que não podia sentir-se responsável pela produção da devastação, que permanecia indiferente à catástrofe objetiva e que provavelmente acreditava só poder ser despertada desse torpor pelos comentários interpretativos sádicos e recriminatórios do analista. O motivo para evitar a responsabilidade por essa destruição relacionava-se ao medo da humilhação e da vergonha se aceitasse que tinha algo a ver com seu estado mental vigente.

O analista por sua vez sentiu que tocara algo importante, mas sentiu-se pouco à vontade, ainda que não conseguisse identificar o quê ou por quê. Sentia que faltava algo: uma peça do quebra-cabeça estava ausente.

Na sessão seguinte, C. disse que pensara nos sonhos anteriores tidos imediatamente após a cirurgia. Relembrou novamente que seu avião de combate abatido no sonho era amarelo e que isso estava associado ao sentimento de medo resultante do antissemitismo, acrescentando em voz baixa: "E às vezes envergonhado por ser judeu". Disse também que essa vivência estava associada com a "zona amarela" da cidade para a qual ele devia se mudar, acrescentando que "zona amarela" parecia a descrição de um estado mental. Comentou que às vezes se sentira envergonhado quando vítima de discriminação e que amarelo era a cor da vergonha.

 

Comentários finais

A morte de seu amigo fez recuperar-se o sentimento de intimidade perdida entre ele e suas experiências emocionais que produziram uma reviravolta significativa na análise e resultaram em maior integração das partes cindidas de seu self. Isso, de nosso ponto de vista, favoreceu o sonho como parte da elaboração que até então encontrara obstáculos em sua capacidade de produzir símbolos mais amplos e a recuperação do poder expressivo/evocativo das representações. Vemos isso ilustrado, em primeiro lugar, no que acontece com a cor amarela e a imagem dos aviões durante os meses de análise.

O paciente também acrescentou que lhe ocorrera algo muito estranho, e ele se sentira profundamente constrangido naquele momento. Ele comentou que não sabia se contara ao analista (na verdade, não contara) que sua mãe, antes de ele nascer, perdera um filho, morto ainda bebê. Alguns anos depois, a mãe lhe relatou que ficara arrasada (segundo ele, a mãe realmente usara essa palavra) na ocasião. Isso acontecera na Europa, e ele acrescentou que, embora nunca tivesse mencionado, ele lembrava vividamente que, quando contara ao analista o diagnóstico de câncer, percebeu, ou suspeitou, que o analista ficara deprimido ao ouvir a notícia de sua doença (esta percepção era correta!). Ele reagiu a essa percepção sentindo ódio intenso do analista, embora soubesse que essa reação era irracional. Esse ódio contribuíra (ou poderia ter sido a causa) para a interrupção da análise na ocasião, porque pensara "de que me serve um analista, se ele estiver tão deprimido quanto eu?" O paciente disse que a "zona amarela" também parecia ter algo a ver com esse estado mental colorido por sentimentos raivosos, e que poderia ser uma referência ao estado depressivo de sua mãe no passado e a seus sentimentos em relação a ela.

A cidade arrasada (gostaríamos de ressaltar que, segundo o paciente, foi esta a palavra usada por sua mãe no passado para descrever seu estado mental após a perda do filho, sendo, portanto, já um elemento discursivo) provavelmente representava sua mãe destruída pela depressão, imersa na "zona amarela'" (estado mental) porque ela perdera seu outro filho, com quem permanecia simbioticamente ligada. Uma crença inconsciente ficou associada a essa percepção-intuição de que o único modo de tirar a mãe desse estado depressivo seria uma pressão cruel para ressuscitá-la. Nesse caso, a ideia de crueldade tem certa importância. Exprimia tanto a raiva de C. da mãe devido a sua atitude distante dele e a estar ligada ao outro filho quanto a crença inconsciente (Britton, 1998) de que só uma dor ainda maior a arrancaria daquele estado mental. Na mente dele havia um misto de desespero e sadismo. Mas essa situação também criou um paradoxo interno, já que a mãe do mundo interno, que ele queria revigorar e recuperar, era percebida como emocionalmente destruída. Um resultado colateral era o enorme sentimento de culpa, que, devido à sua intensidade, não mobilizava movimentos reparatórios, mas a necessidade de cegar-se (de cindir-se da parte da sua mente que sentia emoções).

Quando o paciente recebeu o diagnóstico de câncer, sentiu-se arrasado, e essa situação atuou como gatilho disparador para a identificação projetiva imediata com a mãe, no passado, que também ficara arrasada. Nessa ocasião, o paciente sentiu empatia (Bolognini, 2008), o que incitou um sentimento enorme de culpa, devido ao grande ódio dirigido à mãe. Por um momento, compreendeu e se solidarizou com sua mãe. A culpa foi maior do que ele conseguia tolerar, e, para proteger-se, cegou-se a seus sentimentos. (Do ponto de vista da dinâmica mental, isso significou que, para sobreviver ao acidente, ele precisou cegar-se e tornar-se inatingível.) Por isso o caráter congelado de depressão ao defrontar-se com as interpretações do analista, que não mobilizaram qualquer sentimento nele. Neste caso, temos uma ilustração elegante do que Melanie Klein chamou de "memórias em sentimentos". Inconscientemente, em fantasia, o paciente culpava sua mãe e seu irmão morto (seu rival) por todos os sofrimentos que vivenciou ao mudar para outros países. Isso é indicado pelo fato de a mãe dizer no sonho "Agora vamos ter que mudar novamente" depois que a cidade é arrasada, que o paciente sentiu como um Holocausto e o fez ficar confuso, sem saber se ele produzira o Holocausto e, portanto, se era ou não um nazista, ou se tinha sido vítima. Sua confusão repetiu-se na complexidade das identificações projetivas quando recebeu o diagnóstico de câncer.

 

A cor amarela

A cor amarela inicialmente estava apenas ligada ao judaísmo como símbolo do antissemitismo nazista. Era um símbolo que só funcionava por analogia, com pouco poder de expressão. Durante o processo de elaboração, amarelo foi associado a mudanças em áreas geográficas e, especialmente numa cidade, à devastação, finalmente, a um estado mental, que, como veremos, refere-se tanto ao estado emocional da mãe quanto ao do paciente. Neste caso, podemos seguir com clareza a expansão dos aspectos conotativos do amarelo. Nesse momento, já apreendemos com firmeza o aspecto expressivo-evocativo do símbolo no mundo interno.

Sumarizando:

Inicialmente a cor amarela = judaísmo, depois = estados de espírito dele e da mãe associados à destruição e depressão.

 

O avião

O avião não é mais tão somente o aspecto representativo da potência sexual e emocional afetada. Ele está associado tanto ao ódio do paciente ao estado mental depressivo da mãe quanto à competitividade (uma nova rede ou campo afetivo que se abre) no que se refere ao irmão (o avião abatido agora pertence ao outro), o analista etc. As identificações projetivas às quais as imagens nos remetem são mais numerosas e complexas, e começam a mostrar a confusão (gerada por conflito) sentida pelo paciente a respeito de ser vítima ou perpetrador do processo destrutivo. Em segundo lugar, inclui uma forma (e já evoca emoções e libera novas associações) expressiva com expansão da dimensão conotativa, embora isso ainda não tenha sido feito no nível do simbolismo discursivo, o que só vai acontecer depois das interpretações do analista. Deve-se ressaltar que a reparação só é possível pela integração de partes do self, e para isso se supõe que as partes cindidas e agora unificadas desenvolveram progressivamente uma intimidade entre elas como condição prévia de integração. Isso significa basicamente que redes afetivas previamente cindidas e mantidas separadas na mente do paciente desenvolvem vínculos entre si (devido às similaridades acarretadas pela expansão dos aspectos conotativos do simbolismo usado), e assim começam a habitar o mesmo universo emocional.

Finalmente, uma personalidade harmoniosa mantém-se em contato com seus núcleos de significado de maneira integrada e, desse modo, conserva um contato vivo com sua história emocional. Formulamos a hipótese de que a capacidade de expressividade e, por consequência, o contato com aspectos conotativos mais expandidos das experiências dependem do contato vivo, acima de tudo, com núcleos mais infantis.

Essa ênfase na importância de permanecer em contato com os núcleos infantis do aparelho psíquico requer reflexão. Na criança o mundo inconsciente está menos distante da consciência do que no adulto. A fronteira entre eles é mais fluida. Como o funcionamento inconsciente não é discursivo e está mais baseado no contato intuitivo com a realidade emocional interna, baseada em simbolismo apresentativo e conotativo, que é a forma mais apropriada de conduzir estados mentais e sentimentos, está mais sujeito às ansiedades e às formas expressivas de representação da experiência. Daí o maior poder dramático e evocativo no mundo de emoções que também resulta em maior liberdade de imaginação do ponto de vista consciente e inconsciente. Riccardo Steiner3 considera a função alfa de Bion como uma função semiótica essencial para alimentar a imaginação inconsciente. A perda relativa de contato com a emoção não impede totalmente a geração de sonhos, mas pode tornar difícil a apreensão de emoções transmitidas pelos símbolos, dificultando sua compreensão.

As experiências passadas, ao se transformarem em memórias, ficam encaixadas ou incorporadas numa dimensão virtual de mediação entre nós e os objetos reais (Innis, 2009, p. 63). Essas memórias tornam-se acessíveis por meio de imagens visuais (simbolismo apresentativo) que tendem virtualmente a se tornarem metafóricas. "Visão metafórica", como Langer (1942) a compreende, implica deslocamento semântico do significado do objeto primário. Esse deslocamento está baseado numa "analogia lógica" (Innis, 2009, p. 64).

Ainda a respeito do nível simbólico, diríamos que as lembranças do amigo e das experiências que viveram na infância não ficaram presas a um sentido literal, mas adquiriram um sentido metafórico que produziu, então, a situação do sonho. Langer diz da apresentação simbólica: "A mente humana em todos os níveis e em todos os estados de consciência tem obsessão de encontrar o simbolismo apropriado para conceber todas as dimensões da sua existência..." (1942, citada por Innis, 2009, p. 66).

Durante esse terceiro período, as imagens do avião em dificuldades, o irmão morto e a cor amarela reapareceram, acompanhadas por novas imagens, ou seja, bebês, cidades arrasadas, antissemitismo, referências à necessidade de mudar de um lado para outro da cidade. As redes afetivas evocadas e mobilizadas são mais amplas e mais coloridas emocionalmente, em outras palavras, constituem o que chamamos progressão em suas qualidades formais.

Ainda que as imagens sejam as mesmas, agora têm maior poder evocativo-expressivo, isto é, comunicam mais sentimentos aos interlocutores. Não apenas representam (inicialmente por meio de sua forma apresentativa) uma experiência e/ou uma situação passada, mas também apreendem e comunicam algo por meio de sua expressividade. Isto se dá pela recuperação de seus aspectos conotativos. Essa expressividade expandida está presente nas qualidades formais do símbolo, e do ponto de vista psicanalítico podemos dizer que produzirá mudanças na natureza da identificação projetiva que o paciente usa. Essa identificação projetiva não estava mais a serviço da evacuação de sentimentos. Assim, adquire a possibilidade de pôr em palavras essas experiências, sem perder seu significado implícito.

Os bebês no sonho representavam tanto a criança desamparada quanto o irmão morto (vítima aleatória do nazismo ou exterminada por ele em sua fantasia inconsciente) e aparecem associados tanto à devastação das cidades quanto ao estado mental da mãe. Isso apreende o conjunto total de sentimentos presentes no passado e intimamente associados uns aos outros, e de novo evocados no presente. Talvez por esse mesmo motivo, os sentimentos atuam como moldes ou modelos que atribuem significado ao que acontece no presente, bloqueando assim a possibilidade de o paciente discernir entre o que realmente ocorreu no passado e em que medida o presente repete essa situação. Um dos motivos para a manutenção do congelamento do estado mental é que sentimentos de culpa intensos impediram a ocorrência do processo de luto.

Somente quando se construíram esses elos é que a depressão começou a ser elaborada pelo luto e finalmente a diminuir, fazendo surgir um estado mental mais reflexivo, produzindo maior proximidade emocional com sua família, especialmente com seus filhos. Pela primeira vez, ele sentiu falta genuína da mãe. É comovente observar que, após esse terceiro período, o paciente organizou uma viagem para seu país natal com toda a família, num estado de espírito que poderíamos paradoxalmente chamar melancolia feliz.

 

Referências

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Recebido em: 13/9/2017
Aceito em: 4/10/2017

 

 

1 A conexão entre conhecimento intuitivo, ou expressão, e conhecimento intelectual, ou conceituação, entre arte e ciência, poesia e prosa, só pode ser expressa falando-se de uma conexão entre os dois níveis. O primeiro nível é expressão, o segundo, o conceitual: o primeiro pode existir sem o segundo; o segundo não pode existir sem o primeiro. Há poesia sem prosa, mas não há prosa sem poesia. A expressão é, de fato, a primeira afirmação da atividade humana. A poesia é "a língua materna da espécie humana" (Croce, 1925/2002, p. 29).
2 O termo "epifania" é usado para significar uma percepção ou manifestação essencial da natureza ou de um significado por meio de intuição repentina que é ao mesmo tempo simples e chocante.
3 Steiner (2009). Comunicação pessoal.

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