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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.50 no.93 São Paulo dic. 2017

 

TRADUÇÃO

 

Sobre a admissão no Instituto1

 

On the admission to the Institute

 

Sobre la admisión en el Instituto

 

A propos de l' admission à l'Institut

 

 

Marcelo N. Viñar

Membro titular da Associação Psicanalítica do Uruguai APU. Montevidéu. maren@chasque.apc.org

 

 


RESUMO

O autor faz reflexões sobre a difícil tarefa de escolher os candidatos à formação analítica. Compara as diferenças entre os critérios que são utilizados habitualmente nas outras profissões, e as peculiaridades requeridas pela atividade psicanalítica. Supõe estar na raiz de um psicanalista a curiosidade, a capacidade de reconhecer a singularidade, de promover a diversidade e o interesse legítimo pela alteridade, além da capacidade de não se sentir o dono do saber. Julga que os critérios válidos para a aceitação ou reprovação do postulante devem passar por tempo de análise, história de vida, itinerários, como situa o interesse pela análise, o que atrai no trabalho do analista e trajetória acadêmica. Postula que a idade desejável para ingressar na formação não deve exceder os 30 anos. Salienta que no grupo uruguaio a instituição se responsabiliza apenas pela duração no tempo e frequência semanal das sessões. Aponta para a necessidade de nos enriquecermos com a diferença dos candidatos, e de não nos concentrarmos em critérios rígidos.

Palavras-chave: formação analítica, escolha de candidatos, critérios de seleção, dificuldades na admissão, número de entrevistadores


ABSTRACT

The author reflects on the hard task of choosing the applicants for psychoanalytic training. He distinguishes between the criteria that are usually applied in other professions and the peculiar requirements of the psychoanalytic activity. The author supposes that a psychoanalyst should be based on curiosity, ability to identify singularity, ability to promote diversity and legitimate interest in alterity, besides the ability not to feel themselves to be the owners of knowledge. The author considers that the valid criteria for either approval or rejection should include hours of analysis, history of life, itineraries, how the candidates place their interest in analysis, what attracts them in the psychoanalytic work, and their academic path. The author postulates that the desirable age for a candidate to start the training should not be over 30 years old. He emphasizes that, in the Uruguayan group, the institution is responsible for nothing else but the duration in time and the weekly frequency of sessions. He highlights that, instead of being attached to rigid criteria, we must enrich ourselves with the differences between the applicants.

Keywords: psychoanalytic training, choice of applicants, criteria of selection, difficulties in admission, number of interviewers


RESUMEN

El autor hace algunas reflexiones sobre la difícil tarea de seleccionar candidatos para la formación analítica. Compara las diferencias entre los criterios de selección que son utilizados habitualmente en otras profesiones y señala las peculiaridades requeridas por la actividad psicoanalítica. Destaca algunas características que son básicas para un psicoanalista: la curiosidad, la capacidad de reconocer la singularidad, de promover la diversidad y el interés legítimo por la alteridad, además de la capacidad de no sentirse el dueño del saber. Considera que los criterios para la aprobación o no de un postulante deben pasar por el tiempo de análisis, su historia de vida, su trayectoria, la manera como el candidato sitúa su interés por el psicoanálisis, que es lo que lo atrae en el trabajo del analista y cual es su trayectoria académica. Desde el punto de vista del autor, la edad deseable para iniciar la formación no debería exceder los 30 años. Señala que el grupo uruguayo, la institución se responsabiliza sólo por la duración en el tiempo y por la frecuencia semanal de las sesiones. Destaca la necesidad de enriquecernos con la diferencia de los candidatos y de no concentrarnos en criterios rígidos.

Palabras clave: formación analítica, selección de candidatos, criterios de selección, dificultades en la selección, número de entrevistadores


RÉSUMÉ

L'auteur fait des réflexions concernant la tâche difficile de choisir les candidats à la formation analytique. Il compare les différences entre les critères employés habituellement dans d'autres professions et les spécificités qui caractérisent l'activité psychanalytique. Il suppose que dans la racine d'un psychanalyste se trouve la curiosité, la capacité de reconnaître la singularité, de promouvoir la diversité et l'intérêt légitime pour l'altérité, outre la capacité de ne pas prétendre posséder la vérité. Il juge que les critères valables pour l'acceptation ou la réprobation du postulant doivent être liés à la durée de son analyse, à son histoire de vie, à ses itinéraires, à comme celui-ci situe l'intérêt pour l'analyse, ce qui l'attire davantage vers le travail de l'analyste et vers la trajectoire académique. Il postule que l'âge optimal pour entrer dans la formation ne doit pas excéder les trente ans. Il met en relief que dans le groupe uruguayen l'institution n'est responsable que par la durée au long du temps et la fréquence hebdomadaire des séances. Il signale le besoin de l'enrichissement par la différence des candidats et de ne pas se concentrer sur des critères rigides.

Mots-clés: formation analytique, choix de candidats, critères de sélection, difficultés d'admission, nombre d'examinateurs


 

 

1. Para abordar esse tema, quero começar com a conhecida piada de Groucho Marx: "Ao mesmo tempo que apresento minha solicitação, devo apresentar também minha renúncia, porque não quero pertencer a um clube que admite pessoas como eu". É uma piada, mas nem tanto: é o defeito e não a virtude o que nos leva a procurar análise, é a neurose e não nossas qualidades acadêmicas o que faz com que a seleção para ser analista não tenha o mesmo fundamento que a seleção para ser gerente de empresa ou piloto de linha aérea.

Em outras profissões, o critério de qualidade, competência e eficiência é básico, em nossa profissão, o fundamento é paradoxal, contraditório. Isto é o corolário ou a consequência da noção freudiana de sintoma: antes de Freud, em medicina e psiquiatria, considerava-se que o sintoma era só dano, falha ou prejuízo. A compreensão freudiana de conflito psíquico situa o sintoma na convergência da patologia e a criatividade. O melhor e o pior de cada ser humano manifesta-se, em sua singularidade, na zona do sintoma, como confluência entre padecimento e capacidade sublimatória.

2. Quando estava começando a pensar neste tema, uma lembrança da adolescência vinha insistentemente à minha mente: na época do colegial, surgia a pergunta virginal (que vinha tanto de fora, dos outros, como de dentro, da cogitação interior): que é que você pensa em fazer? A que é que você vai se dedicar? Pergunta inquietante e ao mesmo tempo feliz, própria de um tempo próspero, de uma infância de classe média modesta, mas burguesa, com expectativas intelectuais e de mobilidade social, privilégio perdido para os pobres, mas agora também perdido para nossos filhos, os filhos dos ricos, numa atualidade tumultuosa, na qual já não é mais possível pensar em vocações a longo prazo, como acontecia em nosso tempo.

A que você vai se dedicar? Lembro, também, as aulas, conferências ou consultas de orientação vocacional. Mas o que me interessa aqui é a lembrança insistente de um diálogo comigo mesmo, que surgia não sei quando nem por quê, em que me perguntava: por que as pessoas choram? Por que as pessoas riem? Suponho que foi nesse momento que, sem sabê-lo, escolhi ser psicanalista... Constituição de um objeto de curiosidade, de enigma, de exploração, que suponho estar na raiz, ou na matriz, do que chamamos de vocação. Falo dessa lembrança, embora possa parecer autorreferente (a vocação sempre o é), porque é um dos primeiros pilares conscientes que reconheço em minha vocação de psicanalista e porque, a meu ver, esse tipo de lembrança funciona como um ímã muito poderoso que usamos, posteriormente, nas entrevistas de admissão ao Instituto.

A particularidade de centrar o interesse e a curiosidade num objeto e não em outro é o que chamamos de disposição vocacional. Embora a pergunta e a resposta sejam banais, a intensidade (überdeutlich, hipernítido) é o que a destaca em sua qualidade distintiva. Para o analista, esse interesse atento pelo que o outro é e o que lhe ocorre parece-me o núcleo central. Vocação de serviço, que deverá ser domesticada e modelada durante a formação, explorando as raízes ambivalentes do altruísmo.

3. A piada de Groucho Marx nos põe na trilha da origem do movimento psicanalítico. Um começo (como aprendemos com Freud, todo começo pode superar-se, mas deixa marcas) em que apenas a percepção do professor já era considerado um critério suficiente: o analista, aquele que sabia, Freud, o primeiro, decretava as admissões e as exclusões. Essa genealogia de um saber (Foucault), saber histórico, é diferente de formular o problema em termos de categorias, de saber positivo, supostamente objetivo ou empírico, em que as pautas de admissão são discerníveis da subjetividade de quem julga.

Somos herdeiros do bom e do terrível dessa tradição. Da pujança da instituição analítica, mas também de suas rupturas e cismas, suas sequelas de rivalidade e ódio, de rancores e suicídios. O livro de Roustang Un destin si funeste é uma testemunha eloquente. A opinião de que aquele que sabe, como salvaguarda de pureza e tradição, pode escorregar, e muitas vezes o faz, para a arbitrariedade e o abuso. Se os reis (ou os didatas) fossem bons - dizem alguns -, a monarquia seria um bom sistema. Mas não somos bons, somos humanos, e o elixir do poder inebria e perturba. Além disso, os papéis fixos, e o caminho de mão única em que uns são os que mandam e outros os que aprendem e obedecem, parecem-me ineficazes e tediosos. Também não acredito no oposto, na absoluta simetria entre mestre e aluno. Encontrar a forma de lidar com as diferenças entre aquele que ensina e aquele que aprende faz parte do problema que nos convoca. Porque esse olhar especular ou mimetismo, essa vocação de contemplação, é distante da declarada vocação da psicanálise de reconhecer a singularidade, de promover a diversidade e legitimar a alteridade. Não reconhecê-la acaba sendo como um abraço mortífero que conduz a uma uniformidade empobrecedora, ou até se transforma no abraço sufocante de uma mãe possessiva. Se há alguém livre de pecado, que lance a primeira pedra.

4a. Cada sociedade ou grupo psicanalítico, com mais ou menos consciência crítica das dificuldades do problema da admissão, deve reconhecer, de modo explícito e transparente, os critérios de admissão, inventar os procedimentos e criar seu próprio sistema de seleção.

Fica tudo submetido a critérios e caprichos pessoais de cada entrevistador? Deve-se discutir, grupal e societariamente, a difícil conciliação entre a coerência do procedimento e do critério e a exigência de diversidade e singularidade nas respostas de entrevistados e entrevistadores?

4b. Gostaria de focar, agora, o problema do estabelecimento de critérios, pautas ou requisitos para argumentar sobre a aceitação ou reprovação do postulante. Não cabe dúvida de que, se não o fizermos, tudo ficaria sujeito à convicção pessoal, e sabemos que, dessa maneira, em nome do bem, incorre-se em excessos e arbitrariedades. O contrário disso seria preparar a entrevista como se fosse para tirar a carteira de motorista, na qual as respostas corretas estão estipuladas com antecedência.

É melhor fixar pautas genéricas, territórios privilegiados para serem explorados:

• Tempo de análise;

• História de vida, itinerários;

• Onde e como situa seu interesse pela psicanálise;

• Que é o que o atrai e que é o que rechaça no trabalho do analista;

• Trajetória acadêmica.

Eu me contento com o postulante ter uma opinião sobre algumas dessas questões, que a sustente numa argumentação pessoal e possa evitar parcialmente os estereótipos imitativos.

Acho que hipertrofiar as dificuldades de ingresso está levando à situação indesejável e constatável de que ingressam homens e mulheres próximos aos 40 anos. Postulo que a idade desejável para propiciar o ingresso não deve exceder os 30 anos de idade.

Quem toma a decisão final: uma pessoa, um grupo, um tribunal? Como se fundamenta a aceitação ou a reprovação? Adotando critérios de normalidade e saúde mental? Ou somente excluindo patologias graves de desorganização do pensamento e consciência moral (isso que chamamos de neuroses duais, psicoses, patologias narcísicas, psico e sociopatologias)?

5. Desde a reforma de 1974, o grupo uruguaio tem tomado algumas decisões drásticas:

5a. Liberar a análise pessoal do candidato (analista e analisando) de toda responsabilidade institucional, salvo a duração no tempo e a frequência semanal das sessões, que é o único aspecto (explícito) em que a abstinência e a privacidade não são respeitadas.

5b. Delegar a função de admissão a um grupo (comissão) amplo, rotativo, heterogêneo quanto a idade, gênero, orientação ou preferência teórica e antiguidade de seus integrantes na instituição.

O fundamento dessa forma de proceder é favorecer a pluralidade, procurar impedir a constituição de hegemonias tribais e/ou de orientação teórica, tipo conselho de anciãos.

5c. Aumentar o número de entrevistadores para cada postulante: dois entrevistadores, nos casos claros, e três, nos casos duvidosos, dando plena liberdade ao entrevistador para determinar - segundo seu estilo - o repertório de perguntas, o número e a duração das entrevistas.

5d. Os entrevistadores comunicam ao grupo que faz parte do processo seletivo suas impressões e resultados, e estes são confirmados ou retificados pela comissão em sua totalidade.

Quanto ao conteúdo das entrevistas, corre-se o risco ou a tentação de criar um clichê ou uma receita que apague a diversidade. Existe uma tendência inevitável a incorrer numa uniformização tendenciosa, que é preciso sacudir de tempos em tempos.

5e. Em minha experiência, alguns postulantes vão à entrevista como se fossem para uma sessão: dispostos a fazer associação livre e com uma atitude regressiva. Isto é frequente e, a meu ver, surpreendente e totalmente fora de lugar. Outros postulantes organizam de modo obsessivo ou criativo uma narrativa sobre sua vida pessoal e familiar, outros a direcionam relatando o percurso de tratamentos, grupos de formação teóricos e clínicos, antecedentes acadêmicos etc.

E só um reduzido terceiro grupo, uns poucos postulantes, centra-se no desejo de realizar um projeto e uma vocação. O que poderíamos considerar, pretensiosamente, como dar conta de um projeto e de um desejo, cada um à sua maneira. Que se espera da entrevista de seleção ao Instituto? O que podemos esperar e exigir por um direito legítimo? Devemos ter pretensões indulgentes, ou severas? Vamos descartar só patologias severas ou estamos procurando excelências? E, neste último caso, que grau e que nível de excelências?

Não são problemas fáceis de discernir (no nível pessoal e no coletivo) e de resolver com certa homogeneidade e coerência sob o ponto de vista grupal. E também não se resolvem de uma vez para sempre. No Uruguai, temos adotado um método artesanal de encarar o problema ano após ano, com pessoas novas, comissões parcialmente renovadas, para evitar soluções burocráticas e fórmulas ocas. De fato, o processo configura uma entrevista permanente que tem não só a finalidade expressa de selecionar candidatos e regulamentar admissões, mas também a finalidade de gerar uma discussão viva e aberta entre pares, que abra e aponte conflitos, e até mesmo verdadeiros desacordos, entre os entrevistadores e que, ao mesmo tempo, permita chegar a insights com relação aos pontos cegos de cada entrevistador na entrevista, pontos tendenciosos, que valorizam excessivamente algum traço ou mostrem algum defeito. Esse caráter poroso da pluralidade grupal, com a aceitação da diversidade de estilos, aponta não a homogeneidade, mas a possibilidade de enriquecer-nos com as diferenças.

6. Uma utopia que procuramos e raramente alcançamos é que o postulante consiga dar conta na entrevista de um momento de sua experiência de análise no qual tenha surgido sua produção inconsciente. Mas propor isso como uma ordem ou exigência básica pode ser uma meta inalcançável e levar a artifícios grosseiros.

Mais do que temos pensado, temos aprendido com a experiência que a discussão e a elaboração de critérios compartilhados sobre aspectos ou facetas que devem ser avaliados têm a vantagem de impor limites à obstinação e aos excessos solipsistas, em que todos podem incorrer. Mas a invenção de critérios pode-se transformar num clichê de receitas a imitar e a estereotipia pode predominar sobre o enunciado singular e personalizado. Cuidado! Não devemos procurar a originalidade da obra de arte, simplesmente devemos assumir um modo pessoal, artesanal, de posicionar-nos perante a vocação, de dizer algo sobre os atrativos e as misérias de um ofício, sobre suas esperanças e limitações.

7. Houve uma época de ouro em que falsas vocações podiam forjar-se com a promessa do sucesso: o analista opulento e confortavelmente situado, com sucesso e dinheiro. Para o bem ou para o mal, essa época está extinta, e às vocações de hoje lhes toca um caminho muito mais áspero e adverso, não só nas condições materiais e financeiras do exercício da profissão, mas também porque a mudança cultural e civilizatória do século XXI obrigará a reformular alguns fundamentos da teoria e da prática psicanalítica.

 

 

Tradução de Ana Rivarolla
1 Apresentado no XXIV Congresso Latinoamericano de Psicanálise, Federação Psicanalítica de América latina (Fepal), setembro 2002.

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