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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.51 no.94 São Paulo Jan./June 2018

 

PESQUISA PSICANALÍTICA

 

Psicanálise e comunidade face-a-face com os "fantasmas": favorecendo a intimidade por meio do trabalho clínico com pais e filhos1

 

Psychoanalysis and the community face to face with the "ghosts": favoring intimacy through parents and child clinical work

 

Psicoanálisis y comunidade cara a cara con los "fantasmas": favoreciendo la intimidad por medio del trabajo clínico con padres y niños

 

Psychanalyse et la communauté face à face avec les "fantômes": favoriser l'intimité à travers le travail clinique avec les parents et les enfants

 

 

Mariângela Mendes de AlmeidaI; Stephania A. R. Batista GeraldiniII

IMembro filiado ao Instituto de Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP. Psicóloga Clínica. Mestra pela Tavistock Clinic e University of East London, Coordenadora do Núcleo de Atendimento a Pais e Bebês no Setor de Saúde Mental, Depto. de Pediatria, unifesp. Membro da Clínica 0-3 da SBPSP. São Paulo. mamendesa@hotmail.com
IIMembro filiado ao Instituto "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP. Membro da Clínica 0-3 dessa mesma Sociedade. Psicóloga Clínica. Doutoranda pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – ipusp. Mestre pela The Tavistock and Portman nhs Foundation Trust and University of East London. São Paulo. stebatistag@usp.br

 

 


RESUMO

Neste artigo, pretendemos nos posicionar face a face com alguns "fantasmas" presentes tanto nas relações iniciais pais-criança, quanto na teoria e prática clínica da psicanálise. Apresentaremos algumas vinhetas, incluindo transcrição de vídeos gravados durante sessões de intervenção na relação inicial pais-bebê/criança pequena, que serão discutidas com o intuito de ilustrarmos a possibilidade de se favorecer a intimidade no trabalho clínico e propiciar diálogos afinados entre psicanálise e serviços oferecidos à comunidade.

Palavras-chave:intimidade, psicanálise, comunidade, relação pais-bebê/criança, transgeracionalidade


ABSTRACT

In this paper we intend to place ourselves face to face with some "ghosts", both in parents-child early relationships and in psychoanalytic approach as clinical practice and conceptual framework. Vignettes including transcriptions of video material of early intervention will be shown and discussed, illustrating the possibility of favoring intimacy in clinical work and attuned dialogues between psychoanalysis and services within the community.

Keywords: intimacy, psychoanalysis, community, parents-child relationship, transgenerationality


RESUMEN

En este artículo, pretendemos ponernos cara a cara con algunos "fantasmas" presentes tanto en las relaciones iniciales padres-niños, como en la teoría y práctica clínica del psicoanálisis. Presentaremos algunas viñetas, incluyendo transcripción de videos grabados durante sesiones de intervención en la relación inicial padres-bebé/niño pequeño, que serán discutidas con el propósito de ilustrar la posibilidad de favorecer la intimidad en el trabajo clínico y favorecer diálogos afinados entre psicoanálisis y servicios ofrecidos a la comunidad.

Palabras clave: intimidad, psicoanálisis, comunidad, relación padres-niños, transgeneracionalidad


RÉSUMÉ

Dans cet article, nous avons l'intention de nous placer face à face avec certains "fantômes" présents dans les relations initiales parents-enfant et dans la théorie et la pratique clinique de la psychanalyse. Nous présenterons quelques vignettes, dont la transcription de vidéos enregistrées lors de séances d'intervention dans la relation parents-bébé/bambin, qui seront discutées afin d'illustrer la possibilité de favoriser l'intimité dans le travail clinique et favoriser les dialogues affinés entre psychanalyse et services offerts à la communauté.

Mots-clés: intimité, psychanalyse, communauté, relation parents-enfant, transgénérationnalité


 

 

Introdução: localizando os fantasmas no campo psicanalítico

Helen, mãe de Léo, na época com 3 anos de idade, o filmava com seu celular. Ele se aproxima dela e parece se queixar de algo. De repente, ouvimos a voz desesperada de Helen, como se estivesse em intenso sofrimento, recla mando de um suposto ataque de seu filho. O celular parece ter caído e a cena fica trêmula, até que a imagem fica completamente conturbada e escurecida. Os gritos continuam... ecoando e ecoando... A atmosfera sugere uma terrível agonia – nossa associação nos conduziu às imagens do filme A bruxa de Blair, em que os protagonistas, a visão da câmera e o espectador são levados a se as sustar juntos, na presença do sinistro. A reação da mãe sugere o pavor de uma proximidade física "invasiva e invasora", e o "confronto" parece já aí presente como substituto para possíveis elementos de continência psíquica. O que pode ter ocorrido no âmbito relacional com esses pais e criança, quanto às modalidades de expressão e comunicação de suas necessidades interpessoais? Que fantasmas estariam assombrando essa relação? (Vídeo doméstico assistido por nós durante uma das sessões de intervenção psicanalítica nas relações iniciais)

A psicanálise, assim como o desenvolvimento humano e a vida cotidiana, cresce e é construída no encontro íntimo entre áreas da consciência e áreas primitivas em que ainda estão por se construir pensamento e simbolização. Assim, nossa capacidade de pensar é constantemente desafiada a integrar evidência clínica e obscuridade, competências e vulnerabilidades. O trabalho psicanalítico, ao longo de anos de experiência clínica, tem construído um significativo conjunto de conceitos teóricos com base em inúmeras mentes que trabalham numa rede interconectada dentro dos nossos grupos de referência e nossos institutos de formação e entidades, canais pelos quais compartilhamos e publicamos ideias.

O cerne da abordagem psicanalítica tem enfrentado momentos de mudanças criativas em relação a seus métodos e ferramentas, decorrentes de nossa própria prática e intimidade com nossos pacientes em diversos campos. Muitos conceitos psicanalíticos e ferramentas clínicas alcançaram seu potencial após emergirem de desconforto e turbulência, vivenciados no âmago das relações analíticas provocados por algo previamente visto como "arriscado" ou "impensável", revelando sua relevância metapsicológica no próprio processo psicanalítico e encontrando um lugar de utilidade dinâmica dentro da estrutura conceitual mais ampla. Esta tem sido a "história" de conceitos clínicos como transferência, contratransferência, enactment, bem como de ideias a respeito da análise com crianças, do acesso a áreas internas além da neurose, de processos projetivos, como comunicações iniciais necessárias, da intimidade entre trabalho com pais e análise com criança, da possibilidade de trabalhar com bebês e estados primitivos da mente, para citar alguns exemplos. Expansões e desenvolvimentos da abordagem e da técnica nos permitiram trabalhar além da relação analítica com um paciente no consultório, para abranger casais, famílias, a tríade pais-bebês/crianças pequenas, grupos, instituições e serviços da comunidade, pesquisa e investigação, sempre mantendo o foco na intimidade e relações emocionais, considerando processos inconscientes em um campo transferencial. Isso mostra como a psicanálise, como um corpo conceitual dinâmico, produz suas mudanças com base em seus próprios diálogos internos; em outras palavras, o que ela propõe ao paciente é experimentado no interior dela própria, psicanálise, e de cada processo psicanalítico.

Dentro desse contexto e ao longo desses desenvolvimentos, poderíamos pensar essas áreas de resistência inicial para a própria psicanálise como "impensabilidade", obscuridade, evitação e terrores sem nome (como diria Bion, 1962), como "fantasmas" que após serem enfrentados e reconhecidos podem oferecer aspectos relevantes e úteis para serem considerados e integrados. O que é sentido como demonstrando fragilidade pode ser, na verdade, um elemento de autoidentidade genuína e força psíquica interna.

Dentro da nossa formação psicanalítica e do trabalho com crianças e famílias, pais e bebês, de intervenção e detecção de vulnerabilidade psíquica nas relações iniciais, trabalho com crianças com autismo e bebês em risco, na clínica privada e dentro de instituições que oferecem serviços à comunidade, também ligadas a universidades e pesquisas, em nosso país e no exterior, temos ficado frente a frente com o retorno de "fantasmas" arcaicos, que são reativados como: isso é realmente psicanálise? a psicanálise pode trabalhar com crianças? o que a observação infantil psicanalítica tem para ensinar a um analista? o que a psicanálise pode fazer com o autismo? como podemos trabalhar psicanaliticamente dentro de uma instituição? como podemos oferecer tratamento psicanalítico para a comunidade em serviços institucionais? o que a psicanálise tem a ver com a pesquisa? qual espaço podemos construir dentro da nossa formação e em instituições de trabalho, para compartilhar nossas tentativas de diálogo sobre essas questões? como podemos construir um vínculo genuíno entre a psicanálise e outras disciplinas?

Agora, pretendemos ficar frente a frente de alguns desses "fantasmas", convidando o leitor a compartilhar conosco essa intimidade, por meio de vinhetas clínicas. Algumas delas foram transcritas com base em extratos de vídeos gravados pelas famílias ou por nós, durante as sessões com pais e bebês/criança pequena, e que são utilizados para fins pedagógicos e terapêuticos. Os vídeos representam outra área de potencial resistência psicanalítica e uma modalidade polêmica de intimidade para o material clínico, que têm se mostrado extremamente úteis se considerarmos a filmagem como uma ampliação do nosso olhar analítico por meio da microscopia intersubjetiva e uma ferramenta sensível para ampliar nossa oportunidade de pensar juntos, reunindo diferentes perspectivas entre os coterapeutas, em grupos de discussão clínica e equipes transdisciplinares. Os vídeos, nessas situações de intervenção nas relações iniciais, permitem que o pensamento psicanalítico integre, continuamente, modos sensoriais de apreensão, identificando fatos selecionados e os apresentando em redes de sentidos (Mendes de Almeida, Marconato & Silva, 2004; Tucket, 1994), condensando material em estado bruto, primitivo, comunicado por meio da relação pais-bebê em interação com o analista.

 

Encarando os fantasmas no trabalho de intervenção psicanalítica na relação inicial mãe-bebê: favorecendo a intimidade na relação pais-criança

A psicanalista americana Selma Fraiberg foi uma das pioneiras ao propor intervenções nas relações iniciais, o que decorreu do seu trabalho psicanalítico nos serviços à comunidade. Em sua preciosa contribuição Ghosts in the nursery (1975), ela identifica fantasmas intergeracionais e transgeracionais como visitantes de um passado indesejado, conteúdos não digeridos interferindo na possibilidade de se relacionar com o bebê "real", quando o "bebê imaginário" das expectativas pré-conscientes dos pais e, principalmente, o "bebê fantasmático" dos mandatos transgeracionais inconscientes, ocupam o espaço emocional dos pais com o filho (Lebovici, 1983).

Um modelo para se pensar nessa questão pode ser o da hora de dormir. Muitas crianças são, constantemente, "protegidas" do sono, pois ele pode despertar medos em relação a perda e separação, trazendo de volta à vida fantasmas a respeito da morte e solidão, "na criança que existe dentro dos pais": o bebê adormecido pode lembrar imobilidade e falta de vida, e os pais podem ser imobilizados por medos primitivos, enraizados em sua própria história de dolorosas angústias de separação, verificando se ele está respirando enquanto dorme, ou respondendo a qualquer desconforto alimentando o bebê quando este acorda durante a noite.

No entanto, desafiando os mandatos transgeracionais, Fraiberg também oferece uma perspectiva alternativa: "História não é destino..." E isso pode ser mudado por um campo continente para o próprio bebê e para os aspectos internos infantis dos seus pais.

Para Breno, de 4 anos, o "Monstro do Beleléu" vai pegar tudo o que não está no lugar certo: ele também teme a separação e a falta de controle. O bebê prematuro, Tom, evita olhar e comer, como uma possível proteção contra a ansiedade dos pais na tentativa de ajudá-lo a se desenvolver e evitar um temido risco de morte. Ele se esforça para encontrar a distância certa no envolvimento emocional, olhando para o rosto de sua mãe apenas quando se mantém distante dela. Um outro garotinho, que ainda não tolera a separação, pressiona constantemente o dedo no umbigo de sua mãe, estabelecendo com ela uma conexão simbiótica.

Dentro de um ambulatório de saúde mental em contexto pediátrico (Unifesp/Hospital São Paulo), recepção interessante para aqueles que nos são encaminhados antes mesmo de encararmos o ameaçador fantasma cristalizado, trabalhamos com uma menina muito sensível, pré-diagnosticada como autista, que mantinha entretanto, suas portas abertas para relacionamentos afetuosos. Ao testemunharmos o terror da herdada sombra da loucura familiar, por meio da história de seu jovem e comprometido tio, que tinha dois filhos com diagnóstico de transtorno do espectro do autismo, tentamos olhar para as áreas saudáveis do desenvolvimento de Liza e da relação pais-filhos, recebendo e compreendendo os relatórios "profissionais", que os pais traziam de forma autística e "autistificante", mas também cuidando para evitar o risco de aplicarmos um mecânico "check list".

Com Martin, que vem com seus pais e irmão gêmeo para as sessões de intervenção nas relações iniciais, acompanhamos a preocupação dos pais em contexto de inseminação artificial, em que o pai, médico, se apresenta como tendo "esperma fraco". "Eu deixei dois embriões, então, pelo menos, se algo der errado com um deles, o outro pode cuidar dele..." O seguro de vida de Martin foi feito assim que os profissionais pensaram no diagnóstico de autismo, quando os gêmeos estavam com 1 ano e 8 meses. A comparação constante entre os gêmeos destaca Martin como vulnerável e passivo, enquanto seu irmão é sempre visto como esperto e ativo. Ficamos surpresos com a grande cisão entre saúde e doença que impedia que esse menino menos ativo e esses pais sensíveis e feridos pudessem se engajar numa relação comum de troca.

 

Encarando o fantasma do autismo: Leo – permitindo a intimidade em meio ao medo da violência, na intervenção psicanalítica pais-criança

Apresentaremos aqui algumas vinhetas clínicas curtas, transcritas de vídeos que, como uma prática em nossa Clínica 0-3, no Centro de Atendimento Psicanalítico da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e como uma prática transgeracional herdada do trabalho com Serge Lebovici e seu grupo de consulta terapêutica (além das experiências de S. Crammer e das interessantes explorações clínicas de D. Stern, que analisava cena por cena, focando as interações), são regularmente compartilhados em nossa discussão mensal, como um método para melhorar nosso olhar e conjecturas psicanalíticas. Essa prática, totalmente autorizada pelas famílias via termo de consentimento, também tem sido muito útil no Núcleo de Atendimento a Pais-Bebês/Unifesp, quando discutimos nossas intervenções com residentes em pediatria e psicólogos em pós-graduação, e utilizada em projetos de pesquisa na Universidade de São Paulo, envolvendo profissionais de psicologia.

Apesar de nossa prática e dos benefícios experimentados em nossas discussões, que permitem à microscopia emergir a partir de narrativas condensadas e vivas a respeito da relação pais-bebê/criança pequena, nos vemos, com frequência, diante de questionamentos sobre o vídeo, como se ele fosse um "fantasma" intrusivo no trabalho e na discussão clínica em grupo. Seria o vídeo sentido aqui como um "fantasma" nas discussões psicanalíticas? Ele representa uma área de resistência, um tabu contemporâneo?

Quando Leo, 4 anos, e seus pais vêm de uma pequena cidade, na zona rural, que fica em outro estado do país, a quatro horas de distância da Clínica 0-3, do Centro de Atendimento Psicanalítico, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), eles estão preocupados com o risco de um desenvolvimento autístico. Leo é apresentado como muito agitado, agressivo com os colegas e com hábitos ritualísticos. Em um dos vídeos domésticos, vemos Leo quando bebê, parecendo sério e concentrado em observar o ambiente ao seu redor. Ele não mostra dificuldades para se relacionar com o outro, estabelecendo uma interação face a face. Nós o vemos mais tarde, quando ele tinha por volta de 1 ano e 6 meses, procurando ativamente estabelecer contato com o pai, mas tendo que recorrer a solicitações físicas para chegar perto dele, o "agarrando" de todas as formas possíveis, o puxando pelas costas, puxando seu cabelo... A proximidade física e o confronto aparecem como um substituto para a continência psíquica. O que pode ter acontecido com suas modalidades de relação e modulação de necessidades interpessoais?

Há um dossiê inteiro com pequenos trechos que foram filmados e selecionados pela família, mostrando Leo, ao longo do seu desenvolvimento, como uma criança nervosa, desafiando os cuidados parentais.

Nessa mesma época, quando ainda era bebê, Leo brincava com animais em frente a uma grande TV, os enfileirando, cena que foi incessantemente filmada por sua mãe como prova da sua organização ritualística. Essa brincadeira, porém, nos pareceu uma tentativa de ordenar sentimentos desenfreados – quais sentimentos? Dos pais ou de Leo? Ou de ambos? Ele, na verdade, pegava muitos animais de plástico e os colocava juntos, sem se manifestar verbalmente, mas não de uma forma mecânica. Ele formava pares, pequenos grupos familiares, sugerindo interação entre os animais. Também, nos pareceu que ele não demonstrou nenhuma atração pelo brilho, som ou movimento unidimensional e sensorial da grande tela da TV, mas pareceu preferir o envolvimento lúdico com os pequenos animais.

Em nosso trabalho com Leo e sua família, tentamos desconstruir o risco de se aplicar uma lista de verificação de sinais atípicos para delimitar e definir uma rota diagnóstica fechada de um quadro autístico instalado.

Embora Leo seja apresentado como nervoso, agressivo e com hábitos ritualísticos, podemos ver, desde a primeira sessão conjunta, que ele também manifesta outros aspectos – os "lados" de Leo, ludicamente demonstrados e tomados como repertório conjunto em nossas conversas. Somos apresentados aos dois "lados" de Leo, quando ele brinca dentro da casa de bonecas, construindo e falando de um lado da casa que é uma bagunça e de outro lado, onde tudo tem o seu lugar. Ele gosta de ajudar a mãe em casa e brincar com sua irmã, alguns anos mais velha que ele, enquanto o pai dirige os tratores da fazenda.

Nessa sessão, uma pequena boneca é lançada com vigor para detrás da casa e lá deixada. Haveria aspectos que precisavam ser ocultados e deixados para trás?

Desde a primeira sessão a mãe indica que teve dificuldades com o seu próprio pai, muito zangado e violento. Ela sente que seu marido é quieto demais e teme haver algo a respeito de sua família que ele não compartilha, que ele mantém para si mesmo e não permite que ela saiba. Parece que ela sente que pode haver segredos na vida familiar de seu marido, já que ele não fala muito sobre seu passado. Ele é, de fato, bastante tranquilo, mas se mostra carinhoso com as crianças. Quais são os possíveis fantasmas com os quais eles parecem conviver?

Leo, em nossa quarta sessão, traz de volta a questão de seus "dois lados", identificando seu lado "bravo" com o boneco vovô. Então, conversamos com os pais sobre o medo de erupções de raiva, de violência e conteúdos inesperados e assustadores. O aspecto infantil "menina dentro da mãe" parece ser tocado e mobilizado pelas associações que construímos juntos na sessão, decorrentes do brincar de Leo.

Conversando com profissionais da cidade da família, com o intuito de construirmos uma rede de serviços terapêuticos que poderia continuar após nossa intervenção, aprendemos que essa pequena cidade tem uma "tradição" de doenças por conta de casamentos cruzados. Ao falar com a psiquiatra que tem medicado Leo, devido à agressividade e agitação, somos transportadas para uma atmosfera fantasmagórica, de um ambiente comunitário de cegueira/surdez/deficiências em que vagam personagens perturbados e em que se continua reproduzindo loucura e dificuldades para ver e pensar. Uma configuração semelhante ocupa realidades internas, projeções nas relações familiares e ambiente externo coletivo na comunidade mais ampla. A psiquiatra também menciona que o pai foi diagnosticado com autismo, que acreditamos ser consequência de uma necessidade de se identificar sinais de retirada social e encontrar nomes para "fantasmas" assustadores.

Conforme começamos a reconhecer algumas dessas questões nas sessões de intervenção e a abrir espaços para lados diferentes de cada membro, todos parecem menos ansiosos, e Leo é sentido como menos perturbado, menos agressivo e mais fácil de se lidar.

Leo aparece como um menininho curioso e construtivo, o pai como participante e carinhoso, e a mãe como alguém que não precisa ser sempre a vítima da raiva e violência.

Como parte do nosso trabalho psicanalítico, nós também abordamos as questões comunitárias. A produção sem fim de doenças mentais, sugerida na conversa telefônica com a psiquiatra local, também encontra uma expressão social e política na triste realidade de produzir declarações médicas com diagnóstico dentro do espectro do autismo, para se conseguir apoio educacional e recurso para o transporte, serviços que não estariam disponíveis para casos menos graves. É também nosso papel discutir com os profissionais a perversão da necessidade de manter o rótulo diagnóstico para sustentar benefícios assistenciais políticos.

História, nesse caso, pode realmente não ser destino – como fala Selma Fraiberg em 1975, ao apontar para os fantasmas no quarto do bebê. A psicanálise é mostrada aqui em sua relevância no trabalho com o mundo interno da criança, a criança interna dos pais, as relações na família e a rede profissional diante de fantasmas comunitários, familiares e relacionados à saúde psíquica, especialmente no campo do autismo.

 

Trabalhando com famílias de crianças com autismo: encarando o fantasma do autismo e favorecendo a intimidade entre pais e crianças com base na psicanálise e na pesquisa na comunidade

Recentemente um importante campo de pesquisa foi desenvolvido, propondo investigação e oferecendo intervenções nas relações iniciais para famílias que têm uma criança com autismo, visando proporcionar uma história diferente para irmãos mais novos, considerando tendências epigenéticas, plasticidade neuronal, impacto nos pais e na família ao se relacionarem com uma criança com autismo.2 Dentro dessa investigação maior, de pós-doutorado, surgiu a pesquisa de doutorado "Você me abre os braços e a gente faz um país: um trabalho de intervenção nas relações iniciais mãe-bebê, para o desenvolvimento da parentalidade de mulheres migrantes, mães de um bebê e de uma criança com autismo".3

Ambos os estudos fazem parte do programa de Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (ipusp) e se baseiam na teoria psicanalítica para discutir os resultados encontrados com base em um campo específico.

O campo da pesquisa de doutorado foi desenvolvido em Centros de Apoio Psicossocial Infantil das cidades de São Paulo e Guarulhos. Fizeram parte dela mulheres migrantes, bolivianas e brasileiras, tendo um filho com diagnóstico de autismo e um bebê de até 24 meses. Foram propostos 12 encontros – um por semana – para cada díade. Estes eram realizados nos próprios equipamentos de saúde, com a presença da pesquisadora, terapeuta principal, e de uma coterapeuta, que também realizava as filmagens – todas as intervenções foram gravadas. Uma caixa de brinquedos foi oferecida e foi pedido à mãe que interagisse com o bebê como fazia usualmente e ficasse à vontade para falar o que lhe viesse à cabeça. O objetivo era compreender como as mães migrantes lidavam com a dupla vulnerabilidade – ser migrante e ter um filho com autismo – quando se tornavam mães novamente, ou seja, como se dava a construção da sua parentalidade.

Vamos apresentar brevemente a história de Nina e Daniel, bem como a de Julia e João. Por meio das duas vinhetas seguintes, podemos ver que, no caso de Julia, o "fantasma" do autismo do filho mais velho estava interferindo em seu relacionamento com seu bebê, João. No caso de Nina, a vulnerabilidade de ser uma imigrante era mais evidente que o autismo do filho mais velho. Nina precisou ganhar voz, o que parece ter lhe levado a sentir como tendo um lugar ao qual pertencesse – o nosso setting – e, com isso, pôde expressar as suas angústias em relação ao desenvolvimento dos seus filhos.

 

Nina e Daniel

Eu estou cansada. Tenho que cozinhar, arrumar a casa e cuidar das crianças, enquanto o meu marido, cunhadas e irmã costuram. Só que se eu dou bronca nos meus sobrinhos, a minha cunhada não gosta. Ela já brigou comigo e puxou o meu cabelo. O meu marido Humberto não fez nada (chora). Aos finais de semana ele e nosso filho mais velho Rafael saem, e eu arrumo a casa, faço almoço, dou comida para os cachorros e cuido do bebê Daniel. Quando meu marido fica em casa, eu preciso sair com Rafael, que quer passear. Quando a gente casou, um dia meu marido saiu, e, quando eu percebi, já fazia tempo que ele estava na rua. Eu achei que ele ia me avisar, mas ele avisou à irmã dele. A gente morava com ela. Eu chorei e chorei. Sinto muita falta do meu país. Quero voltar para lá, mas Humberto fala que lá não está do jeito que eu imagino.

Nina, mãe de Daniel, 7 meses, e Rafael, 5 anos, era casada com Humberto. Ela tinha 34 anos e nasceu na Bolívia, numa cidadezinha rural, da qual nunca disse o nome. Estava no Brasil havia sete anos e veio em busca de melhores condições financeiras para viver. Aqui ela conheceu Humberto, numa empresa de confecção de roupas, e logo começaram a namorar. Após oito meses ela engravidou de Rafael, que foi diagnosticado com autismo quando estava com 3 anos.

Ela era muito tímida e falava baixinho. Parecia desconfiada e amedrontada. Quando terminou o segundo grau, se viu uma ativista política em seu país. Nina parecia não ser a mesma mulher que agora estava ali, na minha frente. Ela nunca mais foi à Bolívia, apesar de desejar. Sempre se lembrava do sabor e cheiro da comida da sua mãe.

Daniel era um bebê risonho, gordinho, bem branquinho e com os cabelos espetados. Ele chorava se não estivesse perto da mãe. Raramente me olhava. Apelidei-o de "o explorador", como o menino do filme O menino do pijama listrado, já que ele gostava de engatinhar pela sala, abrindo e fechando as portas dos armários, rodando as rodas do grande trem de madeira e abrindo e fechando a tampa da nossa caixa de brinquedos. Nunca elegeu um brinquedo sequer para brincar. Ele, muitas vezes, voltava para o colo da mãe após explorar a sala, ganhava um beijo dela e ia explorar novamente.

Sentia que Nina era quase inacessível, principalmente para mim, mas cogitei se ela também era distante em relação ao seu bebê. Falava pouco e não dava continuidade ao que eu falava. Um dia, perguntei para ela como se falava uma determinada palavra em espanhol, e ela me respondeu sorrindo. Percebi que era assim que eu podia entrar em contato com ela e acessá-la. Nina passou a me contar do seu dia a dia, das suas dores e dos seus sentimentos.

Pude entender a sua solidão. Emprestei-lhe a minha mente, ao dividir os meus pensamentos com ela, para que se sentisse acolhida, como se eu a segurasse em meu colo, servindo-lhe de holding (Winnicott, 1987/2002). Ouvi as suas palavras e lhe devolvi de uma maneira continente, metabolizada. Entendi que, na busca do seu sonho, ela também esperava encontrar um marido, mas não parecia ter encontrado um. Estava tão grudada nisso, que parecia esquecer-se de Daniel, como eu. De explorador, ele passou a ser o garoto que saía facilmente de cena. Nina também tentou, no início, sair de cena com o seu silêncio. Passei a me preocupar com o desenvolvimento de Daniel. Ele não balbuciava, facilmente começava a chorar, continuava sem se interessar pelos brinquedos etc. Será que ele sentia viver um desencontro com a mãe, assim como ela parecia viver isso em relação a Humberto?

Essa intervenção durou 13 encontros. Em pouquíssimos momentos Nina trouxe uma preocupação com o desenvolvimento de Daniel. Não pude trabalhar isso mais profundamente com ela, pois ela parecia, primeiro, precisar de alguém que lhe abrisse os braços para que desenvolvesse um senso de pertencimento e encontro. Também, não trouxe nenhuma preocupação com as dificuldades autísticas do filho mais velho. A minha função ali foi permitir que a mãe se sentisse pertencente a um lugar, servindo-lhe de holding (Winnicott, 1987/2002) e emprestando-lhe a minha rêverie (Bion, 1962). Conforme conversávamos sobre a suas lembranças, o seu passado, pudemos construir pontes até o presente e o aqui e agora. Também, falei pelo bebê, com o objetivo de proporcionar um encontro entre mãe e filho.

Passando para o segundo caso...

 

Julia e João

Eu não planejei engravidar novamente. Foi muito sofrido quando eu perdi o meu primeiro bebê, e eu estou muito cansada por conta do Paulo. Ele não fica quieto, repete as mesmas coisas e não me deixa. Eu tenho muito medo que aconteça o mesmo com o João.

Julia era uma mulher triste, preocupada e irritada. Apesar de nova, 35 anos, ela sofreu muito para ter os seus filhos e já tinha experiência dolorida de sobra. Ela morava com o marido, João, e Paulo, o filho mais velho, de 8 anos, e com autismo grave. Tinha uma irmã e dois irmãos. Todos moravam distante da sua casa, mas eles sempre se visitavam. A família do marido morava perto. A sua mãe era viva e morava com um dos seus irmãos, mas o seu pai já tinha falecido, bem como uma de suas cunhadas e uma sobrinha, ambas com câncer. João era um menino falante, mesmo com a pouca idade, 3 meses, risonho e de olhar vivo. Eles compareceram a 10 encontros de intervenção.

Julia planejou ter o primeiro filho, mas ele nasceu morto depois de um parto muito difícil, quando ela mesma quase morreu. Posteriormente, ela engravidou de Paulo. Este nasceu e, em seguida, quase morreu. Pouco tempo depois, descobriram que ele tinha um problema no coração e que poderia viver muito bem a vida inteira ou morrer a qualquer momento. Ela não queria mais engravidar, tomava pílula, mas veio João.

Desde a primeira intervenção, vimos que Julia o amamenta e o chacoalha. Logo ele devolvia todo o leite que havia mamado. Será que ela queria mantê-lo vivo? Ela falava o quanto Paulo estava difícil, batendo nas pessoas na rua, e o quanto ela ficava irritada com isso, sem saber mais o que fazer. Ela já tinha tentado de tudo e andava descrente de todos os tratamentos. João sorria, jogava o corpo para trás e se balançava. O que ele queria dizer? Perguntamos à Julia.

Falamos para mãe e filho sobre o quanto ele, João, estava vivo e bem. Contamos para ele como a mamãe tinha medo de perdê-lo, pois ela já havia perdido muitas pessoas importantes na vida, e o quanto sabíamos que ele tentava mostrar para ela que se desenvolvia a cada dia, que queria conhecer o mundo e parecia sentir todo o amor que ela tinha para lhe dar. Julia se emocionou ao nos ouvir. Parecia que ela não podia ver as competências do filho, pois estava traumatizada com as perdas e doença do filho mais velho. Contou que sabia que João era diferente de Paulo, mas temia que logo ele viesse a desenvolver alguma doença. Ficava em pânico e sempre corria para o médico com a mínima bolinha na pele do seu bebê.

Oferecemos um espaço para Julia em que ela pudesse falar, falar e falar. Olhamos e conversamos muito com João, no intuito de oferecermos a ela, mãe, um modelo para que pudesse enxergar o filho que estava à sua frente e não só os fantasmas do passado. Pensamos junto com ela. Aos poucos ela pareceu se acalmar e passou a arriscar a sair mais de casa e deixar João com a babá.

Com essa intervenção, enriquecemos as possibilidades de que Julia passasse a ver as competências de João e estabelecesse uma relação com ele, elaborasse seus sentimentos relacionados às perdas anteriores e ao sofrimento por conta da condição de seu filho mais velho. Ela passou a encarar os seus fantasmas e a olhar para João de outra forma.

 

Favorecendo a intimidade entre a experiência clínica, a teoria e a pesquisa no contexto comunitário: desafiando os fantasmas da cisão, do preconceito e permitindo novos caminhos na formação analítica, promovendo a integração da aprendizagem

A comunicação do trabalho psicanalítico realizado na comunidade pode enriquecer analistas em formação, bem como outros profissionais, ampliando o escopo de nossa experiência de aprendizagem e prática, e propondo reflexões a respeito do alcance potencial de nossas ferramentas clínicas e conceituais. Pode nos ajudar a integrar nossa formação analítica ao trabalho cotidiano não apenas na prática privada, mas também com o pensamento psicanalítico em relação aos recursos usados nas instituições, que podem ter um impacto mais amplo nos serviços de saúde oferecidos à comunidade.

A integração da teoria conceitual e da experiência clínica pode permitir a reflexão sobre ferramentas psicanalíticas que fornecem acesso a mundos internos ou formas internas de funcionamento para pensar sobre contextos relacionais sociais, institucionais e de grupo. A discussão de ilustrações clínicas a respeito do início da vida mental em crianças pequenas e pais expande nossa visão do cuidado parental e das competências infantis, enfatizando como a vida transgeracional primitiva emerge nas relações do dia a dia.

Ao reunirmos aqui alguns programas comunitários e de pesquisa, e seus possíveis efeitos na vida familiar e nas relações entre pais e filhos, esperamos ter promovido a reflexão sobre nossa própria experiência e expandido o escopo dos serviços analíticos para a comunidade, dentro e fora das Sociedades Psicanalíticas com as quais estamos engajados no que diz respeito à formação. Também, esperamos ter expandido o conhecimento clínico e a reflexão sobre o impacto inconsciente para a vida familiar diária, sobre como a psicanálise pode contribuir em projetos de extensão dentro da comunidade. Registrar, articular e apresentar essa prática, mesmo que no presente momento ela seja muito mais parte de nossos grupos de trabalho do que de nossas atividades de formação psicanalítica oficial, nos dá a oportunidade de aprofundar a questão de favorecer a intimidade na experiência clínica e entre a psicanálise e o trabalho dentro da comunidade.

Esperamos que as vinhetas clínicas, incluindo transcrições de cenas de vídeos, possam ter enriquecido o equilíbrio e a articulação entre teoria e prática clínica, com base no efeito evocativo do material escolhido. Essas trocas sobre experiências, possivelmente paralelas entre os diferentes grupos de colegas em formação e profissionais, podem ser uma tentativa enriquecedora, para ser multiplicada.

Demonstrar o alcance e o potencial do breve trabalho psicanalítico com pais e bebês pode ajudar não apenas analistas em formação, mas também analistas que já finalizaram a formação oficial, a reconhecer aspectos infantis em seus pacientes adultos e identificar aspectos primitivos em pacientes neuróticos. Recursos clínicos como estes exemplificados aqui pelos casos, com suas vinhetas e discussões, podem melhorar a qualidade do nosso trabalho com uma variedade de pacientes – bebês, crianças, adolescentes ou adultos – e também podem contribuir com uma abordagem relacional das famílias na prática privada ou na comunidade.

Intervenções breves nas relações iniciais, com pais, bebês e crianças pequenas, desenvolvimentos aplicados e participação em projetos de pesquisa, aliados à consistente formação que temos em nossas sociedades, podem representar uma ampliação do potencial alcance da psicanálise para a melhoria da qualidade do cuidado e disseminação de ideias psicanalíticas, impactando na comunidade e nas políticas de saúde.

 

Considerações finais: favorecendo a intimidade entre a psicanálise e a comunidade. O trabalho com pais-bebê/criança pequena como um modelo inspirador

Ao falar sobre o trabalho com pais e crianças, somos lembrados dos atributos dos papéis parentais nas relações entre eles, como descreveram Meltzer e Harris (1986): gerar amor, conter angústias depressivas, promover a esperança e permitir que o pensar se desenvolva.

Oferecer um trabalho psicanalítico implica oferecer esses recursos para os indivíduos, famílias, para as relações e para a comunidade, como demonstramos aqui.

Gostaríamos de enfatizar a necessidade de comunicar e experimentar juntos o modo de pensar psicanalítico com outros profissionais dentro dos serviços comunitários e ambientes de extensão, universidades, hospitais, espaços de saúde e educação. A psicanálise desenvolveu uma valiosa intimidade com a promoção da saúde por meio da ênfase que dá aos movimentos emocionais e relacionais, seu olhar para camadas subjetivas subjacentes de fenômenos (inconsciente e não integrado, de conteúdo primitivo) e, acima de tudo, por meio da disponibilidade para estar em contato com nossos próprios espaços internos de ressonância, como uma forma de se conectar, compreender e sintonizar com o indivíduo, as famílias e os grupos com os quais estamos trabalhando. Também, temos muito a aprender sobre como nos comunicar com outras disciplinas, encontrando áreas de interesses mútuos e trocas genuínas sem perder nossas especificidades.

"Contato face a face", alternância de turnos, regulação da distância, empatia e discriminação, sintonia, desenvolvimento de um senso de agência, investimento no outro como sujeito, engajamento do outro na relação: estes são alguns dos principais elementos fundantes, que permitem o desenvolvimento da intimidade entre os parceiros nas relações entre pais e filhos. Acreditamos que, em termos metafóricos, todos esses ingredientes microscópicos podem ocorrer ou não em trocas em nossa vida profissional cotidiana, com as famílias com quem trabalhamos e com outros colegas ou profissionais com os quais nos comunicamos.

Nesse contexto, quando enfrentamos diferentes realidades, podemos nos retirar do contato, em busca de conchas protetoras, longe de nossos "fantasmas", ou podemos permitir que a psicanálise desenvolva diálogos íntimos e amplie seu lugar no mundo contemporâneo.

 

Referências

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Fraiberg, S. et al. (1975). Ghosts in the nursery: a psychoanalytical approach to impaired infant-mother relationships. In S. Fraiberg, Clinical studies in child mental health. London: Tavistock.         [ Links ]

Lebovici, S. & Stoleru, S. (1983). La mère, le nourisson et le psychoanalyst, les interactions prècoces. Paris: Le Centurion.         [ Links ]

Meltzer, D. & Harris, M. (1986). Studies in extended metapsychology. Perthshire: Clunie Press.         [ Links ]

Mendes de Almeida, M., Marconatto, M., & Silva, M. C. P. (2004). Clusters of meanings: live evidence within clinical work with parents and infants. Paper apresentado na Tavistock Clinic Conference: Pathways to Change. Revista Brasileira de Psicanálise, 38(3),637-648.         [ Links ]

Stern, D. (1977). The first relationship: infant and mother. Cambridge, MA: Harvard University Press.         [ Links ]

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Winnicott, D. W. (2002). Os bebês e suas mães (2a. Ed.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1987)        [ Links ]

 

 

Recebido em: 9/4/2018
Aceito em: 22/5/2018

 

 

1 Trabalho premiado como Runner Up do Tyson Prize, no 50º Congresso da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), Buenos Aires, 2017.
2 Pesquisa de pós-doutorado de Julia Durand, com coordenação do Professor Rogério Lerner, intitulada – "Vulnerabilidade de pais e irmãos de crianças com transtorno do espectro autista". Tratou-se de um ensaio clínico, com grupos caso e contraste. Investigou se existia alguma diferença entre mães e bebês que possuem um irmão com autismo – em relação a saúde mental da mãe, desenvolvimento do bebê e interação entre eles – em comparação com mães e bebês que têm um irmão com desenvolvimento típico. Apoio FAPESP.
3 Pesquisa de doutorado de Stephania A. R. Batista Geraldini, com orientação do Professor Rogério Lerner. Apoio CAPES.

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