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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.51 no.94 São Paulo jan./jun. 2018

 

ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS FILIADOS

 

Projeto AMF na Universidade Pública: uma breve notícia

 

AMF Project at the Public University: a brief News

 

Proyecto AMF en la universidad pública: una breve noticia

 

Projet AMF à l'Université Publique: une brève nouvelle

 

 

Walter José Martins Migliorini

Membro filiado ao Instituto "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), docente e supervisor do Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada Dra. Betti Katzenstein, da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Assis (SP). São Paulo. wjm.migliorini@icloud.com

 

 


RESUMO

Apresentação do Projeto AMF na Universidade Pública, parceria criada em 2017, entre a Associação de Membros Filiados (AMF) e o Serviço-Escola do Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada Dra. Betti Katzenstein (CPPA)/Universidade Estadual Paulista (UNESP). O CPPA é referência no atendimento público e gratuito em diversas frentes de atuação em saúde mental, na região de Assis-SP. Se, de um lado, o acesso ao conhecimento psicanalítico pode ser enriquecedor para estagiários de psicologia clínica, de outro, vários membros filiados possuem experiência e interesse em atividades acadêmicas. Dessa conjunção, surgiu a proposta de que, a cada mês, um membro filiado coordenasse, junto ao Serviço-Escola, uma oficina clínica e uma discussão teórico-temática. Em uma avaliação informal, o trabalho contribuiu com a formação científica dos estudantes e, possivelmente, repercutiu em suas práticas atendendo a população de baixa renda. Também pôs em pauta o papel que o exercício de transmissão da psicanálise tem na própria formação dos membros filiados.

Palavras-chave: serviços de saúde mental, psicanálise, educação


ABSTRACT

Presentation of the AMF Project at the Public University, a partnership created in 2017, between the Association of Affiliated Members (AMF) and the Service-School of the Center for Research and Applied Psychology Dra. Betti Katzenstein (CPPA)/Universidade Estadual Paulista (UNESP). The CPPA is a reference in public and free care on several fronts of action in Mental Health, in the region of Assis (S)P. If, on the one hand, access to psychoanalytic knowledge can be enriching for clinical psychology trainees, on the other, several affiliated members have experience and interest in academic activities. From this conjunction, the proposal arose that, every month, a member affiliate would coordinate, together with the School Service, a clinical workshop and a thematic theoretical discussion. In an informal assessment, the work contributed to the scientific training of the students and, possibly, reverberated on their practices among the low-income population. It also set forth the role that the exercise of transmission of psychoanalysis has in the very formation of the affiliated members.

Keywords: mental health services, psychoanalysis, education


RESUMEN

Presentación del Proyecto AMF en la Universidad Pública, asociación creada en 2017, entre la Asociación de Miembros Afiliados (AMF) y el Servicio-Escuela del Centro de Investigación y Psicología Aplicada Dra. Betti Katzenstein (CPPA)/Universidad Estadual Paulista (UNESP). El CPPA es referencia en la atención pública y gratuita en diversas frentes de actuación en Salud Mental, en la región de Assis (SP). Si, por un lado, el acceso al conocimiento psicoanalítico puede ser enriquecedor para estudiantes de psicología clínica; de otro, varios membros afiliados poseen experiencia e interés en actividades académicas. De esa conjunción surgió la propuesta de que, cada mês, un membro afiliado coordinasse, junto al Servicio-Escuela, un taller clínico y una discusión teórica temática. En una evaluación informal, el trabajo contribuyó con la formación científica de los estudiantes y, posiblemente, repercutió en sus prácticas junto a la población de baja renda. También puso en pauta el papel que el ejercicio de transmisión del psicoanálisis tiene en la propia formación de los membros afiliados.

Palabras clave: servicios de salud mental, psicoanálisis, educación


RÉSUMÉ

Présentation du Projet AMF à l'Université Publique, partenariat créé en 2017, entre l'Association des Membres Affiliés (AMF) et l'École-Service du Centre de Recherche et de Psychologie Appliquée Dra. Betti Katzenstein (CPPA)/Universidade Estadual Paulista (UNESP). L'CPPA est une référence en matière de soins publics et gratuits sur plusieurs fronts d'action en Santé Mentale, dans la région d'Assis (SP). Si, d'une part, l'accès aux connaissances psychanalytiques peut enrichir les stagiaires en psychologie clinique, d'autre part, plusieurs membres affiliés ont de l'expérience et de l'intérêt pour les activités académiques. À partir de cette conjonction, il a été proposé que, chaque mois, un membre affilié coordonne, avec le Service Scolaire, un atelier clinique et une discussion thématique théorique. Dans une évaluation informelle, le travail a contribué à la formation scientifique des étudiants et, éventuellement, aux répercussions sur leurs pratiques au sein de la population à faible revenu. Il expose également le rôle que l'exercice de la transmission de la psychanalyse a dans la formation même des membres affiliés.

Mots-clés: services de santé mentale, psychanalyse, éducation


 

 

Introdução

O objetivo dessa comunicação é apresentar o Projeto AMF na Universidade Pública, criado em 2017 em uma experiência de parceria e de interlocução entre a Associação de Membros Filiados (AMF) / Centro de Estudos de Psicanálise "Luiz Vizzoni" e o Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada "Dra. Betti Katzenstein" (CPPA) / Universidade Estadual Paulista (UNESP), com o apoio da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Em um número do Jornal de Psicanálise dedicado à pesquisa vem a propósito abordar essa experiência recente envolvendo os nossos colegas membros filiados e estudantes de um curso de graduação em Psicologia iniciando os seus primeiros atendimentos clínicos em Serviço-Escola.

 

Contextualização

O curso de graduação em Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (fcl/Unesp), desde sua criação em 1966, foi uma espécie de reduto da psicanálise no interior do estado de São Paulo, que ali floresceu durante anos. Foi o terceiro curso de Psicologia do estado de São Paulo, nascido em um clima de "pioneirismo bandeirante" (Justo, 2012), quatro anos depois da legislação que criou os cursos de Psicologia. A partir da década de 2010, o acento da formação acadêmica se dividiu entre duas perspectivas, ou ênfases curriculares: a clínica e a saúde coletiva. Os supervisores de estágios profissionalizantes do Departamento de Psicologia Clínica se separaram, segundo essa lógica, das ênfases curriculares, que pouco dialogavam. Por sua vez, os estudantes de quarto ano passaram a optar por uma delas, definindo, assim – para seu prejuízo –, a tônica de sua formação. Essas mudanças retratavam também uma tensão institucional sobre o lugar do modelo de atendimento psicoterápico individual, que sofreu uma espécie de desprestígio no curso, e, particularmente, a abordagem psicanalítica. Na atualidade, esse cenário de mudança do lugar da clínica parece ser um fenômeno mais geral nos cursos de Psicologia e mereceria um estudo à parte.

De qualquer modo, a procura dos estudantes por estágios na área clínica sempre foi acentuada, e a maioria deles continua realizando suas primeiras experiências de atendimento psicoterápico no Serviço-Escola, que foi criado, inicialmente, como uma clínica destinada a dar suporte aos estágios curriculares profissionalizantes obrigatórios do curso de Psicologia da fcl/Unesp de Assis.1 Desde sua criação em 1969, a clínica se tornou referência no atendimento público e gratuito em saúde mental, e suas ações hoje se estenderam – além dos atendimentos clínicos de rotina – à prestação de serviços ao Poder Judiciário, secretarias municipais, escolas públicas e privadas, ambulatórios de saúde mental, Programa Saúde da Família (psf), Hospital Regional de Assis, Santa Casa de Misericórdia de Assis e Unidades Básicas de Saúde de Assis. A população atendida é oriunda de Assis e de 17 municípios circunvizinhos, em uma abrangência de, aproximadamente, 350 mil habitantes. Anualmente, os estagiários do Serviço-Escola2 realizam uma média de 10 mil sessões de atendimentos clínicos. E uma das solicitações frequentes de uma parte representativa desses estudantes é por acesso ao conhecimento teórico e ao exercício clínico – continuados – em psicanálise, visando se prepararem para as diversas frentes de atuação no serviço público em saúde mental.

 

Parceria

Em contrapartida, durante a formação psicanalítica, se observa que muitos membros filiados não só possuem anos de experiência clínica e de estudos teóricos, como também têm disponibilidade e interesse em participar de atividades acadêmicas. Com base nessa conjunção e no apoio fundamental da diretoria da AMF, nasceu a parceria necessária para a criação do projeto AMF na Universidade Pública. A proposta original consistiu na criação de duas atividades voltadas para alunos do curso de graduação em Psicologia, que realizavam seus atendimentos clínicos no Serviço-Escola: Oficinas Clínicas e Discussões Teóricas Temáticas. A equipe de trabalho foi composta por (1) um membro filiado, coordenador local/supervisor responsável pelo Serviço-Escola, (2) dois coordenadores membros associados e (3) uma psicóloga responsável pelo apoio logístico.Um convite foi enviado por e-mail a todos os membros filiados e a programação foi organizada, com base na disponibilidade daqueles que se mostraram interessados. Assim, a cada mês, um colega ficou responsável por coordenar a discussão em grupo sobre o atendimento clínico realizado por um estagiário do último ano do curso de Psicologia. Essa atividade tinha duas horas de duração, e foram tomados todos os cuidados éticos necessários para proteção e sigilo do material clínico, incluindo a participação restrita aos estagiários de quarto e quinto ano, sempre acompanhados do supervisor do Serviço-Escola.

As discussões teóricas e temáticas – de aproximadamente uma hora e meia de duração – eram abertas ao público e organizadas com base em temas propostos, seja pelos graduandos em Psicologia, seja pelos próprios membros filiados convidados. O objetivo principal era ofertar, especialmente à comunidade acadêmica e também a profissionais da região de Assis, o acesso ao conhecimento psicanalítico sobre determinado assunto.3 Durante o segundo semestre de 2017, foi realizada uma fase piloto do projeto com uma série de discussões teórico-temáticas sobre o Pensamento e a Clínica de Bion, dado que o curso de graduação em Psicologia da Unesp não contempla esse autor em sua grade curricular.Em síntese, a cada mês, um membro filiado ficou encarregado de coordenar uma Oficina Clínica e, em seguida, uma Discussão Teórico-Temática. A Universidade se encarregou de divulgar os encontros, fornecer um local adequado para as atividades e também do ressarcimento de despesas com transporte, hospedagem e alimentação dos convidados residentes fora de Assis. Dada a natureza pública e gratuita dos atendimentos prestados à população, pelo Serviço-Escola, as atividades programadas não foram cobradas dos participantes e também os membros filiados não foram remunerados.

 

Programação

Embora a participação dos convidados pudesse ser presencial ou por sistema de videoconferência, dada a localização do município de Assis a 400 km da capital, todos optaram pela primeira possibilidade. O Quadro 1, a seguir, traz a programação do evento, cujos dados sobre a participação nas discussões teóricas, abertas ao público, são provenientes da Plataforma Unesp.

 

 

A cada mês era promovida a divulgação, por meio do site da Universidade, de cartazes afixados pelo campus, da página institucional do CPPA4 e do Jornal Nosso Câmpus (Migliorini, 2017).

 

Uma avaliação informal

Considerando que a divulgação se concentrou no campus, o número de participantes nas Discussões Teórico-Temáticas – abertas à comunidade – foi significante, totalizando 263 inscritos. Esse número pode ter sido maior, se somados aqueles que não realizaram inscrição prévia. No geral, compareceram estudantes do primeiro ao quinto ano de graduação em Psicologia e também de outros cursos. Os comentários informais dos participantes, após cada encontro, foram positivos, assim como as seguintes palavras de um dos membros filiados convidados: "Quanto à conversa sobre Bion, achei que valeu a pena! Muito! Algumas pessoas, alunas do segundo ano ficaram muito interessadas, pediram bibliografia... Fico à sua disposição para dar uma outra discussão/conversa no ano que vem..." (Camargo, 2017).

Nas Oficinas Clínicas, o número de 16 integrantes se manteve constante, pois essa atividade foi restrita aos estagiários do Serviço-Escola, embora aberta às duas ênfases curriculares do curso de Psicologia: a clínica e a saúde coletiva. De modo semelhante, a avaliação foi bastante positiva. Um dos alunos avaliou o trabalho como "inspirador, ampliador das visões analíticas ... uma experiência intensa dos choques de diferentes saberes produzindo em nós novas conexões" (Araújo, 2018). Para se ter uma noção do impacto dessa experiência, os núcleos de estágio acadêmicos são organizados de maneira que cada estagiário permaneça em torno de dois anos sob supervisão clínica com o mesmo docente. Assim, o Projeto AMF na Universidade proporcionou uma espécie de "arejar" de ideias no grupo, por meio do compartilhamento da experiência e da sensibilidade clínica dos nossos colegas analistas em formação. Outro aspecto a ser considerado refere-se ao papel que o exercício de transmissão da psicanálise tem na própria formação dos membros filiados:

Foi uma maravilhosa oportunidade de estudar, pesquisar e me apropriar de pensamentos e autoria. Durante o mês que antecedeu a viagem para Assis, vi-me mergulhada em um estado de brincar (palavra mais séria que conheço) com minhas ideias, sentimentos, memórias da infância, momentos de análise, encontros, bons encontros! O desafio de transmitir psicanálise foi gratificante, mesmo que a responsabilidade desta tarefa não seja fácil... foi sair da intimidade do consultório para uma exposição da minha própria intimidade, meus saberes, minha criatividade e minhas ignorâncias. Encontrei uma plateia jovem, ousada, sem amarras a uma abordagem e muito interessada em ouvir o que eu tinha a dizer sobre a psicanálise. O que, de certa forma, nos colocou no mesmo barco de aprendizagem e formação: experienciamos e exercitamos nossas teorias e nossos modelos para pensar, o que nos envolveu em rico compartilhamento marcado por genuíno interesse em aprender. Além disso tudo, ser recepcionada por tantas gentilezas, gostosas risadas e conversas foi como receber um beijo gostoso em minha autoestima e confiança para continuar... (Freitas, 2018)

A relevância social tem sido também uma faceta importante dessa experiência. Ao explorar uma região de fronteira entre psicanálise e academia, o trabalho realizado contribuiu com a formação científica dos estudantes que realizam os seus primeiros atendimentos clínicos, o que, possivelmente, repercutiu em suas práticas voltadas para a população de baixa renda. No Brasil, a saúde comunitária é um campo de atividade profissional em que a psicanálise tem uma importante contribuição a fazer, embora tenha perdido espaço nos últimos anos.

A fase piloto do projeto AMF na Universidade terá continuidade até o mês de agosto de 2018, e os convidados confirmados, até o momento, para os próximos encontros são os colegas Rubens Hirsel Bergel, Cacilda Grama Pompilio Vilas Boas, Maria Inês Alves e Antônia Maria de Almeida Camargo.

 

Agradecimentos

Agradeço ao colega Eduardo de São Thiago Martins, atual presidente da AMF, pela leitura e comentários que contribuíram para a precisão e enriquecimento desse texto. E à psicóloga Iara Silva de Andrade, pelo cuidadoso apoio logístico durante toda a execução do projeto.

 

Referências

Araújo, A. S. (2018). [Projeto AMF na Universidade Pública: Estudante de Psicologia]         [ Links ].

Camargo, A. M. A. (2017). [Projeto AMF na Universidade Pública: Experiência Emocional]         [ Links ].

crpsp (2018). Betti Katzenstein: uma psicóloga do século XX. Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Retrieved from História e memória da psicologia em São Paulo. Recuperado de: http://www.crpsp.org.br/memoria/betti/cronologia.aspx.         [ Links ]

Freitas, L. M. C. (2018). [Projeto AMF na Universidade Pública: A Capacidade de Pensar]         [ Links ].

Justo, J. S. (2012). 50 anos do Câmpus – 42 anos do curso de Psicologia. In Z. L. Silva & S. A. Ferreira (Eds.), A trajetória da Faculdade de Ciências e Letras de Assis nos desafios educacionais do ensino superior: entre o passado e o futuro. Assis: Unesp. Recuperado de: http://www2.assis.unesp.br/cedap/livro50anos/files/mobile/mobile.html#94.         [ Links ]

Migliorini, W. J. M. (2017). Curso na área de psicanálise tem como tema a experiência emocional. Jornal Nosso Câmpus: Informativo da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Assis, p. 4. Recuperado de: http://www2.assis.unesp.br/jnc/2017novembro/files/assets/basic-html/page4.html.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 27/4/2018
Aceito em: 19/5/2018

 

 

1 Na década de 1970, a renomada psicóloga Betti Katzenstein (vide crpsp, 2018) coordenou essa clínica psicológica, que viria a receber o seu nome, ao se tornar também um centro de pesquisas: o CPPA.
2 Cabe ressaltar que a nomenclatura "Clínica-Escola" foi alterada para "Serviço-Escola" durante o 12.º Encontro de Clínicas-Escola do Estado de São Paulo, em 2004, para assim refletir essa perspectiva ampliada dos serviços psicológicos prestados pelas universidades.
3 A ideia original era a de que, futuramente, esses encontros pudessem se vincular a eventos científicos promovidos pelo campus.
4 Conferir: http://www.assis.unesp.br/#!/CPPA---centro-de-pesquisa-e-psicologia-aplicada/parcerias/sociedade-brasileira-de-psicanalise/.

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