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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.52 no.97 São Paulo jul./dic. 2019

 

EROS

 

Um olhar psicanalítico sobre o não aprender1

 

A psychoanalytic look at not learning

 

Una mirada psicoanalítica al no aprender

 

Un regard psychanalytique sur le fait de ne pas apprendre

 

 

Eliane Teixeira Rennó

Psicóloga, psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, mestre em Psicologia Clínica pelo Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP. São Paulo / elianerenno@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Propomos neste trabalho avaliar o que ocorre aos indivíduos em relação ao aprender no ambiente escolar/acadêmico e profissional, que não conseguem se dispor às demandas do pensar/conhecer. Observamos os possíveis fatores emocionais que impedem/interferem nesse processo e que trazem repercussões relacionais significativas na vida do indivíduo. Os conceitos fundamentados neste estudo são, principalmente, os relativos aos aspectos primitivos do desenvolvimento e também os presentes em uma teoria sobre o pensar (Bion, 1962/1994b). Por meio deles, procuramos demonstrar de que forma o trabalho psicanalítico pode favorecer ao indivíduo a obtenção de um desenvolvimento mais saudável.

Palavras-chave: função alfa, vínculo k e -k, reverie, aprender com a experiência


ABSTRACT

We propose in this paper to evaluate what happens to individuals in relation to learning in the school/academic and professional environment, who are unable to meet the demands of thinking/knowing. We observe the possible emotional factors that hinder/interfere in this process and that bring significant relational repercussions in the individual's life. The concepts grounded in this study are mainly those relating to the primitive aspects of development and also those present in a theory of thinking (Bion, 1962/1994b). Through them, we seek to demonstrate how psychoanalytic work can favor the individual to achieve a healthier development.

Keywords: alpha function, bond k and -k, reverie, learn from the experience


RESUMEN

En este documento, proponemos evaluar lo que les sucede a las personas en relación con el aprendizaje en el entorno escolar/académico y profesional, que no pueden satisfacer las demandas de pensar/saber. Observamos los posibles factores emocionales que dificultan/interfieren en este proceso y que traen importantes repercusiones relacionales en la vida del individuo. Los conceptos basados en este estudio son principalmente los relacionados con los aspectos primitivos del desarrollo y también los presentes en una teoría del pensamiento (Bion, 1962/1994b). A través de ellos, buscamos demostrar cómo el trabajo psicoanalítico puede favorecer al individuo para lograr un desarrollo más saludable.

Palabras clave: función alfa, enlace k y -k, reverie, aprende de la experiencia


RÉSUMÉ

Nous proposons dans cet article d'évaluer ce qui arrive aux individus en relation avec l'apprentissage dans l'environnement scolaire/académique et professionnel, qui sont incapables de répondre aux exigences de la pensée/connaissance. Nous observons les facteurs émotionnels possibles qui entravent/interfèrent dans ce processus et apportent des répercussions relationnelles importantes dans la vie de l'individu. Les concepts fondés dans cette étude sont principalement ceux relatifs aux aspects primitifs du développement et également à ceux présents dans une théorie de la pensée (Bion, 1962/1994b). À travers eux, nous cherchons à démontrer comment le travail psychanalytique peut favoriser l'individu pour parvenir à un développement plus sain.

Mots-clés: fonction alpha, lien k et -k, reverie, apprendre de l'expérience


 

 

Introdução

O presente trabalho nasceu do interesse que surgiu, desde o início da minha atividade profissional, em investigar a dificuldade do aprender. Quando eu trabalhava com crianças na faixa de 6 a 10 anos de idade, como professora do Ensino Fundamental, era curioso observar que algumas crianças não conseguiam investir nas atividades rotineiras de uma sala de aula, desencadeando-se nelas resistência e muita dor, principalmente nas atividades formais, como leitura e escrita.

Posteriormente, na clínica psicanalítica, tive a oportunidade de acompanhar casos de crianças, adolescentes, vestibulandos, jovens iniciando o seu percurso profissional e até adultos que apresentavam dificuldades do aprender que nada tinham a ver com seu desenvolvimento cognitivo, motivando-me, ainda mais, ao aprofundamento dessa investigação.

Até há bem pouco tempo era comum nomear os indivíduos que manifestavam dificuldades do aprender como maus alunos. Para tratar essa dificuldade, sem identificar exatamente o que motivava tal comportamento, recorria-se a imposições disciplinares como recurso pedagógico.

A psicologia e mesmo a pedagogia, cada uma respeitada por sua especificidade, trabalham aspectos do não aprender. Ambas conseguem atingir o âmbito cognitivo e consciente, contudo, não conseguem atingir as causas mais primitivas e/ou profundas dessa questão, sob o ponto de vista do inconsciente.

Para a psicanálise, no entanto, a inexistência de fatores orgânicos ou déficits cognitivos faz com que deparemos com a dificuldade do aprender como a impossibilidade de a pessoa apropriar-se dos recursos internos dos quais dispõe para conhecer e aprender.

Considerando que o saber é consequência do aprender, etapa natural do desenvolvimento cognitivo, o que acontece internamente com esses indivíduos em relação ao saber? Quais fatores estariam interferindo na formação do conhecer/aprender?

Este trabalho aborda, sob um olhar psicanalítico, o não aprendersintoma que pode ser observado em indivíduos de diferentes faixas etárias que apresentam dificuldades em relação ao pensar/conhecer. É necessário, porém, deixar claro que essa investigação se atém à óptica da psicanálise sobre a dificuldade do aprender, que difere dos distúrbios de aprendizagem, pois estes últimos abrangem os aspectos neuropsicomotores, os quais também podem gerar dificuldades no processo do aprender.

Cabe também destacar que, diante de uma questão tão significativa na vida de um ser humano, é importante que o profissional, durante o atendimento psicanalítico, atente a um olhar mais amplo e profundo dos sintomas trazidos pelo paciente, ou seja, a como o indivíduo relaciona-se com os desafios que envolvem o conhecer/aprender.

 

A clínica psicanalítica e o vínculo K1

A clínica psicanalítica com certa frequência recebe crianças, pré-adolescentes e adolescentes, trazidos por seus pais, com queixas relacionadas a dificuldades do vínculo K. Às vezes os pais já chegam até com o diagnóstico pronto, em sigla mesmo, por exemplo, o tdah, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, embora muitos desconheçam o que significa.

A busca dos pais por atendimento psicanalítico para casos de dificuldades do aprender geralmente ocorre nos momentos mais críticos, quando já há o risco de reprovação escolar e após terem tentado recuperar o aprendizado do filho com o reforço escolar ou professor particular por matéria. Observa-se que os pais buscam pelo atendimento psicanalítico quando já estão muito angustiados e, muitas vezes, até resistentes em relação à constatação das dificuldades apresentadas pelo filho(a).

A dificuldade do vínculo K está presente nas crianças e adolescentes em queixas usuais como as de terem estudado muito e saberem a matéria, mas na hora da prova não conseguirem resolver as questões propostas; de ficarem muito nervosas, pois "dá um branco"; de sentirem dores no estômago; entre outras. Há aquelas que não gostam de ir à escola, e, ainda, há outras que manifestam o desejo íntimo de ter nascido sabendo.

Nos pacientes jovens e adultos que, entretanto, apresentam dificuldades no vínculo k suas queixas raramente são relacionadas a essa questão, no início do tratamento. As queixas baseiam-se nos sintomas de depressão, baixa autoestima, dificuldades acentuadas em lidar com os limites, rigidez quanto à aceitação de suas falhas, dúvidas quanto à escolha de uma profissão e dificuldades relacionais acentuadas, principalmente no âmbito profissional.

 

Impulso epistemofílico em Freud, Klein e Bion

Para situar de que forma a psicanálise concebia, inicialmente, a questão epistemofílica, verificamos que não há uma teorização específica, na obra de Freud, sobre os fenômenos clínicos da dificuldade do aprender; entretanto, observamos elementos teórico-clínicos essenciais sobre a pulsão epistemofílica, bem como questões relacionadas à inibição e ao sintoma.

O autor pontua que a criança começa a dar sinais de atividades que podem ser atribuídas à pulsão do saber ou do investigar na época em que sua vida sexual atinge o auge, isto é, em torno de 3 a 5 anos de idade. Ele diz:

na criança, a pulsão do saber é atraída de maneira insuspeitadamente precoce e inesperadamente intensa pelos problemas sexuais e, talvez, seja até despertada por eles ... O primeiro problema de que ela se ocupa, em consonância com o despertar da pulsão do saber, não é a questão da diferença sexual, e sim o enigma: "De onde vêm os bebês". (Freud, 1905/1996b, p. 183)

A esse respeito, Freud, em "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" (1905b/2016), postula uma pulsão sexual desde a infância - que ele vai relacionar à pulsão epistemofílica, especialmente no segundo ensaio (1905a/2016) -, que é a pulsão do saber ou do conhecimento, embora não sendo tão específica, nem se atendo apenas à sexualidade. Verificamos que Freud, depois de 1905, não continua a explorar o conceito da pulsão epistemofílica em níveis mais profundos. Em suas obras, volta a ele poucas vezes e, somente em 1910, para referir-se ao conceito, usa termos como instinto de pesquisa, instinto de investigação, sede de conhecimento, mas não chega a se interessar pela pulsão epistemofílica de modo isolado.

Interessa-nos destacar, também, como o autor desenvolveu, anos mais tarde, o conceito que nos interessa, neste trabalho, sobre a inibição e o sintoma. Freud (1926/2014) faz uma distinção entre inibição e sintoma, mas não dá grande valor para isso, pois esses dois conceitos não se originam do mesmo solo. A inibição tem uma relação especial com a função e não significa necessariamente algo patológico; pode-se também chamar de inibição a restrição normal de uma função. Já o sintoma indica a existência de um processo patológico, e disso se depreende que uma inibição também pode ser um sintoma.

O autor ainda afirma que existem inibições servindo claramente à finalidade de autopunição, como nos casos do masoquismo, e que este ocorre, principalmente, em inibições de atividades profissionais. Freud é incisivo ao afirmar que não é permitido ao ego levar a efeito essas atividades, porque trariam êxito e lucro, e essas são coisas que a severidade do superego proíbe. Dessa forma, o ego desiste também delas, a fim de evitar entrar em conflito com o superego. Assim, pois, é possível compreender que a inibição aparece, principalmente, ligada aos distúrbios de inteligência dos neuróticos, nos quais as inibições e as soluções de compromisso (os sintomas) substituiriam o prazer ligado ao uso da inteligência.

Melanie Klein, ao iniciar seu trabalho de análise com crianças, seguindo, em princípio, a teoria freudiana, deu um destaque maior à pulsão epistemofílica e muito se atraiu pela questão da inibição intelectual. Ela surpreendeu-se com a natureza investigadora da mente dos bebês e apoiou-se no esquema utilizado por Freud (1909/2015) para abalizar a importância de se reconhecer a curiosidade sexual destes.

Klein (1923/1996d), ainda influenciada pela teoria freudiana, afirma que "o estabelecimento de todas as inibições que afetam o aprender e todo o resto do desenvolvimento deve ser remetido à época em que a sexualidade floresce pela primeira vez". No entanto, ainda em 1923, começa a analisar o efeito inibidor das fantasias sádicas e agressivas, bem como as sérias dificuldades do aprender que poderiam surgir em função das inibições do impulso epistemofílico.

Nesse ano, Klein conceituou a inibição intelectual como as diferentes formas e gradações de repulsa ao aprendizado. Segundo ela, essa repulsa pode se manifestar por meio de uma relutância explícita ao aprender, ou mesmo daquilo que pode parecer uma simples atitude de preguiça em relação às atividades escolares, não sendo, por esse motivo, reconhecida como aversão à escola por aqueles que cuidam da criança. A autora, entretanto, não especifica de maneira clara como seriam essas gradações. Para ela, a inibição intelectual é um sintoma; apenas destaca que somente em função da intensidade da inibição pode-se qualificar o processo inibitório como normal ou patológico.

Em 1930, Klein, à medida que ia desenvolvendo sua teoria, atribuiu significativa importância ao papel do simbolismo para a superação das angústias e, consequentemente, para o desenvolvimento intelectual da criança. Para tanto, ela desenvolveu uma técnica específica para analisar crianças menores: a técnica por meio do brincar. O jogo seria uma forma de expressão semelhante ao sonho, que permitiria à criança, enquanto brinca, expressar-se ou mesmo elaborar suas angústias ao poder vivenciá-las em relação a objetos simbólicos substitutivos. A simbolização, nesse caso, é necessária para deslocar a agressividade do objeto original, diminuindo assim a culpa e o medo da perda.

Devido à importância da formação dos símbolos e as dificuldades que ela viveu com seus filhos durante os anos escolares, Klein apresentou um interesse prolongado pelo desenvolvimento do simbolismo e pelo papel essencial deste no desenvolvimento intelectual. Seu interesse pelo simbolismo acabou por conduzi-la à formulação da fantasia inconsciente, pois, segundo ela, as pulsões são representadas na mente como fantasias inconscientes de relacionamentos com os objetos.

Sendo a mãe o primeiro objeto na vida do bebê, Klein (1930/1996c) interessou-se por compreender como seria essa relação desde os primeiros momentos e, principalmente, quais tipos de distorções podiam ocorrer na apreciação que o bebê faz da mãe.

O desenvolvimento do bebê é norteado por mecanismos de introjeção e projeção; Klein (1930/1996c) sinaliza que, desde o começo da vida do bebê, o ego introjeta objetos bons e maus, e o seio da mãe é tido como protótipo - sendo sentido como um bom objeto quando o bebê recebe o que dele espera e como um mau objeto quando ocorre sua falta.

No momento em que a posição depressiva é alcançada, o que normalmente se verifica a partir do quarto mês de vida, a característica principal da relação objetal no final da posição depressiva é que o objeto é sentido como um objeto total, ou seja, o bebê reconhece que os objetos bom e mau são um só.

Nesse sentido, foi ficando cada vez mais claro para Klein como o sadismo das crianças intimamente se ligava à frustração das investigações sobre a sexualidade, e como o medo de seu próprio sadismo conduzia a uma inibição da investigação - e, o que era mais preocupante, ao embotamento da curiosidade de um modo geral. Os primeiros textos psicanalíticos de Klein demonstram a estreita ligação entre o sadismo e o desejo de conhecer. A autora percebeu que sérias dificuldades do aprender podiam surgir graças às inibições da epistemofilia, as quais eram inundadas por impulsos sádicos.

Ao aprofundar suas observações, em 1928, Klein apresenta sua concepção sobre o Édipo precoce. Esse período começa com o desmame (por volta dos 6 meses de idade), isto é, no momento de perda momentânea do objeto primário, quando surge a primeira possibilidade de configuração do objeto total, o que ocorre em uma época confusa e instável de impulsos fusionados.

A autora considera que as tendências edipianas emergem como consequência da frustração sentida pela criança com o desmame, algo que se manifesta ao final do primeiro ano e o início do segundo ano de vida. Mais tarde, essas tendências são reforçadas pelas frustrações vividas durante o treinamento dos hábitos de higiene.

Esclarecem-nos melhor sobre esse aspecto as formulações de Britton (1994), ao destacar que o desenvolvimento da atitude para com o conhecimento (impulso epistemofílico, ímpeto para conhecer) tem uma considerável influência nas experiências iniciais da situação edípica. Segundo esse autor, Klein (1926, citada em Britton, 1994) enfatizou que a ignorância da criança em face dos irredutíveis mistérios da sexualidade dos pais desencadeia um enorme ódio e que desse sentimento pode advir a inibição de todo o desejo de conhecimento.

Bion ocupou-se da questão do pensamento, principalmente em Uma teoria sobre o pensar (1962/1994b). O autor utiliza as concepções expostas por Klein (1921/1996a), que, influenciada por Ferenczi, faz referências sobre o conflito que na criança se estabelece entre o inato impulso epistemofílico, que busca o conhecimento, versus o sentimento de onipotência.

Bion (1959/1994a) considera que a origem das perturbações no impulso de ser curioso pode prender-se a dois fatores: o primeiro estaria ligado à disposição inata do indivíduo à destrutividade, ódio e inveja excessivos. O segundo estaria no ambiente que, na pior hipótese, nega ao indivíduo o uso de mecanismos de cisão e identificação projetiva.

Para o autor, os aspectos acima citados podem levar à destruição do vínculo, da ligação entre a criança e a mãe e, consequentemente, a uma grave desordem do impulso de ser curioso de que depende todo aprender, abrindo caminho para uma grave interrupção no desenvolvimento emocional.

 

A capacidade de pensar/conhecer e o emocional primitivo

A contribuição trazida por Bion (1962/1994b) em Uma teoria sobre o pensar contraria a compreensão da gênese do processo de pensar. O autor inverte a noção convencional até então usada por Freud (1911/1996a) de que há um aparelho mental onde se criam e organizam os pensamentos. Em vez disso, propõe que os pensamentos é que levam à criação de um aparelho para pensar. O ponto de intersecção nos posicionamentos de Bion (1962/1994b) e Freud (1911/1996a) acerca dos pensamentos é justamente a frustração imposta ao bebê para atender as suas necessidades básicas. No entanto, o mais importante é a maior ou menor capacidade do ego do bebê para tolerar o ódio, que, por sua vez, também é determinado pelas características da personalidade e pelo quantum de pulsão de morte que resulta dessas frustrações, para poder lidar com os pensamentos.

Bion (1962/1994b) toma como modelo o vínculo do bebê com a mãe e a preconcepção inata do seio que o amamenta. Nesse contato ocorrem realizações, ou seja, experiências emocionais - tanto de ordem positiva como negativa.

Nas experiências emocionais de realização positiva, o bebê encontra a confirmação de que o seio, o objeto necessitado, está realmente presente e atende às suas necessidades, cujas experiências são denominadas "experiências emocionais de satisfação". Ao contrário disso, nas experiências emocionais de realização negativa, o bebê não encontra um seio disponível para a sua satisfação. Essa ausência é vivenciada pelo bebê como a presença de um seio ausente. Nesse caso, a ausência do seio torna-se um seio-mau, dado que o bebê necessita dele e não o tem. Assim, a sua privação promove muita dor e é denominada "experiência emocional de frustração".

Quando o bebê opta por fugir da frustração, ocorre um afastamento significativo dos fatos, pois o que deveria ser um pensamento torna-se um objeto mau, indistinguível, e que se presta somente à evacuação. Ou seja, o desenvolvimento do aparelho para pensar fica perturbado, e dá-se o desenvolvimento hipertrofiado do aparelho de identificação projetiva.

Nesse sentido, evidencia-se um dos possíveis fatores emocionais sob o não aprender, objeto deste trabalho. O desenvolvimento da capacidade de tolerar a frustração é muito significativo, visto que, desde a mais tenra idade, é útil que se possa permanecer na experiência e dela se possa obter algum aprendizado. Para que isso ocorra, entretanto, como enfatiza Bion (1962/1994b), depende-se de acesso à posição depressiva; do contrário, haverá tendência à onisciência, ou seja, o indivíduo racionaliza que não precisa aprender, visto que já sabe tudo, ocasionando também uma hipertrofia da onipotência.

 

Vinheta clínica

C, filha única, tem 12 anos e chega para análise trazida por sua mãe. Seus pais estão separados, somente a mãe comparece às entrevistas e orientações ao longo do tratamento. A queixa inicial da mãe de C é que ela está com "cansaço mental", pois a filha está dando muito trabalho na escola. Nas entrevistas torna-se necessário sempre indagar quais seriam as queixas em relação à sua filha. A mãe queixa-se de que C não mostra os seus resultados, esconde as tarefas escolares e não consegue se concentrar. Foi reprovada na série anterior e não se altera diante das situações adversas. Ao constatar que os resultados insuficientes estavam se repetindo, por orientação da escola, trouxe a filha para avaliação psicológica.

Em sua primeira sessão, C diz que, anteriormente, já havia iniciado tratamentos com duas outras psicólogas, mas que não tinha mudado nada em relação à escola. Investigamos o que ela gostaria de mudar e abrimos espaço para que ela manifestasse em que o tratamento analítico poderia ajudá-la:

Eu quero ajuda nas coisas da escola e na minha vida com a minha mãe... O jeito dela é sempre muito estressado... Eu não entendo muito este jeito, que só grita para falar comigo. Eu só fico quieta, não digo nada. Eu escuto e faço de conta que está tudo bem...

Conforme um vínculo foi se constituindo na dupla analítica, C começava a fazer comentários a respeito da escola, dos colegas e de como queria ser como uma amiga que, aos seus olhos, era bem-sucedida e tinha êxito na escola. Pudemos encontrar nesse comentário uma via para verificar na paciente quais seriam os seus desejos de êxito, palavra que brotou dela. Ao indagar por que ela não poderia obter o êxito parecido com o da amiga, Carol responde:

- Ah! Não sei direito... De verdade, eu gostaria de ter nascido sabendo... Assim eu não precisaria ir à escola e, se fosse, não precisaria estudar e tirava só dez.

Nessa fala de C constatamos o quanto é para ela onipotente e infantil a fantasia de que se pode viver sem trabalho e com sucesso. A mente infantil onipotente alimenta um sistema moral que julga atos verdadeiros e simples como sendo de categoria inferior, se comparados aos atos idealizados pelo sistema moral. Se a moral prevalece, o vínculo K não se efetiva.

Cabe-nos indagar: a intolerância à frustração repercute apenas no aprendizado escolar/acadêmico ou no aprender com as experiências que vamos tendo ao longo do desenvolvimento? Diante da intolerância à frustração, o que tornaria possível prosseguir numa experiência?

A intolerância à frustração costuma ser muito recorrente nas muitas situações em que o indivíduo se nega a qualquer tipo de aprendizado novo, devido ao inevitável contato com a frustração a que este o remete.

Pode-se também destacar que a presença da cisão e da identificação projetiva sinaliza uma mente fragmentada, na qual as diversas instâncias psíquicas não se comunicam, o que prejudica a capacidade de simbolizar. A limitação na capacidade de criar símbolos e na consequente capacidade de pensar as emoções de forma mais integrada gera uma atmosfera interna de vazio, de falta de sentido, o que vem sinalizando, nos dias atuais, acentuada falta de sentido para a vida.

Depreende-se disso que, nos diversos âmbitos da vida cotidiana, bem como nas várias faixas etárias, as pessoas não sofrem somente devido aos traumas, repressões e carências; elas sofrem por falta de experiências emocionais que possibilitem um desenvolvimento mental e emocional mais saudável.

Para Bion (1962/1991), pareceu conveniente supor que exista uma função alfa, que integra as sensações provindas dos órgãos dos sentidos com as respectivas emoções, sendo a primeira função que existe predominantemente no aparelho psíquico. O autor descreve a função alfa como um instrumento fundamental de trabalho na análise dos distúrbios do pensamento.

A função alfa é que transforma os dados sensoriais em elementos alfa, fornecendo à psique material para pensamentos oníricos, úteis às seguintes finalidades: elaboração de pensamentos inconscientes na vigília, produção de sonhos, memória, formação de símbolos, funções intelectuais e a capacidade de pensar.

 

O pensar e a função alfa

Bion (1962/1991), referindo-se ao aprender com a experiência, trata, a partir do seu encontro com Klein, de um tema central para ambos: pensamento e experiência emocional. Enquanto Klein dá ênfase ao emocional, Bion enfatiza o pensamento.

O autor preocupa-se em tratar as emoções como parte essencial da vida mental, visto que, desde o nascimento, o indivíduo está exposto às mais variadas experiências e à possibilidade de aprender com elas ou não. De acordo com Bion (1962/1994b), nos casos em que a capacidade de aprender com a experiência não se forma, ela é substituída pela onipotência e pela onisciência. Assim, perdem-se as diferenças entre o verdadeiro e o falso e se caminha para uma relação moral com a realidade, dando privilégio ao certo e ao errado.

O pensamento é tido como doloroso, desde a sua origem mais primitiva. O primeiro pensamento útil (elemento alfa), entretanto, surge quando o bebê aceita a dor da frustração, em vez de simplesmente evacuar a presença interna do não-seio sob a forma de elementos beta.3 O pensamento é sempre doloroso, por levar o indivíduo a ver a situação como ela é, e não como gostaria que ela fosse, ou seja, abandonar o princípio de prazer é doloroso, e pensar significa optar pelo princípio de realidade. A tendência humana é buscar situações que conduzam à zona de conforto: um indivíduo prefere interagir com algo já conhecido que administra bem a realizar uma atividade recreativa, esportiva ou mesmo profissional na qual sinta dificuldade, exceto se conseguir olhar para os desafios e se mostrar curioso para superá-los.

A importância dada por Bion (1962/1991) à função alfa para o desenvolvimento do aprender que ocorre ao longo da vida de um indivíduo é muito significativa, visto que os elementos alfa determinam uma exitosa evolução e a utilização dos pensamentos em contrapartida aos elementos beta, que se prestam unicamente a ser evacuados.

É possível considerar também que o indivíduo que, desde a mais tenra idade, não adquiriu uma alfa-betização emocional desconhece o caminho real que leva ao conhecer/aprender. Caso ainda não tenha aprendido a manter-se investido o suficiente no vazio (frustração do não-seio) para alcançar o saber, poderá, diante de uma situação desafiadora, interromper o processo do aprender com a experiência, provavelmente da mesma forma como o fez, anteriormente, diante das situações do não-seio.

Na medida em que o aprender é uma tarefa complexa que envolve o indivíduo como um todo e de forma específica, conhecer demanda esforço, investimento e objetivos direcionados a esse processo. Percebe-se que um indivíduo cujo desenvolvimento primitivo foi permeado por muitas fraturas no aspecto emocional tende a apresentar dificuldades em enfrentar as demandas necessárias para o aprender com a experiência, ocorrendo um grande prejuízo em seu desenvolvimento.

 

Vinheta clínica

D é um jovem de 18 anos. Chega para análise medicado com antidepressivo, após ter buscado tratamento psiquiátrico e neurológico. Nas sessões iniciais, D apresenta as queixas de se manter isolado em casa, com ideias suicidas e, em momentos mais angustiantes, a prática de cutting com estilete. D diz que tem pouco contato com pessoas da sua idade e que, ao término do curso técnico, não se dispôs a fazer o estágio para concluir o Ensino Médio. Com muita convicção, afirma que não quis prosseguir nos estudos porque não acha necessário passar por isso. Os principais motivos para buscar análise foram a depressão e as ideias suicidas cada vez mais frequentes.

Com o desenvolvimento da análise, tendo outras situações emocionais mais bem esclarecidas dentro de si, possivelmente pela redução do grau de ansiedade, D já não menciona suicídio, passa a investir mais na vida. Seu discurso, entretanto, sempre convicto em relação a não prosseguir os estudos, permanecia e evocava-nos a sensação de que prosseguir faria parte dos seus pavores em lidar com os riscos de falhar, errar, perder, não dar conta dos desafios.

Eu fazia de conta que não tinha interesse, e isso me aliviava um pouco, mas no fundo eu me sentia péssimo... Assim ninguém ia gozar da minha cara... Afinal, o que é ser inteligente? De que vale eu ser inteligente? Eu queria muito ser normal, sabe?... Poder viver essas coisas que todos vivem sem tanto sofrimento, mas eu não consigo.

D apresenta muito medo de não conseguir concluir alguma tarefa ou mesmo do que aconteceria após a conclusão de um projeto. O seu maior medo é que ele não conseguiria ter novas ideias. Nisso podemos verificar traços paranoides, que se derivam do temor de que os pensamentos parem de existir e o abandonem para sempre, o que se comprova em sua fala:

O meu medo de não conseguir dar conta de algo era tão gigante, que resolvia simplesmente não tentar: ao menor sinal de dificuldade, desistia. Deixava as provas em branco, só tirava notas vermelhas, não conseguia absorver nada e, também, não conseguia pedir ajuda para ninguém.

Nos casos em que ocorre uma falha no vínculo inicial devido à condição rudimentar do bebê, este pode viver a experiência (do não-seio) como uma ameaça, um medo de morrer. Nesse caso, em vez de esse medo poder ser suportável para ser modificado e reintrojetado, será um medo indefinível, inominável, um estado psíquico denominado por Bion "terror sem nome". E esse foi o estado inicial de Davi, o qual podíamos perceber em sua maneira de agir e falar, ou seja, ele estava sob constante ameaça.

Cabe-nos também pensar no vínculo (-k)4 que pode ser observado nos casos em que o ego não quer conhecer. D parecia construir estruturas falsas, substituindo a busca de k (desejo de conhecer) por uma onisciência, onipotência e prepotência. Davi não havia aprendido a lidar com as situações de frustração de modo que pudesse modificá-las, sua única saída era sempre evitá-las. Nesse aspecto, ele substitui o enfoque científico aceito pelo de uma moral de seu superego muito rígido - que está acima de todos - e, com isso, não desenvolve a capacidade de discriminação entre verdades, falsidades e mentiras, criando também hipertrofias dos mecanismos defensivos ligados à negação.

Bion (1962/1991) nos adverte ainda sobre outro aspecto em relação ao vínculo K. O autor considera o elemento dor inerente ao aprender e ainda enfatiza que é muito significativa a diferença entre o paciente evacuar ou enfrentar a dor psíquica, uma vez que toda mudança no psiquismo durante os processos do aprender (e o analítico é um deles) vem acompanhada de certo grau de dor.

Assim, o que poderia ser feito para que a travessia do aprender com a experiência seja tolerável? Que sinais de fuga podem ser percebidos que inviabilizam o aprender?

Ao constatar os agravos ao desenvolvimento da capacidade de pensar em face do grande bombardeio das identificações projetivas, Bion (1962/1994b), movido pela necessidade de contê-las, introduziu a noção de capacidade de reverie por parte da mãe real. Isso significa que a consciência rudimentar do bebê (limitada consciência, para Freud) não está vinculada a um inconsciente, ou seja, todas as impressões quanto ao self têm valor igual, o mesmo de serem todas conscientes.

A capacidade de reverie da mãe é o órgão receptor da colheita de sensações que o bebê experimenta em relação a si mesmo pelo seu consciente. A mãe capta o que se passa com seu filho não tanto pela atenção provinda dos órgãos dos sentidos, mas muito mais pela intuição, ou seja, uma menor concentração da mãe no plano sensorial possibilita maior afloramento da sensibilidade.

Entende-se, nesse caso, a importância fundamental dada à capacidade de reverie da mãe externa real, pois, se ela for capaz de conter as angústias do bebê e, ao mesmo tempo, prover as necessidades que seu filho tem de leite, calor, paz, amor, entre outras, tanto as realizações positivas como as negativas serão utilizadas para o aprender com a experiência, que requer o enfrentamento e a modificação da dor para que ocorra o desenvolvimento mental.

Podemos considerar que, para aprender, é preciso assumir, conter e suportar o não saber. Para aprender é preciso ser humilde, despir-se da condição onipotente, para que, ao nos defrontarmos com os limites do humano, encontremos caminhos e talvez respostas que só ao humano satisfazem e respondem. A humildade gera curiosidade para buscar, dúvidas para encontrar respostas, perseverança para descobrir os muitos caminhos que levam ao saber. Em suma, para permitir-se a vida, que requer movimento para transformar, antes de tudo, a rigidez, que paralisa.

 

Referências

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Recebido em: 2/8/2019
Aceito em: 7/11/2019

 

 

1 Trabalho derivado de dissertação de mestrado em Psicologia Clínica pelo Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP.
2 Vínculo K - Denominado por Bion (1962/1991), é o vínculo entre os pensamentos e as emoções, sempre presentes em qualquer relação humana. A função K (inicial de knowledge) não se refere à posse de um conhecimento ou saber, mas sim ao enfrentamento do não saber, de modo que o saber resulte da difícil tarefa do descobrir e do aprender com as experiências vividas, quer sejam as boas ou, principalmente, as más.
3 Os elementos beta são as preconcepções, ou seja, as experiências sensoriais e emocionais muito primitivas, as quais adquirem uma natureza de coisas em si mesmas, concretas, porquanto não puderam ser pensadas até um nível de conceituação ou de abstração, como é o destino dos elementos alfa.
4 Vínculo (-k) - Termo designado para evitar a dor das verdades intoleráveis, ou para não enfrentar o medo do desconhecido, ou para não transgredir as proibições.

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