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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.54 no.100 São Paulo jan./jun. 2021

 

EDITORIAL

 

O que fazemos com o sexual?

 

 

Berta Hoffmann Azevedo

Editora / bertaazevedo@hotmail.com

 

 

Coube à equipe editorial que agora assume a responsabilidade de levar a cabo a realização do número 100 do Jornal de Psicanálise. Ao longo de 99 números e 55 anos de história, diferentes equipes editoriais foram deixando suas marcas e contribuindo para que o Jornal se mantivesse vivo e em movimento, consolidando-se como uma publicação reflexiva, vinculada ao Instituto de Psicanálise da SBPSP e preocupada com as atividades formativas do psicanalista e com os movimentos institucionais que merecem espaço para serem pensados.

Dos tempos de seu surgimento, em 1966, pelas mãos de Virginia Bicudo, até hoje, o Jornal viveu transformações que o tornaram menos um encarte com as primeiras publicações de analistas em formação, como nos primórdios, e mais uma publicação científica sobre temáticas úteis à formação psicanalítica, capaz de pôr em pauta questões a serem consideradas por todo o corpo societário. Já em 1986, sob a gestão de Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho, o editorial comemorativo dos 20 anos do Jornal, assinado pela própria Virginia Bicudo, testemunhava e brindava esse movimento ao destacar que naquele momento o "espaço se distribui entre titulares e candidatos" (p. 5). Entre as décadas de 1980 e 1990, é possível reconhecer um salto significativo com o alcance de "uma voz editorial própria" (Massi, 2016, p. 16). Até aquele momento,

a edição do Jornal era uma das tarefas regulamentares do secretário do Instituto, que aparecia na publicação como "Diretor Científico", não como "Editor", ficando, portanto, formalmente vinculado à Diretoria do Instituto, sem a liberdade que uma editoria deve ter. (Giovannetti, 2016, p. 39)

Além disso, cada vez mais a contribuição de analistas de fora da SBPSP passou a permitir um intercâmbio que expandiu as considerações sobre os temas para além dos muros de nossa instituição. Tal tendência de abertura foi consolidada com a indexação do Jornal, a partir dos esforços de Leda Barone (ampliada com Cândida Sé Holovko e Marina Massi), e com a posterior disponibilidade virtual de nossa publicação, na editoria de Cândida Sé Holovko.

O Jornal mantém, então, uma tensão produtiva em sua posição de dobradiça institucional, ao sustentar ao mesmo tempo a sua vocação como "caixa de ressonância" (Menezes, 2012, p. 504) da instituição, capaz de determinar os rumos temáticos que serão debatidos, e a abertura a um diálogo com a comunidade científica mais ampla, o que previne o empobrecimento próprio à endogamia.

Nossa aposta é que é precisamente na troca com o diferente que o movimento de pensamento se dá, e é com o estímulo da provocação vinda das margens que podemos ser capazes de abordar as questões por caminhos que seriam insuspeitos num encerramento entre iguais. Foi investindo na potência dessa desacomodação proporcionada pela diferença que agora introduzimos duas novas seções no Jornal: "Diálogos" e "Conexões".

A primeira delas, "Diálogos", impulsionada pela convicção de que o conhecimento se constrói de maneira dialógica, busca criar um espaço promotor de reflexividade que permita a emergência do que eventualmente poderia ser deixado de fora em uma leitura unívoca. Parte do princípio de que os fenômenos com os quais lidamos não podem ser abordados de maneira acabada, inequívoca e sem restos ou ambiguidades. Qualquer formulação é sempre parcial e pode ser tornada mais complexa por uma outra perspectiva que a complemente ou a contraponha. Nesse debate com o texto escrito de um colega - aliás, reconhecer o colega como autor digno de debate não é uma tradição brasileira -, buscamos superar as polaridades estáticas sempre simplificadoras, sensibilizando o leitor para a dimensão nada simples (heterogênea) da matéria psíquica. Dialogar exige ir em direção ao outro, buscar alcançar seus pontos de vista e com ele encontrar proximidades e divergências, continuidades e rupturas, evitando tornar tudo o mesmo, ou recair em distâncias impeditivas de qualquer proximidade. Favorecer esse movimento no interior da instituição e também garantir a entrada de alguma perspectiva de fora pode ser uma contribuição do Jornal à superação dos binarismos institucionais empobrecedores, direção para a qual qualquer grupo pode eventualmente resvalar.

Na seção "Conexões", damos entrada a vozes vindas das fronteiras, ao abordar os assuntos que nos interessam a partir de campos do saber vizinhos, construindo pontes e evitando os riscos de uma psicanálise - ou uma instituição - fechada sobre si mesma.

Para nosso primeiro número, escolhemos rastrear a questão O que fazemos com o sexual?, tema cuja abrangência permite não apenas interrogar o lugar do sexual e sua forma na escuta do psicanalista contemporâneo, como acompanhar suas implicações para o funcionamento institucional e a formação de psicanalistas. O convite procurou estimular a participação da psicanálise num debate que vem ganhando lugar num campo mais amplo das ciências humanas nas últimas décadas no que diz respeito aos binarismos sexuais e de gênero. Em razão do expressivo volume de artigos recebidos em resposta à carta-convite, optamos dessa vez pela composição de um número prioritariamente temático, embora sigamos abertos à admissão de trabalhos com tema livre.

Com relação ao projeto gráfico, como de costume no Jornal, a entrada de uma nova editoria vem indicada pela adoção de uma nova capa. Escolhemos apresentar uma releitura da arte de Irmgard Longman - presente nas capas de 1977 até 2011 -, resgate estético acompanhado simultaneamente pela marcação da passagem do tempo. Reinterpretada pelo projeto editorial, as linhas que se acompanham se afetam mutuamente, não sendo, portanto, sistemas fechados. Vemos ressoando na segunda o impacto vivido na primeira. Na lombada incluímos a temática do número e mantivemos a a imagem da pena e o i do instituto, contribuições de Eunice Nishikawa e Marina Massi, respectivamente, que ressaltam o esforço de elaboração por meio da escrita e a vinculação do Jornal com o Instituto e com os temas que marcam a formação de um psicanalista. A volta que fazemos, então, reafirma a continuidade de um projeto, ao mesmo tempo que sublinha o conceito de construção dialógica do conhecimento, e o valor da alteridade no interior de uma comunidade como a criada pelos autores e leitores do Jornal.

Gostaríamos de expressar nosso reconhecimento à Ana Clara Duarte Gavião e à saudosa Lídia Chacon de Freitas, pelo trabalho realizado com sua equipe na última direção editorial e por generosamente compartilharem conosco os meandros do atual funcionamento do Jornal.

Agradecemos a Dora Tognolli (Diretora do Instituto) e Carmen C. Mion (Presidente) pela confiança depositada. Agradecemos, também, a Mireille Bellelis e Suely Toneto pelos esforços que tornaram possível a realização desse número.

O projeto editorial e o número que agora vem à luz reflete o trabalho coletivo da equipe editorial que aceitou endereçar seu empenho e responsabilidade à empreitada de levar adiante a realização do Jornal: Ricardo Trapé Trinca (Editor Associado), Abigail Betbedé, Cibele Amaro Pires Rays, Claudia Amaral Mello Suannes, Denise Salomão Goldfajn, Gizela Turkiewicz, Helena Cunha Di Ciero, Ludmila Y. Mafra Frateschi e Luiz Moreno Guimarães Reino.

Desejamos a todos uma boa leitura!

 

Referências

Bicudo, V. (1986). Editorial. Jornal de Psicanálise, 19(38),3-5.         [ Links ]

Giovannetti, M. (2016). Botas para ultrapassar fronteiras. Jornal de Psicanálise, 49(90),39-46.         [ Links ]

Massi, M. (2016). Editorial 50 anos. Jornal de Psicanálise, 49(90),15-20.         [ Links ]

Menezes, L. C. (2012). O Jornal de Psicanálise. In P. Montagna (Org.), Dimensões. Psicanálise. Brasil (pp. 501-504). SBPSP.         [ Links ]

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