SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.54 número100O corpo em cenaPreciado, Laplanche, Freud: desobstruindo a escuta psicanalítica do Sexual índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.54 no.100 São Paulo jan./jun. 2021

 

TEMA: O QUE FAZEMOS COM O SEXUAL?

 

A sexualidade nas estruturas não neuróticas ontem e hoje1

 

 

André Green2; Tradução de Júlia Catani; Patricia Cardoso de Mello

 

 

Nas últimas décadas, a clínica psicanalítica viu seu foco principal de interesse deslocar-se das neuroses ditas clássicas para os transtornos de personalidade limite. Essa mudança foi acompanhada por um desinteresse pela sexualidade em favor do funcionamento do eu ou das relações de objeto. De fato, nem os transtornos do eu, nem as relações de objeto regressivas deveriam ser separados da sexualidade e de suas vicissitudes.

Para compreender a situação atual, temos que voltar às bases da psicanálise freudiana. A relação entre sexualidade e neuroses é essencial para entender a coerência do ponto de vista freudiano. Se considerarmos a obra de Freud em seu conjunto, podemos distinguir um ponto de virada na análise do Homem dos lobos, onde Freud (1918) apresenta perspectivas inéditas. Ele descreve ali mecanismos de defesa até então desconhecidos: a clivagem e a forclusão. Este caso abre caminho para o estudo dos estados limite. A sexualidade arcaica se tornará, em seguida, um tema de fundamental interesse, não apenas por causa da importância outorgada às fixações pré-genitais, mas em razão de sua ligação com as defesas primitivas do eu. A psicanálise contemporânea frequentemente precisou lidar com a genitalização defensiva de conflitos de diferentes naturezas (pré-genital ou narcísica). O campo da análise estendeu-se às relações "face a face", que merecem ser chamadas de "psicanalíticas", segundo o método de trabalho utilizado em um enquadre modificado. Nossa concepção de sexualidade então mudou. Seria inexato sustentar que o papel da sexualidade nessas estruturas é menos importante do que nas neuroses; é preferível dizer que ele é diferente. Definitivamente, devemos nos perguntar sobre o que é a sexualidade.

 

Sexualidade e neuroses

Na psicanálise freudiana, a relação entre sexualidade e neuroses é tão estreita que cada um dos termos evoca inevitavelmente o outro. No entanto, esta relação pede certas distinções. As diferenças nosográficas que Freud estabeleceu, desde o início, entre as psiconeuroses de transferência, as neuroses atuais e as neuroses narcísicas insinuam que, em cada um destes casos, a libido sofre diferentes transformações.

As neuroses atuais resultam de uma falha na elaboração da libido e conduzem a uma descarga direta das tensões no soma; na psicanálise contemporânea, a conceitualização freudiana das neuroses atuais se revelou útil para a compreensão dos transtornos psicossomáticos, tal como eles foram formulados por Pierre Marty na Escola Psicossomática de Paris.

Os indivíduos que sofrem de neurose narcísica apresentariam uma dificuldade em transferir para um outro sua libido, estando ela retraída e aprisionada no eu. Ainda é verdade que as "transferências" psicóticas são sempre de uma espécie muito diferente. Dessas observações decorrem dois parâmetros implícitos: o soma, distinto do corpo e de sua libido, e o Outro, a pessoa sobre a qual os conflitos infantis podem ser projetados e analisados. Mesmo que essa concepção da psicose seja hoje contestada, não podemos ignorar as graves regressões narcísicas dos estados psicóticos, com sua retirada maciça da realidade.

Podemos deduzir que as neuroses de transferência devem seu nome a dois parâmetros:

1. Um parâmetro intrapsíquico com suas determinações sexuais, que implica que estamos lidando aqui menos com uma sexualidade biológica do que com uma psicossexualidade e suas vicissitudes intrínsecas;

2. Uma transferência dupla: transferência do somático ao psíquico, centrada seja sobre o corpo ou sobre a mente (como na histeria e na neurose obsessiva), e uma transferência do passado ao presente, por meio da qual o conflito primário com as figuras parentais poderá ser mais tarde deslocado para outras figuras da idade adulta, e então para seu representante na análise, o analista. Além disso, supõe-se que uma relação muito estreita liga a neurose infantil, que apareceu durante a infância, à psiconeurose da idade adulta, cujos sintomas obrigam o paciente a solicitar um tratamento, e à neurose de transferência - doença artificial produzida pelo tratamento, que é mais fácil de ser analisada e, por consequência, dissolvida, permitindo a reconstrução da neurose infantil recalcada, enquanto o tratamento alivia o paciente de sua psiconeurose de transferência.

Essa é, com certeza, uma concepção puramente esquemática do que é suposto se passar com o paciente e da maneira pela qual a psicanálise o "curaria". Depois de um certo tempo, esse esquema elegante, mas um pouco ideal, foi contradito pela experiência clínica. Essa triangulação era essencialmente válida com os pacientes cuja estrutura da personalidade apresentava uma organização edípica positiva (ela estava longe de ser convincente quando o paciente apresentava fixações de um complexo de Édipo negativo e ainda mais quando as fixações eram predominantemente pré-genitais). Um desafio a esse esquema surgiu em 1914 com a análise de um paciente famoso, aliás, famosíssimo, o "Homem dos lobos".

 

A virada da análise do Homem dos lobos

O caso do Homem dos lobos foi, sem dúvida, o ponto de virada que colocou em questão o modelo freudiano anterior. Sabemos que este caso foi escrito em resposta às objeções de Jung à importância atribuída por Freud ao passado. O estudo de Freud (1918) se intitula "História de uma neurose infantil", o que levanta uma questão: o que acontece com a neurose do paciente na idade adulta? Freud nunca diz de que tipo de neurose ele sofre, tampouco apresenta um diagnóstico alternativo. Hoje, a grande maioria dos analistas está de acordo que seguramente não podemos caracterizá-lo como neurótico. Mas eu não acredito que Freud teria aceitado a ideia de que seu paciente era psicótico, uma vez que Serguei Pankejeff não poderia ser classificado na mesma categoria que Daniel Paul Schreber. E, na época de Freud, o conceito de transtorno limite de personalidade ainda não existia. Quando se lê a literatura concernente à segunda análise do Homem dos lobos com Ruth Mack Brunswick (1928), ou com os outros analistas - W. Solms, K. Eissler e M. Gardiner - que o trataram posteriormente (Gardiner, 1981),3 adquire-se a íntima convicção de que o paciente fazia parte desse grupo. O documento mais revelador da estrutura desse paciente é o livro de suas entrevistas com a jornalista Karin Obholzer (1981). Essa obra foi mal recebida pelos psicanalistas porque sua autora não era analista, mas também porque ela conseguiu superar a oposição dos terapeutas oficiais do paciente para encontrá-lo regularmente. No entanto, se deixamos a última palavra ao próprio paciente, suas Memórias autobiográficas revelam a estrutura oculta de sua personalidade. Além do testemunho de quem teve contato direto com ele, a literatura sobre o Homem dos lobos é abundante, variada e tem múltiplas facetas. Nenhum autor importante da literatura psicanalítica resistiu a interpretá-lo. Como se poderia esperar, esses comentários que vão de Klein a Lacan exprimem diferentes pontos de vista. Apesar do meu interesse pelo estudo deste capítulo da história da psicanálise, prefiro retornar à obra de Freud, pois sua descrição do caso é excepcional.

No que concerne à sexualidade, Freud sublinha a importância do erotismo anal. Comparemos, então, o Homem dos ratos ao Homem dos lobos, dado que essa questão é central nos dois casos. O Homem dos ratos era um neurótico obsessivo na idade adulta. Quanto ao Homem dos lobos, seu quadro clínico adulto foi precedido de uma neurose obsessiva da infância. Patrick Mahony (1984) sugere com pertinência que a obra de Freud deveria ter sido intitulada: "História de uma psicose infantil". Os sofisticados mecanismos do pensamento obsessivo eram familiares desde o Homem dos ratos, mas no caso do Homem dos lobos, a situação é completamente diferente. As fixações anais do paciente russo se traduziam por uma constipação que exigia a prática regular de lavagens administradas por homens a fim de aliviar seu intestino por meio da excitação do ânus e do reto. Seus transtornos eram acompanhados de diversos sintomas psíquicos ligados à má gestão de sua fortuna, ao seu medo da morte (através da disenteria), às fantasias de parto (as fezes, simbolizando os bebês);4 enquanto que as fantasias homossexuais estavam ligadas a uma identificação feminina com sua mãe. Mas tudo isso não é suficiente para explicar a especificidade da estrutura da personalidade do paciente. Freud conhecia, mais do que qualquer um dos outros analistas que trataram o Homem dos lobos, sua particular condição mental. Ele sabia que Serguei Pankejeff não podia escolher entre duas representações do ato sexual (pela vagina ou pelo ânus): "Os dois pontos de vista permanecem separados um do outro por um estágio de recalcamento" (Freud, 1918, p. 77). Podemos considerar esta observação como uma primeira intuição da clivagem que Freud (1927) só iria descrever treze anos mais tarde em seu artigo "O fetichismo". Propus qualificar o pensamento do Homem dos lobos como "biológico" (Green, 1982). Não vou expor essa ideia em detalhes, eu me contentarei em defini-la como a coexistência paradoxal de uma dupla opinião contraditória em pontos de grande importância para o desenvolvimento psicológico. Poderíamos compreender imediatamente sua relação com a clivagem, mas aquilo a que faço alusão é diferente. Freud descreveu as particularidades da atitude do Homem dos lobos diante da castração.

Ele se rebelou primeiro, depois cedeu, mas uma reação não suprimiu a outra. (Freud, 1918, p. 82)

Notemos a diferença com o processo neurótico: recalcamento, retorno do recalcado, resistência, interpretação, insight, recognição. No lugar disso, estamos lidando aqui com a coexistência de duas correntes: uma que abomina a castração, a segunda que a aceita, mas ao custo de substituir o pênis pelo ânus como fonte de prazer, predispondo à identificação feminina. Quando resume esse caso, Freud levanta mais uma vez a questão das particularidades da "mentalidade" do paciente trazidas à luz pelo tratamento psicanalítico:

A tenacidade da fixação ... a extraordinária extensão da tendência à ambivalência e, como terceiro traço de uma constituição que deve ser chamada de arcaica, a aptidão para fazer funcionar lado a lado todos os investimentos libidinais, os mais diversos e contraditórios. (Freud, 1918, p. 115)

Freud considerava esse "terceiro traço" como pertencendo normalmente ao inconsciente, enquanto no Homem dos lobos ele persistia na consciência. Cito essas observações de Freud a fim de mostrar como, nessa estrutura neurótica, a fixação da sexualidade em um estado pré-genital é geralmente acompanhada de um transtorno da "mentalidade" do paciente. Em outros termos, a esfera do sexual afeta o funcionamento do eu e a capacidade de julgamento. Mencionarei ainda uma citação de Freud, retirada do famoso artigo "Neurose e psicose" que me parece importante:

[Em certos casos, nem neuróticos nem abertamente psicóticos], será possível ao eu evitar uma ruptura, em qualquer direção, deformando-se, aceitando perder seu caráter unitário, eventualmente até mesmo rachando-se ou dividindo-se. Desse modo, as inconsequências, excentricidades e loucuras dos homens seriam colocadas sob a mesma luz que suas perversões sexuais, pela aceitação das quais eles se poupam, de fato, dos recalcamentos. (Freud, 1924, p. 7)

Essa passagem estabelece um paralelo entre as perversões sexuais e as consequências da clivagem do eu. Existem poucos exemplos na obra de Freud de uma relação tão claramente definida.

Lacan já tinha notado a presença, no texto de Freud, de um novo tipo de recalcamento nomeado de Verwerfung (forclusão), uma espécie de rejeição radical. Aqui ainda, eu me contentarei em citar as observações de Freud sobre esse processo:

A posição inicial assumida por nosso paciente em relação ao problema da castração já nos é conhecida. Ele a rejeitou e se ateve ao ponto de vista do intercurso pelo ânus. Quando eu disse que ele rejeitava, o primeiro significado dessa expressão é que ele não quis saber de nada a respeito no sentido do recalcamento. A rigor, nenhum julgamento foi feito sobre sua existência, mas era como se ela não existisse. (Freud, 1924, pp. 82-83)

Essas descrições dos transtornos do pensamento do paciente são ainda mais impressionantes quando lembramos que foram escritas em 1914. Além disso, o caso do Homem dos lobos ocorre exatamente entre o do Homem dos ratos e o do presidente do senado, Schreber. O elo entre eles é a analidade que mostra não apenas a depreciação da genitalidade, mas igualmente dos valores paternos mais elevados, por meio da associação Deus/excremento.

Podemos, agora, reunir os elementos de uma estrutura presente na neurose:

1. A predominância do complexo de Édipo positivo em relação ao complexo de Édipo negativo;

2. A predominância do recalcamento em relação à clivagem;

3. A predominância do juízo de existência e do princípio de realidade em relação ao princípio de prazer-desprazer.5

O paradoxo diz respeito à "realidade" da castração. Não se trata, claro, de uma castração "real". Freud aqui se permite uma condensação. O que gostaríamos de sublinhar é a importância do reconhecimento da ausência de pênis no corpo da mãe tanto na percepção quanto na representação. A castração é, portanto, de fato, uma fantasia, uma "teoria sexual", enquanto que a ausência de pênis no corpo da mãe é uma realidade que deve ser reconhecida. A fantasia da castração é importante porque se refere a uma ação realizada, na fantasia, pelo pai (mesmo que a ameaça dirigida à criança venha de uma mulher), daí a concepção do pai como castrador - mesmo no caso de um complexo invertido. Winnicott (1951) considerava a angústia de castração como uma bênção para a criança, pois ela podia mostrar o caminho para sair das angústias insustentáveis e sem saída ligadas à relação dual com a mãe.

Encontramos, por outro lado, na pena de Freud, a descrição de uma recusa da castração que implica sua rejeição e afirma sua não existência. Ele coloca duas correntes em paralelo, uma que odeia a ideia da castração e outra que a aceita, encontrando consolo na feminilidade por meio do prazer anal. Poderíamos resumir este ponto de vista da seguinte forma:

Primeira fase: não existência da castração (recusa);

Segunda fase: clivagem entre duas correntes contraditórias, a castração como abominação coexiste com sua aceitação, permitindo uma compensação através de uma identificação com a feminilidade (analidade).

Nós poderíamos igualmente formulá-lo assim:

Na primeira fase não existe vagina e, consequentemente, não há castração; só existe um buraco, o ânus, e um órgão para penetrá-lo, o pênis;

Na segunda fase a castração existe - impossível continuar a recusá-la -, mas mesmo sem pênis ainda se pode gozar da sexualidade por meio da excitação anal.

Em todo caso, o problema da presença ou da ausência de pênis e o conflito entre o prazer fálico e o prazer anal estão intimamente ligados a uma intensa atividade de pensamento, que prenuncia certas ideias de Bion. A demonstração que faz Freud da castração através da alucinação do dedo cortado é memorável. Mostrei em outro lugar (Green, 1993b) que ao lado das alucinações positivas, experimentadas no terror, alguns indícios (o sangue não é visto, a dor não é sentida) fazem pensar em alucinações negativas.6

Em minha opinião, o capítulo sobre o erotismo anal no Homem dos lobos fornece provavelmente a visão mais aguda de Freud sobre esse paciente. Ele poderia ser considerado como o precursor dos desenvolvimentos posteriores sobre os transtornos de personalidade limite. Infelizmente, a maior parte dos escritos da literatura sobre essas estruturas de personalidade não neuróticas subestimam o papel da sexualidade. A destrutividade está em primeiro plano, o que é em parte justificado; o eu está no âmago da análise, o que é necessário, mas ao mesmo tempo parcial; as relações de objeto substituem quase que inteiramente, e sem razão válida, a teoria das pulsões; e finalmente, o puritanismo triunfou ao minimizar o papel central da sexualidade. A disfunção do eu - por vezes abordada na perspectiva das relações de objeto - é separada de seus correspondentes no âmbito da sexualidade.

A propósito da sexualidade nas estruturas de personalidade não neuróticas, eu proporia duas principais alternativas que podem ser consideradas polaridades extremas com várias constelações intermediárias:

Nos casos de genitalização das fixações pré-genitais há uma tentativa compulsiva de expressar genitalmente características ligadas a uma pré-genitalidade que manifesta fixações orais e anais;

No segundo caso as expressões pré-genitais mascaram as fixações genitais por meio de todos os tipos de defesas, do recalcamento à clivagem, protegendo o conflito genital escondido.

 

Depois de Freud, a sexualidade arcaica

As fixações pré-genitais se tornaram rapidamente o novo ponto central da psicanálise. Isso começou com Melanie Klein nos anos de 1930 e continua a se desenvolver até os dias de hoje, tornando-se, finalmente, um tema de interesse comum. Na França, Bouvet (1967) dedicou grande parte de seu trabalho à diferenciação entre as estruturas genitais e pré-genitais. Isso precedeu o deslocamento de interesse em favor dos transtornos de personalidade limite. Está mais do que na hora de nos questionarmos sobre o significado da sexualidade neste novo contexto. Bouvet (1979) fez um trabalho de grande importância que abriu novos caminhos para a compreensão da sexualidade, de início através de seu estudo do travestismo e da transexualidade, e em seguida, ampliando a perspectiva sobre a natureza da excitação erótica e seus desvios na sociedade contemporânea. McDougall (1995) descreveu as manifestações da sexualidade arcaica: a sexualidade aditiva, as novas necessidades, a importância das fixações muito precoces a traumas patogênicos. Para ela, o conceito de complexo de castração clássico associado à fase fálica não é mais a referência válida. Ela demonstra de maneira convincente a natureza potencialmente traumática de toda sexualidade. Como sugere Melanie Klein, as fixações podem remontar a um período tão precoce como o da fase oral do desenvolvimento ou às fases oral e anal. Mas segundo Freud, não é inteiramente exato atribuir o início de todos os transtornos observados a um único período, por mais precoce que ele seja. Deveríamos considerar a coexistência de diferentes pontos de fixação, com suas correspondentes características ligadas à sexualidade e também ao funcionamento do eu, com outros modos de defesa que não o recalcamento. Nesses casos, encontramos expressões de níveis diferentes coexistindo umas ao lado das outras. Ficamos surpresos ao ver alguns pacientes atuarem diversas perversões polimorfas quando não apresentam uma organização perversa constante ou exclusiva. Várias perversões podem coexistir e predominar em função das circunstâncias, sem que haja uma fixação rígida de um único tipo. Os pacientes passam de um parceiro sexual ao outro com tal rapidez que o analista não consegue se lembrar dos seus nomes. Não é tanto uma questão de comportamento aditivo, mas a expressão de uma necessidade de mudança ou de se livrar do objeto tão logo ocorra a primeira decepção ou apareça o sentimento de uma possível ameaça. De fato, o objeto é sentido como perigoso, como ameaçador, assim que se estabelece uma relação próxima com ele. Um caso clínico ilustrará meu pensamento.

 

Caso clínico

A análise de um pseudopsicopata

Arnaud solicitou uma análise aos 37 anos de idade. Ele queria colocar fim a um longo período de existência psicopática que o tinha conduzido a comportamentos extremos. Ele se dava conta de que sua relação problemática com as mulheres o havia impedido de se casar e de fundar uma família. Por razões de confidencialidade, eu não me estenderei nem sobre os transtornos de sua primeira infância, nem sobre seu recente passado como adulto, períodos que foram fortemente perturbados. Esclarecerei apenas que, embora ele não fosse responsável pelo que lhe aconteceu na primeira infância, havia razões para suspeitar de um grande sentimento de culpa que o impedia de levar uma vida adulta satisfatória. Também não darei detalhes muito significativos sobre o comportamento sexual patológico de sua mãe, mais uma vez por uma razão de discrição.

Arnaud queixava-se de uma instabilidade em sua potência sexual e de uma tendência à infidelidade nas suas relações com as mulheres. Tinha uma fantasia central de masturbação que consistia em adormecer no peito de uma prostituta depois do sexo, fantasia intimamente ligada à relação com a sua mãe. A análise mostrava fortes tendências homossexuais. No entanto, havia praticado abertamente a homossexualidade somente uma vez; renunciando em seguida, por temer se tornar homossexual e ali encontrar prazer. Iniciada a análise, ele clivou sua vida sexual e emocional em duas partes. Ele teve experiências com todo tipo de objetos sexuais parciais, utilizando os serviços telefônicos eróticos para obter o orgasmo em conversas com mulheres anônimas, procurando relações sexuais com transexuais e ocasionalmente com travestis. Mas não chegou jamais a organizar um cenário perverso único nem a estabelecer um só tipo fixo de relação sexual. Suas relações perversas não eram exclusivas, mas alternavam-se com relações sexuais com mulheres que tinham mais importância para ele. Apresentava, além disso, uma clivagem do afeto; por exemplo, após uma briga com a sua namorada, sentiu necessidade de uma sessão de palmadas com uma mulher indiferente que encontrava prazer nesse jogo, mas foi incapaz de conectar os dois afetos.

Durante longos períodos, ele podia prescindir das relações sexuais. Quando seus relacionamentos com as mulheres eram significativos no plano emocional, era meio tímido, extremamente cauteloso, por medo de se envolver na relação, precisando ter certeza de que a mulher que ele escolhia o queria tanto quanto ele a ela - tanto - nem mais e nem menos. Temia que a mulher pudesse se apegar a ele mais do que ele desejava, e o aprisionasse com sua afeição. Ficava à espreita de qualquer sinal de que ela pudesse se tornar dependente dele. Por outro lado, esperava que ela prestasse extrema atenção ao que ele dizia, sentindo-se ferido se ela parecesse pensar em outra coisa. Sua liberdade sexual aumentou durante a análise, mas não a sua capacidade de aceitar a alteridade de sua parceira, nem a busca de um investimento emocional mais profundo. Ele terminava bruscamente um relacionamento assim que percebia um sinal de perigo que interpretava seja como uma rejeição, seja como um maior investimento da parte do objeto. Eu podia perceber em seu comportamento sinais subjacentes de uma personalidade paranoica; ou melhor, uma sucessão alternada de episódios paranoides e depressivos. Mas, tendo em vista sua infância, ele tinha amplas razões para ser marcado por tendências psicopatológicas.

O material clínico mostrava uma profunda angústia diante da imago de uma mãe sedutora, cativante, possessiva e alienante. Na transferência, eu era percebido como uma pessoa muito moralizadora e repressiva, como um substituto paterno investido de sentimentos contraditórios. Eu era sentido como um "pé no saco", mas também como uma figura protetora, admirada e prestimosa. No que me diz respeito, ele fez nascer em mim sentimentos afetuosos. Apesar dos comportamentos psicopáticos que havia tido no passado, eu tinha absoluta confiança nele.

 

Discussão

Não se pode considerar esse caso como apresentando uma estrutura de personalidade neurótica ou psicótica. A presença de tendências psicopáticas ou perversas também não permite encaixá-lo em nenhuma dessas categorias. A clivagem que destaquei entre a sexualidade parcial e sua vida amorosa não pode ser descrita em separado: não podemos dissociar esses dois aspectos, porque cada um é revelador do outro. O paciente nos oferece uma excelente oportunidade para captar a complementaridade que existe entre a teoria das pulsões e a das relações de objeto. Nós vimos como a colocação em ato das pulsões exprime claramente os aspectos recalcados igualmente ligados às relações de objeto. De fato, podemos observar aqui a manifestação de um duplo funcionamento: um relacionado aos objetos parciais (com pulsões parciais), outro aos objetos totais (com uma sexualidade mais completa) em conflito com o amor.

Durante a análise, no mais intenso da atividade transferencial, o paciente deixava entrever por momentos uma relação delirante. Por exemplo, a transferência homossexual era vivida sob a forma de uma intrusão das palavras do analista em seu cérebro. Se a transferência constitui o melhor meio para descobrir a intimidade psíquica, a sexualidade, considerando a relação entre sexualidade e amor, é o "analisador" mais agudo da relação com o outro. Em psicanálise, não se pode dissociar completamente sentido e amor. Em alguns casos, a prática ocasional da perversão aparece como um desafio e uma provocação endereçada ao supereu. Ela é sustentada por uma recusa da angústia, que reaparece nas relações de intimidade com o objeto, mesmo fora de qualquer contexto sexual. O amor é temido por conta do risco de fracasso, de rejeição, de traição ou de abandono por parte do objeto; a indisponibilidade do objeto é tão temida quanto sua dependência.

As fixações pré-genitais são descobertas no decorrer da análise quando se pode perceber um conjunto de correspondências entre neurose e estados limite. Enquanto que nos pacientes neuróticos os analistas identificam a angústia de castração (nos homens) e de penetração (nas mulheres), nos pacientes limite, eles vão perceber a angústia de separação (ligada à castração) e a angústia de intrusão (ligada à penetração). Em formas extremas, esse par de afetos não neuróticos leva à angústia de abandono (ligada à separação) e total submissão (ligada à intrusão).

A sexualização defensiva (ou melhor, a genitalização) pode demonstrar a primazia conferida à pulsão, sem outro objeto além daquele que está ligado a ela. O modelo absoluto, quaisquer que sejam as práticas sexuais, é o da masturbação autoerótica. Em relação ao objeto total, constata-se com frequência mecanismos de identificação primária, com confusão do eu e do objeto. De fato, o sujeito vive habitualmente suas relações menos sob a forma de uma parceria que implica um compartilhamento com o objeto, do que a de uma proximidade, numa espécie de coexistência que pode ser refletida na relação de transferência.

Quando é a violência que domina a sexualidade, e nem a experiência do desejo nem a do prazer podem ser vividas, os afetos são substituídos por necessidades imperiosas e impulsos irreprimíveis. A mente é dominada pela vingança, a dominação, o controle, o desejo de aniquilar o livre-arbítrio do outro. Estamos aqui realmente "além do princípio do prazer". A questão que se impõe é saber se podemos ou não considerar que essas manifestações estão sob a influência de uma "pulsão de morte". É inegável que a destruição se encontra em primeiro plano, seja a autodestruição ou a destruição do outro, e que devemos examinar atentamente o "trabalho do negativo" (Green, 1993b). No que concerne ao objeto, poderíamos lembrar de uma formulação de Freud que caracteriza certas estruturas psíquicas por uma forte fixação e um débil investimento do objeto.

Algumas outras questões

Nos exemplos que descreverei agora, a questão que se coloca é de uma perturbação da genitalidade e do desenvolvimento de fortes fixações pré-genitais. Penso em muitos pacientes que, em circunstâncias conflitivas, podem apresentar uma perda total da excitabilidade genital, um desinteresse, de fato, uma evitação fóbica de qualquer situação que possa conduzir a uma relação sexual. Robert poderia passar dois anos sem ter relações sexuais com sua companheira. Ele só podia encará-la como uma garotinha que devia ser tomada em seus braços. No decorrer da análise, explicou que ela lembrava tanto a sua mãe que o inibia sexualmente. De fato, esse homem era obcecado pela ideia de que em sua infância poderia ter cometido incesto com a sua mãe, que era gravemente perturbada. Por outro lado, sentia que a sua ligação com ela não poderia jamais ser desfeita. Tinha esporadicamente pseudoalucinações, com a impressão de que onde quer que estivesse, em casa ou em suas caminhadas pela rua (em particular a caminho das suas sessões), sua mãe o chamava. Na verdade ela morava a mais de mil quilômetros de distância. Antes do início da análise, suas relações com as mulheres não duravam mais do que três meses. Quando enfim, graças ao trabalho da análise, ele se apaixonou por uma mulher (aquela com quem ele se casou e teve um filho), emergiram características sádico-anais com uma necessidade compulsiva de dominá-la. Depois de mais de dez anos de análise comigo, como segundo analista, ele foi enfim capaz de experimentar prazer sexual com ela. Muito curiosamente, embora tenhamos amplamente analisado o seu complexo de Édipo e ele tivesse aceitado as minhas interpretações, era cego e surdo quanto às manifestações edípicas precoces da infância. Ele era capaz de perceber o forte apego de seu filho recém-nascido à mãe (e de se inquietar com isso), mas não podia admitir que numa certa idade o filho tenha podido percebê-lo como um rival e desejado rejeitá-lo para se apossar da mãe quando ela se encontrava sozinha com ele.

Os outros dois casos que apresentarei são mulheres. Cécile era irmã de um esquizofrênico. Apresentava fortes fixações anais ligadas a uma difícil aprendizagem do controle dos esfíncteres na primeira infância. Ela constitui uma boa ilustração do que eu chamei de "analidade primária" (Green, 1993a) para diferenciar esta última das características normais do erotismo anal - que, penso eu, deveríamos nomear como "analidade secundária". Mais uma vez, a descrição que farei aqui deste caso não é mais que um resumo. A alteração narcísica da paciente era predominante. Sua vida emocional e sexual eram inexistentes. Podemos considerar a relação que ela tinha comigo como representando o essencial, senão a quase totalidade, de suas relações de objeto externo. Todos os seus investimentos foram deslocados ao seu trabalho de pesquisadora, destinado a operar uma reparação narcísica de sua imagem. Mas como o seu trabalho era fonte de conflito, sua erotização a conduziu a corrigir seus textos infinitamente. Demorou mais de 18 meses para escrever as 25 páginas de conclusão de uma obra coletiva cuja edição coordenava. Quando ela enfim terminou, decidiu descansar um pouco. Numa piscina onde esteve, foi acometida de uma angústia muito forte ao ver mulheres em traje de banho que relaxavam ao sol. Pareciam indecentes para ela, exibindo sua pele ou sua "carne": "Isso me fez pensar na putrefação, na decomposição e na morte", ela disse. Em certa medida, os corpos nus a faziam lembrar dos excrementos. Fazer como essas mulheres a teria feito perder o corpo puro e idealizado - o corpo espiritual - do trabalho intelectual. Ela se dava conta de que entrava em pânico quando um homem se dirigia a ela de maneira trivial, durante uma conversa comum; era incapaz de responder o que quer que fosse, embora soubesse que havia intensamente desejado essa situação. Era obcecada pela fantasia de que qualquer palavra que pronunciasse a levaria inevitavelmente para a cama com ele. Não podendo considerar seu desejo senão como sinal de coação, ela tinha que recorrer a uma fantasia de estupro.

Diane apresentava igualmente uma ausência total das relações sexuais; estas foram substituídas por fortíssimas fixações orais. Ela havia se divorciado há alguns anos e tinha vários amantes. O suicídio inesperado de um deles provocou nela um vivo sentimento de culpa. Desde o seu divórcio, ela mesma tinha feito inúmeras tentativas de suicídio, das quais algumas muito sérias a fizeram mergulhar em coma prolongado. Desde um aborto, intimamente ligado à sua história familiar (seu nascimento foi precedido por um irmão natimorto), ela vivia numa grande solidão, sem nenhuma vida sexual, mantendo contato principalmente com mulheres, das quais algumas eram homossexuais ou solteiras endurecidas. Quando não estava trabalhando, tinha acessos de bulimia ou bebia quantidades excessivas de vinho tinto ou de champanhe. Ela apresentava igualmente uma adição às drogas, principalmente tranquilizantes e antidepressivos. Passava todo o seu tempo livre reclusa (principalmente aos finais de semana), na cama, tomando soníferos e esperando a segunda de manhã para poder retornar ao trabalho. Essas fixações pré-genitais, com relações de objeto de uma grande pobreza, eram associadas a uma transferência de um tipo particular. Por um lado, ela nunca exprimia sentimentos em relação a mim, seu analista, nem fazia qualquer comentário pessoal sobre mim. Por outro, era evidente que eu tinha grande importância para ela e que ela era profundamente vinculada a mim. Um dia, durante uma chamada telefônica numa situação de urgência, me disse num estado de angústia extrema: "Eu te amo". Então, na última sessão antes das férias de verão, disse-me pela primeira vez: "Vou sentir sua falta. Como vou fazer sem você?" Era a primeira vez que eu não estava preocupado por ela, tendo entendido que ela seria capaz de suportar a separação. Seu comportamento - dormir, comer e beber em excesso - tinha apenas um objetivo: permitir-lhe ter a cabeça vazia. Queixava-se, por um lado, de não poder pensar, isto é, de não ser capaz de associar, e, quando por ventura conseguia, queixava-se de não poder tirar daí qualquer conclusão: "Eu não sei como pensar."

Nos três casos que eu acabo de citar, vemos como as fixações pré-genitais se associam a tipos correspondentes de funcionamento mental: as regressões sexuais andam de mãos dadas com um estranho funcionamento do eu. Posso apenas repetir o que já disse em meu artigo: "Sexualidade tem algo a ver com psicanálise?" (Green, 1996): as características sexuais associadas à genitalidade não constituem as camadas superficiais do desenvolvimento da libido, mas são exatamente o fundo do problema, o segredo profundamente enterrado no âmago da atividade psíquica. Mas a genitalidade com que estamos lidando nestes casos não é a mesma que observamos habitualmente; ela anda de mãos dadas com exigências imperiosas, demandas incessantes, ciúmes torturantes e uma necessidade de atenção exclusiva, mostrando a incapacidade de aceitar frustração, o ressentimento e as feridas narcísicas. Em outros termos, como diz Freud, a sexualidade não aparece em um determinado estágio, ela já está desde o início de uma maneira e com um estilo muito diferentes das formas que assume na organização do complexo de Édipo. Em suma, se as relações duais são percebidas como um impasse, as relações triangulares abrem caminho para uma variedade de escolhas que permitem ao indivíduo escapar do aprisionamento mútuo. Ainda precisamos de um pai, mesmo hoje em dia.

 

Conclusões clínicas

A intuição de Freud sobre o papel central desempenhado pela sexualidade na vida psíquica sempre foi atenuada pela ideia de suas diferentes expressões e consequências para a mente.

Ele considerava que a sexualidade é bruta, desordenada, governada pelo modo direto da descarga nas neuroses atuais, e dificilmente explorável quando voltada sobre o eu nas neuroses narcísicas. Além disso, observemos que se, grosso modo, a primeira parte da obra de Freud é fundada na comparação entre neurose e perversão (a neurose como negativo da perversão), a segunda metade (aproximadamente depois do "O eu e o isso" [Freud, 1923]) mostra uma mudança de paradigma: a neurose é cada vez mais explicitamente comparada à psicose. Daí a importância dos mecanismos, tal como a clivagem, que indicam uma alteração do funcionamento do eu, responsável pelo que consideramos suas características bizarras. Tinha-se, portanto, consciência, mesmo na época de Freud, de que em certas configurações clínicas os transtornos do eu deviam ser objeto de um exame cuidadoso, em conjunto com as fixações sexuais e em relação a elas. É por isso que considero falsa a ideia comum de que a psicanálise contemporânea demonstrou que a sexualidade podia ter menos importância do que no passado, em benefício de mecanismos mais precoces desprovidos de qualquer significação sexual. Por outro lado, muitas das supostas perversões são consideradas sinais relacionados ao funcionamento do eu, o que nos faz pressentir a existência de mecanismos psicóticos subjacentes. Poderíamos considerar que a frente comum contra a sexualidade, de Klein a Kohut, corresponde a um retorno do puritanismo, a uma tentativa, uma vez mais, de subestimar a sexualidade e, se possível, de se livrar dela de maneira mais ou menos definitiva.

No plano clínico temos que olhar o problema sob diversos ângulos. É impossível fazer apenas uma descrição categórica. Nós sabemos bem que teremos que compreender as características clínicas como uma combinação de vários fatores pertencentes a entidades metapsicológicas diferentes. Tentarei descrever os principais eixos da minha compreensão do problema.

Distinguiremos entre, por um lado, as manifestações diretas da sexualidade e as fixações regressivas, e, por outro lado, os deslocamentos nos quais a sexualidade está visivelmente ausente. Mais uma vez, isso significa que temos que combater a nossa tendência a retornar a uma concepção pré-freudiana da sexualidade. As manifestações diretas da sexualidade são aquelas constituídas pelas fixações regressivas imediatas. Desde "Pulsões e seus destinos", Freud (1915) mostrou, de maneira brilhante, como o sadismo e o masoquismo ou o voyeurismo e o exibicionismo são consequências de um desmantelamento. O sadomasoquismo implica a transformação de uma relação marcada por uma total indiferença mútua, entre dois parceiros cujo objetivo exclusivo é o prazer genital, numa relação que privilegia a agressividade com o objetivo de controlar, fazer sofrer, dominar e humilhar o objeto, e gozar por identificação com ele na transformação do sadismo em masoquismo. O voyeurismo e o exibicionismo visam, numa relação à distância, objetivos autoeróticos transpostos para um objeto, onde se goza novamente por uma identificação, mas desprovida de contato. Por outro lado, as manifestações indiretas, deslocadas da sexualidade infantil, não se limitam a infiltrar de agressividade a sexualidade ou transformar suas metas por meio de um regressão narcísica; elas eclipsam completamente a sexualidade fálica e genital. Há uma tendência a negligenciar a questão da abstinência de qualquer prazer sexual direto, que pode, entretanto, ser observada com muita frequência nas mulheres. Mas nesses casos, as fixações orais (os transtornos alcoólicos ou alimentares, o sono excessivo etc.) mostram rapidamente sua natureza regressiva enquanto fuga da genitalidade. Ou seja, o sujeito tenta se libertar do vínculo com um objeto separado, o que é, a meu ver, menos a consequência de uma fixação, do que de um encobrimento dos desejos sexuais. Nas fixações anais, o deslocamento para as atividades dessexualizadas (adição ao trabalho, ruminação mental) mostra a mesma tentativa de se libertar das dificuldades da relação com um objeto separado. Podemos relacionar isso à percepção do ato sexual como imposto pelo parceiro (fantasias de estupro) e à recusa de suas relações internas com a fantasia.

Geralmente considera-se o atuar como um mecanismo de defesa que permite escapar das vicissitudes do mundo interno descarregando a angústia conflitiva no mundo externo. Essa concepção é, para mim, incompleta. Atuar é uma transformação, eu poderia até mesmo dizer uma conversão, de um problema conflitivo, na maior parte do tempo de essência traumática, que permite dar uma expressão que indica a transição para a atividade de conteúdos psíquicos ligados a situações mais ou menos penosas, vividas na infância, quando a criança se encontrava num estado de passividade, espera e dependência. Isso explica a razão da necessidade de repetir as experiências pós-traumáticas não resolvidas e restritivas num contexto mais suportável (quer dizer, vivendo-o de uma maneira ativa). É necessário, para isto, escolher um outro sujeito como substituto do self original, ou uma outra situação, análoga à original, para que o sujeito a marque com seu próprio selo e nela inscreva ativamente sua assinatura. Claro, todos estes atos podem ser realizados de maneira automática, sem a consciência clara de seu papel. No entanto, eles obedecem ao mesmo objetivo. Por vezes ainda, também eles correspondem à antecipação de um perigo, processo muito importante nas estruturas não neuróticas. A capacidade de suspender a ação é necessária para o pensamento e evita a precipitação (Bion, 1967). Muito frequentemente, a antecipação conduz a mergulhar no próprio centro de situações perigosas e temidas, e revela uma atitude paradoxal na análise da transferência.

Essas observações nos levam ao exame da relação de objeto. Na maior parte dos casos, as projeções e introjeções, que têm por origem os objetos internos, produzem efeitos múltiplos: os respectivos papéis dos objetos parciais e totais, a função dos objetos narcísicos, pré-edípicos e edípicos. Uma importância particular deveria ser dada aos objetos edípicos, pois eles representam objetos da dupla diferença dos sexos e das gerações. A estrutura do sentido encontra-se aqui realizada mais do que em qualquer outro lugar.

O equilíbrio entre pulsões de amor e de vida, de um lado, e pulsões de destruição, do outro, está sujeito a variações que têm origem no ambiente, daí a importância da área transicional descrita por Winnicott (1951). É em função desses parâmetros que avaliaremos o que eu chamaria: "a capacidade do eu de funcionar em relação ao Outro". O Outro não é um objeto, embora seja fundado nele. Ele é um correlato do sujeito, uma vez que só há sujeito para um outro sujeito. O Outro forma um par com o sujeito, o que se manifesta na apreciação da dupla eu-supereu. Nenhuma sociedade escapa à necessidade de estabelecer regras concernentes à sexualidade. A proibição do incesto é designada como a regra das regras, instituindo a linha de separação entre natureza e cultura.

 

O sentido da sexualidade

É possível esboçar um modelo de base para a compreensão da sexualidade? A sexualidade tem sua fonte na busca da satisfação das pulsões através do contato (físico e psíquico) com um objeto de escolha. Os dois elementos deste par comunicam-se um com o outro através do eu, cuja estrutura diferenciada e complexa permite obter satisfação, protegendo, ao mesmo tempo, sua própria organização e suas outras funções. As correntes oscilam da pulsão ao objeto e do objeto à pulsão. Numerosos fatores podem se opor à busca do prazer que fortalece o eu: a angústia, uma destrutividade irreprimível, o medo de uma desorganização ou do colapso. É necessário então supor a existência de uma estrutura psíquica nascida das pressões culturais provindas da sociedade. Tal é o papel do supereu cujas exigências podem ser tão brutais, tão cruéis, tão imperiosas quanto as das pulsões.

É possível que outros componentes tenham escapado à minha atenção, mas os que acabo de descrever me pareceram indispensáveis.

Nas estruturas neuróticas, o equilíbrio entre os diferentes elementos não implica uma regressão significativa do eu. Nas estruturas não neuróticas, não somente o eu é regredido, mas a própria sexualidade sofre paralelamente uma regressão a fixações pré-genitais. Os transtornos do pensamento são a consequência disso (Bion, 1967). Mesmo nestes últimos casos, acredito que a relação edípica genital permaneça silenciosa a fim de manter secretas as fantasias que são próprias a qualquer ser humano: o amor, o gozo sexual, a proximidade e a intimidade afetiva, o compartilhamento de uma experiência extraordinária.

O estudo da sexualidade nas estruturas não neuróticas oferece uma excelente oportunidade de se investigar sobre o sentido da sexualidade. Eu proporia uma perspectiva esquemática da maneira pela qual podemos compreender esse aspecto da condição humana. A sexualidade, que está enraizada no biológico, é uma força interior dirigida para o exterior. Inútil dizer que no homem o objetivo procriador da sexualidade animal é afastado e substituído pela busca do prazer. Nós somos sujeitos movidos pela busca do prazer através dos objetos, para o bem e para o mal. Isto pode nos conduzir à sublimação ou à barbárie. A sexualidade é uma força de dupla orientação: de dentro para dentro e de dentro para fora (e vice-versa). Esta dupla articulação entre o intrapsíquico e o intersubjetivo é a especificidade da psicanálise. As relações entre sexualidade e amor são muito complexas. Suponho que se os dois se entrelaçam no início da vida, isso acontece de forma diferente no adulto. Muito cedo no curso do desenvolvimento, uma dissociação vem separar sexualidade e amor. Podemos pensar aqui no "estágio de preocupação", de Winnicott ou nas posições depressivas de Melanie Klein (1940) e de Bion (1962). As trajetórias temporariamente independentes da sexualidade e do amor são favorecidas pelas defesas - recalcamento, clivagem etc. Este "trabalho do negativo" é um processo de estruturação normal, mas pode dar lugar a formas extremas com um banimento mais ou menos total das satisfações sexuais. Lembremos a aphanisis de Ernest Jones (1927) injustamente esquecida.

A fusão da sexualidade e do amor é uma das realizações mais difíceis das relações humanas. Amor e ódio estão no centro da ambivalência; eles são por vezes completamente separados de uma vida sexual dominada por objetos e zonas erógenas parciais, ou ainda, em uma sublimação que tenta manter a sexualidade tão longe quanto possível da consciência. Embora casos como os de Santa Teresa e São João da Cruz, por exemplo, mostrem que o sexual penetra nas realizações mais sagradas e mais altamente espirituais; o sofrimento pelo amor do objeto é uma dimensão essencial da divindade.

Pode ser difícil admitir que a "sexualidade natural", completa e satisfatória, com um objeto digno de confiança, depende de uma idealização ou, pior, de uma ilusão. Favorecer uma prática livre da sexualidade não resolve todos os problemas. Quanto mais a sexualidade tem o campo livre, mais complexa e delicada se torna a sua realização.

Para os biólogos, os resultados da evolução são a sexualidade e a morte. A função sexual apresenta diferentes estágios biológicos, do nascimento à puberdade; do ponto de vista psicológico, encontramos uma estrutura correspondente, em estágios - embora diferentemente organizada - em dois períodos, o infantil e o adulto, separados por um período de latência. A teoria das pulsões de Freud foi injustamente oposta à das relações de objeto. Ora, essas duas concepções não são antagônicas, elas se complementam, já que a última teoria das pulsões, que inclui as pulsões de vida e o amor, implica a existência do objeto. Ela tem a qualidade insubstituível de dar conta da força que nos anima e nos empurra para a frente. Isso não é garantido de uma vez por todas. O retraimento sobre si, a depressão ou o desinvestimento esquizoide nos mostram que ela pode ser neutralizada, perdida mais ou menos temporariamente, ou gravemente alterada de maneira definitiva. Lembremo-nos dos termos de Freud: pulsões "de amor ou de vida". O amor à vida é o nosso bem mais precioso. É por este lado que o trabalho do analista faz o seu combate.

É triste perceber que os analistas têm que redescobrir a sexualidade fora de qualquer puritanismo ou preconceito. A sexualidade é a única função da existência humana que exige como objeto um outro semelhante. O recém-nascido precisa de ar, de calor, de comida e de água. Nisso ele não difere dos outros animais. Mas ele precisa do outro semelhante para estabelecer as bases de sua alegria de viver, do compartilhamento do amor e das premissas do sentido. O amor e o sentido são talvez uma só e mesma coisa para o homem. A sublimação espiritual encontra-se no fim de um longo percurso; os sábios que estudam o sagrado não têm dúvida de que ele esteja intimamente ligado ao erotismo. Deixemos a última palavra a Freud. Em Psicologia das massas e análise do eu (1921, p. 31), ele escreve "Eros, que mantém tudo em coesão no mundo".

 

Referências

Bion, W. R. (1962). Éléments de la psychanalyse (F. Robert, Trad.). PUF.         [ Links ]

Bion, W. R. (1967). Réflexion faite (F. Robert, Trad.). PUF.         [ Links ]

Bouvet, M. (1967). Œuvres psychanalytiques. La relation d'objet (pp. 161-226.) Payot.

Brunswick, M. R. (1928). En supplément a l'Histoire d'une névrose infantile, de Freud. Revue Française de Psychanalyse, 35(1),5-46.         [ Links ]

Freud, S. (1915). Pulsion et destin des pulsions. In S. Freud, Œuvres complètes (Vol. 13). PUF.

Freud, S. (1917). Des transpositions pulsionnelles, en particulier dans l'érotism anal. In S. Freud, Œuvres complètes (Vol. 15). PUF.

Freud, S. (1918). À partir de l'histoire d'une névrose infantile. In S. Freud, Œuvres complètes (Vol. 18). PUF.

Freud, S. (1921). Psychologie des masses et analyse du moi. In S. Freud, Œuvres complètes (Vol. 16). PUF.

Freud, S. (1923). Le moi et e ça. In S. Freud, Œuvres complètes (Vol. 16). PUF.

Freud, S. (1924). Névrose et psychose. In S. Freud, Œuvres complètes (Vol. 17). PUF.

Freud, S. (1925). La négation. In S. Freud, Œuvres complètes (Vol. 17). PUF.

Freud, S. (1927). Le fétichisme. In S. Freud, Œuvres complètes (Vol. 18). PUF.

Gardiner, M. (Dir.) (1981). L'homme aux loups par ses psychanalystes et para lui-même. Gallimard.         [ Links ]

Green, A. (1982). Travail psychique et travail de la pensée (communication sur rapport de J. et F. Begoin). Revue Française de Psychanalyse, 46(n.º special), 419-429.         [ Links ]

Green, A. (1993a). L'analité primaire dans la relation anale. In B. Brusset et al., La névrose obsessionnelle. Monographies de la Revue française de psychanalyse (pp. 61-86). PUF.         [ Links ]

Green, A. (1993b). Le travail du negative. Minuit.         [ Links ]

Green, A. (1996). La sexualité a-t-elle un quelconque rapport avec la psychanalyse ? Revue française de psychanalyse, 60(3),829-848.         [ Links ]

Jones, E. (1927). Le développent précoce de la sexualité féminine. In E. Jones, Théorie et pratique de la psychanalyse (A. Stronk, Trad., pp. 399-411). Payot.         [ Links ]

Klein, M. (1940). Le deuil et ses rapports avec les états maniaco-dépressifs. In M. Klein, Essais de psychanalyse (M. Derrida, Trad., pp. 341-369). Payot.         [ Links ]

Mahony, P. J. (1984). Les hurlements de l'Homme aux loups (B. Vichyn, Trad.). PUF.         [ Links ]

McDougall, J. (1995). Éros aux mille et un visages : la sexualité humaine en quête de solutions. Gallimard.         [ Links ]

Obholzer, K. (1981). Entretiens avec l'Homme aux loups : une psychanalyse et ses suites (R. Dugas, Trad.). Gallimard.         [ Links ]

Stoller, R. J. (1979). L'Excitation sexuelle : dynamique de la vie érotique (H. Couturier, Trad.). Payot.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1951). Objets transitionnels et phénomènes transitionnels. In D. W. Winnicott, Jeu et réalité. Gallimard.         [ Links ]

 

 

Tradução de Júlia Catani e Patricia Cardoso de Mello
Revisão técnica de Berta Hoffmann Azevedo
1 Tradução publicada com a gentil autorização de Editions d'Ithaque do texto: Green "La sexualité dans les structures non-névrotiques" (1996). In A. Green, La Clinique psycha nalytique contemporaine (pp. 173-193). Paris: Ithaque, 2012. Apresentado no seminário de P. Jeammet, Paris, em 1996 e no Simpósio Psicanalítico Internacional de Delfos, publicado em inglês em 1999. Recorreu-se ao inglês quando necessário.
2 André Green (1927-2012) nasceu no Egito e fez sua formação médica e psicanalítica na França. Foi psicanalista membro da Societé Psychanalytique de Paris (SPP), e sua vasta obra - publicada em livros e revistas científicas - tornou-se um clássico da psicanálise contemporânea. Paris.
3 Este livro contém o ensaio original de Freud: "História de uma neurose infantil", "O suplemento" da editora Ruth Mack Brunswick, "As memórias do Homem dos lobos" assim como outras contribuições.
4 Deve-se lembrar que o artigo de Freud: "As transformações pulsionais exemplificadas no erotismo anal", escrito em 1917, se referia em inúmeros pontos ao caso do Homem dos lobos.
5 Freud (1925), em seu artigo sobre "A negação", vinculou o juízo de atribuição (bom ou mau) ao princípio de prazer-desprazer e o juízo da existência (real ou imaginário) ao princípio da realidade.
6 A discussão dessa alucinação é desenvolvida em Green (1993b).

Creative Commons License