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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.54 no.101 São Paulo July/Dec. 2021

 

HISTÓRIA DA PSICANÁLISE

 

Homenagem à Melanie Farkas

 

 

Jassanan Amoroso D. Pastore

Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). São Paulo

 

 

No dia 31 de agosto de 2021, às 21h, foi realizado o encontro "Homenagem a Melanie Farkas", pela SBPSP, via Zoom devido à pandemia da covid-19. Melanie faleceu em 5 de março de 2021, aos 91 anos (1929-2021).

A iniciativa e organização desta homenagem póstuma foram de Jassanan Amoroso D. Pastore, membro efetivo da SBPSP, e tivemos como palestrantes convidados: Carmem Mion, atual presidente da SBPSP, e os ex-presidentes Leopold Nosek (1993-1996), Márcio de Freitas Giovannetti (2001-2004) e Plinio Montagna (2009-2012). As demais participações são de familiares ou de colegas que fizeram parte de alguma equipe dos diversos projetos institucionais coordenados por Melanie.

Jassanan Pastore - Agradecemos a presença de todos, amigos, colegas, familiares e, em especial, da Carmem Mion, atual presidente da SBPSP, pela sua receptividade em aceitar minha iniciativa de realizar esta homenagem póstuma a nossa estimada amiga, a psicanalista Melanie Farkas. Com certeza, será uma noite em que celebraremos a amizade que tivemos o privilégio de ter com Melanie, e o convívio intenso que ela manteve com a família, amigos e colegas de profissão. Melanie partiu a contragosto. Amava a vida e era cheia de vida. Amava e era amada. Pelos filhos, pelos muitos netos e tantos bisnetos; pelos inúmeros amigos que a cercaram pela vida inteira, pelos pacientes. E Melanie amava a psicanálise.

Trazemos muitas lembranças vivas da Melanie dentro dos nossos corações, que vão nos aquecer noite adentro. São essas recordações que desejamos compartilhar hoje, cada um contando sua convivência singular com essa mulher livre, acolhedora e que lutava pelo que acreditava.

Nascida em 1929, combatente contra a ditadura militar, socióloga, psicóloga e psicanalista indisciplinada, Melanie foi pioneira na interação entre a psicanálise e o que, genericamente, arbitrou-se chamar de "comunidade". Referia-se a esse seu trabalho como "desembrulhar pacotes", metáfora para desenterrar conflitos desconhecidos. E, no desconhecido, a escuta psicanalítica ia produzindo inovações, inicialmente incompreendidas e rejeitadas.

Sua primeira escolha de graduação foi em Ciências Sociais - na Escola de Sociologia e Política. Durante essa formação, Melanie já foi exercendo uma certa militância estudantil, política, que se tornará uma forte característica de seu percurso pela vida inteira. Referia-se a uma formação política não partidária que, para ela, significava um olhar e uma preocupação com os outros. Nessa faculdade foi aluna da Virginia Bicudo, e esta foi uma das relações que despertaram seu interesse para cursar a Psicologia na PUC-SP, onde foi professora, e, posteriormente, a Psicanálise.

Nos primórdios da SBPSP, contávamos com a presença de Virginia Bicudo, Lygia Amaral e Durval Marcondes como importantes nomes ligados a inserções sociais. Mais tarde, porém, tivemos um período em que a instituição se fechou, limitando a psicanálise à clínica tradicional de consultório. Foi Melanie que lutou e conseguiu levar a psicanálise para fora do conforto dos consultórios e dos divãs, ampliando as modalidades de atuação psicanalítica. Antes mesmo de seu ingresso no Instituto Durval Marcondes, 1977, Melanie já trazia em sua bagagem a realização de trabalhos institucionais. E, assim, levou para seus anos de formação na SBPSP as marcas inovadoras de um método de trabalho que ela denominava "psicologia das brechas, de uma psiquiatria criativa", no sentido de arquitetar situações propiciadoras em espaços pouco estruturados, em que não havia modelos prontos. Para desgosto de alguns e felicidade de outros. Desgosto, pois que enfrentou a dura oposição daqueles que defendiam a psicanálise "pura", individual, de várias vezes por semana e ocorrendo no setting de consultório. Para outros, porque era a bem recebida possibilidade de criar um setor que pudesse desenvolver novas modalidades de atendimento.

Assim, muito cedo em seu trajeto profissional, Melanie apresentou um peculiar olhar bifocal, no sentido de integrar o indivíduo e o coletivo. Para ela, a psicanálise precisava dialogar com o contexto sociopolítico-cultural. A interação entre psicanálise e cidadania orientada por um olhar crítico sobre a construção do sujeito cidadão foi sempre o cerne de seu pensamento. Assim, suas atividades psicanalíticas não se restrigiram ao setting tradicional de consultório. Ao contrário, expandiu a psicanálise para práticas grupais, intervenções em instituições sociais, escolas, hospitais etc. Dentre tantas instituições e funções em que realizou seus projetos, podemos citar algumas: foi supervisora clínica na Secretaria de Saúde da Prefeitura de São Paulo desde 1989, e na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; psicóloga no Serviço de Higiene de Saúde Pública da USP; conselheira da Fundação Abrinq, durante duas décadas, tendo como projeto inicial "Nossas crianças" - de orientação e atendimento em creches, com demanda enorme -, com base no qual Melanie firma o primeiro convênio com a SBPSP; fundadora, com Marcos Mendonça, da Sociedade Amigos do Projeto Guri - e foi presidente de seu Conselho por mais de uma década -, que já atraiu mais de 800.000 crianças e jovens para iniciação musical, criando gosto pela música e abrindo caminho para a profissionalização de muitos deles; coordenadora do Projeto Psicologia da Federação Israelita de São Paulo (Fisesp).

Graças ao convite do Plinio Montagna, na época presidente da SBPSP, tive a imensa satisfação de organizar o livro O psicanalista na comunidade, de 2012. É um livro que reúne muitos trabalhos desenvolvidos pelo Setor de Parcerias e Convênios da SBPSP sob a coordenação da Melanie. Eu utilizei a foto da capa desse livro para ilustrar o convite para esta homenagem, porque esse livro é um registro e uma comemoração de toda a imensa contribuição da Melanie para a SBPSP, de seu empenho voltado para uma psicanálise implicada sócio e politicamente. A arte gráfica do livro foi idealizada pelo filho Kiko Farkas, e a imagem da capa é um detalhe de uma água-forte da Vera Montagna. A ideia dessa publicação surgiu a partir de um encontro chamado "Trabalhando com a Melanie", realizado na SBPSP e coordenado pelo Oswaldo Ferreira Leite, com o objetivo de que os colegas psicanalistas pudessem apresentar e trocar as experiências entre si acerca dos trabalhos que cada equipe realizava nas diversas parcerias com instituições sociais, de saúde e de ensino que Melanie foi estabelecendo ao longo de seu percurso profissional. Nesse livro consta uma extensa entrevista em que Melanie conta que o início de um trabalho sistemático voltado para a comunidade e a sociedade na SBPSP se deu por volta de 1997, depois de um convite do Leopold Nosek, na época diretor de Comunidade e Cultura da SBPSP, para que ela coordenasse o setor de Parcerias e Convênios dessa diretoria. Movimento de abertura para o mundo, lembrando que, até então, a SBPSP tinha uma posição muito resistente a essa modalidade de intervenção extramuros, restringindo-se à prática da psicanálise tradicional exercida entre as quatro paredes dos consultórios.

Carmem Mion - Sou eu que agradeço à Jassanan, foi uma grata satisfação receber o convite dela para estar hoje aqui nesta merecida homenagem. Esse convite me levou até o livro que a Jassanan organizou, e nele pude reconhecer a presença da Melanie na SBPSP, uma dimensão de interface com a comunidade com que eu ainda não tinha entrado em contato de forma profunda. Vocês sabem que eu nunca participei ativamente da Diretoria de Atendimento à Comunidade, DAC, e então não tinha ideia do tamanho do trabalho nela desenvolvido, um setor gigante, vibrante e atuante. Então, além da afetividade que eu estou conhecendo hoje, a Melanie foi uma pioneira em seu olhar atento e dedicado às comunidades carentes e na supervisão às pessoas responsáveis pelos atendimentos. Muita capacidade de doação e de dedicação à formação de jovens analistas fora e dentro da SBPSP.

Muitos candidatos vinham procurar a SBPSP após terem seus olhos e mentes abertos para a psicanálise, instigados pelo olhar apaixonado da Melanie, quando eles participavam dos diversos programas e projetos sociais de assistência psicológica gratuita dos quais ela foi orientadora e idealizadora, passando por muitas instituições, ongs, secretarias oficiais etc. Na SBPSP ela foi uma pioneira na sensibilização e idealização desses projetos sociais que, nas suas palavras, vieram a se constituir em um corpo de trabalho e reflexão sobre o que ela dizia ser a circunstância, o meio e o outro. O trabalho desse grupo veio a resultar na abertura do Terceiro Setor da SBPSP, e, posteriormente, na DAC. Ao assumir a presidência atual, fiquei impressionada com o trabalho sólido e valioso efetuado nos últimos anos pela DAC, que ocupa hoje um lugar de importância equivalente à do Instituto, sendo o Centro de Atendimento Psicanalítico, cap, seu braço forte. O CAP é uma das nossas vias preciosas de comunicação com a comunidade por meio do trabalho clínico de atendimento individual para crianças, adolescentes, adultos e também para casais, famílias, pais e bebês. Um dos objetivos do CAP é oferecer o aprimoramento de várias formas de atendimento psicanalítico para a comunidade em geral, o que me parece ser uma marca da Melanie Farkas. Esse setor tem hoje a importante função de aproximar o aprimoramento teórico e clínico em diferentes contextos, conseguindo uma participação muito grande dos membros filiados (mf). Assim, colabora no processo de uma formação diversificada do Instituto.

O segundo braço da DAC é o Setor de Parcerias e Convênios, muito próximo às propostas da Melanie. Hoje temos convênio com quase dez ou 11 instituições, entre elas, a Guarda Civil Metropolitana, a comunidade de Heliópolis, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Assistência Social da USP, ligada ao Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp), para atendimento de alunos que moram ali e estão em uma situação precária etc. Com a pandemia da covid-19, foi criado, em parceria com a Febrapsi, o projeto sos Amazonas, de iniciativa da Alicia Lisondo e Marli Braga. Esse atendimento é dirigido às crianças e adolescentes cujos pais ou ficaram internados durante meses ou morreram pela covid-19. Esse projeto, atualmente, se transformou em um sos Brasil, estendendo-se a todo o país.

E o terceiro braço da DAC é o de Cursos e Jornadas. É um espaço em que os colegas podem apresentar diferentes cursos e desenvolver temas que promovam trocas com as diferentes áreas do saber e da cultura.

Eu me detive e fiz um breve resumo sobre a DAC porque eu penso que é a Diretoria que condensa as principais propostas lançadas pela Melanie, nas quais ela se dedicou intensa e apaixonadamente.

Leopold Nosek - Jassanan, obrigado pelo convite. Eu fico muito honrado de poder homenagear a Melanie e eu não quero falar apenas do ponto de vista institucional, porque ela foi uma amiga que por mais de 40 anos teve um trajeto muito próximo ao meu, de muita identidade ideológica, política e amizade. Então vou contar um pouco da Melanie como é para mim. Nós entramos no Instituto em 1977, eu acho. Foi a primeira turma grande que entrou na SBPSP, porque até essa época os grupos do Instituto eram muito pequenos, tinham cinco, seis, sete pessoas, no máximo, mas nossa turma foi de 20 e poucos membros. Era uma turma muito jovem, e encontramos a Melanie, a Sula, a Eva, que eram pessoas mais experientes. A gente entrava assustado na SBPSP, éramos submetidos ao Teste de Rorschach, a entrevistas, e naquela época era o analista que autorizava se o candidato tinha condições de iniciar o curso. Então, o analisando realizava sua análise com um certo receio de ser inadequado e daí não poder frequentar os cursos. Fora da SBPSP, era uma época politicamente muito fechada, a gente vivia um ambiente muito assustador. Lembrem-se de que a primeira eleição indireta no Brasil foi em 1985, a Constituinte concluiu seus trabalhos em 1988 e a primeira eleição direta aconteceu em 1989, com o Collor. Então, nosso grupo passou 12 anos desse período, chamado de "transição gradual", cursando nossa formação. Eu tinha receio de falar das posições políticas, abordava raramente só em pequenos grupos. Nessa época o candidato não falava, nem existia uma Associação de Candidatos. Eu me lembro bem da Melanie, porque ela era muito mais à vontade e tinha uma coragem institucional, até pela experiência que ela já trazia. Era muito divertido, a gente tinha um professor muito tradicional que começava a aula e falava muito sem interrupção, e, então, quando estava perto do término da aula, a Melanie colocava seu casaco, sempre muito elegante, e pegava a chave do carro e ficava chacoalhando-a, assinalando o horário de término da aula, o que era considerado quase um ato de insurreição contra o tão estabelecido sistema. As mudanças vieram, e fomos requerendo mais espaço, e a Melanie durante todo esse tempo acompanhou e encorajou todas as grandes transformações que foram ocorrendo.

Daí, pela primeira vez na SBPSP, nós tivemos uma eleição disputada por duas chapas, o que deixou muitas cicatrizes. Houve também muitas lutas pela construção da sede atual. Melanie teve um papel essencial no sentido de uma abertura, de conceber que os integrantes da SBPSP estão inseridos em um mundo maior, que somos participantes da cultura, da ideologia, da política. Éramos cidadãos e não podíamos nos abster do entorno, e com o tempo esse pensamento foi ganhando um amplo espaço na SBPSP. Foi possível, então, a criação da Diretoria de Cultura, em que o Junqueira coordenava as Bienais, que eram encontros de psicanálise com a cultura. Começamos a fazer ciclos de cinema, com mesas de discussão dos filmes compostas por um psicanalista e outro colega de outra área das ciências humanas. Desde lá, considerávamos que o psicanalista tem responsabilidade com a estrutura social e política, e a Melanie assumia uma posição antiditatorial, libertária, e participava, no sentido amplo da palavra, se posicionando, se manifestando ideologicamente. Ela apoiava setores da política, lutava contra a ditadura, que foi uma época de medo, e o medo estava em todas as instituições, em todo lugar a gente tinha medo de falar e se posicionar. Hoje pensando, acho muito eloquente que entre o período de ingresso da nossa turma na SBPSP e o período de uma eleição direta para presidente do Brasil, a democratização, se passaram 12 anos de atividade institucional em que realizamos os seminários do Instituto. Havia proximidade entre nós, uma identidade de projeto, de liberdade, de responsabilidade social, no sentido de considerar que nós, psicanalistas, tínhamos um trajeto e um conhecimento muito específicos que merecia ser compartilhado com o mundo, com a cultura, com a sociedade em geral. E, ao mesmo tempo, nós éramos também muito influenciados pelos tempos e pela cultura mais ampla. Melanie teve essa inserção no sentido de uma abertura institucional. Então, a contribuição mais importante foi essa presença ideológica da Melanie, apoiando todas as batalhas para ampliar o contexto em que estávamos inseridos. Ela sempre esteve presente nos movimentos da SBPSP, como na construção da sede atual, nas exposições etc.

No setor de Parcerias e Convênios, Melanie teve, sem dúvida, um papel de liderança, trazendo novas ideias que eram postas em prática pelas equipes de profissionais por ela criadas. Acho difícil falar da Melanie apenas institucionalmente, porque mais do que tudo ela era uma pessoa muito incrível, e deixou uma ausência. É como se faltassem testemunhas, o ar vai ficando rarefeito em volta da gente, pessoas que testemunharam, que viram a gente se desenvolver, crescer e nos conheceram jovens (eu conheci a Melanie quando estavam nascendo meus filhos, com as visitas à maternidade)... é uma história muito longa, 45 anos de vida, caminhando juntos profissional e institucionalmente. A gente precisa ter essas testemunhas porque a gente vai ficando sozinho e tem muita história para contar, mas o vazio que deixa é muito eloquente, ele vai sendo preenchido pelas pessoas que vão dando continuidade a essa marca, com ideologia, com participação política, com a ideia de democracia, com a ideia de participação... e eu acho que esse pensamento veio para ficar na SBPSP e se amplia cada vez mais... e, portanto, inevitavelmente a Melanie me faz falta. É uma ausência muito sonora, é um silêncio muito sonoro a falta que ela faz.

Jassanan Pastore - O Márcio Giovannetti também foi presidente da SBPSP, no período de 2001-2004, e deu continuidade ao setor de Parcerias e Convênios, que já havia sido inaugurado na gestão do Leo. Na presidência do Márcio esse setor se ampliou significativamente com base em um amplo convênio firmado entre a SBPSP e a Prefeitura de São Paulo, por intermédio da prefeita Marta Suplicy. E, com a mesma naturalidade da Melanie quando reunia os amigos na casa dela e realizava os almoços para toda a família às quartas-feiras, ela foi capaz de aglutinar muitos colegas psicanalistas para atender a intensa demanda recebida. Certa ocasião, foi feita uma reunião na Faculdade de Higiene, na Avenida Doutor Arnaldo, para apresentação dos infinitos pedidos dos Postos de Saúde e das instituições de ensino da Prefeitura de São Paulo. Com muita habilidade, Melanie congregou um número enorme de colegas da SBPSP e montou muitas equipes de trabalho. Foi um momento em que o setor de Parcerias e Convênios se ampliou muito. Eu mesma participei desse projeto e realizei, em parceria com a Gilca, vários atendimentos com toda a equipe - psiquiatras, psicólogos, enfermeiras, faxineiras e outros - do Posto de Saúde do Jabaquara. Inúmeras outras duplas também foram formadas para atender muitos outros Postos de Saúde. Das instituições de ensino, recebemos muitos pedidos para acompanhamento dos integrantes dos Centros de Juventude da Prefeitura - os cjs. Gilca e eu começamos a atender grupos de vários cjs, porém, com o diferencial de que propusemos que os integrantes viessem até nós, na sede da SBPSP na Rua Sergipe. Essa proposta foi algo inédito, mas aceito de imediato, pois a necessidade de ajuda era candente. Participavam do grupo, além de nós, psicanalistas, a diretora do cj, os professores, os assistentes, a cozinheira, a faxineira e outros.

Márcio Giovannetti - É com grande prazer e emoção que participo desta comemoração. O Leo falou de uma ausência sonora, mas cada vez mais essa sonoridade vai sendo amplificada por tudo o que vamos ouvindo, pela repercussão, por todas as marcas que a Melanie deixou em cada um de nós e no mundo, porque a Melanie era, sobretudo, uma mulher do mundo. Então, eu não vou me restringir à participação dela na SBPSP, mas tentarei fazer um sobrevoo sobre a grande parceira que eu tive na psicanálise. Nós nos conhecemos em 1971, no Sedes Sapientiae. Em 1971, a madre Cristina bolou um grupo com alguns estudantes de Medicina que já frequentavam o Sedes. Ela abria o curso de Psicologia para estudantes de Medicina que estivessem interessados em psicoterapias em geral, e eu era um deles. Tínhamos 23, 24, 25 anos, éramos formados em Medicina, e havia uma mulher, que era a Melanie Farkas, foi quando a conheci, já mais experiente, mais velha do que nós, mas com um brilho, uma beleza, um savoir-faire, uma inteligência que deixava a todos nós absolutamente seduzidos por ela. Esse grupo foi o embrião do que veio a ser o Sedes Sapientiae hoje. Tínhamos aula com o Otalagano, o Kenzler, o Sócrates, a Melanie e outros. Eu ainda estava no quinto ano de Medicina, e um dia Melanie propôs: "Vamos abrir um consultório juntos?". Ela já atendia, mas disse "quando você se formar, nós vamos abrir um consultório juntos". Então no início de 1973 eu tive o grande prazer e o grande aprendizado de realizar esse projeto, e daí em diante eu tive a Melanie como grande parceira em todo o meu processo de crescimento, na vida adulta e na psicanálise, como uma irmã mais velha que foi me levando... Então não dá para falar dela apenas sob o ponto de vista da instituição SBPSP porque a Melanie, como já apareceu aqui, participou, sim, de várias instituições, mas ela, sobretudo, nunca se deixou pertencer a nenhuma instituição, ela tinha uma liberdade, uma capacidade de ultrapassar, de não se deixar encerrar, e isso é uma das facetas mais importantes dela, ao lado da generosidade. Estou contando isso porque foi de uma generosidade intensa essa espera: "um dia nós vamos trabalhar juntos". E, de fato, estivemos juntos no consultório por 27 anos, lá na casa da Rua Ceará. A Melanie emprestava a sala dela para jovens que ainda não tinham consultório próprio porque ainda não podiam pagar por ele. E não era só o espaço que ela dava. Quem conhecia a Melanie sabe que no contato com ela tantas coisas se abriam... Era mulher de uma cultura geral muito grande e ela conhecia muita gente, ela apresentava um amigo para outro, fazia aproximações entre as pessoas, e eu fui crescendo na vida, ficando maduro, sendo quase levado muitas vezes por essa grande companheira que eu tive. Foram 27 anos de um convívio praticamente diário, claro que cada um na sua sala, mas sempre tinha a hora do cafezinho na cozinha do consultório, em que conversávamos sobre psicanálise, política e, até, fofocas, ou seja, o mundo percorria nossas conversas.

Quero contar um episódio interessante. Um dia a Melanie chegou ao consultório e disse: "olha o que aconteceu hoje, eu não podia ir na minha hora de análise" (ela fazia análise com o Kubo), "porque surgiu um outro compromisso, mas, como eu não queria perder a sessão, eu pedi para um amigo trocar o horário comigo. Quando cheguei, o Kubo estranhou e disse que eu tinha vindo em horário errado, mas daí eu expliquei a troca que eu havia feito, e ele concordou em me atender". Quem viveu aquele momento da SBPSP, sabe o quanto essa atitude foi de extrema liberdade. Melanie não se deixava aprisionar nunca, ela ia para aquilo que era essencial, e não para as regras rígidas. Isso mostra uma personalidade livre. Quanto ao número de sessões, ela também era livre. Num momento em que se falava que só era psicanálise se o atendimento fosse de quatro vezes por semana, ela não atendia apenas quatro vezes, mas também duas, três. Atendeu casais, crianças e outros pacientes. Ela foi ousando dentro da psicanálise, pesquisando, metabolizando e trazendo à tona para todos. Sem falar na casa dela, que estava sempre aberta para os colegas e amigos dela, para a nata da cultura paulistana. Nada mais natural que na SBPSP ela tenha sido a pioneira de parcerias e convênios.

É muita coisa o que ela deixou. Devo muito a Melanie pelo meu desenvolvimento como pessoa, como homem que eu sou. Tivemos muitas conversas pessoais, de trabalho, de psicanálise, e eu não me vejo como homem, como psicanalista, sem creditar grande parte do que sou a minha grande amiga, grande colega e grande parceira Melanie. Os últimos anos dela foram mais difíceis, nós todos sabemos, mas ela sempre, mesmo estando deitada em sua cama, recebia as pessoas. Nós íamos lá, e em todas as vezes havia os amigos, muita gente. Um dia eu recebi um telefonema dela dizendo: "Márcio, eu quero que você venha aqui, que a gente marque uma hora uma vez por semana para eu conversar com você, eu quero contar umas coisas de mim". Marcamos a primeira vez num sábado. Achei que ia lá no quarto dela, como ela sempre recebia a todos, e deitada na cama falando como sempre falou. Mas, nesse dia, foi diferente. Ela tinha preparado o escritório dela para me receber. Ela chegou e disse: "Olha, eu quero ter algumas conversas com você, eu quero falar da minha vida para você e eu quero que você marque uma hora semanalmente". Ela tinha preparado um setting quase psicanalítico em que queria falar basicamente da infância dela, em Curitiba, da mudança para São Paulo, das passagens da vida, de alguns sonhos que ela estava tendo. Por que eu estou trazendo isso agora? Para mostrar que essa era a psicanalista Melanie, a mesma que foi capaz de modificar o setting do Kubo, ela foi capaz de trazer o amigo com quem tinha muita intimidade para criar "um setting", entre aspas, psicanalítico, ela precisava ser ouvida em algumas coisas, e claro que não havia nenhuma interpretação. Então, eu diria que a psicanálise de São Paulo, a nossa psicanálise de hoje, tem a cara da Melanie, porque ela foi uma pioneira, ela abriu espaços novos. Nós, psicanalistas hoje, estamos trabalhando como ela já trabalhava nos anos 1980 e 1990. É isso que eu gostaria de deixar marcado.

Jassanan Pastore - Melanie foi uma mulher e uma psicanalista à frente de seu tempo. Mas, quero contar da amiga. Era incrível como ela, já acamada, queria conversar conosco. Me telefonava, frequentemente, pedindo para ir visitá-la, e ai de nós se não aparecêssemos lá! Então, eu ia lá com gosto para encontrar e papear com a Melanie, na cama... Enquanto ela teve condições, ela chamava e precisava conversar com os amigos... Ela sempre brincava e me dizia "eu sou amigueira", ela dizia e era. Sua casa no Pacaembu era uma porta aberta. Mas a pandemia covid-19 nos assolou, privando-a de manter esses encontros tão preciosos para ela. Isso foi muito triste!

Plinio Montagna - Eu estou bastante contente e honrado de participar dessa homenagem à Melanie organizada pela Jassanan. É tocante, emocionalmente, falar sobre a Melanie, tão querida por nós. Curiosamente esta homenagem está ocorrendo em uma quarta-feira, dia em que Melanie abria sua casa, na hora do almoço, para toda a família e, eventualmente, para amigos, ou seja, é o dia das reuniões da Melanie, que deixaram muitas ressonâncias em cada um de nós.

Eu conheci a Melanie em 1970, há 51 anos, e ela sem dúvida foi uma das pessoas muito especiais com quem eu convivi na vida. Foi uma pessoa que enriqueceu cada um de nós com quem ela se encontrava e convivia. As conversas eram absolutamente ímpares, quentes e agradáveis. Foi um privilégio desfrutar da amizade dela. Eu, a Vera, os nossos filhos tivemos laços muito fortes com ela. Minha filha mais nova, Heloisa, disse: "você fala lá que eu adorava a Melanie". Então está dito aqui. Melanie foi uma pessoa de fina sintonia com o mundo em que vivia, interessada naquilo que se passava na política, no bem-estar das pessoas, nas carências, nas necessidades, nas possibilidades, e era muito sensível às peculiaridades de cada um. Ela se preocupava com o bem-estar de todos e, sem dúvida, das pessoas com quem ela se dava bem, a quem ela queria bem.

Em uma entrevista ao Jornal de Psicanálise, em 2000, que a Jassanan já citou e que foi republicada como capítulo do livro O psicanalista na comunidade, ao ser perguntada sobre o seu caminho na psicanálise, Melanie conta do seu percurso, e eu vou tomar esse caminho. Segundo ela, uma formação política não partidária era uma questão de preocupação com os outros, com as relações que podemos fazer e com a responsabilidade que nós temos diante das pessoas. Ela relata ali as suas ações, que foram desde a alfabetização de adultos até outras com sentido mais político, propriamente dito, como posteriormente a luta pela liberdade e a luta contra a ditadura. Realizou reuniões na casa dela, com discussões políticas interessantes. A cidadania é uma esperança que ela exerceu sempre em sua plenitude, através de encontros, discussões, ações em ongs, trabalho de ensino e terapêutico. Nas Ciências Sociais ela foi aluna da Virginia Bicudo e foi se interessando pela psicologia e psicanálise, em uma perspectiva, segundo ela, de poder ajudar os outros. A Virginia era ligada ao Serviço de Higiene Mental, e a Melanie começou a trabalhar ali com crianças e depois ela foi fazer Psicologia na puc. Já formada se dedicou ao atendimentos de casais por toda a vida. Ela deu aulas na puc em uma disciplina que hoje em dia não existe mais, que se chamava Psicologia Diferencial, que é o campo da psicologia que estuda as diferenças individuais, os comportamentos dos sujeitos e suas causas e consequências. Depois ela deu aula também na Faculdade de Medicina da Santa Casa na disciplina de Psicologia Médica, trabalhando com os estudantes. O seu trabalho era com profissionais em ambulatórios, centros de saúde, centros de convivência, com as dinâmicas e interferências externas institucionais das autoridades e no trabalho de equipe. Eu conheci a Melanie na faculdade Sedes Sapientiae, que era ligada à puc. A madre Cristina era a diretora de Psicologia e abriu a possibilidade de os estudantes de Medicina se dedicarem à Psiquiatria e participarem do curso de Psicologia, e foi o que eu e o Márcio fizemos, e a Melanie realmente criou um grupo inicial para estudarmos a psicanálise propriamente dita. Foi uma época muito interessante e um grupo bastante unido, que chegou a criar um instituto de formação em psicoterapia. A madre Cristina sempre teve esse sonho de institucionalização. Ela começou com o nosso grupo, que foi meio piloto, e posteriormente cada um seguiu o seu caminho, e ela criou o Sedes Sapientiae. A Melanie era um núcleo afetivo, um núcleo de agregação, ela aglutinava e criou comigo uma amizade que realmente percorreu a nossa vida inteira. Desde aquela época tinhamos reuniões agradabilíssimas na casa dela em Guarujá, tivemos um fim de semana memorável em Santiago, no litoral norte. Na época nem existia a Rio-Santos, era uma estrada de terra e fomos conhecer a casa dela, realmente inesquecível. Depois eu fiz a residência médica e fiquei alguns anos na Inglaterra, voltei e me dediquei à Faculdade de Medicina, então eu comecei mais tarde a formação psicanalítica. Mas o meu contato com a Melanie continuou, porque por vários anos tínhamos um grupo de estudos sobre casal e família que se reunia a cada 15 dias e depois uma vez por mês. Esse grupo era uma delícia, cheio de quitutes deliciosos. Eu também participei, a Melanie me encarregando de supervisões no programa que ela tinha para psicólogas no setor de Saúde Mental da Prefeitura que incluía a discussão de casos em psicoterapia, e eram atividades muito gratificantes, porque estreitavam os nossos laços. A trajetória da Melanie envolve inúmeras intervenções psicológicas no âmbito da comunidade e do social. Eu fico realmente impressionado com a extensão delas, com o número de atividades, número de instituições, o número de pessoas diferentes com quem ela colaborou e com as quais ela promoveu parcerias de trabalho. Um trabalho sempre muito firme, muito amigo e muito consistente.

A capacidade da Melanie de cultivar os amigos, fazê-los sentir-se bem com ela era uma de suas marcas, as conversas estimulantes, os jantares, uma hospitalidade a toda prova. Além disso, ela formou uma família maravilhosa. Ela era uma humanista na verdadeira acepção do termo, e o seu pensamento incluía a busca da transformação da pessoa no cidadão pleno. A instituição é algo positivo, um eficiente multiplicador em um país de tantas carências. Ela fazia um trabalho nas brechas - "psicologia das brechas", como ela chamava. Na SBPSP foi isso que ela fez, comer pelas bordas, pelas brechas, e ela chegou a ser uma das pessoas fundamentais para transformar a SBPSP no que ela é hoje. Embora a SBPSP tenha sua origem ligada a pessoas como o Durval Marcondes - do Serviço de Saúde Pública e Higiene -, a Virginia Bicudo - oriunda da sociologia -, e a Lygia Amaral, da tradição da relação com a comunidade, até a década de 90, a SBPSP não acolhia o trabalho extra-muros, era fechada, se encastelava em si própria, não tinha abertura institucional para projetos de cidadania. Melanie se propunha a fazer o que ela chamava de "psicanálise para a vida" e não psicanálise para a psicanálise. Isso é um ponto muito relevante, a psicanálise das brechas e a psicanálise para a vida. Assim, ela foi criando esse campo para a Diretoria de Cultura e Comunidade, que se desmembrou em duas diretorias na presidência do Menezes. Quando eu assumi a presidência, já estavam separadas, e o Diretor de Atendimento à Comunidade (DAC) era o Oswaldo, que levou a um grande avanço, estabelecendo uma nova ordem, ainda que enfrentando resistências. Na minha opinião, o Oswaldo e depois a Magda foram as pessoas que institucionalmente consolidaram, dando corpo, cabeça, tronco e membros à perspectiva da inserção da SBPSP na comunidade, com base na herança da Melanie. Quando eu assumi a presidência, a Melanie já estava um pouco afastada, então a forma de agradecer a ela pela sua trajetória e contribuição foi comemorar com a publicação de um livro para a organização do qual eu convidei a Jassanan e a Sylvia, o que foi feito com muita competência. Esta reunião é muito interessante para que esse livro possa ser conhecido, lido, divulgado como o primeiro livro publicado pela SBPSP relacionado à atuação da psicanálise na comunidade. Ressalto que um passo adiante seria estreitar essa relação no sentido de fazê-la constar na formação oficial de um psicanalista do nosso Instituto, com atividades organizadas ao redor da perspectiva de uma ampla inserção da psicanálise na comunidade, na sociedade. Obrigado, Jassanan pela noite deliciosa.

Bia Farkas - Minha mãe teria ficado felicíssima de ouvir tudo o que vocês falaram. As falas de vocês foram muito emocionantes e deram uma visão muito ampla do que ela era, tanto no âmbito profissional como no ambiente social e familiar. Vocês levantaram muitos pontos bonitos da vida dela, da sua dedicação não só à SBPSP, mas também à sociedade em geral. Concordo com a Jassanan que ela foi realmente uma pessoa muito além de seu tempo em várias situações e tinha muito prazer de conviver com vocês. Eu vi e participei também de muitos desses encontros, e ela tinha muito prazer e muita alegria de estar com vocês. Então, em nome dela, eu agradeço essa homenagem maravilhosa e muito emocionante.

Miriam Tawill - Minha mãe falava para mim: "você gosta mais da Melanie do que de mim". Ela tinha um grande ciúme da Melanie. Um dia levei minha mãe para conhecer Melanie, ela estava curiosa para saber quem era a pessoa sobre quem eu tanto falava e com quem eu tinha tantas reuniões, que faziam parte do Projeto Psicologia, da Fisesp, e aconteciam às terças-feiras. Para mim, eram sagradas, a gente almoçava lá, pedia delivery ou comia sanduíche.

Voltando para a visita. Foi numa época em que a Melanie já não estava muito bem de saúde, mas ainda atendia algumas pessoas. Quando ela terminou o atendimento, estava com aspecto bem cansado, com uma muleta, e me falou: "Esse casal queria muito falar comigo". Sentamos na sala, ela pediu um cafezinho, e minha mãe disse: "Realmente essa mulher é para tirar o chapéu!". Eu considero a Melanie uma segunda mãe, era minha confidente, sempre me ouvia. Então, minha mãe percebia minha admiração pela Melanie e ficava com ciúme.

Oswaldo F. Leite - Está muito emocionante essa homenagem para Melanie. Eu a conheci nas reuniões para implantação do terceiro setor na SBPSP durante a presidência do Márcio. Participei também da implementação do CAP, e só assumi a Diretoria do CAP porque eu estava acompanhado da Melanie. Realizamos muitas trocas e desenvolvemos uma cumplicidade e amizade que me deram força na continuidade de seu trabalho. Daí fui adquirindo interesse em participar dessa perspectiva de uma psicanálise mais crítica, mais livre das determinações institucionais e preocupada com o alcance de outros territórios. Pudemos nos encontrar muitas vezes em Paris, cidade que ela adorava e conhecia muito bem. Para mim, pessoalmente, Melanie teve uma grande importância na vida institucional pelo seu senso crítico e sua consciência ampla em relação às possibilidades da psicanálise. Foi uma pessoa inesquecível.

Helena Masseo - Eu já era funcionária da Prefeitura quando Melanie começou a dar supervisão, entre 86 e 88. Em 88 eu comecei a montar o Serviço de Saúde Mental em Carapicuíba, que em 89 estava crescendo, e eu pedi: "Melanie, eu preciso de supervisão para o Serviço". Eu já estudava psicanálise desde a residência médica. Daí, Melanie me indicou o Plinio, e ele então passou a ir semanalmente a Carapicuíba para dar supervisão. Ganhamos até um prêmio com esse trabalho! Melanie também deu uma palestra numa Jornada de Saúde Mental em Carapicuíba. Mais tarde, em 2001, eu ingressei na SBPSP, e logo me interessei em participar do setor de Parcerias e Convênios. Então, Melanie me acompanhou desde 86. Ela era um ser humano especial.

Giselle Groeninga - A Melanie é uma instituição, com tudo o que ela deixa para a gente, tão viva ela está em tantos traços e identificações que todos nós temos com ela... Eu resumirei em uma palavra o que a Melanie significou para mim: acolhimento, acolhimento da minha pessoa. Ela estava sempre disponível, sua amizade era praticamente incondicional, ela me acolheu no seu setor e firmou um convênio com o Instituto Brasileiro de Direito de Família, ibdfam. Realizamos umas oito ou nove jornadas de Psicanálise e Direito, que foram um sucesso; fizemos as Novíssimas Conferências Introdutórias à Psicanálise, e tudo isso tinha o dedo, o incentivo, as palavras e o espírito da Melanie. Então, eu não tenho palavras para agradecer e acho que a psicanálise agradece muito a ela, que sempre praticou o outreach, ou a psicanálise extramuros, ou a psicanálise pelas brechas, ou a psicanálise aplicada etc. Melanie era um sos não só para os netos mas também para qualquer um de nós. Graças a ela, eu conheci tantos de vocês e me aproximei tanto de vocês, porque sempre havia o dedo mágico da Melanie. Ela também é autora de um capítulo de um livro, publicado em 2003, que eu organizei sobre família e psicanálise em direção a uma nova epistemologia.

Jassanan Pastore - Eu e você organizamos juntas muitas jornadas, e a Melanie sempre nos instigava, fazendo a gente se "desacomodar", como ela costumava dizer.

Marina Farkas (neta) - Eu estou muito feliz com este encontro tão lindo. Agradeço esta energia boa. Muita gratidão.

Maria Amélia - Eu fiz parte do grupo de supervisão da Melanie na Secretaria de Saúde da Prefeitura. Eu tive a honra de estar presente desde o começo. Melanie foi fundamental como supervisora e como ser humano, porque ela tinha uma inspiração muito transformadora. Ela nos dava liberdade para criar, porque tinha uma visão revolucionária, ela quebrava paradigmas e caminhava pelas brechas, dizendo "Vamos ver o que é possível fazer, vamos tentar caminhar pelas beiradas", porque havia problemas muito sérios nas Unidades Básicas de Saúde, UBSs, da Prefeitura. Fomos criando, trabalhando como era possível, e Melanie nos acolhendo. Eu me sinto privilegiada, e o grupo que se encontra até hoje mantém esse espírito e a presença constante da Melanie. Então, só temos a dizer obrigada à Melanie.

Kiko Farkas (filho) - Quero mostrar uma foto, estão vendo? É a Melanie com 18 anos.

Jassanan Pastore - Que maravilha... sempre muito linda!

Alan Meyer - Melanie foi realmente uma pessoa acolhedora e generosa. O meu contato com ela foi menos no âmbito da psicanálise, apesar de que falávamos muito sobre a psicanálise. Eu a conheci antes de seu ingresso na SBPSP, porque, como ela tinha interesse em filosofia, nós nos encontrávamos na casa do Flusser, do Isaias Melsohn, que era uma conexão muito importante, e tínhamos colegas em comum, como a família Belinky, o Júlio Gouveia, a Tessy, o pessoal do teatro, da literatura russa, que a Tatiana sempre traduzia, escrevia e sobre a qual conversava. Então, tínhamos um círculo muito próximo, e ela me convidava para os jantares na casa dela. Ela também me emprestou sua casa de Guarujá quando minha família veio para o Brasil. Enfim, ela era uma pessoa incrível, nesse sentido de abertura, de acolhimento. Conversamos muito, sempre.

Melanie me deu apoio, sobretudo numa época muito difícil para mim na SBPSP, em que eu lutava pela abertura. Eu era apenas candidato, mas já era formado em Engenharia e Filosofia, e fui presidente da Associação dos Candidatos quando o presidente da ipa, o Wallerstein, veio ao Brasil. Ficamos amigos e conversamos muito. Realizei uma reunião com todos os candidatos, atuais mfs, para mostrar o absurdo que se passava na SBPSP, pois o número de autores estudados era reduzido a meia dúzia, e havia um Conselho que determinava quem seria ou não didata, e quem não era do grupo não entrava. Essa reunião criou um clima bem pesado para o meu lado, a ponto de o Wallerstein me dar seu cartão dizendo que me apoiaria em qualquer tipo de conflito que eu tivesse. E, de fato, o conflito surgiu, e durante todo esse período a Melanie Klein, não, a Melanie Farkas - é um bom lapso, Melanie Klein é a mãe da psicanálise, e a Melanie também. Então, a Melanie me deu apoio e dizia: vai adiante, leva adiante as críticas. E fizemos uma newsletter para todos da SBPSP. Logo depois desse encontro com Wallerstein em São Paulo, tivemos o Congresso da ipa em Montreal, e lá eu evitava o Wallerstein para ele não ficar implicado. Mas nós nos encontrávamos no corredor, ele vinha me abraçar, ele queria conversar comigo, e todo o mundo via. Pouco tempo depois houve a intervenção da ipa aqui na SBPSP, intervenção branca, período em que SBPSP não pôde assumir novos candidatos por quase três ou quatro anos. E Melanie me deu muita força, porque ela era uma pessoa aberta dentro de uma SBPSP fechada. Aos poucos a SBPSP tem-se aberto, tem muita gente aberta, mas permanecem inúmeros aspectos sobre os quais Melanie seguramente concordaria que ainda precisaríamos abrir. Mas, enfim, isso tudo são coisas passadas. Melanie nos deixou, e hoje só podemos lembrar os bons momentos que passamos com ela. Quando ela recebia na casa dela era uma delícia, nós comíamos e bebíamos muito bem, era fantástica a recepção que ela dava a todos nós. Então, é uma amiga que deixa saudade, eu a vejo como amiga, uma amiga generosa, carinhosa e acolhedora.

Jassanan Pastore - Com esta atmosfera afável, se fosse possível, vararíamos a noite batendo papo sobre o legado que Melanie nos deixou, celebrando a vida que tivemos com ela. Está sendo uma noite de festa em companhia da Melanie. É como se estivéssemos na casa dela conversando à vontade.

Telma Weiss - Melanie foi minha primeira analista. Quando encerramos a análise, cultivamos uma amizade. Ela tinha essa característica de ser "amigueira". Fui me tornando amiga da Bia, conheci os outros filhos. Uma delícia, essa rede que foi se encontrando. Com base nessa amizade, começamos a fazer vários trabalhos juntas. O primeiro foi na Federação Israelita, em que ela percebeu que havia pessoas precisando de atendimento e profissionais que tinham horas disponíveis. Então ela teve a ideia de criar esse match. Também realizávamos reuniões com as pessoas responsáveis pelas instituições. Era uma trança de conhecimentos, de troca. Foram mais de dez anos intensos.

Na Abrinq, Melanie teve a ideia de fazer uma espécie de tutoria. Cada instituição trazia um ou dois jovens que quisessem desenvolver um talento para ser acompanhado por um tutor especializado. Eram jovens com uma formação simples. O Bob Wolfenson, por exemplo, acompanhou um garoto que gostava de fotografia. A Melanie fazia contatos para angariar tutores. Eu acompanhava as reuniões com os tutores. Melanie sempre teve como ideia básica a realização de um "trabalho de multiplicação". Atendíamos os professores dos alunos nas escolas, os profissionais de saúde que recebiam a população nos Centros de Saúde etc. Depois, na parceria com a Prefeitura, eu trabalhei em dupla com Ernesto, também atendendo vários profissionais, como psicólogos, médicos, enfermeiros etc., do Hospital do Jabaquara, que frequentemente deparavam com pessoas envolvidas em situações de extrema violência, como pessoas esfaqueadas, gangues e tcoisas do gênero. Esse trabalho está publicado no livro que a Jassanan organizou. Tenho gratidão e emoção por ter vivido todas essas oportunidades que a Melanie me abriu.

Magda Khouri - Nos últimos quatro anos, graças ao pioneirismo da Melanie, a DAC realizou parcerias e convênios com dez instituições, o que é um exemplo incrível de ampliação de horizontes. Quem trabalha nesses setores de expansão da psicanálise muda completamente o trabalho realizado no consultório. Fui ler os textos da Melanie publicados no livro, e são de uma atualidade incrível. Melanie é inesquecível. Eu reforço o que o Plinio disse, que não é um trabalho da psicanálise para a psicanálise, de ficarmos falando entre nós mesmos, é da psicanálise para a vida, vida e psicanálise se misturam. Melanie era alegria, inteligência, bom humor.

Yvette Piha - Eu fico emocionada com a figura da Melanie, com seu espírito comunitário, agregador. Ela fazia um agenciamento potencializador, de juntar quem precisa com quem pode receber. Ela abria espaço, um continente para fazer as coisas acontecerem, agenciava as pessoas com afeto e procurava uma integração, o que é raro dentro dos grupos, e isso tudo nos estimulava a trabalhar e construir juntos. Ela transmitiu um modelo de trabalho, de trazer o que há de melhor em você para compartilhar com outros que podem apreciar, e saíamos todos muito enriquecidos.

Tive a oportunidade de realizar uma entrevista com a Melanie, quando ela trabalhava na Santa Casa de São Paulo, em que ela fala sobre o desmonte ocorrido no Serviço Público pela ditadura. Mas ela sobreviveu durante a ditadura, sendo livre para continuar fazendo seu trabalho social. Ela não tinha medo, ela ia atrás das coisas. Nós fomos a geração que teve medo, muito medo de se expor no público, de ir atrás de qualquer ação. Ela tinha confiança, mesmo dentro de uma situação de muita restrição, como foi a ditadura, e passava muita esperança para a gente. Trabalhei também com ela no Projeto Psicologia, da Fisesp, e eu ficava fascinada com seu poder de agregar pessoas e expandir um trabalho tão sólido. Cada pessoa tinha seu lugar, tinha um valor. Isso é o comunitário, uma coisa preciosa que, se conseguirmos passar para os outros, será uma bênção neste momento atual, de uma cultura do narcisismo, da posse. Melanie passou por momentos difíceis da vida, mas com um sorriso, uma alegria, por confiar na vida.

Márcio Giovannetti - Nós podemos pensar que a Melanie foi uma grande tecelã, e hoje nós estamos vendo parte da tapeçaria que ela teceu.

Jassanan Pastore - O filho João Farkas escreveu um obituário para a Folha de S.Paulo, em março de 2021, escolhendo como título "Psicanalista pioneira era a melhor amiga que se pode ter". Escolha sensível que condensa o que Melanie representa para nós. Sou grata a Melanie pelo nosso convívio e pela oportunidade de passar essa noite memorável com ela. Era assim que ela gostava: uma festa de comunhão, uma festa afetiva.

Edição de Jassanan Amoroso D. Pastore

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