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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.23 no.70 São Paulo  2006

 

PONTO DE VISTA

 

O caminho para a transdisciplinaridade

 

The way for the transdisciplinarity

 

 

Maria das Graças Sobral Griz

Pós-graduada em Psicopedagogia; Professora da Disciplina de Modalidades de Aprendizagem do Psicopedagogo e de Psicopedagogia Clínica; Coordenadora do Curso de Pós-graduação "Lato-Sensu" com Especialização em Psicopedagogia, realizado pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP e pelo Centro Psicope-dagógico de Atividades Integradas - CEPAI; Presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp - Seção Pernambuco.

Correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo de revisão bibliográfica, procuramos mostrar o caminho da Psicopedagogia ao longo de sua história. Ela procurou, na epistemologia convergente, estudar a aprendizagem humana, buscando, em outras áreas de conhecimento, conteúdos que viessem conduzir uma prática solucionadora dos problemas de aprendizagem, cada dia mais elevados em nossas crianças brasileiras. Pudemos observar seu percurso ao longo de um caminhar multidisciplinar, onde várias teorias discorriam sobre os percalços surgidos na aprendizagem do sujeito, tentando dar conta desta problemática. No entanto, estas áreas de conhecimento se atrelavam de forma justaposta, cada uma analisando sobre seu próprio viés. Houve, porém, uma grande contribuição, uma vez que, nestas áreas de conhecimento, a Psicopedagogia encontrou formas de agir diversas. Como na multidisciplinaridade, a Psicopedagogia ainda não encontrou respostas para seus questionamentos, ela se atrela aos caminhos da interdisciplinaridade. Aqui, ela encontra maior respaldo, pois percebe que o sujeito é analisado como um ser global, transversalizado, na sua singularidade, por uma pluralidade, enquanto sujeito inserido em uma cultura. A psicopedagogia se encontra, neste seu caminhar, com a transversalidade. Aqui, ela vai além do dito, e procura compreender o que está por trás do não-dito, para poder dar conta dos problemas da aprendizagem humana. Como a Psicopedagogia é um conhecimento inconcluso, ela não se fecha na transversalidade. Ela continua seu caminho por este viés, em busca de uma solução.

Unitermos: Multidisciplinaridade. Interdisciplinaridade. Transdisciplinaridade. Aprendizagem. Singularidade. Pluralidade.


SUMMARY

In this article review, it is shown the way the psychopedagogy grew its history. This area studies the learning of the human being and its relation with allied areas in order to follow a clinical application which could solve learning problems. It could be observed that several theoretical approaches tried to understand the way the learning was developed, although, in many cases, some was overlapping in opposite manners, each one with its own bias. If for one hand, it was sometimes contradictory, other times, the psychopedagogy found a variety of manners to act. It was in the interdisciplinary way of solve learning problems, which the psychopedagogy try to know the way the human being should be treated as a whole, in its singularity, within a cultural plurality. The psychopedagogy goes beyond what is said and try to understand what is not explicit.

Key Words: Multidisciplinarity. Interdisciplinarity. Transdisciplinarity. Learning. Singularity. Plurality.


 

 

INTRODUÇÃO

A Psicopedagogia busca, então, o caminho da interdisciplinaridade. Isto porque ela surge de uma prática muito particular que é a de atender e solucionar os problemas de aprendizagem trazidos por muitas crianças, que por muitas razões não acompanham seus colegas de classe. Quando falamos em aprendizagem, nos referimos a seres humanos que possuem uma individualidade e características próprias, isto é, sujeitos inseridos em um amplo e complexo contexto que embora comum é muito peculiar. Daí porque os profissionais buscavam, em suas áreas de conhecimento, encontrar uma solução que explicasse e sanasse os problemas que ocorrem no processo de aprendizagem. Assim é que, cada um com sua ação própria, e se fundamentando em várias teorias, foi sentindo a necessidade de se apoiar em disciplinas e práticas diferentes, pois uma só disciplina, uma só prática, não dava conta da explicação e da resolução dos problemas apresentados por aqueles sujeitos. Era preciso entender e ter um olhar para este sujeito em sua totalidade, mas percebendo-o como um ser que é peculiar, interage consigo mesmo e com o meio, e que necessita do contato com o diferente para que socializando-se possa aprender.

A Psicopedagogia, ao estudar o ato de aprender e de ensinar, levando em conta as realidades internas e externas da aprendizagem, vai a busca de outras disciplinas, tornando-se multidisciplinar. Essa ação psicopedagógica também não deu conta da explicação e da compreensão do fenômeno da não-aprendizagem. Essa prática era ainda exercida por profissionais que procuravam intervir nos problemas de aprendizagem, cada um utilizando-se de suas formações acadêmicas isoladamente. A partir de um intercâmbio teórico e de uma ação prática conjunta, entre profissionais da Pedagogia, da Psicologia, da Fonoaudiologia, da Psicanálise, da Neuropediatria, uma práxis psicopedagógica foi sendo construída, numa visão interdisciplinar, onde o sujeito que não aprendia era visto em toda sua complexidade, como um ser global. Aonde, para analisar e solucionar os seus problemas de aprendizagem, cada aspecto de seu ser era observado, levando-se em consideração as diversas áreas de conhecimento. Um modelo de intervenção psicopedagógica foi se construindo, numa visão mais ampla, observando-se também a relação entre a aprendizagem e a queixa escolar. Esta posição interdisciplinar deu sustentação a uma postura científica da Psicopedagogia, agora se valendo das diferentes disciplinas para se fundamentar e agir. Assim, torna-se unânime a necessidade de diversas áreas de conhecimentos que, articuladas, dêem fundamento à constituição de uma teoria psicopedagógica capaz de fornecer instrumentos para uma reflexão científica e que possa atuar no campo da Psicopedagogia, podendo se transformar em aprendizagem.

A Psicopedagogia, no entanto, não se limitou a esta visão interdisciplinar. Ela vai mais além. Ela transita pelo conhecimento das múltiplas disciplinas, ultrapassando-as para, ocupando um lugar que é seu, se fixar no estudo, na análise e na solução do problema daquele sujeito que apresenta dificuldades no seu processo de aprendizagem. Compreendemos, então, que a Psicopedagogia não deve trabalhar apenas de forma convergente. Desta forma, a Psicopedagogia é originada, numa condição de filha de uma série de outras ciências, ciências essas que podem se articular, devendo tornar-se transdisciplinar, construindo novos conceitos, novas maneiras de olhar o ser humano para poder encontrar caminhos para a solução dos problemas de aprendizagem. É com esta visão transdisciplinar que a Psicopedagogia analisa a queixa de dificuldade na aprendizagem do sujeito, tendo uma compreensão dinâmica e levando em consideração as contradições e tensões da mente humana. Nesta visão, a Psicopedagogia sofre uma modificação estrutural, a partir da contribuição da Psicanálise, que permite a visão transdisciplinar da práxis psicopedagógica, indo além do visto e do dito. Hoje, podemos estudar, analisar os vários aspectos que influenciaram para que o sujeito construísse uma modalidade de aprendizagem que lhe possibilite ou não adquirir um conhecimento.

Com o olhar transdisciplinar, melhor dizendo, pretendendo olhar mais além, a Psicopedagogia direciona este olhar para os conflitos e tensões que permeiam o discurso escolar, ao mesmo tempo em que olha o sujeito da aprendizagem. É preciso que se escute os diferentes discursos que estão constituídos no sujeito e por ele também constituídos. É desta forma que a Psicopedagogia lida com a incerteza e as imprevisões, tanto na sua prática clínica, como na sua ação na instituição. A Psicopedagogia irá sempre discutir seus fundamentos e construir novas ferramentas, abrindo espaços para novas buscas do conhecimento no processo de aprendizagem humana.

Severino1 nos transmite uma fala bastante interessante. O autor diz que:

"Acredito que estão dados os preliminares para que se possa falar então do campo transdisciplinar em relação à teoria e à prática psicopedagógica. É preciso dar-se conta de que os resultados desse complexo processo de construção do conhecimento decorrente da exploração de uma abordagem multidisciplinar, intradisciplinar e interdisciplinar, não se constituem apenas de um somatório de saberes que se acumulam. Estamos aqui diante de uma situação que o todo é maior do que a soma das partes. Este é o sentido do transdisciplinar, em se tratando de conhecimento efetivamente produzido no processo da existência histórica dos homens, quer no seu cotidiano, quer nos seus esforços de expressão discursiva universalizada"1.

Com esta compreensão, o trabalho do psicopedagogo consta de uma atuação na clínica e na instituição. Sua ação na Instituição apresenta um caráter preventivo e social. Sua ação na clínica postula um caráter ressignificador das modalidades de aprendizagem, numa atuação no sujeito, sendo, portanto, individual. Cabe, então, ao psicopedagogo, conhecer e investigar como o sujeito é constituído, como ele se relaciona com o meio, como se transforma nas diversas etapas de sua vida, que recursos de conhecimento ele dispõe e de que forma produz conhecimento e aprende.

A Psicopedagogia amplia seu campo de ação e caminha em busca da resolução dos problemas de aprendizagem para inserir o indivíduo não apenas na condição de cidadão, mas na condução de sujeito, integrado numa sociedade, participante das decisões dessa sociedade, agindo com compromisso junto aos seus co-cidadãos, para que todos cheguem ao objetivo maior do homem que é ser feliz.

Nessa busca, a Psicopedagogia compreende que apenas encontrar soluções para os problemas da aprendizagem não é mais seu único objetivo. Ela hoje se preocupa também na busca de soluções para que o homem construa uma sociedade mais justa, onde cada cidadão se constitua num aprendente inconcluso, inserido numa realidade que muda constantemente e rapidamente.

Todos somos ao mesmo tempo aprendentes e ensinantes. Nessa dinâmica construímos significados para a vida. Quando educamos alguém, abrimos caminho para que este alguém construa sua capacidade de sempre estar aprendendo. Como uma área de conhecimento, ela busca no substrato epistemológico o caminho para a formação do sujeito aprendente e ensinante.

Como estuda as relações que se dão quando se está adquirindo o conhecimento, a Psicopedagogia estuda, também, o vínculo com a aprendizagem de cada sujeito singular, as significações que transversalizam o aprender, objetivando dar uma contribuição para que a prática educativa social esteja em constante reformulação, ao mesmo tempo em que ressignifica atitudes pessoais na sua subjetividade.

A Psicopedagogia busca, hoje, mostrar que, no processo de aprendizagem humana, não se deve esquecer da singularidade de cada ser humano, compreendendo que, ao mesmo tempo em que é singular, possui uma diversidade. Recordemos o que nos diz Morin2:

"É a unidade humana que traz em si os princípios de suas múltiplas diversidades. Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber a unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno2."

Para Morin2, a unidade e a diversidade do ser humano são compreendidas na prática educativa. Buscamos neste autor o mesmo ensinamento e o aplicamos com pertinência na prática psicopedagógica. Se a Psicopedagogia buscava só nos recursos técnicos a contribuição para melhorar o perfil daquele que está aprendendo, agora, ela se utiliza de uma abordagem dinâmica para intervir nos conflitos que permeiam o processo de aprendizagem. Assim, com uma intervenção dinâmica, transdisciplinar, a Psicopedagogia tem condições de fazer uma análise das relações que se dão quando o sujeito entra em contato com o conhecimento e com o saber, por ocasião de sua aprendizagem.

Como a Psicopedagogia se propõe a trabalhar a subjetividade, ela vai além do âmbito da escola e da clínica. No primeiro, ela dá condições para que os professores se posicionem diferenciadamente, de forma livre e criativa, podendo assim se respeitarem e respeitarem seus alunos, ressignificarem suas modalidades de aprendizagem e estenderem estas posturas para além do espaço escolar. No segundo, ao construir espaços de autoria de pensamento, a Psicopedagogia atua na família, transferindo esta atuação para outros canais, pois como nos diz Fernández3:

"Tal objeto poderá ser trabalhado não apenas e nem principalmente no consultório: no seio da família, nos meios de comunicação, nas escolas, nas universidades, nos hospitais, no cinema, na arte, nas relações de amizade, nas relações fraternas, nas relações de mulher e marido, nas de terapeuta e paciente. Em todos e em cada um dos espaços cabe uma leitura psicopedagógica3."

A Psicopedagogia, então, como área de conhecimento que caminha em busca da verdade, também se constitui numa área inconclusa. Ela não se esgota nessa busca. Da mesma forma que busca construir no sujeito a capacidade de ser sempre aprendente, ela também se posiciona como eterna construtora do conhecimento, na condição de aprendente, e como reprodutora de conhecimento, na condição de ensinante. Ela é, pois, uma área de conhecimento que permite ao ser humano ser autor de seu pensamento, dando a oportunidade de viajar, caminhar, permitindo também uma interação entre o velho e o novo, entre o tradicional e o moderno, entre o ideal e o real, entre o masculino e o feminino, entre o subjetivo e o objetivo, dando a este sujeito uma verdadeira aprendizagem significativa. É assim, pois que nos diz Fernández4 "quando se abre a escutada singularidade do pensar, o trabalho psicopedagógico é fascinante." E completa "a 'fábrica' dos pensamentos não se situa nem dentro nem fora da pessoa; localiza-se 'entre'4."

 

REFERÊNCIAS

1. Severino AJ. A Psicopedagogia e o espaço transdisciplinar. In: Noffs NA, Fabrício NCS, Bueno VC, eds. A psicopedagogia em direção ao espaço transdisciplinar. São Paulo:Frôntis;2000.         [ Links ]

2. Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Brasília:Cortez;2000. p.55.         [ Links ]

3. Fernández A. O saber em jogo. Porto Alegre:Artes Médicas;2001. p.87.         [ Links ]

4. Fernández A. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre:Artes Médicas;2001. p.21.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Maria das Graças Sobral Griz
Rua das Pernambucanas, nº 277 - Graças
Recife - PE - Brasil - 52011-010
E-mail: abppe@terra.com.br

Artigo recebido: 01/10/2005
Aprovado: 30/11/2005

 

 

Trabalho desenvolvido no CEPAI - Centro Psicopedagógico de Atividades Integradas, Recife, PE.

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