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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.23 no.71 São Paulo  2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Nível de leitura e compreensão de sentenças faladas no ensino fundamental: diagnóstico diferencial dos problemas de leitura

 

Level of reading and sentences comprehension in basic education: differential diagnosis of reading difficulties

 

 

Carolina Cunha NikaedoI; Elizeu Coutinho de MacedoI; Cleber DianaI; Katerina LukasovaI; Carolina KuriyamaI; Fernanda OrsatiI; Fernando César CapovillaI; Luane NatalleII

IPrograma de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie
IIInstituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho objetivou verificar a eficácia do Teste de Compreensão de Sentença Escrita (TCSE) e do Teste de Compreensão de Sentença Falada (TCSF) na avaliação de habilidades de compreensão de sentença escrita e falada via Internet, além de verificar a dissociação entre déficits de compreensão de informação escrita e da decodificação de informação auditiva. Resultados mostram que os testes discriminam o desempenho interséries e que a pontuação aumentou em função das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Análises de correlações revelam que o número de acertos no TCSE esteve positivamente correlacionado com o número de acertos no TCSF. Desta forma, os instrumentos descritos podem ser utilizados para avaliação de habilidades de leitura em escolares como auxílio no diagnóstico diferencial dos problemas de leitura. Assim, é possível identificar se existe uma dissociação entre déficits de compreensão de informação escrita e na decodificação de informação auditiva.

Unitermos: Leitura. Avaliação. Computadores. Internet.


SUMMARY

The present work aims to assess the effectiveness of the Sentence Reading Comprehension Test (SRCT) and the Sentence Hearing Comprehension Test (SHCT) in evaluating comprehension skills of written and spoken sentences through Internet application. The secondary aim was to verify possible dissociation between the comprehension of written information and decoding of auditory information. Results show that the tests discriminate the performance among school grades with the increase of score along the first four years of basic education. Correlations analyses show a positive correlation between the correct answer in SRCT and SHCT. This way, the described tests can be used for regular assessment of students' reading skills and also as an evaluation instrument for differential diagnosis in the case of reading impairment. Thus, it is also possible to identify a possible dissociation between the reading comprehension and auditory information decoding.

Key words: Reading. Evaluation. Computers. Internet.


 

 

INTRODUÇÃO

A compreensão de sentença escrita é uma tarefa complexa que necessita diversos domínios cognitivos de acordo com a natureza da frase e do contexto envolvido1. Crianças com dificuldades de compreensão na leitura de frases tendem a apresentar dificuldade na leitura de palavras isoladas, enquanto que aquelas com boa capacidade de compreensão são capazes de ler palavras isoladas em menos tempo e com mais precisão. Desta forma, crianças com dificuldade de compreensão estão usualmente no extremo inferior da curva de normalidade em fluência de leitura de palavras isoladas, enquanto que crianças com boa compreensão estão tipicamente no extremo superior da curva2.

Para que a compreensão ocorra de maneira eficaz é necessário que a decodificação de palavras seja rápida, precisa e automatizada3. Desta forma, a leitura ocorre de modo fluente e recursos cognitivos necessários à compreensão são liberados. Assim, ao automatizar o processo de leitura, o leitor tem maior possibilidade, por exemplo, de dar mais atenção ao conteúdo e significado do que está sendo lido. Porém, o grau de automatização deste processo não é consenso entre os pesquisadores4.

Outros autores relacionam o sucesso na performance em tarefas complexas, como a compreensão de texto, a índices elevados em habilidades cognitivas e metacognitivas5,6. Tais habilidades envolvem monitoramento e avaliação do entendimento do conteúdo escrito a partir da identificação de aspectos importantes da mensagem, direcionamento da atenção para informações relevantes, releitura de palavras, frases ou parágrafos para recuperação das relações de coesão do texto, além de pausas interpretativas realizadas por meio de auto-questionamentos. Crianças com dificuldades de compreensão de texto não utilizam estratégias metacognitivas, pois não percebem quando o entendimento do texto se perde7.

Estudos mostram que indivíduos com pobre compreensão verbal e lenta habilidade de leitura tendem a ser menos precisos em tarefas metacognitivas, ao contrário de indivíduos com habilidade de leitura aprimorada e melhor compreensão verbal, que obtêm melhores desempenhos nestas atividades6. Há diferenças individuais quanto à competência de monitoramento da compreensão de frases. Estudos indicam que essas habilidades são passíveis de serem treinadas7.

Durante a leitura de um texto, outros processos são necessários para que haja a apreensão do significado. O leitor formula espontaneamente dois tipos de inferências: inferência literal, que diz respeito à idéia dentro ou entre as sentenças; e as inferências implícitas, que adicionam conhecimento e experiências anteriores para complementar informações que não estão explícitas. Desta forma, é construído o modelo de representação mental a respeito do tema. Crianças com dificuldades de compreensão são menos habilidosas em formular tais inferências7.

Uma informação pode também ser transmitida via entrada (input) fonêmica e o ouvinte deve ser hábil em decodificar um estímulo auditivo. Esta informação deve ser analisada, segmen-tada e processada para formar um significado, enquanto novas informações continuam chegando8. Diferentemente de uma tarefa de leitura, em que a velocidade de entrada é controlada pelo movimento ocular e o resgate da pronúncia da palavra lida, na compreensão da fala, a velocidade das informações é controlada pelo emissor e baseia-se na interpretação de um sinal acústico9.

A audição é importante na aquisição de leitura e escrita, pois muitas vezes a dificuldade no aprendizado não está diretamente relacionada a alterações na identificação visual das letras, mas na decodificação deficitária da entrada fonêmica. A compreensão pode ser dificultada se a complexidade sintática é crescente ou de acordo com o ritmo de apresentação das frases9.

A fim de avaliar a compreensão de sentenças, foram desenvolvidos dois testes. A compreensão de leitura é avaliada por meio do Teste de Compreensão de Sentença Escrita (TCSE), já a compreensão auditiva é avaliada por meio do Teste de Compreensão de Sentença Falada (TCSF). Ambos os testes têm a mesma estrutura, e diferem apenas em relação à maneira de apresentação da sentença: escrita ou falada.

O Teste de Compreensão de Sentença Escrita (TCSE) avalia a compreensão de leitura de sentenças de complexidade lexical e sintática variada. Consiste em quarenta sentenças escritas, cada qual seguida de cinco figuras alternativas, sendo uma figura alvo e quatro figuras distraidoras. A tarefa consiste em ler a sentença e escolher a figura que melhor corresponde ao seu significado, ou seja, a figura-alvo. Como há cinco figuras alternativas para cada sentença, a chance de acerto acidental é de 20%. Como há 40 sentenças, a pontuação por acerto casual é de 8 pontos. O TCSE permite três tipos de análise de resultados. O primeiro dado consiste numa pontuação geral bruta que, a partir de tabelas de normatização de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, permite avaliar se a compreensão de sentenças de um dado aluno se encontra na média de seus colegas, abaixo ou acima dele, e quão abaixo ou acima. O segundo dado consiste no conjunto de sentenças escritas cujo significado o aluno conseguiu compreender, e se esse conjunto é típico de sua série escolar, ou de uma série mais avançada ou atrasada.

As 40 sentenças têm graus diferentes de complexidade, sendo que, para cada série escolar, um dado conjunto de sentenças passa a ser compreendido pela maioria das crianças dessa série. O terceiro dado consiste na análise da eficácia de indução de erros pelas figuras distraidoras. Para cada item, a eficácia de uma ou outra das quatro figuras distraidoras muda à medida que aumenta a série escolar. Nas séries iniciais, as figuras distraidoras mais eficazes são as que representam direta e concretamente as palavras-chave presentes na sentença escrita. Nas séries intermediárias, as figuras distraidoras mais eficazes passam a ser as que representam concretamente partes maiores da sentença. Nas séries mais avançadas, as figuras distraidoras mais eficazes passam a ser as que representam partes ainda maiores da sentença, embora não a sua integralidade.

As figuras distraidoras referem-se a segmentos menores da sentença, como partes de frase ou palavras isoladas, e seu propósito é o de induzir erros de seleção decorrentes de extração incompleta de significado, que pode decorrer de déficits lingüísticos mais específicos da linguagem escrita (i.e., leitura por decodificação e reconhecimento de palavras) ou mais gerais da linguagem oral (e.g., compreensão auditiva envolvendo vocabulário e sintaxe), ou ainda de déficits cognitivos mais gerais (e.g., atenção e memória de trabalho).

Alguns autores10 propuseram uma equação que representa a habilidade de leitura através da fórmula: L = D x C, em que L é a competência de leitura, D é a capacidade específica de decodificação ou reconhecimento, C é a capacidade lingüística geral de compreensão. O sinal x indica a natureza interativa e não aditiva da relação entre a decodificação e a compreensão. Ou seja, o produto (i.e., a competência da leitura) será sempre zero se um dos componentes for zero. Uma pessoa pode não compreender um texto ou porque não consegue decodificar as palavras, ainda que tenha pleno conhecimento da situação de que trata o texto, como no caso do analfabeto e do disléxico; ou porque não tem conhecimento da situação de que trata o texto, ainda que tenha ótima capacidade de decodificar, como no caso do hiperléxico11.

Nos dois casos, L = 0, no primeiro porque D = 0 (i.e., 0 x 1 = 0), e no segundo porque C = 0 (i.e., 1 x 0 = 0). O leitor só é competente se for capaz de fazer boa decodificação, com reconhecimento preciso e rápido de palavras, e tiver boa capacidade lingüística de compreensão.

A partir da equação L = D x C10, muitos pesquisadores buscaram fazer diagnóstico diferencial do perfil de dificuldade de leitura (i.e., se de decodificação ou de compreensão) que é apresentado pela criança12-14. Para fazer diagnóstico diferencial das dificuldades de leitura, é vantajoso substituir a avaliação da inteligência (testes de QI) pela avaliação da compreensão da fala15. Tal proposta tem sido apoiada por outros autores3,16,17.

A interpretação da natureza do déficit no TCSE deve ser feita por comparação com os resultados do TCSF, que avalia a compreensão auditiva, permitindo identificar o grau de envolvimento de déficits de vocabulário e sintaxe.

Tais testes foram inicialmente desenvolvidos na versão tradicional, papel e lápis, e, em 200418, foi desenvolvida a versão computadorizada. Juntamente com outros cinco testes, compõem a BALE On-Line (Bateria de Avaliação de Leitura e Escrita), em que cada teste avalia componentes específicos da leitura e escrita19.

A utilização de instrumentos computadorizados para avaliação psicológica vem sendo estudada principalmente a partir da década de 6020. Com o avanço da tecnologia e a popularização do computador, cada vez mais se tem utilizado este recurso em situações de testagem, privilegiando os testes psicológicos21. O uso de computadores tem se mostrado uma alternativa à avaliação tradicional feita com papel e lápis.

O poder da tecnologia computacional aumentou significativamente, permitindo que estes sistemas sejam amplamente utilizados nos diversos contextos educacionais. Tais tecnologias computacionais têm possibilitado o desenvolvimento de ferramentas agregadas a formas tradicionais de treinamento e avaliação de habilidades cognitivas em escolares6. O uso de ferramentas computadorizadas apresenta vantagens, tais como: padronização das instruções, interação entre o conteúdo do teste e seu delineamento, tabulação e análise automática dos resultados por meio da aplicação de tabelas de dados normativos previamente armazenados20. Além da economia em material, como folhas e cadernos de aplicação.

Sendo assim, o presente trabalho objetivou verificar a eficácia dos instrumentos descritos na avaliação de habilidades de compreensão de sentença escrita e sentença falada via Internet. Além de comparar o desempenho dos alunos em ambos os testes para identificar a dissociação entre déficits de compreensão de informação escrita, que pode estar associado a dificuldades de leitura, e déficits na decodificação de informação auditiva, que pode estar associado à dificuldade no processamento ou decodificação de informação auditiva.

 

MÉTODO

Sujeitos

Participaram do estudo 266 estudantes da 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental de duas escolas particulares da grande São Paulo, com idade média de 8,5 anos (DP=0,11). Deste total, 140 eram do sexo masculino e 126, do feminino.

Instrumento

O TCSE foi desenvolvido a partir do Teste Contrastivo de Leitura de Sentenças (TCLS), elaborado no final da década de 199022. É baseado nos subtestes de discriminação auditiva e de compreensão auditiva do Teste de Prontidão para a Leitura23. O TCLS é composto por 40 itens, contendo quatro figuras cada uma. Esse teste foi reformulado e subdividido em dois: TCSE, Teste de Compreensão de Sentença Escrita, e com o grau equivalente de dificuldade, o TCSF, Teste de Compreensão de Sentença Falada no qual as frases são apresentadas por uma voz digitalizada. A tarefa consiste em escolher uma das figuras que representa de forma correta a mensagem escrita. Foi incluída uma figura em cada item, passando de quatro para cinco alternativas. Também foram incluídas mais vinte e seis telas em cada subteste, totalizando 46 telas. Os seis itens iniciais compõem o treino, em que certifica-se que a criança compreendeu a instrução dos testes. Tais itens não são considerados na avaliação total do desempenho.

O TCSE On-Line e TCSF On-Line foram desenvolvidos em linguagem de programação específica para a Internet18 e podem ser visualizados no seguinte sítio da Internet: http://www.reabcognitiva.com.br/teste.

Os testes foram aplicados nas crianças cujos pais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Aulas de informática fazem parte do currículo escolar, portanto, os alunos já estavam familiarizados com o computador.

Procedimento

Os alunos participantes foram avaliados em duas sessões, em uma mesma semana, com duração aproximada de 25 minutos cada. O TCSE foi aplicado na primeira sessão e o TCSF, na segunda, para todas as crianças. Os testes foram realizados na sala de informática no colégio em que estudavam, e cada aluno sentado à frente de um computador realizou, individualmente, a atividade. Durante a aplicação, dois pesquisadores se responsabilizaram pelas instruções e eventuais dúvidas.

 

RESULTADOS

A análise dos resultados do tempo médio para a realização dos dois testes mostra que houve diferença ao longo das séries para o TCSE, mas não para o TCSF. A duração média para a realização do TCSE foi de aproximadamente 8 minutos e 40 segundos. A fim de verificar o efeito da série escolar sobre o desempenho nos testes, análises de covariância (ANCOVAS) foram conduzidas tendo a idade como co-variante. Resultados mostram que o tempo para a realização do TCSE diminuiu de maneira significativa ao longo das séries escolares (F[3,265]=10,967; p<0,000). Análises Post Hoc do tipo Bonferroni mostram que crianças da 1ª série levaram mais tempo que as demais, sendo o tempo médio de aproximadamente 12 minutos e meio. Além disso, o tempo das crianças da 2ª série foi semelhante aos da 3ª, mas significativamente inferior ao da 4ª série.

O tempo para a realização do TCSF, como esperado, não modificou ao longo das séries. Como o tempo para ouvir a sentença dependia apenas da duração das locuções previamente gravadas, a ausência deste efeito mostra que crianças das séries iniciais não precisaram de mais tempo para processar a informação e analisar as alternativas depois que ouviam as locuções.

A análise do número de itens corretos nos dois testes mostra que crianças das séries iniciais apresentaram pontuações menores nos dois testes. De fato, ANCOVA revela efeito da série (F[3,265]=12,287; p<0,000) na pontuação do TCSE. Análises Post Hoc do tipo Bonferroni mostram que crianças da 1ª série acertaram menos que as das demais séries, ou seja, das 40 sentenças lidas, acertaram em média 33. O número de acertos das crianças da 2ª série foi semelhante aos da 3ª, mas inferior aos da 4ª série.

O número de itens corretos no TCSF variou ao longo das séries. ANCOVA mostra que o número de itens corretos foi função da série escolar (F[3,265]=4,065; p<0,008). Análises Post Hoc do tipo Bonferroni indicam não haver diferença significativa entre o desempenho da 1ª e 2ª séries para o nível de compreensão de sentenças. De fato, foi observada diferença apenas entre crianças da 1ª série, quando comparadas com 3ª e 4ª séries, e diferença da 2ª série quando comparadas com a 4ª série. A Tabela 1 apresenta os dados de Número de Acertos e Tempo para a realização do TCSE e do TCSF.

Análises de correlações de Pearson revelam que o número de acertos no TCSE esteve positivamente correlacionado com o número de acertos no TCSF (r=0,527; p<0,010). Assim, de modo geral, crianças com bom nível de compreensão em sentença falada tenderam a acertar mais em uma prova de leitura de sentenças.

A fim de identificar os sujeitos com desempenho abaixo do esperado para a série escolar, foram feitas análises descritivas em função do desvio padrão. Desta forma, no TCSE, o número de sujeitos com desempenho abaixo do esperado oscilou em função da série, com as seguintes ocorrências: na 1ª série foram identificadas duas crianças (7,1%); na 2ª série, 7 (7,0%); na 3ª série, 4 (3,5%) e, na 4ª série, apenas uma (4,2%). Das 14 crianças com desempenho abaixo do esperado para a série escolar, 10 (71%) são meninos.

No TCSF, foi observada uma menor variabilidade, com a seguinte distribuição por série: na 1ª série foram identificadas duas crianças (7,1%); na 2ª série, 4 (4,0%); na 3ª série, 4 (2,6%) e, na 4ª série, nenhuma. Das 10 crianças com desempenho abaixo do esperado, 6 (60%) são meninos.

A fim de identificar diferentes padrões de desempenho na prova de leitura e de compreensão auditiva, foi comparado o desempenho nos dois testes. Análise comparativa mostra que das 10 crianças que tiveram desempenho baixo no TCSF, metade delas também estava entre aquelas com os piores resultados no TCSE. Assim, das 14 crianças com baixo desempenho no TCSE, 9 delas não apresentaram dificuldades de leitura e compreensão auditiva, mas apenas de leitura.

Por fim, análise das discrepâncias entre os dois testes foi feita a partir da diferença de pontuação. Assim, foi calculada a diferença de itens corretos da seguinte forma: o número de acertos no TCSF menos o número de acertos no TCSE. Caso o resultado da diferença fosse positivo, significava que a criança teve uma pontuação maior no TCSF do que no TCSE. Já um resultado negativo indicava que o desempenho no TCSE foi melhor do que no TCSF. Assim, das 266 crianças, foram observadas diferenças significativas em 18 crianças, sendo que, em 14 delas, a diferença foi positiva, pois acertaram mais itens no TCSF do que no TCSE. As 4 restantes obtiveram uma pontuação negativa, pois acertaram mais itens lidos no TCSE do que os itens ouvidos no TCSF. A Figura 1 ilustra a diferença entre o TCSE e o TCSF. Os sinais fora da barra de desvio padrão indicam os sujeitos com as maiores discrepâncias entre os dois testes. Os sinais acima da barra mostram os 14 sujeitos com diferença positiva, já os 4 com diferença negativa encontram-se abaixo da barra. Os valores médios tendem a 0, na medida em que há uma progressão ao longo das séries.

 

 

DISCUSSÃO

Após avaliação dos resultados, observa-se que as versões computadorizadas dos testes TCSE e TCSF discriminam o desempenho interséries, além da vantagem de registro do tempo utilizado para realização das atividades. O registro do tempo é particularmente importante, pois auxilia a identificação de possíveis déficits de compreensão de texto, uma vez que crianças com dificuldades gastam mais tempo para realizar a atividade. A identificação da velocidade de leitura tem relevância prática em sala de aula e para a compreensão do texto, pois a criança que leva mais tempo para ler, tem reduzidas as possibilidades de formação de um léxico visual, bem como de integração da informação contida na parte inicial do texto com aquela que é apresentada somente ao final.

Para que o problema da criança possa ser caracterizado como sendo especificamente de leitura e não meramente de linguagem geral, é preciso demonstrar que, de fato, ela é capaz de compreender as mesmas sentenças quando estas são faladas, e não apenas que não consegue compreender as sentenças que tenta ler. Sendo assim, numa prova de compreensão de leitura de sentenças, para que se possa atribuir um desempenho pobre a um problema de leitura e não meramente a linguagem em geral, é preciso demonstrar que o examinando é capaz de compreender as sentenças quando as ouve, mas não quando as lê. Um bom desempenho no TCSE indica boa compreensão de leitura, com boas habilidades de reconhecimento visual e decodificação de palavras, bom vocabulário de leitura e boas habilidades de análise sintática e síntese semântica, além de boa memória de trabalho.

Assim, torna-se possível analisar separadamente habilidades lingüísticas em geral das habilidades lingüísticas mais específicas à leitura, como decodificação grafema-fonema e reconhecimento visual de palavras, além de auxiliar no diagnóstico diferencial de dificuldades de compreensão auditiva lingüística em geral e de compreensão mais especificamente de leitura.

 

CONCLUSÕES

A partir da apresentação e discussão dos resultados, observa-se que o Teste de Compreensão de Sentença Escrita, assim como o Teste de Compreensão de Sentença Falada, mostraram-se eficazes na avaliação de habilidades de compreensão de sentença lida e ouvida. O avanço da tecnologia computacional permite que, atualmente, seja possível realizar avaliações coletivas, com alta confidencialidade dos dados, elaboração de tabelas imediatamente após a aplicação do teste, além da disponibilidade dos resultados on-line. Desta forma, torna-se possível a realização de avaliações à distância, em todo território nacional, com dados normativos que sejam representativos de cada região do país19.

Em relação aos resultados obtidos, observa-se alta correlação entre os testes, indicando que, de modo geral, crianças com bom nível de compreensão em sentença falada mantêm o bom desempenho quando a prova exige leitura de sentenças.

Alguns alunos apresentaram discrepância significativa em relação ao desempenho nos testes. Tais dados indicam dois perfis cognitivos; primeiro, o mau leitor em que a dificuldade apresentada é específica de leitura. A criança compreende a informação quando esta é emitida via input fonêmico, mas não compreende quando a tarefa exige decodificação do item escrito (i.e. alta pontuação no TCSF e baixa pontuação no TCSE). Nestes casos, é indicada a realização de testes psicométricos de inteligência e avaliação neuropsicológica específica de leitura.

O segundo perfil é caracterizado por crianças com dificuldades no processamento ou decodificação de informação auditiva. A criança apresenta desempenho dentro da média esperada para seu grupo de referência em tarefas de compreensão de sentença escrita, ou seja, alta pontuação no TCSE. Mas quando recebe a informação via input fonêmico apresenta dificuldade para a compreensão auditiva (baixo desempenho no TCSF). Os casos dos alunos com baixo desempenho em ambos os testes parecem indicar um retardo cognitivo generalizado, com dificuldades tanto para a leitura de sentença escrita como para compreensão auditiva.

Desta forma, os instrumentos descritos podem ser utilizados como importante ferramenta para auxílio na identificação dos problemas de leitura, bem como no estabelecimento de diagnóstico diferencial, pois sinalizam a dificuldade apresentada. A partir dos resultados obtidos, o profissional pode propor diferentes estratégias de intervenção, a fim de levar o aluno a desenvolver as habilidades e competências necessárias para a compreensão de textos lidos.

 

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Correspondência:
Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo
Rua da Consolação, 876 - Prédio João Calvino
sala 62 - São Paulo - SP - 01302-907
Tel.: (11) 2114-8878
E-mail: ecmacedo@mackenzie.com.br

Artigo recebido: 11/05/2006
Aprovado: 20/06/2006
Apoio: MackPesquisa, CNPq

 

 

Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP.

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