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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.23 no.71 São Paulo  2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estilos de aprendizagem e inclusão escolar: uma proposta de qualificação educacional

 

Learning styles and school inclusion: a project for educational qualification

 

 

Claudia Gomes

Mestre em Psicologia Escolar (PUC-Campinas), Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Ciência e Profissão (PUC-Campinas).

Correspondência

 

 


RESUMO

A esperada escola de qualidade incide em posicionamentos políticos, institucionais e pessoais mais democráticos e exige cada vez mais que as instituições escolares sejam capazes de se especializarem nos estilos de aprendizagem de todos os alunos. Para tanto, este trabalho objetivou caracterizar os estilos de aprendizagem de alunos da rede regular estadual de ensino fundamental de uma cidade da Grande São Paulo. Utilizou-se como instrumento para coleta de dados junto a 15 alunos, um questionário composto por uma Escala de Atitudes, contendo 51 questões fundamentadas no modelo de estilo de aprendizagem proposto por Rita Dunn, que buscaram enfatizar os aspectos ambientais, emocionais, sociológicos e físicos incidentes no processo de aprendizagem desses alunos. Pôde ser constatado que, de modo geral, os estilos individuais dos alunos destoam de muitas das práticas educacionais empregadas em nossas escolas, os procedimentos educacionais parecem interporem-se a todo e qualquer fato externo, inclusive os fatores ambientais. Verificou, ainda, que os estilos de aprendizagem são dissonantes aos processos de ensino, que se aparentam desmotivadores e impulsionam a falta de persistência dos alunos frente aos desafios e conteúdos educacionais apresentados. Conclui-se que a apreciação dos estilos de aprendizagem dos alunos pode vir a alavancar o desenvolvimento de uma política educacional que realmente oficialize uma ação educativa embasada nas construções e singularidades dos alunos frente ao processo de aprendizagem.

Unitermos: Aprendizagem. Psicologia educacional.


SUMMARY

A ideal qualified school is based on more democratic political, institutional and personal acts, what would demand schools to be able to adapt themselves to different styles of learning. Therefore, the present study focused on defining styles of learning in elementary school students of a Public School, located in a city of Grande São Paulo. A questionnaire of 51 questions - well-grounded in Rita Dunn's model of learning styles - and an Act Scale were used as a tool for collecting information from fifteen students. These questions emphasized environmental, emotional, sociological and physical aspects of the learning process of these students. The survey could verify that, in a general way, students' individual styles go against many educational practicing done in our schools; the educational procedures seem to exclude any external factor, including environmental ones. What also could be verified was that styles of learning are discordant to teaching processes, which are reveled as unexciting and impellers of the students' lack of will while facing challenges and contents presented by school. The research could conclude that an examination in student's styles of learning is able to raise the development of educational politics which really officialize educational acts taking student's singularity into the account of learning process.

Key words: Learning. Psychology, educational.


 

 

INTRODUÇÃO

Sabe-se que objetivamente a ação educacional aparenta-se fortemente respaldada, seja por suas formalizações internacionais1-3 ou nacionais4-6. Porém, ressalta-se que, mesmo podendo fixar-se como um meio eficaz de propagar e difundir novas concepções, a educação não tem se apresentado como um exemplo de permeabilidade.

A educação por muito tempo, e até então, foi entendida apenas como mediadora do desenvolvimento do indivíduo, limitada a um desenvolvimento, estritamente, relacionado ao processo de instrumentalização da aprendizagem. E, assim, a "pedagogia e suas práticas são, em muitas situações, entendidas como mecanismos de poder, ou seja, fábricas de subjetividade, máquinas de fazer falar, pensar e sentir"7.

A formação destinada pela escola é, cada vez mais, constituída por dispositivos que produzem e disciplinam a ordem pedagógica, com a punição e a recompensa, assim como regras, posicionando o alunado conforme a lógica do funcionamento social dominante7,8.

Desta forma, a educação vem constituindo cada vez mais espaços escolares limitados aos processos de ensino e aprendizagem, processos estes que se configuram e se limitam com a criação de ambientes fragmentados, que, a cada dia, se transformam em foco de enrijecimento, seleções, estigmatização, normatização dos procedimentos educacionais e, fundamentalmente, na massificação do desenvolvimento humano9.

Por meio do processo de normalização, a produção da diferenciação é realizada, favorecendo construções sociais, como demarcações e classificações dos processos binários de inclusão/exclusão frente aos padrões "ditos normais", propiciando a distinção e separação social e cultural de "uns" dos "outros"10.

As formas de classificação e caracterização da diversidade, ao longo dos tempos, não, necessariamente, incidiram na reformulação do modelo social vigente. Traduzindo-se em práticas estigmatizadoras e rígidas de considerar os "outros", contrapondo-se, ativamente, aos princípios de uma ação educacional embasada na diferença, que exige, fundamentalmente, a resignificação de conceitos como construções, identidade, diferença e diversidade, para só assim propiciar a tão necessária escola de qualidade para todos11.

Entretanto, torna-se evidente que a esperada escola de qualidade esbarra em posicionamentos políticos, institucionais e pessoais mais democráticos. A educação para todos depende das instituições escolares especializarem-se em todos os alunos, o que vem exigindo atitudes e posicionamentos que partem, fundamentalmente, da atualização e reestruturação das condições atuais da maioria das escolas brasileiras12.

Para tanto, um dos pontos que, atualmente, vem sendo bastante realçado na qualificação da educação, e que até então foi desconsiderado, tanto pelos currículos escolares, como pela prática docente, é a particularidade dos estilos de aprendizagem de cada aluno.

Definições como Estilos e Tipos de pessoas13; Tipos de Personalidade14, Temperamento e Estilos15, Estilos Cognitivos16, Estilos de Criar17, são alguns exemplos de concepções que buscam acentuar e realçar as particularidades e singularidade de cada indivíduo em diferentes situações contexto.

Entre todas as concepções referentes aos estilos em suas diferentes vertentes e embasamentos teóricos, um dos enfoques que vem, e muito, a contribuir para a tão necessária qualificação do ensino, de nossas escolas, que se contraponha à massificação e estigmatização de seus alunos, trata-se dos Estilos de Aprendizagem18.

Os estudos exploratórios quanto aos estilos de aprendizagem datam de 1967, direcionados por programas para melhorar as atividades de leitura e a aprendizagem de cálculos, entretanto, apenas recentemente as pesquisas sobre os estilos de aprendizagem ganham uma proporção, tanto nacional como internacional, ativa na produção de conhecimento científico frente ao tema18.

De acordo com alguns autores18,19, os estilos de aprendizagem são definidos como "as condições através das quais os indivíduos começam a concentrarem-se, absorverem, processarem e reterem informações e habilidades novas ou difíceis". E seriam compostos na combinação de fatores ambientais (silêncio x som; luminosidade x escuridão; frio x calor), emocionais (motivação; persistência; responsabilidade; estrutura), sociológicos (estudo individual; estudo em grupo; acompanhamento de adultos), físicos (período do dia; atividade x passividade; alimentação) e psicológicos (global x analítico; preferência hemisférica; impulsivo x reflexivo).

A combinação de diferentes fatores deve ser considerada como facilitadora ou dificultadora do processo de ensino-aprendizagem. Desta forma, reconhecer e respeitar estas singularidades, fundamentalmente, caracterizadas em todo e qualquer aluno no processo de construção de conhecimento e aprendizagem, é trazer à tona uma educação contextualizada, não em tópicos e currículos preestabelecidos, mas sim, focada na inserção do próprio aluno, como sujeito ativo na relação e produção do conhecimento.

Assumir uma educação contextualizada no próprio alunado, em sua complexidade, é redirecioná-la a contrapor-se a uma "realidade de tópico vazio, quando não encobridora de uma realidade não aceita, e não obstante, imposta em toda explicitação de projetos educativos"20.

Considerar os alunos como ativos, participativos e construtores de suas próprias relações de construção do conhecimento, de acordo com suas particularidades e singularidade, ou seja, calcados em seus próprios estilos de aprendizagem é focalizá-los em uma nova vertente de atuação, não mais de repressão, normatização ou exclusão do grupo dominante9.

Impulsionar a mudança de paradigma vivenciado nas instituições escolares é buscar a reconstrução da educação e do processo educativo, não como foco exclusivista, mas sim como trajeto de inclusão e mudança do macrossistema social. A escola como um grande sistema, que acopla outros microssistemas como agentes da educação, alunos, pais, comunidade, são alavancados para uma nova posição - a de construção - como indivíduos participantes e ativos em suas relações individuais frente a seus conhecimentos.

Frente à ênfase a ser atribuída aos estilos de aprendizagem de cada aluno, como uma das efetivas necessidades para a qualificação da educação em nossas escolas, este trabalho, classificado como um projeto piloto de pesquisa, lançou como objetivo geral, caracterizar os estilos de aprendizagem de alunos que por diferentes motivos encontram-se excluídos do compasso da escolarização, mesmo matriculados e presentes nas salas de aulas.

 

MÉTODO

Frente aos objetivos lançados, esta pesquisa delimitou-se a um estudo piloto com delineamento exploratório, estruturado por meio de um método quantitativo, que buscou elencar os estilos de aprendizagem de alunos que, por diferentes motivos, não estão acompanhando satisfatoriamente os conteúdos abordados em sala de aula.

Dos Participantes e Local da Pesquisa

Foram participantes desta pesquisa piloto 15 alunos de uma escola da Rede Regular de Ensino de uma cidade da Grande São Paulo. Dentre os alunos que formaram a amostra, 60% (N=9) são alunos do sexo feminino e 40% (N=6) do sexo masculino. A idade média dos alunos foi de 12 anos, porém, a faixa etária variou de 9 a 16 anos. Quanto à série em que estavam matriculados, 13,3% (N=2), estavam na 3ª série, 13,3% (N=2), na 4ª série, 26,7% (N=4), na 5ª série, 20% (N=3), na 6ª, 20% (N=3), na 7ª série, e apenas 6,7% (N=1), na 8ª série. Não apresentando, assim, diferença significativa entre as séries escolares pontuadas (χ20= 2,20; ngl= 5; p= 0,82).

Instrumentos

Para coleta de dados junto aos participantes, foram aplicados questionários compostos por 3 questões de caracterização geral dos alunos e 51 questões descritas por uma Escala "forçada" de Atitudes de Estilos de Aprendizagem, ou seja, não houve um ponto para atitudes "neutras" ou indefinidas quanto às preferências de aprendizagem. Desta forma, os participantes dispunham de duas alternativas para cada item: "concordo" e "discordo", que enfatizaram os diferentes fatores congruentes ao estilo de aprendizagem, de acordo com o modelo proposto por Rita Dunn18.

Vale ressaltar que o modelo citado acima corresponde a cinco fatores distintos que viriam a modelar os estilos de aprendizagem, no entanto, no presente trabalho, privilegiou-se apenas quatro destes fatores (Fatores Ambientais; Fatores Emocionais; Fatores Sociológicos e Fatores Físicos), como segue descrição das variáveis investigadas: Variáveis Demográficas (idade e seriação dos alunos); Variáveis Ambientais (ocorrência de barulho em sala de aula, luminosidade, temperatura, design apropriado); Variáveis Emocionais (Responsabilidade e estrutu-ração dos alunos frente às atividades escolares, motivação e persistência no processo de aprendizagem); Variáveis Sociológicas (preferência por estudar individualmente ou em grupos, necessidade de acompanhamento); Variáveis Físicas (preferência por período do dia, necessidade de ingerir alimentos durante a realização das atividades escolares, ausência de mobilidade ou passividade durante as atividades acadêmicas).

Procedimentos

De acordo com entendimento mantido com a Instituição Escolar, firmado com a entrega dos Termos de Consentimentos Livres e Esclarecidos aos participantes e responsáveis legais dos alunos, os questionários foram aplicados na própria escola, durante o período de aula. Vale ressaltar que alguns alunos necessitaram da ajuda integral da pesquisadora para responderem ao instrumento, mas que, em todos os momentos, a mesma posicionou-se imparcialmente frente à escolha das respostas.

Plano de Análise dos Dados

Foram empregadas provas de estatística descritiva e inferencial. Quanto a esta última modalidade de tratamento estatístico, foram utilizadas provas estatísticas de qui-quadrado, adotando-se um nível de significância de 0,05%, devido às características do objeto e da área estudada e do instrumento utilizado.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A compreensão de meramente "instrumentalizadora"8, como passou a ser considerada a Educação, com a concepção de processos fixos e invariáveis, com um conhecimento estático e acabado, contrapõe-se, ativamente, ao direcionamento para a formação e desenvolvimento global de seus educandos.

Desenvolvimento este que, cada vez mais, desconsidera os diferentes fatores envolvidos no processo de aprendizagem, sejam eles implícitos ou explícitos, mas que influenciam e respaldam diretamente o desenvolvimento de todo e qualquer aluno.

A inexistência de uma postura que contemple o aluno em seus diferentes aspectos torna-se evidente ao apresentar-se os resultados obtidos quanto à consideração atribuída pelos alunos aos Fatores Ambientais que permeiam o processo de aprendizagem por eles vivenciados (Tabela 1).

Pôde-se evidenciar, que as respostas pontuadas nos Fatores Ambientais, especificamente, a ocorrência de barulho/silêncio é considerada pela maioria significativa dos alunos (χ20= 5,40; ngl= 1; p= 0,02), principalmente pelos do sexo masculino, como um fator negativo ao processo de ensino-aprendizagem.

A organização de um ambiente mais ameno e silencioso pode facilitar o processo de ensino e aprendizagem, mas, não um silêncio imposto que exclua a possibilidade de diálogos intercorrentes entre os alunos em relação aos conteúdos abordados. Pois, apesar do avanço teórico das propostas inovadoras em relação aos projetos educacionais, com a consideração de distintos modelos de atuação profissionais21, as configurações básicas do sistema de formação e profissionalização dos professores parecem, ainda, enfatizar um modelo tradicional de considerar a organização dos alunos em sala de aula, impondo o silêncio e a passividade absoluta, ou ainda na rotulação constante de indisciplina, uma das principais causas e, conseqüentemente, motivo de exclusão de inúmeros alunos em nossas escolas.

Quanto à ocorrência ou não de claridade em sala de aula, outro aspecto considerado pela exploração dos Fatores Ambientais, quanto ao processo educacional, pôde ser constatado que 73,3% dos alunos pontuam a preferência de cortinas fechadas durante a realização das atividades escolares, considerando que o fator claridade em excesso não é positivo.

Um dos outros tópicos abordados se referiu à temperatura do ambiente como fator facilitador ou dificultador do processo de escolarização. Foi claramente constatado que, para a maioria significativa dos alunos (χ20= 4,57; ngl= 1; p= 0,03), as temperaturas quentes, como as do verão, comprometem o desenvolvimento acadêmico.

Assim, como o barulho ou o silêncio, a consideração ou não da claridade e das temperaturas ambientes, são outros fatores que não são devidamente considerados pelos professores. Os professores frente ao papel limitador de transmissão dos conhecimentos22 tendem, muitas vezes, a desconsiderar os fatores externos, inclusive os ambientais, tão necessários ao processo de aprendizagem.

Já o design apropriado para os alunos estudarem denota, de forma geral, a preferência dos participantes da pesquisa por estudarem sentados à mesa, mesmo que muitas vezes a posição cause incômodo ou cansaço. Em contrapartida, a possibilidade de estudar deitado em um sofá foi pontuada negativamente por 67,3% dos alunos.

Cada forma nova de se ensinar, cada conteúdo trabalhado, cada experiência particular só podem ser entendidos junto a um conjunto de circunstâncias que os tornem possíveis23. Circunstâncias estas que podem ser denominadas como ambientais e categorizadas, como anteriormente exposto, em aspectos sonoros, de temperatura, de claridade, assim como, a organização do espaço físico para a realização das atividades acadêmicas.

E são condições que, prioritariamente, dependem e envolvem a história de vida de cada aluno em suas interações, suas formações e necessidades, sua realidade específica, e sua relação constante, entre as experiências e saberes anteriores de todos elementos de sua vida cotidiana23 e, especificamente, educacional.

Já ao abordar-se o segundo grupo de aspectos que viriam a modelar os estilos de aprendizagem (Tabela 2), de acordo com a proposta fundamentada por este trabalho, foram enfatizados os fatores emocionais pertinentes ao aluno frente a seu desenvolvimento educacional.

Quanto aos fatores emocionais que permeiam o processo de ensino-aprendizagem, nos itens que buscaram identificar a estrutura e a responsabilidade dos alunos frente à organização de suas atividades escolares, pôde ser constatada diferença significativa entre as respostas que pontuavam a existência de organização independente frente a atividades escolares (χ20= 11,27; ngl= 1; p= 0,01), ficando claramente constatado que a maioria dos alunos pontua que sabem, de forma independente, organizar-se em suas atividades escolares, fato este, muitas vezes, desconsiderado pelos professores, que de forma rígida passam a manipular, mesmo que a pretexto de bons motivos, a organização própria deste aluno. Entretanto, apesar de a maioria significativa dos alunos ter pontuado saber se organizar sozinha, pôde ser constatado, nas demais questões, que nem sempre estes sentem-se à vontade para isso, ou ainda que assumir sozinho esta organização seja positivo no processo de ensino-aprendizagem.

Ao considerar-se os estilos de aprendizagem, especificamente, focados no ambiente escolar, uma das questões a ser, prioritariamente, levantada diz respeito à função da escola e da Educação no contexto social atual. A função da escola em nossos dias seria instruir e transmitir os conhecimentos, ou formar integralmente o aluno22. A compreensão primária dos estilos de aprender do aluno parte, fundamentalmente, da necessidade de elucidação deste embate atualmente vivenciado em nossas escolas.

Ao considerar-se a formação global do aluno, o papel do professor deve perpassar todos os aspectos emocionais configurados no processo de ensino-aprendizagem, seja a responsabilidade/irresponsabilidade em realizar as atividades, ou ainda a organização/desorganização dos alunos frente às atividades acadêmicas.

Não a instrumentalização, pela transmissão dos conteúdos, mas sim a formação social, pelo exercício de posturas e relacionamentos que sejam expressão de liberdade, da autenticidade e da responsabilidade, são atuações que devem ser consideradas na formação global de todo e qualquer aluno em nossas escolas24 .

Outra questão explorada diz respeito à motivação frente às atividades escolares, assim como, à persistência. Assim, pode ser evidenciado que a realização de atividades de leitura e escrita denota um certo cansaço para os alunos, mas que, aparentemente, é amenizado com atividades menos formais, como a possibilidade de leitura de revistas. Entretanto, um dos pontos a ser realçado é a concordância de 80% dos alunos com a realização de atividades mais práticas em sala de aula.

Um dos focos a ser discutido, quanto aos fatores emocionais, frente ao processo de ensino-aprendizagem, diz respeito à corrente compartimentalizadora que os currículos das escolas apresentam e desenvolvem junto ao aluno. Uma compartimentalização do saber e do exercício de poder da escola que são, muitas vezes, sustentados e intensificados pelo aparelho burocrático escolar, com a aplicação de fiéis instrumentos de reprodução do conhecimento (programas massificadores; livros-textos; diários de classe), e que, como resultado, acarretam um ensino fragmentado, que não aborda o contexto dos próprios alunos, focado em um cenário irreal, em que cada saber tem o seu lugar e não se comunica com os demais24.

A consciência da necessidade de um inter-relacionamento explícito e direto entre as disciplinas todas é um dos processos mais efetivos de superar um processo histórico de abstração, massificação e reprodução do conhecimento, que culmina com a total desarticulação do saber que nossos alunos têm o desprazer de vivenciar22. E que, conseqüentemente, vem a fundar um processo de ensino e aprendizagem calcado na falta de motivação e persistência, frente aos desafios e conteúdos educacionais.

Quanto aos fatores sociológicos, incidentes no processo de aprendizagem e descritos pela necessidade de atividades, seja individual, em duplas ou grupal, também explorados por este trabalho, puderam ser obtidos os seguintes resultados (Tabela 3).

Quanto aos tópicos pertencentes aos fatores sociológicos, que buscaram explorar se os alunos têm preferência por estudar sozinhos ou em grupo, puderam ser constatadas diferenças significativas em todas as questões que exploraram a preferência por atividades em grupos (χ20= 11,27; ngl= 1; p= 0,0l; χ20 =11,27; ngl= 1; p= 0,01; χ20 = 8,07; ngl= 1; p= 0,05), ou seja, a maioria significativa dos alunos atribui que o rendimento escolar é melhorado quando realizadas atividades em grupo em sala de aula.

Constatada a preferência pelas atividades em grupos, uma das questões centrais a ser considerada diz respeito à inovação do currículo acadêmico, com atividades que contemplem uma aprendizagem grupal satisfatória. Inovar metodologicamente é trazer ao universo acadêmico outros saberes contextualizados para o aluno23, que articulados aos anteriores criam os efetivos processos de aprendizagem. Esses saberes oferecem novos caminhos que interferirão nas redes de saberes, indistintamente, de cada aluno, sempre de modo singular e particular, mas com certeza modificando cada uma dessas redes.

A compreensão do rompimento de formas tradicionais de análise dos fenômenos, ressaltando que o estudo de aspectos isolados da vida não é coerente, uma vez que o sujeito deve, necessariamente, ser considerado em sua totalidade, com a devida articulação de aspectos internos e externos em relação à sociedade em que vive, realçando assim a historicidade das relações humanas25, torna-se, atualmente, uma das necessidades para a tão esperada qualificação da Educação em nosso país.

Os discursos objetivos e legais referentes à Educação se tornam muito transparentes quanto ao caráter formativo atribuído à "prática educativa". Fazem parte deste mesmo discurso formalizador, concepções como: desenvolvimento, intelecto, psíquico, emocional, cidadania, identidade, diversidade, diferença, entre outros, mas que ao serem, cotidianamente, acompanhados em nossas escolas, traduzem-se em práticas vazias e confusas, que não apenas contrapõem-se aos objetivos, como vêm refletindo sua face mais cruel, seja pelos altos índices de evasão escolar, repetência, indisciplinas e, conseqüentemente, exclusões9.

E como descrito anteriormente, a face cruel de nossas escolas (repetências, exclusões, evasão, indisciplinas entre outros aspectos) parece incidir na inexistência de compreensão da singularidade de particularidades dos alunos frente ao processo de ensino e aprendizagem. E assim como os fatores ambientais, emocionais e sociológicos, um outro fator também desconsiderado pelos professores refere-se às necessidades físicas dos alunos no processo de aprendizagem (Tabela 4).

Ao abordar-se a organização do aluno, quanto às atividades escolares, em relação à preferência pelo período do dia para estudar, pode ser constatada um discordância significativa pelo período noturno, e apenas um aluno do sexo masculino (16,7%) pontua a possibilidade de estudar neste período satisfatoriamente.

Já as questões que buscaram explorar a necessidade física de alimentação, durante as atividades escolares, denotam que a vontade de comer não é extremada com a necessidade de pausar as atividades. Pode ser evidenciada até a existência de fome (principalmente entre as alunas do sexo feminino), mas que não foi, diretamente, um fator negativo incidente na realização das atividades escolares.

Com relação às questões que buscaram identificar os estilos dos alunos frente à mobilidade ou à passividade na realização das atividades escolares, evidenciou-se, na maioria dos casos (80%), a necessidade de movimentação na realização de tais atividades.

E assim, novamente, as necessidades de reformulação das atividades escolares, com a contextualização dos conteúdos a serem assimilados pelo aluno, não mais focados em uma vertente de controle e massificação, calcados pela disciplinarização como mecanismo de controle sobre o aprendizado, e também sobre o próprio aluno, torna-se latente em nossos dias22.

Porém, vale lembrar que a disposição cartográfica de uma sala de aula, atualmente adotada em nossas escolas, é sempre estratégica para que o professor possa dominar os alunos, frente à concepção de que a Educação está associada ao domínio, trazido pela marca do exercício do poder que deve ser sofrido e introjetado pelo aluno22.

Desta forma, um número cada vez mais considerável de alunos busca romper com esta massificação e formatação, há muito pregada pela Educação e pelos mecanismos escolares. No entanto, são alunos que, de uma forma, ou de outra, serão excluídos e permanecerão à margem da escolarização.

E, mais uma vez, a fragmentação, padronização e a impermeabilidade da Educação e de seus profissionais quanto aos estilos de aprendizagem, cedem lugar aos cruéis índices de dicotomias, segregação e estereotipia, fundantes na história de nossas escolas.

A necessidade do desenvolvimento de uma política educacional que, realmente, oficialize uma ação educativa embasada nas construções e singularidades, deve abranger não só o reconhecimento das diferenças, mas, fundamentalmente, explorar, avaliar e questionar o processo de construção da identidade, reconhecendo e focando, constantemente, a "diferença da multiplicidade"10 de todos os agentes humanos envolvidos.

Desvincular-se da política educacional, com seus inúmeros planos e projetos, formados por base em diagnósticos a priori realizados, com objetivos e metas preestabelecidas, com mecanismos de atuação26, considerando assim seus alunos em posição não de construtores ativos, mas sim de passivos, é resgatar a construção do aluno, redimensionar sua história de vida, seus valores, suas aspirações e significações frente e contra suas próprias construções de aprendizagem10.

Impulsionar a mudança de paradigma, vivenciado nas instituições escolares, é buscar a reconstrução da Educação e do processo educativo, não como foco exclusivista, mas sim como trajeto de inclusão e mudança do macrossistema social. No entanto, acredito que, mesmo frente aos inúmeros impasses, o processo de qualificação escolar é uma necessidade e uma possibilidade, que apenas se fará realidade quando a escola, efetivamente, assumir sua mudança e transformação para o futuro, preenchendo o abismo educacional há muito calcado, objetivando a "implementação de uma escola de qualidade, igualitária, justa e acolhedora para todos"12.

 

CONCLUSÕES

A crise educacional que atravessa e enrijece as escolas frente às propostas inclusivas, com a desestabilização e rompimento de ações educacionais já há muito desenvolvidas, deve ser assumida como, extremamente, propícia para o desenvolvimento de novas práticas reflexivas, no direcionamento e na busca de novas certezas e posturas, de novas ações, que sejam compatíveis não só aos tão divulgados aspectos legais e jurídicos que respaldam a ação educacional, mas que sejam, fundamentalmente, direcionadas a todo e qualquer aluno.

Direcionar nossas instituições escolares ao encontro dos fatos complexos, que as regulamentações, orgulhosamente, asseguram, é construir uma nova vertente de atuação. Inovar de forma complexa a Educação é, prioritariamente, repensar seus conteúdos e programas de acordo com as mudanças econômicas, sociais e políticas, é, acima de tudo, redefinir critérios de seleção e organização dos saberes escolares, mudar concepções, desenvolver nos professores e nos alunos a consciência crítica, para que possam questionar e compreender o conhecimento e o processo de aprendizagem tido como oficialmente válido.

É, acima de tudo, enfatizar as motivações e as determinações, os interesses sociais, políticos e ideológicos que configuram a construção social da Educação e de nossas escolas, dos conteúdos que transmite, dos paradigmas que emprega. O redirecionamento crítico da Educação nos remete às relações de educação e sociedade, às estruturas de poder, de reprodução e de exclusão. Alertando-nos para o fato de que o conhecimento escolar não deve ser uma reprodução neutra da realidade, mas que deve estar, necessariamente, a serviço de todos, sobretudo, dos excluídos.

Para tanto, a consideração dos estilos de aprendizagem, com a inclusão e respeito de todo e qualquer aluno, só virá de fato ser impulsionada quando forem revistas as demarcações teóricas e práticas, delimitadas pelas políticas educacionais, quais suas carências e deficiências, quanto aos seus históricos métodos, procedimentos e objetivos.

E, assim, torna-se latente um redirecionamento que parta, fundamentalmente, da consideração dos próprios agentes humanos envolvidos, ou seja, que reconsidere os próprios alunos, suas condições de concentração, absorção e processamento do conhecimento, e seus próprios estilos de aprendizagem, para que, de fato, sejam incluídos e considerados no processo de ensino e aprendizagem oferecido por nossas escolas.

 

AGRADECIMENTO

Ao CNPq pelo apoio financeiro oferecido que possibilitou a conclusão desta pesquisa.

 

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Correspondência:
Claudia Gomes
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E-mail: claudiagomes.psi@ bol.com.br

Artigo recebido: 15/3/2006
Aprovado: 28/6/2006

 

 

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP.

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