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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.23 no.71 São Paulo  2006

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Os neurobiomecanismos do aprender: a aplicação de novos conceitos no dia-a-dia escolar e terapêutico

 

The neurobiomechanisms of learning: the use of new concepts at school and therapeutic setting

 

 

Ana AlvarezI; Ivana de Carvalho LemosII

IFonoaudióloga graduada Ana Alvarez; Ivana de Carvalho Lemospela Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo -UNIFESP; Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP
IIArquiteta graduada pela Faculdade Brás Cubas de Mogi das Cruzes; Acadêmica de Psicologia - Faculdades Metropolitanas Unidas.

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é fornecer informações, a partir de um quadro interdisciplinar de áreas ligadas à aprendizagem, que facilitem e aperfeiçoem a tarefa dos educadores e terapeutas no seu dia-a-dia. Partindo de noções da psicologia do desenvolvimento e da neurociência e somando-as com as da fisiologia, pedagogia e anatomia, desenvolve-se o tema com o intuito de somar esses saberes para que o aprender seja mais abrangente, compreensivo e instigante, tanto para aquele que ensina quanto para o aprendiz. Pretende-se, aqui, agregar conhecimento de diferentes áreas relacionadas aos processos neuropsicofisiológicos do homem, a fim de facilitar tanto o ensino quanto a aprendizagem, aproximando afetivamente alunos e professores, terapeutas e pacientes, companheiros no mesmo processo.

Unitermos: Aprendizagem. Cérebro. Percepção.


SUMMARY

The purpose of the present paper is to provide information related to distinct areas linked to learning processes, in order to improve the day-by-day practice of clinicians and education professionals. The work was developed upon the use of the knowledge from a variety of areas ranging from developmental psychology, neuroscience and physiology to education and anatomy, aiming to instigate and deepen the knowledge of the student/client and his/her teacher/therapist. Gathering the knowledge from different areas related to the neuropsychophysiological processes of mankind will promote learning and education and make students and teachers, therapists and clients, companions of the same process, closer.

Key words: Learning. Brain. Perception.


 

 

"A urgência em tomar decisões colaborativas sobre o meio ambiente mundial, a tecnologia e os recursos naturais irão nos compelir a novas maneiras de trabalhar conjuntamente. A organização tribal deve dar lugar à global... Pessoas de todos os lugares vão ter que se exigir muito mais. Para o futuro, quem quiser ser brilhante deve ser guiado pela luz do aprendizado, a verdadeira Tocha" 1.

(W.A. Henry III , p.29)

Aprender, aprender. Passamos a vida aprendendo. Aprendendo a falar, a andar de bicicleta, a ler, a escrever, a contar, a memorizar a tabuada, a falar inglês, a ter idéias. Quase todos nós crescemos ouvindo que todos os acontecimentos da vida ensinam algo2 e que devemos estar alertas e motivados a aprender, aprender sempre.

Afinal, como se aprende alguma coisa? Aprender é um processo constante e ininterrupto, embora as janelas de oportunidade ofereçam momentos da vida facilitadores para certo tipo de aprendizagem, se aprende a todo instante. Aprender significa agregar novas informações à nossa memória.

A aprendizagem não é uma simples absorção passiva de conteúdos. Para que ela se concretize é preciso a interação de uma rede de complexas operações neurofisiológicas e neuropsicológicas que associam, combinam e organizam estímulos fornecidos pelo meio e a eles dêem as respostas mais adequadas, assimilações e fixações que possibilitem futuras evocações3.

Além da contribuição do meio ambiente para a aprendizagem, devem-se considerar os processos cognitivos internos, isto é, como o indivíduo elabora os estímulos recebidos, sua capacidade de integrar informações e processá-las, formando uma complexa rede de representações mentais, que possibilite a ele resolver situações problema, adquirir conceitos novos e interpretar símbolos diversos.

As emoções são componentes essenciais ao funcionamento cognitivo e à aquisição de conhecimento. Uma situação de aprendizagem estimulante e motivadora tende a ser mais eficaz, sobretudo para as crianças. O intercâmbio de estímulos é essencial para a aprendizagem. Defende-se uma visão integradora de aprendizagem, onde o conhecimento é produto da interação entre o homem e sua vivência de realidade, o mundo dos estímulos.

Muitos estudaram o processo de aprendizagem, entre eles: Erikson, Piaget, Vygotsky, Bronfenbrenner, Bandura, cada qual dando ênfase a um aspecto.

Erikson, aluno de Freud, desenvolveu a teoria psicossocial de desenvolvimento. Nela, temos já uma visão de que o desenvolvimento se dá em todas as fases da vida. Piaget estudou os estágios do pensamento, que resultam das mudanças nas teorias que as crianças fazem sobre o mundo; as crianças agregam novas informações às hipóteses que elas já tinham formulado. Vygotsky salientou o papel dos pais e outros adultos na interação com a criança para a transmissão de cultura de uma geração a outra. Bronfenbrenner afirmou que o desenvolvimento se dá num contexto de sistemas interligados, desde o microssistema (pais, irmãos e adultos próximos à criança), até chegar ao macrossistema (culturas e subculturas de um povo), passando pela escola, mídia, etc. Bandura defendeu a teoria social cognitiva, onde a criança interpreta ativamente os acontecimentos. Ele enfatizou a importância da observação e da modelagem dos comportamentos, que refletem nas atitudes e respostas emocionais. Para Bandura, os processos que compõem a aprendizagem por observação são: a atenção, que pressupõe tanto a clareza dos estímulos quanto a motivação do aprendiz; a retenção, que acontece por meio da codificação simbólica; a organização cognitiva, isto é, os ensaios simbólico e motor; a reprodução motora, que inclui capacidades físicas, auto-observação da reprodução e exatidão do retorno; e a motivação, que agrega o reforço externo e o individual.

Os estágios de desenvolvimento psicossocial de Erikson abrangem a vida toda. Nas vivências em cada fase da vida, o indivíduo captará o mundo externo como acolhedor ou agressivo, dependendo de como suas necessidades internas são bem ou mal resolvidas.

Se o bebê é bem alimentado pela mãe nos seus primeiros meses, está sempre limpo e mantém com os adultos um bom contato, desenvolverá um sentimento de confiança básica no mundo. Verá o mundo como um lugar bom. Caso contrário, verá o mundo com reserva e passará a sentir desconfiança básica em relação ao mundo. Assim se dão para Erikson todas as etapas de desenvolvimento. A cada etapa um desafio a ser enfrentado, e a cada sucesso, uma maior autonomia e confiança para enfrentar novos desafios (Tabela 1).

Piaget, observando o desenvolvimento de crianças, principalmente dos seus filhos, dividiu a aprendizagem em estágios (Tabela 2). Observou o que elas eram capazes de executar, como interagiam com as informações externas que lhes chegavam transformando o modo como viam o mundo.

Piaget considerava fundamental para o bebê a noção de permanência dos objetos, isto é, que ele pudesse entender que um objeto existia independentemente dele e de suas ações. Ele dizia que, entre um e quatro meses, a criança acredita que os objetos passam a não existir a partir do momento em que somem de suas vistas. Aos oito meses, o bebê procura os objetos, mas ainda não tem uma completa noção da permanência dos mesmos. Entre os oito e os 10 meses, ao ver um objeto ser escondido embaixo ou atrás de alguma coisa, vai procurá-lo. Nesse momento, sabe-se hoje, se iniciam as primeiras codificações da informação na memória operacional ou memória de trabalho. Piaget defendeu que aos 10 meses o bebê tem uma compreensão fragmentária do objeto, pois não diferencia este das ações que emprega para encontrá-lo. Só em torno de 18 meses, o bebê parece adquirir plena compreensão da permanência do objeto. Considera-se que seja a partir daí que as informações sejam codificadas de maneira mais estável na memória de trabalho.

Hoje, se sabe que o feto com 27 semanas se acostuma a sons, tonalidades e entonação da língua materna. O feto ouve, no útero da mãe, não só o bater de seu coração, os sons de seus órgãos em funcionamento, mas também a voz da mãe. Os outros sons do ambiente, no progresso da gestação, vão passar a se incorporar aos conteúdos que o feto pode ouvir. Aos quatro dias de nascido, o bebê pode não só reconhecer a voz de sua mãe, como também demonstra preferência em ouvir a língua materna, talvez pelo fato de que esta já lhe ser familiar.

Aprende-se desde o útero materno e se tem a capacidade de aprender sempre porque o cérebro humano se adapta, estabelecendo novas conexões neuronais a cada nova aprendizagem. Se, já adulto resolvermos aprender a tocar um instrumento musical por exemplo a plasticidade neural fará com que novos caminhos sejam trilhados por meio de novas conexões entre neurônios que permitirão a aprendizagem de conteúdos novos a qualquer momento da vida. Comprovação científica do que instintivamente Erikson já pregava ao dizer que diferentes estágios da vida moldavam o indivíduo, mesmo que este atingisse a maturidade.

Assim, se o indivíduo se dispuser, a qualquer momento da vida, a novas aprendizagens, como dançar tango, jogar tênis ou aprender uma língua estrangeira, estará modificando estruturalmente seu cérebro com tais experiências novas.

No entanto, nasce-se com o mesmo número de neurônios que se terá durante a vida; se a pessoa for saudável não perderá neurônios em tempo algum. Na adolescência, porém, as sinapses diminuem de intensidade e a camada de mielina, espécie de gordura que envolve axônios e dendritos, engrossa definitivamente, facilitando a comunicação elétrica de informações neuronais. Regiões pré-frontais do cérebro, sua parte nobre, amadurecem. O lobo pré-frontal é responsável tanto pela intercomunicação cerebral como pelo que se tem de humano, como: comportamento, julgamento, planejamento, execuções complexas; tudo isso amadurece nessa fase da vida. Entre os mamíferos, mesmo comparado aos chimpanzés, o homem é o ser que mais desenvolveu o lobo pré-frontal. Essa região desenvolvida é o que se tem de mais humano.

Pedagogicamente, a motivação, o envolvimento entre o aprendiz, o professor e o conteúdo, a compreensão do funcionamento cerebral, são fundamentais para que se garanta uma aprendizagem ágil e eficiente.

Aprender coisas novas, ligar as informações novas com as já guardadas na memória, relacionar umas às outras, tirar novas conclusões, tudo isso só é possível graças à capacidade de memorização e de interface entre informações, o que ocorre por um processo neurobioquímico, sináptico, no sistema nervoso do ser humano.

O que é e como funciona o sistema nervoso do homem? O sistema nervoso humano é formado por uma estrutura tubular que tem uma porção dilatada, o encéfalo ou cérebro, ou sistema nervoso superior, que continua num cilindro formando a medula espinhal. Esse sistema é protegido pelos ossos do crânio e da coluna vertebral. O sistema nervoso é constituído por tecido nervoso, cujas células se chamam neurônios. Estes possuem grande capacidade de condutibilidade elétrica, o que lhes possibilita perceber e reagir a estímulos, tanto do meio ambiente quanto do próprio corpo, a propriocepção. A comunicação entre neurônios é muito eficiente e se dá por meio de sinapses, fenômeno eletroquímico de transmissão de informações neuronais. O ser humano tem cerca de 100 bilhões de neurônios espalhados por todo o corpo.

Por 600 milhões de anos, durante a sua evolução como espécie, o ser humano desenvolveu seu sistema nervoso, tornando-o cada vez mais complexo. No estágio mais primitivo de desenvolvimento, o sistema nervoso dá respostas muito simples, rápidas, aos estímulos - são os reflexos, circunscritos ao corpo, como batimento cardíaco, pressão arterial, respiração, coisas que o indivíduo faz mesmo dormindo ou inconsciente. Circuitos mais recentes elaboram comportamentos instintivos simples, como comer, beber, caçar ou acasalar-se, as necessidades mais primitivas do homem, para a sobrevivência como indivíduo e como espécie. Como em todos os mamíferos, o homem possui a riqueza do comportamento emocional e social, num processo ainda mais recente historicamente, se emociona, fica raivoso, procura proteger a prole; muitos animais formam casais. Finalmente, o que caracteriza apenas o ser humano é a sua capacidade de elaboração cognitiva dos eventos, permitindo diversa gama de atribuição de significados e consecutivas respostas. Reflexo, instinto, emoção e intelecto estão organizados hierarquicamente, cabendo à medula espinhal e ao tronco encefálico os reflexos e os instintos, enquanto que ao cérebro cabem elaborações afetivas e cognitivas.

Uma criança, porém, não nasce com sua capacitação cerebral completa, apesar de já possuir todos os neurônios que terá na fase adulta; o sistema nervoso amadurece até a adolescência, mudando estrutural e funcionalmente. Seu sistema nervoso amadurece diferentes funções em etapas de crescimento. Há períodos críticos de aprendizagem de certas funções. Esses períodos críticos são as chamadas janelas de oportunidade. A aprendizagem da língua materna ou estrangeira, da música, de conceitos matemáticos, de funções sociais ou de papéis familiares é mais eficaz em diferentes etapas, estudadas por Jean Piaget. A longa infância do ser humano permite a este uma plasticidade e complexidade de comportamento incomparáveis.

Durante a adolescência, o cérebro humano se modifica, se reestrutura. Apesar de o cérebro adulto ser muito maior que o do bebê, acredita-se que não haja aumento no número de neurônios, eles se mantêm em número. O que se altera é sua conformação e atuação, mesmo que haja renovação constante de neurônios no bulbo olfatório e no hipocampo, o número de neurônios não aumenta, suas conexões se tornam mais complexas.

O bulbo olfatório se situa internamente, na região superior das fossas nasais. É considerado um pedaço do cérebro fora do cérebro. Quando se sente o odor de algo, em apenas uma sinapse, já se é capaz de interpretar a informação. É o sentido humano mais eficiente; acredita-se que o olfato tenha tido importante papel na sobrevivência do homem no planeta, tanto quando o homem caçava como quando era caçado.

O hipocampo juntamente com as amígdalas cerebrais têm importante papel na eficiência de memória operacional do ser humano, centro responsável pelo processo cognitivo de fixação e evocação4.

Recentemente, tem-se descoberto que o cérebro adolescente sofre uma reorganização em sua estrutura capaz de afetar sua capacidade de trocar sinais entre neurônios. Acredita-se hoje que o comportamento adolescente seja mais influenciado por essa reestruturação cerebral do que pelas descargas hormonais que ocorrem nessa fase. Sabe-se atualmente que tanto os pais quanto os educadores podem exercer influência na reestruturação cerebral adolescente, quer para o bem, quer para o mal. Ainda há tempo para reparar danos quando as crianças não puderam absorver toda a informação necessária em sua etapa própria de desenvolvimento, ou quando ainda não adquiriram comportamento adequado ao ambiente na infância.

Entende-se que no córtex cerebral da criança vá aumentando a cada dia o número de conexões que um neurônio faz com outros. Um único neurônio pode conectar-se a 1 até a 100 mil outros neurônios, percorrendo caminhos diferentes. Na adolescência, entretanto, o número de sinapses atinge seu ápice. As sinapses que são muito usadas são fortalecidas; as negligenciadas, eliminadas. Essa é uma grande notícia da neurociência. É possível aproveitar esse momento de reorganização neuronal para fortalecer caminhos sinápticos e reforçar a aprendizagem. Tem-se uma segunda chance na adolescência, tudo graças às possibilidades que esse novo cérebro pode proporcionar de se reorganizar, a plasticidade cerebral. Esses caminhos são fortalecidos ou enfraquecidos pelo uso, pelo treino nos mais variados campos do saber.

Pode-se inclusive dizer hoje, à luz das descobertas da neurociência, que é o crescimento do cérebro, e não as descargas hormonais intensas, o maior responsável pela instabilidade do comportamento adolescente. É na adolescência que o cérebro infantil se transforma em cérebro adulto, modifica-se tremendamente. Para que o cérebro se desenvolva nessa fase, é preciso que haja certo acúmulo do teor de gordura corporal na puberdade. As aptidões de crescer corporalmente e amadurecer sexualmente exigem forte gasto energético dos adolescentes; é preciso haver gordura acumulada para esse fim.

A neurociência comprova o que Piaget dizia. É por volta da adolescência que se estabelece o raciocínio abstrato; os jovens deixam de pensar apenas no concreto e se capacitam a criar situações hipotéticas, imaginárias e abstratas. O amadurecimento, tanto em forma como em estrutura do córtex pré-frontal, propicia esse salto intelectual. O raciocínio abstrato parece estar intimamente ligado ao córtex pré-frontal5.

A memória de trabalho, um capítulo à parte. Desde muito cedo se aprende com o auxílio da memória de trabalho. Segundo Patrícia Goldman-Rakid, ela se desenvolve fortemente entre o oitavo mês e o primeiro ano de vida, quando o bebê vai ao encontro de um objeto que ele viu ser escondido. Até os sete meses, se um brinquedo some da vista de um bebê, ele perde imediatamente o interesse pelo objeto. Entre sete e nove meses, o bebê consegue manter na mente o brinquedo por até cinco segundos quando colocado fora de sua vista. Aos 12 meses, o bebê retém a memória do objeto em torno de 10 segundos. Nos primeiros anos de vida, a informação da memória de trabalho é passada cada vez mais eficientemente para a memória de longo prazo. Em torno de quatro anos, a criança é capaz de trabalhar com uma memória capaz de reter o objeto, mesmo que fora de seu campo visual por longo tempo.

A memória de trabalho totalmente desenvolvida permite que o comportamento da criança seja guiado não só pelos objetos do mundo externo, mas também pelos objetos de seu mundo interno. Ela é capaz de pensar no que deseja ser quando crescer, como se sente, expressar seus sentimentos. Outra habilidade que a memória de trabalho possibilita é que, mantendo os objetos internos em foco, a criança possa orientar seu comportamento, apesar de distrações ambientais ou desejos de fazer o oposto ao planejado. A memória de trabalho permite ao indivíduo flexibilidade, liberdade de escolha e controle sobre seu comportamento, habilidades que só se acentuam na adolescência.

É a memória de trabalho que permite ao adolescente fazer escolhas partindo de inúmeras possibilidades, direcionar seu comportamento no sentido de conseguir alcançar seu objetivo. Conexões neuronais fortalecidas e mais eficientes, mantendo apenas as sinapses necessárias, são os mecanismos que o cérebro humano encontra na adolescência de se tornar mais ágil. Esses caminhos mais utilizados tornam mais acurado e eficiente o processo que transforma sensação em percepção e a conseqüente tradução dessa informação em memória de trabalho6.

Como um indivíduo capta sensações sobre o mundo? Ora, pelos órgãos sensoriais, claro. Costuma-se dizer que o homem tem cinco órgãos dos sentidos: visão, audição, gustação, olfato e tato. Num estudo mais acurado e atual, entendendo que se sente não só o que se passa no meio ambiente, como também o mundo interno, podem-se classificar os órgãos dos sentidos, entre outras formas, pela localização do estímulo, agregando também a esses primeiros cinco sentidos o somestésico e o vestibular. Diz-se, hoje, com mais propriedade, que o ser humano tem sete órgãos dos sentidos7.

Se os estímulos chegam do meio ambiente, classificam-se os sentidos como exteroceptores, pois captam energia incidente externa ao corpo. Os exteroceptores se dividem em teleceptores e proxiceptores. Se distantes, como visuais, auditivos e olfativos são chamados de teleceptores; se próximos, como os estímulos gustativos, olfativos, cutâneos, de dor ocasionada por ferimento externo e temperatura, chamam-se proxiceptores. Interoceptores são os sentidos capacitados a perceber o estado interno de corpo, como fome, sede, apetite sexual, febre e dor em alguma parte do corpo. Há, nesse caso, alterações orgânicas provenientes de substâncias do organismo, como sais minerais, taxas de oxigênio, de gás carbônico e hormônios que permitem essas sensações. Os proxiceptores ficam encarregados de informar ao indivíduo sobre seu movimento, postura, e correspondem aos receptores do sistema somestésico. Já o equilíbrio corporal é sentido pelo sistema vestibular.

Também se podem classificar os sentidos quanto ao tipo de energia proveniente do estímulo que incide sobre o indivíduo: quando é luz, são fotoceptores presentes na visão; quando é pressão, são os mecanoceptores importantes na audição, tato, cinestesia e vestibular. Os termoceptores são responsáveis pela sensação de temperatura, se faz frio ou calor, estão na pele; os quimioceptores são sensações que se podem captar a partir de substâncias químicas presentes no ar - possibilitam a olfação e a gustação; o gosto do alimento é também ligado ao odor do mesmo. Os nociceptores indicam a sensação de dor ou desconforto proveniente do contato com qualquer elemento que seja nocivo; seja de ordem química, de pressão ou de mau funcionamento dos órgãos internos do indivíduo. As funções orgânicas regulam a necessidade de nutrição, hidratação, o teor hormonal e de oxigenação necessários a cada instante8.

As percepções, absorvidas pelo ser humano como sensações pelos órgãos dos sentidos e posteriormente interpretadas pelo cérebro juntamente aos pensamentos e memórias, são transmitidas às diferentes áreas do sistema nervoso por meio dos neurônios, as células nervosas. Os neurônios são células alongadas que se assemelham a pequenas árvores compostas por três partes: um sistema de raízes, os axônios, o corpo celular, e as suas ramificações, os dendritos. Os neurônios trocam informações por meio de substâncias químicas, os neurotransmissores, que ficam armazenados num pequeno espaço existente entre eles - a fenda sináptica.

Alguns neurotransmissores são vitais para a aprendizagem. Entre eles, a acetilcolina tem mostrado ser o mais importante para as funções cognitivas9. Pessoas com baixos níveis de acetilcolina apresentam dificuldades de concentração e problemas de memória. Sabe-se que funções complexas como memorizar e aprender, por exemplo, acontecem mais intensamente em algumas regiões do sistema nervoso e parece existir entre elas uma complexa coordenação. Para melhor entender esses processos, é necessário conhecer-se o sistema nervoso humano e a maneira pela qual funciona.

Pode-se dividir o sistema nervoso central em três grandes partes: o tronco encefálico, o cerebelo e o cérebro (Figura 1). A medula cerebral é um prolongamento que também integra o sistema nervoso central e percorre a coluna espinhal. O tronco encefálico está localizado logo acima da coluna vertebral e é especializado na atenção, na condução das informações sensoriais e no controle de padrões ditos automáticos, como a respiração e os batimentos do coração.

 

 

O cerebelo está localizado aproximadamente na base da nuca, logo atrás do tronco encefálico, sendo a este conectado, e é responsável pelo mapeamento do espaço ao redor do indivíduo, pela coordenação motora e pela memória para movimentos.

O cérebro humano é composto por duas semi-esferas: o hemisfério direito e o esquerdo, os quais mantêm conexões recíprocas para a troca de informações (Figura 2). O maior feixe de conexões é o corpo caloso, que liga regiões de um hemisfério às suas contralaterais homólogas. A camada exterior de revestimento é chamada de córtex10 e é extremamente enrugada e plena de circunvoluções, o que lhe confere uma área bastante extensa. Esta camada é a central racional do homem, onde as informações são codificadas e os pensamentos acontecem. O córtex cerebral e cerebelar são formados apenas pelo corpo neuronal, responsável pela interpretação de informação, substância cinzenta, pois não é impregnada de mielina. Já os axônios e dendritos são mielinizados e, por isso, chamados de substância branca, responsáveis pela circulação de informação.

 

 

Cada tipo de habilidade ou de comportamento pode ser mais bem relacionado a certas áreas do cérebro em particular. As regiões posteriores do córtex, os lobos occipitais, são mais especializadas para a visão; as regiões laterais, os lobos temporais, para audição e linguagem; as partes superiores, os lobos parietais, são responsáveis pelo tato, por informações somestésicas, e as áreas situadas na parte anterior, isto é, a parte anterior dos lobos parietais e os lobos frontais, estão mais bem relacionadas a funções motoras e planejamento e execução de comportamentos complexos.

Há uma diferença entre as funções dos dois hemisférios: para a maior parte das pessoas, o hemisfério esquerdo é dominante para o processamento verbal e aspectos cognitivos da linguagem, e o hemisfério direito, para o processamento da informação não-verbal e para a percepção de formas e direção. A dominância cerebral é cruzada para a visão, audição, funções motoras e percepção somática11. O cruzamento de informações cognitivas se dá por meio do corpo caloso.

No cérebro também está o sistema límbico, situado no topo do tronco encefálico e, muitas vezes, chamado de "cérebro emocional". O sistema límbico, além de ser o centro de interpretação da vida emocional do homem, é importante para a memória, pois nele se encontram o hipocampo e a amígdala cerebral, estruturas onde grande parte do processo de memorização acontece. O hipocampo é responsável pelo processamento dos conhecimentos formais sobre o mundo e pelo armazenamento das memórias recentes12. A amígdala tem sido associada ao processamento das memórias carregadas de emoção. De certa forma, o cérebro pode ser visto como um conjunto de especialistas cooperantes.

Todos os educadores vivem, aprendem e ensinam num novo tempo, a era da informação e da emoção. Um tempo em que há uma grande fusão de disciplinas diferentes entre si, como a anatomia, a fisiologia, a embriologia, a psicologia, a psiquiatria, a neurologia, a neurocirurgia e a bioquímica, que têm como objetivo estudar o desenvolvimento e o funcionamento do sistema nervoso de uma maneira interdisciplinar.

Como resultado dessa interação, pode-se chegar a uma compreensão coesa e abrangente acerca do desenvolvimento e do funcionamento do cérebro e de suas implicações no cotidiano escolar e terapêutico, ou seja, sobre como tarefas específicas alcançam objetivos programados e vice-versa.

Truque para turbinar a aprendizagem: uma das maneiras de tornar o aprendizado agradável à criança é tornar mais concretas suas dúvidas. Por exemplo, se houver uma pergunta sobre como algo funciona, é prazeroso para a criança ver como o adulto se interessa pela questão, procurando formas de solucioná-la de forma concreta. É possível levar a criança a visitar um zoológico e aí aproveitar para introduzir conceitos de biologia, geografia, por exemplo. Num passeio ao supermercado, a criança poderá aprender conceitos matemáticos, treinar a leitura, além de aprender como as relações sociais acontecem num ambiente público, e o valor do dinheiro13.

É claro que esse tipo de ensino, onde o professor não é agora o detentor do saber, mas um mediador para a criança entre conhecimento e aprendizagem, exige maleabilidade, criatividade e constante investigação por parte do profissional do ensino, além de seu interesse pelos conteúdos de que os alunos já são capazes de tratar por aprendizagem anterior, em casa, com seus pais e irmãos, e o que eles podem aprender durante o ano escolar.

O professor deve perceber que todo material pode colaborar para a aprendizagem da criança. Ela pode aprender com o conteúdo de saquinhos de supermercado, latas, revistinhas, fazendo compras, andando de metrô, tanto quanto com livros. Ela pode aprender a cultivar legumes, cozinhar, pintar, cantar, tricotar ou tocar um instrumento. São todas atividades cognitivas que vão exigir diferentes processos neuronais e trabalho de áreas cerebrais diversas.

A motivação intrínseca da criança à aprendizagem deve ser incentivada pela apresentação de novos materiais de aprendizagem, pela valorização dos conteúdos que o aprendiz já possui antes de ingressar à escola, assim como pelo envolvimento do professor com os conteúdos e dúvidas apresentados. É assim que o professor torna-se o parceiro-cúmplice do aluno - pelo prazer da aprendizagem - incentivando-o a procurar sempre as soluções de suas dúvidas para encontrar sempre outras novas dúvidas.

 

REFERÊNCIAS

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13. Welzien S. Soltando as amarras. Viver Mente & Cérebro 2006;162:96-7.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Ana Alvarez
Rua Afonso Brás, 525, cj. 102 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3842-5400 - Fax: (11) 3842-4957
E-mail: ana@anaalvarez.com.br

Artigo recebido: 24/04/2006
Aprovado: 31/05/2006

 

 

Trabalho realizado no consultório privado da autora.

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